Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3729/21.6T8BRG.G3
Relator: GONÇALO OLIVEIRA MAGALHÃES
Descritores: DEFESA POR EXCEPÇÃO
RESPOSTA
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
(i) Não é nula, por contradição entre os fundamentos e a decisão, a sentença que, embora reconhecendo a natureza continuada da lesão, considera o direito de indemnização prescrito três anos após o conhecimento inicial do lesado, com base na sua interpretação de que a continuidade da infração é irrelevante para o dies a quo, configurando isso um possível erro de julgamento sobre o mérito e não um vício estrutural da decisão.
(ii) O princípio do processo equitativo (art. 20.º, n.º 4, da CRP) exige que os ónus processuais, como é o caso do ónus de impugnação, sejam clara e inequivocamente estabelecidos na lei processual.
(iii) A mera faculdade de resposta do autor à exceção perentória deduzida pelo réu na contestação, prevista no art. 3.º, n.º 4, do CPC, não se transmuta em ónus cominatório, salvo se o juiz, no exercício dos seus poderes de gestão, advertir expressamente a parte das consequências do silêncio.
(iv) Não sendo feito semelhante advertência, os factos substanciadores da exceção permanecem controvertidos, ainda que o autor, apresentando embora resposta, não tome nela posição definida sobre eles.
Decisão Texto Integral:
I.
1). AA intentou a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra EMP01... Inc., pedindo que, na procedência, a Ré seja condenada a:
(i) pagar ao Autor, “a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de € 216 000,00, de capital, acrescida dos juros vencidos e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei” (sic); e
(ii) pagar ao Autor “montante nunca inferior a € 5 000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescido, também, dos juros vencidos e dos juros que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal, tudo com o mais da lei.” (sic)
Alegou, em síntese e relevo para o conhecimento do recurso, que: é jogador profissional de futebol, tendo representado clubes tanto em Portugal como no estrangeiro; a Ré é uma sociedade norte-americana que se dedica à produção e desenvolvimento de jogos de computador, jogos de vídeo e aplicações diversas, entre os quais os denominados X (também com as designações X ou X), X X (inicialmente designado ...) e X – FUT; “[o] Autor teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados” (sic) nos referidos jogos, mais concretamente nas edições de 2012, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 do primeiro, na edição de 2012 do segundo e nas edições de 2020 e 2021 do terceiro; o Autor “jamais concedeu autorização expressa, ou sequer tácita, a quem quer que fosse” (sic), para ser incluído nos mencionados jogos, pelo que a Ré está a utilizar indevidamente a sua imagem e o seu nome, “pelo menos, desde ../../2011 (data de lançamento do jogo de vídeo X 2012) até aos dias de hoje” (sic), auferindo avultados lucros; “[n]ão há que falar em prescrição [cf. art. 498 do Código Civil], in casu, por dois motivos: o dano suportado pelo Autor é continuado, na medida em que novas versões dos jogos são lançadas anualmente; bem como pelo facto de a Ré continuar a vender as versões antigas dos seus jogos” (sic), que ainda estão disponíveis no mercado;  “a violação do direito de imagem e do direito ao nome ocorre cada vez que a mesma é publicada, sem autorização, com o que a violação se renova, de forma continuada” (sic), havendo, assim, que “contar o prazo, para fins prescricionais, a partir do último ato que viole tais direitos de imagem e ao nome” (sic); por outro lado, estando em causa direitos de personalidade, por definição intransmissíveis e irrenunciáveis, os mesmos “são imprescritíveis, não estando sujeitos à prescrição para fins do seu exercício através da presente ação” (sic); “considera-se, dentro de um critério de razoabilidade e considerando tratar-se da utilização indevida da imagem e do nome de uma pessoa pública, a fixação do valor do dano, a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, à ordem de € 12 000,00/ano por edição dos jogos das plataformas X, X, FUT – X e X Mobile, ao considerar as aparições, pelo menos, em: oito anos no X (€ 96 000,00), um ano no X (€ 12 000,00), 7 anos no FUT – X e dois anos no X Mobile (sic); “como se não bastasse, o Código civil proíbe o enriquecimento indevido, nos termos do art. 473, determinando que, aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem está obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” (sic).
Citada, a Ré contestou alegando, entre o mais, sob a epígrafe “Exceção perentória: Da prescrição do direito invocado pelo Autor” (sic), também em síntese, que: o direito de indemnização invocado pelo Autor estava já prescrito na data (6 de julho de 2021) em que a petição inicial foi apresentada em juízo; “[o] regime legal estabelecido pelo art. 498 do CC não se refere à natureza instantânea ou continuada da infração, mas ao momento em que o Autor conheceu, pôde conhecer ou não lhe era possível ignorar o direito de indemnização, embora com desconhecimento do responsável e da extensão dos danos” (sic); “[o] Autor sabia ou não podia desconhecer a data (pelo menos o ano) em que os jogos foram lançados, tal como conhecia o respetivo conteúdo” (sic); “[a]quando da propositura da ação, em julho de 2021, o Autor já sabia há mais de três anos que a sua imagem era utilizada pela Ré nos jogos X e em que moldes” (sic); os jogos em questão beneficiam de “notoriedade e conhecimento muito alargado, a nível nacional e mundial”, nomeadamente “por pessoas da geração do Autor” (sic); daí que “os jogos X e o lançamento anual de uma edição constituam factos notórios per se, com especial relevância para estes autos, nos termos do art. 5.º, n.º 2, alínea c), 1.ª parte, do CPC, e por isso conhecidos pelo Autor” (sic); “é o próprio Autor quem menciona que a Ré usa a sua imagem desde o lançamento do jogo X 12 que o Autor situa temporalmente em setembro de 2011” (sic); não é “crível que o Autor apenas tenha conhecido os jogos X, entre os quais as edições X 12, 15, 16, 17 e seguintes (incluindo o modo de jogo FUT relativo às respetivas edições do jogo X) e X Mobile – o primeiro deles lançado há cerca de 7 anos –, nos três anos anteriores à instauração desta ação” (sic); “há largos anos que o Autor representou que não tinha concedido, na sua perspetiva, qualquer autorização para que a sua imagem fosse incluída nesses jogos, sem nunca ter manifestado a sua oposição a tal utilização (antes pelo contrário), até esta ação” (sic); “[l]ogo aí, aquando da sua inclusão, em 2011, no jogo X 12, o Autor representou ou pôde representar – ou ser-lhe-ia exigível que não ignorasse tal representação, para os efeitos peticionados nesta ação – que o seu direito estaria potencialmente a ser ofendido” (sic); tendo presente que “o jogo é mundialmente conhecido e que a respetiva data de lançamento do jogo X 12 ocorreu em 2011, foi nesta data que o Autor soube da existência desta edição do jogo e da inclusão da sua imagem no mesmo e, consequentemente, do alegado direito de indemnização” (sic); ao contrário do sustentado pelo Autor, não está em causa a prescrição do direito de personalidade, mas a prescrição do direito à indemnização decorrente da violação desse direito, pelo que tem plena aplicação o disposto no art. 498 do Código Civil.
