Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4483/09.5TBGMR-A.G1
Relator: MARIA DA CONCEIÇÃO SAAVEDRA
Descritores: APOIO JUDICIÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I- A decisão da entidade administrativa sobre o pedido de protecção jurídica, seja ela expressa ou tácita, não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo apenas susceptível de impugnação judicial nos termos dos artigos 27 e 28 da e Lei nº 34/2004, de 29.7;
II- Não tendo a apelante/Ré impugnado judicialmente a decisão que a si respeitava naqueles termos e levantando a questão directamente junto do Tribunal a quo, a quem competiria apreciar, de forma irrecorrível, em tal matéria através da impugnação judicial, não pode a mesma suscitar a questão por meio de recurso junto desta Relação. Doutro modo, a Ré obteria nesta instância decisão sobre matéria que a mesma jamais poderia ser chamada a decidir em condições normais por via de recurso;
III- Assistindo à apelante/Ré o direito de acesso aos tribunais consagrado no art. 20 do nosso Diploma fundamental é também verdade que à mesma cabe percorrer e cumprir os ditames da lei, observando as regras próprias para o exercício desse direito, designadamente no que se refere à utilização dos meios de defesa adequados que, no caso, não foram observados quanto à impugnação da decisão administrativa;
IV- Se apenas com a comunicação por parte dos serviços da Segurança Social a apelante/Ré teve conhecimento de que não lhe fora, afinal, concedido o benefício do apoio judiciário, só a partir dessa comunicação se deve contar o prazo para a mesma comprovar nos autos o pagamento da taxa de justiça devida.
Decisão Texto Integral:
Tribunal da Relação de Guimarães
1ª Secção Cível
Largo João Franco - 4800-000 Guimarães
Telef: 253439900 Fax: 253439999 Mail: guimaraes.tr@tribunais.org.pt


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Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório:

Tendo sido interposta por Lúcia… e outros contra Francisco… e mulher, Rosa…, acção declarativa sob a forma sumária, mostra-se nos autos apresentado, em 20.11.2009, junto dos Serviços da Segurança Social de Guimarães, impresso preenchido referente a “requerimento de protecção jurídica – pessoa singular”, no qual consta sob a “identificação do requerente” a indicação “Francisco… e mulher Rosa…”, no mesmo se pedindo, com a finalidade de contestar a acção, a concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Deferida a pretensão quanto ao R. Francisco…, informaram aqueles Serviços da Segurança Social o Tribunal, em 5.3.2010 (fls. 58 destes autos), que relativamente à Ré mulher não dera entrada qualquer requerimento e que “O facto de constarem os dois nomes não é suficiente para ser considerado requerimento, pois o impresso refere «Requerimento de protecção jurídica pessoa singular», o recibo de entrega de documentos indica «Francisco…», a própria notificação de deferimento também só indica um requerente.” Tal informação foi reiterada em 29.3.2010, insistindo-se que “O requerimento apresentado é de pessoa singular, e não funciona como requerimento conjunto” (fls. 58 destes autos).
A Ré foi notificada na pessoa da mandatária forense por si constituída nos autos, mediante ofício datado de 15.3.2010, para pagar a taxa de justiça omitida e a multa prevista no nº 3 do art. 486-A do C.P.C., respondendo a Ré que tendo ambos os demandados solicitado num mesmo impresso o benefício do apoio judiciário e não invocando a Segurança Social qualquer irregularidade relativa à apresentação conjunta desse pedido nem se tendo pronunciado aquela entidade quanto à pretensão da Ré Rosa no prazo de 30 dias, deve considerar-se tacitamente deferido o pedido desta. Pede que seja considerado válido o pedido por si formulado, sendo reconhecido o deferimento tácito da pretensão e anulada a multa aplicada.
Por despacho proferido em 15.4.2010, foi decidido indeferir o requerido, dando-se por “não escrita a contestação da ré esposa”, por se entender que à Ré não fora concedido o benefício do apoio judiciário e que esta não beneficia do concedido ao R. marido.