Na sequência de despacho datado de 24 de março de 2022, a determinar a audição do Autor “sobre a matéria excetiva invocada na contestação (art. 3.º, n.º 3, do CPC)”, o Autor apresentou, no dia 22 de abril de 2022, requerimento no qual, entre o mais, alegou, sob a epígrafe “Da prescrição do direito invocado pelo Autor”, que: não há que falar em prescrição, “porquanto o dano suportado pelo Autor é continuado, na medida em que novas versões dos jogos são lançadas anualmente e a Ré continua a vender as versões mais antigas dos seus jogos” (sic); está em causa uma lesão de direitos da personalidade do Autor (nome e imagem), os quais são imprescritíveis, pelo que “forçoso será concluir que caem por terra os argumentos aduzidos pela Ré.”
Por despacho datado de 28 de abril de 2022, foi determinada a notificação das partes para se pronunciarem sobre a dispensa da audiência prévia e, nesse pressuposto, acrescentarem o que tivessem por conveniente aos argumentos já expendidos nos articulados.
Em resposta, a Ré afirmou, a propósito da invocada prescrição, que “o conjunto da alegação e da defesa do Autor (…) não contraria, de maneira alguma, a data avançada pela Ré quanto ao conhecimento do direito que o Autor invoca na ação: esse conhecimento ocorreu aquando do lançamento do primeiro dos jogos X invocados na petição, em 2011” (sic). E acrescentou que “[a] não tomada de posição pelo Autor, em sentido oposto ao alegado pela Ré, sobre a data da inclusão da imagem do Autor no jogo, implica, necessariamente, a admissão por acordo dos factos alegados pela Ré quanto à prescrição”, pelo que, concluiu, a exceção “deverá ser conhecida ainda em sede de saneador.”
O Autor, por seu turno, declarou manter “tudo quanto afirmou nos seus articulados”, concluindo que as exceções aduzidas pela Ré devem ser julgadas improcedentes, “por falta de fundamento legal.”
No dia 13 de outubro de 2022, foi proferido despacho saneador em que foi julgada verificada a exceção dilatória da incompetência ... dos tribunais portugueses, com a consequente absolvição da Ré da instância, decisão que, depois de ter sido confirmada, em recurso de apelação interposto pelo Autor, por Acórdão proferido por esta Relação no dia 19 de janeiro de 2023, acabou revertida no subsequente recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, por Acórdão de 25 de maio de 2023.
Depois da baixa dos autos à 1.ª instância, as partes foram, de novo, notificadas para se pronunciarem sobre a dispensa da audiência prévia e, nesse pressuposto, acrescentarem o que tivessem por conveniente aos argumentos já expendidos nos articulados.
Em resposta, reiteraram o já afirmado em resposta a idêntico despacho de 28 de abril de 2022. A Ré acrescentou que a tese do dano continuado sustentada pelo Autor foi afastada pelo AUJ do STJ de 15 de junho de 2023, proferido no processo n.º 1292/20...., cuja orientação não deve ser afastada por força do princípio da harmonização de julgados consagrado no art. 8.º/3 do Código Civil.
No dia 9 de julho de 2024, foi dispensada a audiência prévia e, na sequência, proferido despacho saneador, no qual, depois de afirmar, em termos tabulares, a verificação dos pressupostos processuais, e de fixar o valor processual em € 221 000,00, o Tribunal de 1.ª instância julgou procedente a exceção perentória da prescrição do direito do Autor e, em conformidade, absolveu as Rés dos pedidos, decisão que foi anulada por Acórdão proferido por esta Relação no dia 18 de dezembro de 2024 com fundamento no disposto no art. 615/1, d), do CPC, em resultado de se ter entendido como indevido o conhecimento do mérito da causa sem que para esse efeito tivesse sido convocada a audiência prévia e nela facultada a possibilidade de as partes discutirem os aspetos de facto e de direito da causa.
Na sequência, com os autos de novo na 1.ª instância, foi realizada a audiência prévia, no dia 26 de fevereiro de 2025, ali se facultando às partes a possibilidade de acrescentarem o que “tivessem por conveniente relativamente à matéria em discussão nos autos, nomeadamente a prescrição”, o que ambas aproveitaram para reiterar as posições anteriormente assumidas.
No dia 27 de fevereiro de 2025, foi proferido despacho saneador, no qual, depois de reafirmar a verificação dos pressupostos processuais, o Tribunal de 1.ª instância repetiu a decisão de 9 de julho de 2024.
***
2). Inconformado, o Autor (daqui em diante, Recorrente) interpôs o presente recurso, através de requerimento composto por alegações e conclusões, estas do seguinte teor (transcrição):

“a) A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e precipitada, tendo partido de pressupostos errados.
b) Entende o Recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida.
c) O ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, entendendo que a mesma padece de vícios, no que à decisão proferida sobre a exceção de prescrição aduzida pela ré na contestação diz respeito, já que não restam dúvidas, desde logo, que a mesma é nula.
d) Resulta à saciedade que, quando ocorreu a citação da ré, ainda não se mostravam decorridos os 3 (três) anos previstos no artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil, considerada a data de lançamento das novas versões dos jogos (sendo esta a data que releva, de acordo com o próprio entendimento do Tribunal a quo, conforme plasmado na decisão recorrida).
e) É, pois, manifesta a contradição entre o raciocínio do Tribunal a quo, quando considera que novas versões dos jogos com a imagem e o nome do Autor ainda hoje são lançadas todos os anos, que a data relevante para a apreciação da prescrição do direito do Autor é a data do lançamento dos jogos, e a conclusão de que esse direito em relação a esse mesmo jogo se encontra prescrito.
f) Deve, pois, ser declarada a nulidade da sentença recorrida, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) (parte inicial) do CPC, determinando-se a consequente remessa do processo ao Tribunal a quo para que sejam, subsequentemente, seguidos os trâmites processuais decorrentes.
g) Contudo, caso assim não se entenda, o Tribunal a quo incorre ainda em manifestos erros de julgamento quanto à matéria de facto e quanto às questões de direito esgrimidas nos autos, pelas partes.
h) Desde logo, o Tribunal a quo não podia ter dado como provado o que consta nos parágrafos 9 e 10 da matéria dada como provada e, em consequência, ter por assente que o Autor tomou conhecimento da utilização da sua imagem e demais características logo no ano de lançamento dos jogos X em 2011).
i) Essa matéria factual dada como assente nunca poderia ter ocorrido, uma vez que nenhuma prova foi produzida nos autos que a suporte, havendo uma clara violação do preceituado nos artigos 410.º e 607.º, n.ºs 4 e 5, do C.P.C.
j) Isto porque em momento algum da petição inicial se mostra alegado pelo Autor que o mesmo teve conhecimento, em 2011, da inclusão da sua imagem, do seu nome e das suas características pessoais e profissionais nos jogos da ré, designadamente, nos jogos X.
k) O que o Autor alega (vide artigos 10.º, 24.º e 153.º da petição inicial) é que a ré está a utilizar indevidamente a imagem e o nome do autor, pelo menos, desde setembro de 2011 (data de lançamento do jogo de vídeo X 2012).
l) O Tribunal a quo incorre num erro grosseiro de julgamento ao assumir que o momento em que a imagem, o nome e as características pessoais e profissionais do Autor foram introduzidas pela ré pela primeira vez nos seus jogos, e isto terá acontecido em 2011, coincide com o momento em que o Autor terá tido conhecimento que a ré se encontrava a utilizar essa imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais nos seus jogos.
m) Essa interpretação/conclusão pelo Tribunal a quo é absolutamente desprovida de qualquer sentido e não encontra nenhum respaldo naquilo que se mostra alegado pelo Autor na petição inicial.
n) A ré pode ter introduzido a imagem, o nome e as características pessoais e profissionais do Autor nos seus jogos pela primeira vez em 2011 e o Autor apenas ter tido conhecimento dessa utilização 5, 10 ou 15 anos depois.
o) Com efeito, o momento em que o lesado tem conhecimento do direito à indemnização, pode ou não coincidir com o momento de ocorrência do facto ilícito.
p) O mesmo se pode afirmar quanto ao conhecimento que o Autor teve, enquanto lesado, do direito à indemnização.
q) Acresce ainda que, o facto do Autor ou qualquer outra pessoa ter conhecimento da existência de algum dos jogos da ré, não significa que, consideradas a sua imensa diversidade e as suas respetivas edições, tenha necessariamente de conhecer todos os jogadores que estão incluídos nos mesmos, incluindo a sua própria pessoa.
r) Aliás, a verdade é que, nem a própria ré, na contestação apresentada, consegue afirmar – sem ser de forma dúbia – qual o exato momento em que o Autor terá tido conhecimento da inclusão da sua imagem, nome e demais características nos seus jogos.
s) Apenas sendo referido, por aquela, um conjunto de suposições e presunções, sem qualquer suporte factual, consubstanciadas no facto de a ré supor que o Autor terá tido conhecimento da inclusão da sua imagem, nome e demais características, nos seus jogos, no ano de 2011, faz com que estejamos, pois, apenas perante um juízo probatório meramente assente em presunções judiciais e em regras da experiência (cf. artigo 117.º da contestação), o qual o Autor contesta e não admite.
t) Aliás, essa argumentação, relativa à alegada prescrição, pela ré na contestação apresentada nestes autos é em tudo similar à apresentada em outras ações idênticas à presente e já foi alvo da devida apreciação por parte de Tribunais Superiores.
u) Nesse sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no que respeita a tal argumentação, que: “A apelante entende, mal, que estamos perante matéria não carecida de prova, quando é a própria que retira a sua conclusão de um juízo probatório meramente assente em presunções judiciais e em regras da experiência (art. 106.º da contestação), juízo este não admitido pelo autor, designadamente em articulado subsequente. Como é evidente, ainda que tal juízo possa (ou não) ser apropriado, o autor pode ainda produzir prova que o contrarie.” Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 7ª Secção, Processo: 4488/20.5T8ALM-B.L1, de 18.11.2023, disponível para consulta in www.dgsi.pt
v) Nos presentes autos, estamos, pois e também, perante meras suposições e presunções pela ré – reitera-se sem qualquer suporte factual – quanto à data em que o Autor terá tido conhecimento do lançamento dos jogos e do seu conteúdo.
w) Não podia, pois, o Tribunal a quo ter decidido com base em tais suposições presunções.
x) E essa matéria dada como provada, note-se, nem sequer corresponde ao alegado pela ré, porque em relação a esse momento o que ela alegou foi apenas que o autor «representou ou pôde representar (era-lhe exigível) que a sua imagem estava nesse jogo» (cf., uma vez mais, o artigo 117.º da contestação).
y) Importa, pois, apurar nos autos em que data o Autor teve tido conhecimento do lançamento dos jogos e do seu conteúdo, bem como, quando teve conhecimento, enquanto lesado, do direito à indemnização e cabe à ré que alegou a prescrição a prova dos factos que a sustentam – cf. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.
z) Por outro lado, e, também, ao contrário do que o Tribunal a quo entendeu, o conhecimento do mérito no despacho saneador apenas deve ter lugar se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito, ou seja, não há que antecipar qualquer solução jurídica e desconsiderar factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos possíveis do objeto da ação.
aa) Não corresponde à verdade que não exista a invocação de factos contrários aos alegados pela ré, na exceção perentória que – irregularmente – foi conhecida de imediato (cf. artigos 35.º a 50.º da petição inicial e artigos 3.º, 4.º, 5.º, 77.º, 78.º e 80.º do requerimento de resposta às exceções).
bb) De igual modo, foi junta, pelo Autor, suporte documental para prova do que alega nesses mesmos factos (cf. documentos 8, 9 e 15 juntos com a petição inicial).
cc) No caso dos autos, está alegado na petição inicial e é admitido na contestação que os jogos em causa foram comercializados a partir do seu lançamento e surgiram até, entretanto, novas versões, ou seja, há factos novos, consubstanciados nos múltiplos atos de comercialização dos jogos, os quais se prolongaram no tempo, sublinhando-se que as últimas versões lançadas são ainda lançadas no mercado atualmente.
dd) Está contestada a existência de facto ilícito, porquanto se invoca a autorização para a utilização da imagem do jogador, assim como está contestada a existência e a quantificação do dano, sendo essencial a delimitação destes aspetos factuais para se apreciar a exceção da prescrição, atentas as diversas orientações possíveis acima expostas.
ee) Tal delimitação apenas poderá resultar da prova produzida em audiência de julgamento, cabendo, tal como já referido anteriormente, à ré que alegou a prescrição a prova dos factos que a produzem – cf. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil.
ff) Deste modo, não poderia o Tribunal a quo ter deixado de concluir, à luz das alegações vertidas na petição inicial e admitidas na contestação, que a questão de direito consubstanciada na prescrição deveria sempre ser relegada para final, por existirem várias soluções plausíveis para a mesma e por ser essencial a produção de prova dos factos alegados pelo Autor e pela ré para apreciar essa exceção.
gg) Tanto mais que a ré se limitou a aceitar a perduração do dano pela temporalidade aduzida pelo Autor, bem como a sua manutenção no presente – conforme resulta admitido na contestação, que os jogos em causa continuaram a ser vendidos após o seu lançamento e foram até feitas novas versões lançadas anualmente (como o próprio Tribunal dá como assente nos parágrafos 8, 11 e 12 da decisão recorrida) – pelo que não podia o Tribunal a quo julgar procedente a exceção de prescrição invocada, muito menos, no despacho saneador de que se recorre.