Inconformada, interpôs recurso a Ré, apresentando as respectivas alegações que culminam com as seguintes conclusões que se transcrevem:

1. A recorrente requereu a protecção jurídica no Instituto de Solidariedade e Segurança Social – Centro Distrital de Braga – Serviço Local de Guimarães em 20.11.2009.
2. Em 21.12.2009 formou-se o acto tácito de deferimento e concessão do pedido de protecção jurídica nos termos do artigo 25º, nº 2, da Lei 34/2004 de 29 de Julho na redacção dada pela Lei 47/2007 de 28.8.
3. Nos termos do nº 3 do artigo 25º da citada Lei é suficiente em Tribunal a menção do acto tácito.
4. É o funcionário da Segurança Social quem tem que verificar a identificação rigorosa dos elementos referentes aos beneficiários (artigo 22º da citada Lei).
5. E que tem de notificar o requerente para juntar no prazo de dez qualquer elemento em falta – artigo 8º-B da citada Lei.
6. Foram assim violados os artigos 25º, nº 2 e nº 3, 22º e 8º-B da Lei citada na 2ª conclusão.
7. Foi ainda violado o direito fundamental da recorrente de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva previsto nos artigos 20º da Constituição da República Portuguesa, 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.
8. Foram ainda violados os artigos 22º e 18º da CRP.
9. O requerimento apresentado pela recorrente suspendeu o prazo do pagamento e da multa.
10. De qualquer forma, o prazo para pagar a taxa de justiça e a multa só começará a contar passados dez dias a contar da notificação da decisão que indefira o pedido de apoio judiciário.
11. Foi violado o art. 486-A do CPC.”
Pede a procedência do recurso, revogando-se o despacho recorrido e considerando-se tacitamente deferido o pedido de protecção jurídica da Ré e, caso assim se não entenda, se considere que o prazo para pagar a taxa de justiça inicial se inicia a partir do trânsito em julgado desta decisão.
Não se mostram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi recebido como de apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

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II- Fundamentação de facto:
Com interesse para a apreciação do presente recurso, e vistos os elementos disponíveis neste Apenso, temos como assente que:
1) Francisco… e mulher, Rosa…, foram demandados por Lúcia… e outros na acção sumária com o nº 4483/09.5TBGMR a que respeita o presente apenso;
2) Mostra-se apresentado, em 20.11.2009, junto dos Serviços da Segurança Social, serviço local de Guimarães, o impresso com o teor constante de fls. 5 e 6 destes autos, designado por “Requerimento de Protecção Jurídica – Pessoa Singular”, no mesmo se solicitando a concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo tendo em vista contestar a acção indicada em 1;
3) O indicado impresso encontra-se preenchido, constando sob o ponto “1. Identificação do Requerente” a menção “Francisco… e mulher Rosa…”;
4) E no ponto “4.3. Modalidades de protecção jurídica – Observações”, onde o impresso menciona “Explique, por palavras suas, a sua pretensão”, foi preenchida a indicação seguinte: “Face aos nossos rendimentos e encargos ora apresentados pretendemos não pagar taxa de justiça e todos os encargos com o processo”;
5) Sob o ponto “5. Certificação” e no local destinado no impresso à “Assinatura do requerente conforme documento de identificação” consta apenas a assinatura do R. Francisco… ;
6) Os Serviços da Segurança Social vieram a comunicar o deferimento da pretensão formulada pelo R. Francisco… ;
7) E, a pedido do Tribunal a quo, comunicaram, por ofício datado de 5.3.2010 (fls. 58 destes autos e 148 do processo principal), que relativamente a Rosa… “não deu entrada qualquer requerimento nestes Serviços” e que “O facto de constarem os dois nomes não é suficiente para ser considerado requerimento, pois o impresso refere «Requerimento de protecção jurídica pessoa singular», o recibo de entrega de documentos indica «Francisco…», a própria notificação de deferimento também só indica um requerente.”;
8) Tal informação foi reiterada por aqueles Serviços da Segurança Social por ofício datado de 29.3.2010, insistindo-se que “O requerimento apresentado é de pessoa singular, e não funciona como requerimento conjunto.” (fls. 57 destes autos e 154 do processo principal);