hh) Devia, pois e ao contrário do que o Tribunal a quo decidiu, ter sido relegada para final o conhecimento da exceção de prescrição, porque é desta que se trata neste momento, por manifesta falta de elementos, e, nesse sentido, ordenado o prosseguimento dos autos para julgamento, proferindo despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, conforme previsto no artigo 596.º, n.º 2 do CPC.
ii) Assume ainda óbvia relevância, in casu, que o Tribunal a quo nunca poderia ter dado como provados supostos factos que refere terem sido admitidos por acordo, quando não o foram por terem sido impugnados (tal como se demonstrou supra), mas ainda que não o tivessem sido, nunca haveria lugar à cominação que se mostra referida na decisão recorrida de forma a justificá-la.
jj) A argumentação do Tribunal a quo, não tem o mais pequeno apoio na letra da Lei e o utilizador do Código de Processo Civil se o aplicar tal como ele está, seria apanhado de surpresa se não respondesse às exceções ou, na resposta às exceções, não impugnasse cada um dos factos alegados na contestação e, consequentemente, os factos alegados pela parte contrária fossem considerados como admitidos por acordo.
kk) Não pode funcionar aqui o ónus de impugnação de factos alegados na contestação e que se mostra previsto no artigo 587.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, pois este, como resulta da sua inserção, é restrito aos casos de admissibilidade legal de réplica previstos nos nºs 1 e 2 do artigo 584.º do mesmo diploma legal e os presentes autos não comportam este articulado porque não foi deduzida reconvenção pela ré na contestação.
ll) Nem poderia ser de outro modo: sem norma legal que o preveja, não se pode aplicar uma cominação, designadamente, a prevista no artigo 574.º do Código de Processo Civil, nem pode haver uma interpretação que se traduza em criar contra a Lei, uma cominação para a falta de resposta, que iria apanhar de surpresa as partes no processo.
mm) Neste sentido, chama-se à colação o douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, nesta matéria, de 06 de Outubro de 2022, no processo n.º 97235/21.1YIPRT.G1 e as considerações de Urbano A. Lopes Dias, Blog do IPPC, comentário sinótico de 14/04/2015 <blogippc.blogspot.com> – para os quais se remete, com particular enfase nas passagens supra transcritas – atenta a sua generosa fundamentação e porque responde taxativamente às questões no âmbito destes casos, mormente no que se reporta à alegada cominação que o Tribunal a quo aplica na decisão recorrida.
nn) E, não podem, de igual modo, deixarem de ser chamados á colação os Acórdãos proferidos, em ações idênticas à presente, no processo 3853/20.2T8BRG.G2 do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.º 3731/21.8T8BRG-D.G1 do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo 2160/20.5T8PNF.P2 do Tribunal da Relação do Porto e no processo 4488/20.5T8ALM-B.L1 do Tribunal da Relação de Lisboa, cuja junção se requer à luz do disposto no artigo 651.º do Código de Processo Civil, constituindo esses Acórdãos decisão judicial de tribunal superior que, ao abrigo do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil, assumem particular relevância por constituírem mais um elemento jurisprudencial sobre o thema decidendum destes autos.
oo) Logo, ao contrário do que o Tribunal a quo concluiu e decidiu, o Autor não estava onerado com a impugnação dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos invocados pela ré, uma vez que a matéria de facto alegada por esta nas exceções tem-se sempre por controvertida, podendo o Autor, ainda oferecer contraprova sobre a mesma (art. 346.º do CC).
pp) Também por aqui, não podia, pois, o Tribunal a quo ter dado como provado o que consta nos parágrafos 9 e 10 da matéria dada como provada e ter por assente que, pelo menos desde 2011, o autor, invocante da lesão do seu direito de personalidade, adquiriu, formalmente, o direito que se propõem exercer nestes autos, por não ser legalmente admissível a cominação a que alude na decisão recorrida.
qq) Para além disso, a única interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa - mais precisamente, ao n.º 4 do seu artigo 20.º – do disposto no n.º 2 do artigo 574.º e n.º 1 do artigo 587.º, ambos do Código de Processo Civil, obriga a que se conclua que, não havendo lugar a réplica, a matéria de facto respeitante às exceções tem-se por não admitida por acordo.
rr) Pelo que, qualquer outra interpretação em sentido contrário, seria, pois, sempre inconstitucional, inconstitucionalidade que se suscita.
ss) E ainda tendo por referência, que a questão de direito consubstanciada na prescrição deveria sempre ser relegada para final, por existirem várias soluções plausíveis para a mesma, chegamos a outro aspeto que o Tribunal a quo ignorou ostensivamente, com a decisão agora proferida e de que se recorre.
tt) Conforme resulta dos autos, a pretensão do Autor radica na violação ilícita do direito de personalidade, concretamente no direito ao nome e à imagem, e ainda no enriquecimento sem causa (enriquecimento por intervenção).
uu) E, atenta a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, o prazo da prescrição previsto no artigo 482.º do C. Civil não se inicia enquanto o empobrecido tem outro meio ou fundamento que justifique a indemnização ou restituição – vd. neste sentido o Acórdão do TRG de 20 de maio de 2021 no proc. 6269.20.7T8PRT-A.G1 in www.dgsi.pt.
vv) Mais uma vez ao contrário do que o Tribunal a quo decidiu, nunca poderia ter operado o prazo prescricional inerente ao pedido de ressarcimento alicerçado em enriquecimento sem causa, visto que só com o trânsito em julgado da decisão que declarou prescrito o direito do Autor com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, é que se iniciará a contagem daquele prazo. Neste sentido, v. ainda Ac. Relação Évora de 22/01/1998 in Col. Jur. tomo 1, 260.
ww) Teria, assim e relativamente ao pedido subsidiário baseado enriquecimento sem causa, sempre de ter sido, pelo Tribunal a quo, determinado o prosseguimento dos autos, com vista à fixação dos factos assentes e da base instrutória, para efeitos de apreciação da exceção de prescrição, aduzida pela ré, na contestação.
xx) Por tudo o que se deixa dito, não pode, pois, o Autor acompanhar a decisão sob recurso.
yy) Deve, pois e caso a invocada nulidade da decisão recorrida não proceda (o que não se concede e apenas se admite por mera cautela de patrocínio): (i) ser revogado o saneador-sentença que decidiu considerar provado o que consta nos parágrafos 9 e 10 da matéria dada como provada e julgou procedente a exceção de prescrição alegada pela ré; (ii) ser declarado sem efeito esse mesmo despacho; e (iii) ser determinado o prosseguimento dos autos em 1.ª Instância com a oportuna marcação e realização aí da audiência final de discussão e julgamento.
zz) Face a tudo o que antecede, a sentença em crise violou o disposto nos artigos 3.º, n.ºs 3 e 4, 7.º, 8.º, 9.º-A, 131.º, 195.º, n.º 1, 410.º, 413.º, 574.º, 584.º, 587.º, 595.º, 596 n.º 2, 597.º, 607.º, nº 4, parte final e 615.º, n.º 1, alínea c) (parte inicial), todos do Código de Processo Civil e ainda os artigos 218.º, 306.º, 342.º, 363.º, 473.º, 474.º, 479.º, 482.º e 498.º, todos do Código Civil.”