9) Por ofício datado de 15.3.2010, foi a Ré notificada, na pessoa da mandatária forense por si constituída na causa, para pagar “a taxa de justiça cujo pagamento foi omitido” e “a multa prevista no nº 3 do art. art. 486-A do C.P.C. através da guia anexa”, mencionando-se ainda no final daquele ofício: “Para melhor esclarecimento, junto se remete cópia do ofício da segurança social de fls. 148” (fls. 8 destes autos);
10) Em resposta, veio a Ré sustentar nos autos, em 19.3.2010, que tendo ambos os RR. solicitado num mesmo impresso o benefício do apoio judiciário e não tendo a Segurança Social invocado qualquer irregularidade relativa à apresentação conjunta desse pedido, não se tendo pronunciado aquela entidade quanto à pretensão da Ré Rosa no prazo de 30 dias, deve considerar-se “tacitamente deferido” o pedido desta;
11) Conclui, pedindo que seja considerado válido quanto a si o pedido de protecção jurídica formulado, sendo “considerado o Deferimento tácito e concedido do pedido formulado pela requerente mulher Rosa… de Protecção Jurídica” e a “anulação da Multa aplicada nos termos do art. 486-A do CPC e consequentemente o da liquidação da taxa de justiça”;
12) Por despacho proferido em 15.4.2010, foi decidido “dar por não escrita a contestação da ré esposa e a indeferir o requerido”, por se entender que a Ré não beneficia do apoio judiciário concedido ao R. marido e que, por isso, lhe caberia pagar a taxa de justiça;
13) E mais justificando: “O certo é que não a pagou, não tendo junto aos autos o documento comprovativo. Assim, bem andou a secretaria ao efectuar a notificação a que alude o nº 3 do art. 486-A do C.P.C..
Assim, uma vez que a ré esposa não efectuou o pagamento em causa, e não estando do pagamento do mesmo dispensada, há lugar à aplicação da sanção prevista no nº 6 do mesmo dispositivo legal, sendo certo que em face da omissão do pagamento, não há aplicação da multa, como prevê expressamente o nº 7 do artigo vindo de referir.”

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III- Fundamentação de Direito:

Cumpre apreciar do objecto do recurso.
À luz do novo regime aplicável aos recursos (aprovado pelo DL nº 303/07, de 24.8), tal como antes sucedia, são as conclusões que delimitam o respectivo âmbito (cfr. arts. 684, nº 3, e 685-A, do C.P.C.). Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (art. 660, nº 2, “ex vi” do art. 713, nº 2, do mesmo C.P.C.).
Compulsadas as conclusões da motivação do presente recurso, colocam-se as seguintes questões que cumpre analisar:
- da invocada formação de decisão tácita de deferimento e concessão de pedido de protecção jurídica à apelante/Ré;
- da violação do direito fundamental da recorrente de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva;
- a do prazo para pagamento da taxa de justiça inicial devida, não sendo reconhecido o acto tácito.
A questão fundamental do presente recurso – e que corresponde à suscitada pela ora apelante no seu requerimento de 19.3.2010 (ponto 10 supra) – é a da existência da formação de uma decisão tácita, por parte dos serviços da Segurança Social, de deferimento e concessão de pedido de protecção jurídica à apelante/Ré.
Esta questão, anterior a qualquer outra suscitada pela apelante, não veio, salvo o devido respeito, a merecer, em bom rigor, qualquer apreciação directa por parte do Tribunal a quo que desde logo partiu da afirmação, depois desenvolvida, de que “... tendo sido demandados ambos os réus, é manifesto que o apoio judiciário concedido ao réu marido, não aproveita à ré mulher.” Ou seja, o Tribunal recorrido nada disse quanto ao facto da Ré defender, acima de tudo, que o pedido de apoio judiciário foi formulado, não apenas pelo R. Francisco, mas por ambos os RR., marido e mulher, identificados como tal no “Requerimento de Protecção Jurídica – Pessoa Singular” que lhes foi fornecido pelos serviços da Segurança Social, e que não se tendo pronunciado aquela entidade sobre a pretensão respeitante à Ré mulher, formou-se acto tácito de deferimento decorridos 30 dias sobre a apresentação do requerimento respectivo naqueles serviços. É, por isso, o reconhecimento da formação do acto tácito de deferimento e concessão de um pedido de apoio judiciário por si formulado que a Ré reclama desde o primeiro momento.
A análise do problema desloca-se, deste modo, da argumentação sustentada na decisão sob recurso, posto que é inegável (e nem a apelante sustenta o contrário) que o apoio judiciário concedido ao R. marido não aproveita à Ré mulher.
Vejamos, então, se à Ré Rosa… assiste o direito reclamado e se o invocou da forma processualmente adequada.
Para abordar a questão, temos de olhar o regime jurídico do apoio judiciário aplicável ao caso que é o instituído pela Lei nº 34/2004, de 29.7, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28.8.
A protecção jurídica reveste as modalidades de consulta jurídica e apoio judiciário sendo hoje competente para decidir sobre essa concessão, e a quem cabe, por consequência, avaliar da verificação dos pressupostos necessários ao deferimento do pedido de apoio judiciário, uma entidade administrativa e não o tribunal (o que sucede desde a Lei nº 30-E/2000, de 20.12). Com efeito, estabelece o art. 20, nº 1, da Lei nº 34/2004, na redacção aplicável (a que passamos a aludir doravante sem menção especial), que: “A decisão sobre a concessão de protecção jurídica compete ao dirigente máximo dos serviços de segurança social da área de residência ou sede do requerente.” É também à entidade administrativa que compete determinar o cancelamento ou verificar a caducidade da protecção jurídica concedida, como estabelecem os arts. 10 a 12 da Lei nº 34/04.
De notar, por outro lado, que tais decisões são apenas impugnáveis judicialmente nos termos dos arts. 27 e 28 da referida Lei nº 34/2004, como resulta dos arts. 12 e 26 do mesmo Diploma. Terá legitimidade para impugnar a decisão de indeferimento do pedido de concessão de protecção jurídica o requerente e para impugnar a decisão de deferimento do mesmo pedido a parte contrária ao beneficiário da decisão (cfr. Salvador da Costa, in “O Apoio Judiciário”, 7ª ed., 2008, pág. 189).
Assim, concorde-se ou não com a opção legislativa, uma coisa é indiscutível: não compete actualmente aos tribunais decidir sobre tal matéria, a não ser por via da impugnação atrás aludida.
No caso em análise, como vimos, a apelante/Ré veio sustentar que tendo ambos os demandados solicitado num mesmo impresso o benefício do apoio judiciário e não tendo a Segurança Social invocado qualquer irregularidade relativa à apresentação conjunta desse pedido, não se tendo pronunciado aquela entidade quanto à pretensão da Ré Rosa no prazo de 30 dias, deve considerar-se tacitamente deferido o pedido desta.
Prevê, com efeito, o art. 25, nºs 1 e 2, da Lei nº 34/2004, que o prazo para a conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de protecção jurídica é de 30 dias, e que decorrido esse prazo sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido correspondente. Mais refere o nº 3 do mesmo dispositivo que, ocorrendo esta última situação, é suficiente a menção em tribunal da formação do acto tácito. Todavia, os nºs 4 e 5 seguintes dispõem que o tribunal (ou, sendo o caso, a Ordem dos Advogados) deve confirmar junto dos serviços da segurança social a formação do acto tácito, devendo estes serviços responder no prazo máximo de dois dias úteis, e que os serviços da segurança social devem enviar mensalmente a informação relativa aos pedidos de protecção jurídica tacitamente deferidos ao Gabinete para a Resolução Alternativa de Litígios, à Ordem dos Advogados (se o pedido envolver a nomeação de patrono), e ao tribunal em que a acção se encontra, se o requerimento tiver sido apresentado na pendência de acção judicial.