Pediu que, na procedência do recurso, seja “declarada nula a decisão recorrida e determinada a consequente remessa do processo ao tribunal a quo, para que aí sejam, subsequentemente, seguidos os trâmites processuais decorrentes”, ou, caso assim não seja entendido, “seja revogada a decisão recorrida” e, em consequência, seja determinado o prosseguimento dos autos, relegando para a decisão final a apreciação da verificação da exceção de prescrição.”
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3). A Ré (daqui em diante, Recorrida) respondeu pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação da decisão recorrida.
***
4). O recurso foi admitido como apelação, com subida nos autos e efeito meramente devolutivo, o que não foi alterado por este Tribunal ad quem.
No despacho de admissão, o Tribunal de 1.ª instância não emitiu qualquer pronúncia a propósito da arguida nulidade da sentença (cf. art. 617/1 do CPC).
***
5). Realizou-se a conferência, previamente à qual foram colhidos os vistos dos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos.
***
II.
As conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo da ampliação deste a requerimento do recorrido (arts. 635/4, 636 e 639/1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas (art. 608/2, parte final, ex vi do art. 663/2, parte final, do CPC).
Também não é possível conhecer de questões novas – isto é, de questões que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida –, uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação.
Ressalvam-se, em qualquer caso, as questões do conhecimento oficioso, que devem ser apreciadas, ainda que sobre as mesmas não tenha recaído anterior pronúncia ou não tenham sido suscitadas pelo recorrente ou pelo recorrido, quando o processo contenha os elementos necessários para esse efeito e desde que tenha sido previamente observado o contraditório, para que sejam evitadas decisões-surpresa (art. 3.º/3 do CPC).
Tendo isto presente, as questões colocadas nas conclusões do recurso podem ser sintetizadas nos seguintes termos, de acordo com a ordem lógica do seu conhecimento:
1.ª Nulidade da sentença por contradição entre a fundamentação e a decisão (art. 615/1, c) do CPC), por ter sido considerado que “novas versões dos jogos com a imagem e o nome do Autor ainda hoje são lançadas todos os anos” e que “a data relevante para a apreciação da prescrição do direito do Autor é a data do lançamento dos jogos” e, não obstante, se ter julgado procedente a exceção perentória de prescrição.
2.ª Erro quanto à interpretação das normas dos arts. “3.º, n.ºs 3 e 4, 7.º, 8.º, 9.º-A, 131.º, 195.º, n.º 1, 410.º, 413.º, 574.º, 584.º, 587.º, 595.º, 596 n.º 2, 597.º, 607.º, nº 4, parte final”, do CPC e das normas dos arts. 218, 342 e 363 do Código Civil, por se terem considerado indevidamente como provados os enunciados de facto relativos ao momento em que o Autor teve conhecimento da utilização da sua imagem e do seu nome nos jogos produzidos pela Ré (pontos 9 e 10 da fundamentação de facto) com base na falta de uma impugnação especificada dos mesmos, antecipando-se o conhecimento do mérito da causa para o despacho saneador;
3.ª Erro de interpretação das normas dos arts. 306 e 498/1 do Código Civil, por se ter considerado como provado que o termo inicial do prazo de prescrição ocorreu no momento em que o Recorrente teve conhecimento do uso da sua imagem e do seu nome quando, por estarem em causa danos de natureza continuada, o cômputo de tal prazo apenas tem início com a cessação da ilicitude;
4.ª Em caso de resposta negativa às questões anteriores, erro de interpretação das normas dos arts. 473, 474, 479 e 482 do Código Civil, por ter sido indevidamente julgado extinto o direito que o Autor pretende fazer valer através do “pedido subsidiário baseado no enriquecimento sem causa.”
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III.
Antes de avançarmos com a resposta às questões enunciadas, reproduzimos a fundamentação da sentença recorrida.
Assim, em termos de fundamentação de facto, o Tribunal de 1.ª instância considerou assentes, “atenta a posição das partes” (sic), os seguintes factos:

(1) - O Autor é um jogador de futebol de nacionalidade Portuguesa, nascido a ../../1990, em ..., ..., ....
(2) - O Autor tem uma longa e ilustre carreira como jogador de futebol profissional, sobejamente conhecido no meio do futebol, tendo exercido a sua profissão, maioritariamente, em clubes portugueses, dedicando-se inteiramente à prática desportiva do futebol, com a qual sempre se sustentou a si e à sua família.
(3) - A Ré EMP01... Inc., através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, é uma empresa líder global em entretenimento digital interativo.
(4) - Na qualidade de jogador profissional de futebol, como é normal, o Autor conta com a exposição pública da sua imagem, tanto nos espetáculos desportivos, como fora deles, em participações televisivas, de radiodifusão, meios virtuais.
(5) - [O] Autor atuou em centenas de partidas oficiais como profissional e sempre se destacou na posição de Defesa Central, como é conhecido internacionalmente, tendo atuado no ..., ..., ..., ..., ..., (...), ... e ..., entre outros clubes.
(6) - O Autor teve conhecimento, que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais eram utilizados nos jogos denominados X (também com as designações X ou X), nas edições de 2012, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, X X (inicialmente designado ...), na edição de 2012, X – FUT nas edições 2012, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, e X MOBILE, nas edições 2020 e 2021, todos propriedade da Ré, nesses mesmos jogos.
(7) - O autor não concedeu autorização à R. para ser incluído nos supra identificados jogos eletrónicos, jogos de vídeo e aplicativos, i.e., X, X e X – FUT .
(8) - Os jogos eletrónicos X, X e FUT são lançados anualmente, e novas versões são lançadas no mercado todos os anos, permitindo atualizações semanais via internet, fazendo com que o público consumidor de tais produtos seja levado a adquirir as novas versões dos jogos.
(9) - A ré está a utilizar a imagem e o nome do autor desde final de setembro de 2011 (data de lançamento do jogo de vídeo X 2012) nos seus jogos.
(10) - Disso o A. sabendo desde esse ano de 2011.
(11) - E tais jogos mesmo de anos anteriores, continuam a ser difundidos e vendidos, em Portugal e em todo o mundo, sendo que as versões mais antigas dos jogos X, X e X. ... – FUT continuam a ser vendidas e continuam no mercado.
(12) - A ré procede ao relançamento de versões mais antigas dos jogos.
(13) - A presente ação deu entrada em juízo a 6.7.2021.
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2). De seguida, o Tribunal de 1.ª instância fundamentou a decisão de direito nos seguintes termos (transcrição):
“A prescrição (que é o instituto por via do qual os direitos subjetivos se extinguem quando não exercitados durante certo tempo fixado na lei) tem como fundamento específico a negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo estabelecido na lei, negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito ou, pelo menos, o torna indigno de proteção jurídica (cf. Vaz Serra, em “Prescrição e Caducidade”, BMJ, n.º 105, pág. 32).