Daqui resulta que bastará ao requerente da protecção jurídica justificar em juízo a dispensa do pagamento da taxa de justiça ou outros encargos com a formação do acto tácito de deferimento, comprovando a data da apresentação do pedido de apoio judiciário e aludindo ao decurso do prazo sem decisão. Contudo, deve sempre o tribunal confirmar junto dos serviços da Segurança Social a ocorrência do deferimento tácito, pois, como refere Salvador da Costa (ob. cit., pág. 180), “Não raro, a informação em juízo prestada pelos requerentes da protecção jurídica da ocorrência de acto tácito não corresponde à realidade, porque o referido prazo de 30 dias se suspende, além do mais, nos casos previstos no nº 3 do art. 8-B deste diploma. Em consequência (...) os tribunais não devem extrair da referida informação de formação do acto tácito as pertinentes soluções jurídicas relativas ao processo em causa sem que ela seja confirmada pelo órgão decisor da segurança social.”
Ora, como acima analisámos, e por força do art. 26, nº 2, da Lei nº 34/2004, a decisão da entidade administrativa sobre o pedido de protecção jurídica, seja ela expressa ou tácita, não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo apenas susceptível de impugnação judicial nos termos dos artigos 27 e 28 da mesma Lei.
Como vimos, de acordo com a matéria que acima temos por assente, a Ré reclamou no processo, em 19.3.2010, que fora tacitamente deferido um seu pedido de apoio judiciário formulado em 20.11.2010, depois e na sequência da comunicação por parte dos serviços da Segurança Social (em 5.3.2010) de que relativamente a Rosa… “não deu entrada qualquer requerimento nestes Serviços” e que “O facto de constarem os dois nomes não é suficiente para ser considerado requerimento, pois o impresso refere «Requerimento de protecção jurídica pessoa singular», o recibo de entrega de documentos indica «Francisco…», a própria notificação de deferimento também só indica um requerente” (ver ponto 7 supra). E fá-lo aquela Ré argumentando que tendo ambos, marido e mulher, solicitado num mesmo impresso o benefício do apoio judiciário e não sendo invocada qualquer irregularidade relativa à apresentação conjunta desse pedido, o facto daquela entidade não se ter pronunciado quanto à pretensão da Ré Rosa no prazo de 30 dias gera o deferimento tácito do pedido desta.
Ou seja, a Ré só se referiu à formação do acto tácito depois da afirmação pelos serviços de que este não ocorrera por não haver sido sequer formulado pedido por parte da interessada, argumentando, afinal, em discordância da posição assumida por aqueles serviços quanto ao aludido requerimento de 20.11.2009.
Não obstante a especificidade do caso, não há dúvida de que estamos perante uma decisão da Segurança Social sobre a concessão do apoio judiciário a alguém, decisão essa que se consubstancia na afirmação de que o benefício de protecção jurídica não foi concedido à Ré Rosa porque esta não formulou adequadamente o pedido correspondente.
É, por isso, aqui, e nesta perspectiva, que temos de aproximar o regime do apoio judiciário acima analisado da situação sub judice.
Já vimos que é à entidade administrativa que hoje compete avaliar da verificação dos pressupostos necessários ao deferimento do pedido de apoio judiciário e decidir sobre essa concessão, podendo os tribunais intervir nesta matéria apenas por via da impugnação judicial prevista nos arts. 27 e 28 da Lei nº 34/2007. Porém, o que constatamos é que a Ré Rosa não percorreu tal caminho, apesar de se sentir prejudicada pela posição assumida pelos serviços da Segurança Social quanto à sua pretensão de obter protecção jurídica, e atalhou, levantando a questão perante o Tribunal recorrido.
Temos, pois, de concluir que, com este procedimento, a Ré não reagiu à posição daqueles serviços da forma processual adequada e chamou directamente a decidir sobre a questão a entidade com competência apenas para apreciar, de forma irrecorrível, em tal matéria através da impugnação judicial (cfr. art. 28, nº 5, da Lei nº nº 34/2007).
Ora, se a Ré não deitou mão do meio próprio para se opor à aludida decisão da Segurança Social, não poderia conseguir decisão sobre a questão (da concessão ou não do benefício do apoio judiciário) no Tribunal a quo e, muito menos, a reapreciação da mesma através de recurso para esta Relação. Se assim fosse a Ré obteria nesta instância decisão sobre matéria que a mesma jamais poderia ser chamada a decidir em condições normais por via de recurso, atento o disposto no citado nº 5 do art. 28 da Lei nº nº 34/2007.
É, por conseguinte, evidente, por tudo quanto se deixa dito, que não pode deferir-se a pretensão da Ré na parte em que reclama quanto a si a formação de decisão tácita de deferimento e concessão de pedido de protecção jurídica, improcedendo aqui o recurso.
Invoca, ainda, a apelante/Ré que a decisão recorrida viola o seu direito à tutela jurisdicional efectiva protegido pela Constituição da República Portuguesa (C.R.P.), pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem e pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, mostrando-se violados os arts. 18, 20 e 22 da C.R.P.. Tendo em vista a posição por nós acima assumida, está prejudicada a apreciação de tal matéria quanto ao fundo da questão. Em todo o caso, sempre se dirá que assistindo à Ré o direito de acesso aos tribunais consagrado no art. 20 do nosso Diploma fundamental é também verdade que à mesma cabe percorrer e cumprir os ditames da lei, observando as regras próprias para o exercício desse direito, designadamente no que se refere à utilização dos meios de defesa adequados que, no caso, não foram observados quanto à impugnação da decisão administrativa.
Não encontramos, por isso, no quadro acima exposto, violação dos princípios constitucionais mencionados ou de quaisquer outros constantes daquela Lei fundamental.
A última questão colocada, e uma vez que não considerámos tacitamente deferido e concedido o pedido de protecção jurídica que a apelante reclamava, é a do prazo para pagamento da taxa de justiça inicial pela Ré.
Neste particular, a apelante/Ré defende, em súmula, que ao apresentar o requerimento de 19.3.2010 pedindo que fosse considerado válido quanto a si o pedido de protecção jurídica formulado em 20.11.2009 – sendo “considerado o Deferimento tácito e concedido do pedido formulado pela requerente mulher Rosa… de Protecção Jurídica” e a “anulação da Multa aplicada nos termos do art. 486-A do CPC e consequentemente o da liquidação da taxa de justiça” – no prazo para pagamento da taxa de justiça e multa, tal apresentação suspendeu o prazo do pagamento e da multa. Refere que só com o trânsito em julgado da decisão que considera que a mesma não tem direito à protecção jurídica se inicia o prazo para esse pagamento. De qualquer forma, argumenta, ainda que se entenda que o ofício da Segurança Social constitui indeferimento do pedido de protecção jurídica, então teria 10 dias para pagar a taxa de justiça a partir de então.
Detalhando.
Verifica-se que a decisão recorrida fez aplicação do disposto nos nºs 6 e 7 do referido art. 486-A (embora não mencione o cumprimento do nº 5 do mesmo artigo e se refira apenas ao seu nº 3), dando sem efeito a contestação da Ré e necessariamente sem efeito a multa em apreço (ver ponto 13 supra).
Em todo o caso, de acordo com os elementos disponíveis e a matéria acima fixada, a Ré terá tido conhecimento da decisão da Segurança Social sobre a protecção jurídica que a si respeitava apenas com a notificação que lhe foi feita para pagar a taxa de justiça e a multa nos termos do art. 486, nº 3, do C.P.C. (ponto 9 supra). Daí a indicação constante da parte final daquela notificação – “Para melhor esclarecimento, junto se remete cópia do ofício da segurança social de fls. 148” – numa clara alusão à informação dos serviços da Segurança Social de 5.3.2010 referida em 7 supra.