Conforme resulta do art.º 309º do Código Civil, o prazo geral da prescrição é de vinte anos.
Contudo, no caso vertente e atento o pedido formulado rege o artigo 498.º, n.º 1 do Código Civil, nos termos do qual, “o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.
A questão que, desde já, se nos coloca é o momento a partir do qual se inicia a contagem do aludido prazo de 3 anos.
A este respeito, refere o professor Vaz Serra, “Prescrição e Caducidade”, in BMJ, nº 105, págs. 190, 193 e 194. «o tempo legal da prescrição deve ser um tempo útil, não podendo censurar-se o credor pelo facto de não ter agido numa altura em que não podia fazê-lo. Se assim não fosse, poderia acontecer que a prescrição se consumasse antes de poder ser exercido o direito prescrito», não sendo de aceitar uma solução que faça «correr o prazo de prescrição antes de o credor poder praticamente exercer o seu direito», sublinhando que o termo inicial do prazo deve ter como ponto de partida a existência objetiva, no aspeto jurídico - e não de mero facto - das condições necessárias e suficientes para que o direito possa ser exercitado, isto é, a ausência de causas (« impedimentos de natureza jurídica») que impeçam o exercício do direito e, com ele, consequentemente, o da prescrição.
Mais escreveu este mesmo Professor, em anotação ao Acórdão do STJ de 27.11.1973, in RLJ, ano 107, pág. 296. que «o prazo de prescrição a que se refere o nº1 do art. 498º do C. Civil conta-se a partir do conhecimento, pelo titular do respetivo direito, dos pressupostos que condicionam a responsabilidade e não da consciência da possibilidade legal do ressarcimento», salientando que «não se afigura suficiente o conhecimento de tais pressupostos, sendo ainda preciso que o lesado tenha conhecimento do direito que lhe compete, como expressamente diz a lei: se ele conhece a verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, mas não sabe que tem direito de indemnização, não começa a correr o prazo de prescrição de curto prazo» , acrescentando mais adiante «Se ele (lesado) tendo embora conhecimento da verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, ignora o seu direito de indemnização, seria violento que a lei estabelecesse um prazo curto para exercício desse direito e declarasse este prescrito com o decurso de tal prazo».
Neste mesmo sentido, refere Antunes Varela, In “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 6ª ed., Coimbra 1989, pág. 596, que o lesado tem conhecimento do seu direito quando conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.
Por seu lado, Rodrigues Bastos, In “Notas ao Código Civil”, Vol. II, pág. 299, defende que o prazo de prescrição inicia-se «com o conhecimento, por parte do lesado …. da existência, em concreto, dos pressupostos da responsabilidade civil, que se pretende exigir», concluindo que «o prazo corre desde o momento em que o lesado tem conhecimento do dano (embora não ainda da sua extensão integral), do facto ilícito e do nexo causal entre a verificação deste e a ocorrência daquele».
Ora, com base nestes ensinamentos, e em consonância com o decidido no Acórdão do STJ de 12.9.2019, disponível em www.dgsi.pt, para efeito de contagem do termo inicial do prazo prescricional estabelecido no art. 498º, nº1 do C Civil, o lesado terá conhecimento “do direito que lhe compete” quando se torne conhecedor da existência dos factos que integram os pressupostos legais do direito de indemnização fundado na responsabilidade civil extracontratual (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu.
Significa isto, como tem vindo a ser salientado pela jurisprudência dos tribunais superiores, que o critério de contagem do prazo da prescrição adotado pelo legislador no artigo 306º nº1 do Código Civil é objetivo e, como tal, afasta qualquer consideração pelo eventual carácter continuado ou duradouro do ato lesivo de que emerge o direito de indemnização, de tal modo que, uma vez fixado o termo inicial do prazo prescricional na data do conhecimento, pelo lesado, de que dispõe do direito à indemnização, é juridicamente irrelevante a natureza continuada ou duradora do facto ilícito. A não se entender desta forma, redundaria tal numa dilação do início do prazo da prescrição ou, se quisermos, na criação artificial de um prazo prescricional maior do que o definido pelo legislador, o que, sendo contrário ao propósito do legislador, seria uma interpretação contra legem – veja-se neste sentido o Ac. do STJ de 14.10.2021, rel. Cons. Rosa Tching, proc. n.º 1292/20.4T8FAR-A.E1.S1, aresto que está na origem do AUJ de 15.6.2023, ainda não transitado em julgado e, portanto, ainda não publicado em Diário da República, mas que uniformiza jurisprudência no seguinte sentido:
“O termo inicial do prazo prescricional, estabelecido no art.º 498.º, n.º 1 do CC, do direito de indemnização, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual (…) deverá coincidir com o momento em que o lesado adquira o conhecimento dos factos que integram os pressupostos legais do direito invocado, independentemente de, à data do início da contagem daquele prazo, ainda não ter cessado a produção dos danos que venham a ser reclamados.”
Indo de encontro aos presentes autos, entendemos estar provado que o A. teve conhecimento, no ano de 2011, que ré está a utilizar indevidamente a sua imagem e o seu nome.
Senão vejamos, a Ré na contestação, para fundamentar a invocação da exceção de prescrição, isso mesmo alegou, concluindo que tendo decorrido 10 anos entre a data que o A. teve conhecimento da utilização indevida e a propositura da ação, a prescrição é de proceder.
Prosseguindo, perante esta alegação, o A., no exercício do contraditório que lhe foi facultado para responder, nomeadamente, à matéria da exceção de prescrição, ( possibilidade conferida novamente na audiência prévia ontem realizada) limitou-se a sustentar que não se mostrava verificada a dita prescrição do crédito à indemnização cujo pagamento reclamava, nomeadamente opondo a relevância do dano continuado para afirmar que o seu direito não prescreveu nos vários requerimentos que constam dos autos e sustentando na audiência prévia, que não há elementos bastantes nos autos, que permitam, desde já, conhecer da prescrição.
Ora, a posição do A. não foi de molde a impugnar a facticidade alegada pela R., concretamente, a data invocada pela R. como aquela em que o A. teve conhecimento da utilização indevida da sua imagem, insistindo na questão da relevância do dano continuado, sem nunca contrariar/impugnar expressamente a alegação, que o A. teve conhecimento da utilização indevida da sua imagem no ano de 2011, razão pela qual, este tribunal, atenta a posição das partes, considerou provado que no ano de 2011 o A. teve conhecimento que ré utilizava a sua imagem e o seu nome, sem o seu consentimento.
Aqui chegados, permitimo-nos citar o Acórdão da Relação de Coimbra de 12.11.2024, disponível em www.dgsi.pt, onde em situação em tudo semelhante com a dos presentes autos concluiu:
“Consabidamente, decorre do art. 574º, do n.C.P.Civil, com a epígrafe de “Ónus de impugnação”, que: «1. Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.
2. Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior.
3. Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário. 4...». A propósito deste regime legal, como se refere nas “Linhas Orientadoras da Reforma do Código de Processo Civil”, Ponto 1.2.2.c, o que esteve em vista foi encarar «a atenuação do excessivo rigor formal do ónus de impugnação especificada, sem que, todavia, tal implique que se dispense a parte de tomar posição clara, frontal e concludente, sobre as alegações de facto feitas pela parte contrária», em consequência do que «a impugnação não tem hoje de ser feita facto por facto, individualizadamente, podendo ser genérica»
E também nada impõe, atualmente, como no domínio anterior ao da reforma de 1995, que a impugnação seja motivada, donde representa aquela, apenas, uma modalidade possível de impugnação, por contraponto à impugnação simples, ou por mera negação. A esta luz, pode ser validamente exercitada a “impugnação” quando o respondente apresenta uma contra-versão dos factos, incompatível com a que havia sido apresentada ao mesmo. Sucede que, essa contraversão dos factos, incompatível com a que havia sido alegada, é que o Autor não formulou de todo. Atente-se que o Autor se limitou a dizer que a prescrição não se verificava (de forma generalista e conclusiva), especificando com a relevância do dano continuado para afirmar que o seu direito não prescreveu. Ocorre que isto nem era uma contraversão dos factos alegados pela Ré, nem se mostrava incompatível com o que esta havia articulado, a saber, o conhecimento do Autor sobre a existência do jogo desde 2006. Temos contudo que, se a lei atual, no confronto com o regime imediatamente anterior, deixou de se reportar à necessidade de impugnação especificada dos factos articulados e à proibição da contestação por negação e à possibilidade de a mesma poder operar por simples menção dos números dos artigos do articulado narrativos dos factos contestados, todavia, continua a la exigir que a parte onerada com esse ónus tome posição definida perante os factos articulados, o que significa, como é natural, que a maleabilização do ónus de impugnação não a dispensa.
No fundo, exige-se que o impugnante assuma uma posição clara, frontal e concludente sobre os factos, embora se não exija que o faça sob a forma especificada, facto por facto, podendo ser efetivada pela menção do número dos artigos inserentes dos factos narrados, sem necessidade de reprodução do conteúdo da alegação objeto de impugnação.
O que tudo serve para dizer que «(…) tendo em conta que impugnar significa contrariar, refutar ou negar a veracidade de um facto, que a tomada de posição definida perante os factos articulados na petição implica a negação dirigida a determinada espécie factual, ou a um conjunto de factos, desde que assuma um recorte definido em função da sua densidade, heterogeneidade e extensão» Termos em que se impõe concluir no sentido de que não tinha havido efetivamente na circunstância impugnação fáctica relevante por parte do Autor quanto ao particular em causa, donde nada haver que censurar à decisão recorrida na parte em que considerou assente/apurado ter tido o Autor conhecimento do seu direito à indemnização pelo menos desde 2006, sendo este ponto de facto essencial para se concluir que o direito de crédito invocado pelo Autor já se encontrava, à data da citação da Ré, extinto, por efeito da prescrição”. Como já avançamos, defende o A. ( repete-se sem nunca impugnar a data indicada pela R., como aquela em que teve conhecimento da utilização do seu nome e imagem, concretamente o ano de 2011) para contrariar o defendido pela R., no sentido que o seu direito prescreveu, que a R. continuou a usar o seu nome e imagem nos vários jogos que foi lançando desde então, acrescentando que apesar de lançados jogos todos os anos, os antigos continuam a ser difundidos e vendidos, em Portugal e em todo o mundo, pelo que o dano que alega ter sofrido é de natureza continuada, duradoura, ocorrendo como que uma renovação contínua do dano, não se iniciando, a seu ver, a contagem do prazo prescricional enquanto a alegada infração continuada não cessar.
Quanto a nós, a circunstância de que novos jogos sejam lançados a cada ano ou atualizados e repostos no mercado jogos anteriormente comercializados, nada releva, porquanto a alegada lesão dos direitos de personalidade do autor já se mostra consumada com o uso abusivo da imagem e do nome do jogador/autor a partir do momento em que o jogo é lançado no mercado sem consentimento do autor, cabendo ao lesado, ora autor, a partir do seu conhecimento, reagir judicialmente para obter a tutela jurídica dos mesmos, e mais uma vez reforçamos que está provado que o A. conhece a existência de tais jogos e da utilização indevida da sua imagem, desde 2011, data em que pela primeira vez a sua imagem é utilizada no X 2012, lançado precisamente nessa altura, o que, de resto, não se estranha não só atendendo à sua condição de jogador de futebol mas também à geração a que pertence, como é do conhecimento geral, este tipo de jogos é bem conhecido pela comunidade profissional respetiva, sendo os próprios jogadores da geração do aqui A., não raro, consumidores, eles próprios, de tais jogos no seus tempos livres.
Tendo o A. tido conhecimento do seu direito no ano de 2011, data em que com o lançamento do X 2012 percebeu, soube que a R. usava o seu nome e imagem no jogo, sem que o A. a tivesse autorizado a tal, é evidente que o que se seguiu, ou seja, o continuar dessa utilização do nome e imagem do A. nos jogos que ia e vai lançando anualmente, mais não é do que o desenvolvimento, a continuação e, provavelmente, o aumento da extensão do dano já verificado.
O autor, enquanto lesado, sabendo e conhecendo a publicitação dos jogos com usurpação do seu nome e imagem, o que aconteceu desde 2011, sabia que tinha direito à indemnização e não cuidou de intentar a ação com o fim de se indemnizado, nos 3 anos subsequentes, esperando quase 10 anos para interpor a presente ação. Ou seja, o autor teve conhecimento do seu direito à indemnização a partir da data – ano de 2011 - do conhecimento dos pressupostos que indiciam a responsabilidade civil. Veja-se neste sentido o Ac. da Relação de Guimarães de TRG de 21.01.2021, rel. Des. José Amaral, disponível em www.dgsi.pt, onde se fez constar o seguinte: “ (…)O termo inicial desse prazo coincide com – e conta-se – desde o primeiro momento em que se consumou o ato ilícito (recusa e consequente ofensa do direito real) e ficaram preenchidos os requisitos da obrigação de indemnizar, independentemente de os danos se terem continuado a produzir ao longo do tempo e até que foi pedida e executada a entrega judicial.
Trata-se de um ilícito civil de carácter instantâneo (na medida em que todos os referidos pressupostos se verificaram naquele momento e, então, o lesado tomou conhecimento do seu direito) embora de efeitos permanentes (porquanto o resultado lesivo continuou a produzir-se e se estendeu no tempo).”
Isto posto, e ao contrário do defendido pelo A., entendemos ser irrelevante a extensão dos danos no sentido de não haver fundamento legal, nem material para se aguardar pela cessação do facto lesivo para, nesse momento, se dar início à contagem do prazo prescricional.