Na verdade, não dispondo, embora, esta Relação de todos os elementos existentes no processo principal (a apelação sobe em separado e encontra-se escassamente instruída), desconhecendo-se, designadamente, qual a data da apresentação da contestação e do comprovativo da entrega (em 20.11.2009) do requerimento de protecção jurídica junto dos serviços da Segurança Social, o que tudo indica é que a questão do pagamento da taxa de justiça por parte da Ré não se terá colocado com a apresentação nos autos desse articulado ou daquele comprovativo. A questão ter-se-á colocado, com toda a probabilidade, após o conhecimento do deferimento do pedido com relação ao R. Francisco. É disso cabal demonstração a aludida notificação referida no ponto 9 supra que menciona no final o “ofício da segurança social de fls. 148”, permitindo concluir que antes se questionava nos autos se a Ré Rosa beneficiava de protecção jurídica (não se tendo por aceite que não beneficiava). Por conseguinte, a Ré terá pelo menos invocado na contestação que beneficiava de apoio judiciário (art. 486-A, nº 1, do C.P.C.).
Ora, como acima vimos, a Ré sustentou – embora de forma processualmente desadequada – a formação de uma decisão tácita de deferimento e concessão de um seu pedido de protecção jurídica por parte dos serviços da Segurança Social.
Sem ajuizar, embora, da bondade da pretensão, o certo é que, para todos os efeitos, e vistos os elementos disponíveis, a Ré só tomou efectivo conhecimento de que assim não ocorrera com a dita notificação de 15.3.2010 referida no ponto 9 supra. Aliás, só então no processo se terá constatado que a mesma não beneficiava, afinal, de apoio judiciário, procedendo-se por isso à notificação aludida.
Dispunha, todavia, neste enquadramento e a nosso ver, a Ré Rosa de um prazo de 10 dias a contar daquela notificação para comprovar o pagamento da taxa de justiça inicial, por aplicação ainda do disposto no nº 2 do art. 486-A do C.P.C., não sendo então de convocar o disposto no nº 3 daquele artigo. Deste modo, deve contar-se novo prazo para que a Ré dê agora satisfação àquele normativo.
Nesta medida, afigura-se-nos assistir razão à apelante/Ré neste ponto, pelo que nessa parte não pode manter-se o decidido.
No mais improcede a apelação.

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IV- Decisão:

Termos em que e face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação, julgando parcialmente procedente a apelação, em revogar a decisão recorrida na parte em que deu por não escrita a contestação da Ré e determinar que, voltando os autos à 1ª instância (e sendo disso notificada a ora apelante), se dê início à contagem do prazo a que alude a parte final do nº 2 do art. 486-A do C.P.C. e para os efeitos aí estipulados, no mais se mantendo o decidido, embora com diverso fundamento.
Sem custas.
Notifique.
Guimarães, 12.5.2011
Maria da Conceição Saavedra
Raquel Rêgo
Mário Canelas Brás

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Sumário do Acordão (da exclusiva responsabilidade da relatora – art. 713, nº 7, do C.P.C.)

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I- A decisão da entidade administrativa sobre o pedido de protecção jurídica, seja ela expressa ou tácita, não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo apenas susceptível de impugnação judicial nos termos dos artigos 27 e 28 da e Lei nº 34/2004, de 29.7;
II- Não tendo a apelante/Ré impugnado judicialmente a decisão que a si respeitava naqueles termos e levantando a questão directamente junto do Tribunal a quo, a quem competiria apreciar, de forma irrecorrível, em tal matéria através da impugnação judicial, não pode a mesma suscitar a questão por meio de recurso junto desta Relação. Doutro modo, a Ré obteria nesta instância decisão sobre matéria que a mesma jamais poderia ser chamada a decidir em condições normais por via de recurso;
III- Assistindo à apelante/Ré o direito de acesso aos tribunais consagrado no art. 20 do nosso Diploma fundamental é também verdade que à mesma cabe percorrer e cumprir os ditames da lei, observando as regras próprias para o exercício desse direito, designadamente no que se refere à utilização dos meios de defesa adequados que, no caso, não foram observados quanto à impugnação da decisão administrativa;
IV- Se apenas com a comunicação por parte dos serviços da Segurança Social a apelante/Ré teve conhecimento de que não lhe fora, afinal, concedido o benefício do apoio judiciário, só a partir dessa comunicação se deve contar o prazo para a mesma comprovar nos autos o pagamento da taxa de justiça devida.