Por tudo o supra exposto, os pressupostos da responsabilidade civil em que o autor assenta o seu pedido de indemnização, tornaram-se do seu conhecimento, em no ano de 2011 ( final desse ano), data em que foi lançado o primeiro jogo pela R., usando o seu nome e imagem sem que o A. a tivesse autorizado a tal, sendo precisamente essa a data em que adquiriu, formalmente, o direito que se propõe exercer, sem que se descortine qualquer impedimento legal à formulação, desde esse momento, do pedido de indemnização com esse fundamento, se atentarmos, como se referiu, que o critério objetivo adotado pelo legislador (cf. CC: art. 306º nº1) afasta qualquer consideração pelo eventual carácter continuado ou duradouro do ato lesivo de que emerge o direito de indemnização, sob pena de criação de uma dilação contrária à voluntas legislatoris, quando, ademais, se sabe que para a efetivação da responsabilidade civil nem sequer é indispensável o conhecimento exato do montante dos danos sofridos.
Assim sendo, e porque os pressupostos da responsabilidade civil em que o autor assenta o seu pedido de indemnização, tornaram-se do seu conhecimento, em ainda no ano 2011, data em que foi lançado o primeiro jogo pela R., usando o seu nome e imagem sem que o A. a tivesse autorizado a tal, e porque a presente ação foi instaurada apenas em 2021, há muito se encontrava prescrito, o direito que o autor pretende fazer valer nestes autos, não tendo a circunstância da R. continuar ainda a R a usar a imagem e nome do A. nos seus jogos, sem autorizada para tal pelo A., a virtualidade de transferir o inicio da contagem do prazo prescricional, para o momento em que cessar a utilização do nome e imagem do A..”

IV.
1).1. Passamos ao conhecimento da 1.ª questão.
A sentença – e, por extensão legal, os despachos judiciais (art. 613/3 do CPC) – pode estar viciada por duas causas distintas: por padecer de um erro no julgamento dos factos e do direito – o denominado error in judicando –, sendo a consequência a sua revogação pelo tribunal superior; por padecer de um erro na sua elaboração e estruturação ou por o julgador ter ficado aquém ou ter ido além daquilo que constituía o thema decidendum, sendo a consequência a nulidade, conforme previsto no art. 615 do CPC. Nas situações do primeiro tipo, estão em causa vícios intrínsecos do ato de julgamento; nas do segundo, vícios formais, extrínsecos ao ato de julgamento propriamente dito, antes relacionados com a sua exteriorização ou com os seus limites. Neste sentido, inter alia, RG 4.10.2018 (1716/17.8T8VNF.G1), Eugénia Cunha, RG 30.11.2022 (1360/22.8T8VCT.G1), Maria João Pinto de Matos, e RG 15.06.2022 (111742/20.8YIPRT.G1), Rosália Cunha.
Diz o n.º 1 do art. 615 do CPC, na parte que releva, que “[é] nula a sentença quando: (…) c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
Como a jurisprudência vem assinalando, o vício ocorre quando os fundamentos de facto e/ou de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão. Trata-se, pois, de um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso. A propósito, inter alia STJ 8.10.2020 (361/14.4T8VLG.P1.G1), Maria do Rosário Morgado, 20.05.2021 (69/11.2TBPPS.C1.S1), Nuno Pinto Oliveira, e 15.11.2021 (2534/17.9T8STR.E2.S1), Isaías Pádua.
Não se trata de um simples erro material (em que o julgador, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia – contradição ou oposição meramente aparente), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo julgador conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, direção diferente (contradição ou oposição real).
Por outro lado, o vício em apreço também não se confunde com o denominado erro de julgamento – isto é, com “a errada subsunção dos factos concretos à correspondente hipótese legal, nem, tão pouco, a uma errada interpretação da norma aplicada, vícios estes apenas sindicáveis em sede de recurso jurisdicional”, cf. STJ 17.11.2020 (6471/17.9T8BRG.G1.S1), Maria João Vaz Tomé.
***
1).2. Verificada a nulidade, cabe ao Tribunal ad quem supri-la, salvo se não dispuser dos elementos necessários para esse efeito, por força do disposto no art. 665/1 do CPC, donde resulta que, ainda “que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objeto da apelação” (n.º 1); e, se “o tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, deve delas conhecer no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários” (n.º 2).
Deste modo, como escreve António Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 7.ª ed., Coimbra: Almedina, julho de 2022, pp. 387-388), “ainda que a Relação confirme a arguição de alguma das (…) nulidades da sentença, não se limita a reenviar o processo para o tribunal a quo. Ao invés, deve prosseguir com a apreciação das demais questões que tenham sido suscitadas, conhecendo do mérito da apelação, nos termos do art. 665º, nº 2.” Logo, “a anulação da decisão (v.g. por contradição de fundamentos ou por omissão de pronúncia) não tem como efeito invariável a remessa imediata do processo para o tribunal a quo, devendo a Relação proceder à apreciação do objeto do recurso, salvo se não dispuser dos elementos necessários”, já que só “nesta eventualidade se justifica a devolução do processo para o tribunal a quo.”
Daqui não resulta qualquer preterição do contraditório do duplo grau de jurisdição: conforme escreve Miguel Teixeira de Sousa (“Nulidade da sentença; regra da substituição – Jurisprudência 2019 (83)”, Blog do IPPC[1]), “a garantia do duplo grau de jurisdição vale para cima, não para baixo. Quer isto dizer que a consagração do duplo grau de jurisdição visa assegurar que uma decisão possa ser apreciada por um tribunal superior, não que o tribunal superior tenha de fazer baixar o processo ao tribunal inferior para que este o aprecie e para que, depois, o processo lhe seja remetido em recurso para nova apreciação.” Acrescentamos que já no preâmbulo do DL nº 329-A/95, de 12.12, se afirmava expressamente a opção do legislador pela supressão de um grau de jurisdição, a qual seria, no seu entendimento, largamente compensada pelos ganhos em termos de celeridade na apreciação das questões controvertidas pelo tribunal ad quem.
***
1).3. De acordo com a tese recursiva, a sentença enferma de contradição na medida em que depois de considerar que novas versões dos jogos com a imagem e o nome do Recorrente ainda hoje são lançadas com uma periodicidade anual acaba por concluir que o termo a quo do prazo de prescrição é marcado pela data de lançamento do primeiro jogo.
Relembrando que o vício em questão se materializa quando os fundamentos de facto e/ou de direito aduzidos pelo julgador conduzam, por imperativo lógico-discursivo, a uma solução diametralmente oposta àquela que é expressa no dispositivo da decisão, tratando-se, portanto, de um erro endógeno à própria estrutura silogística da sentença, que compromete a sua coerência interna, e não de uma mera divergência quanto ao mérito da apreciação jurídica, diremos que a decisão a quo, não obstante reconhecer a factualidade atinente à continuidade da utilização da imagem e nome do Autor (cf. pontos 8, 9, 11 e 12 da fundamentação de facto), não incorre em ilogismo.
A tese assumida pelo Tribunal de 1.ª instância, explicitada na sua fundamentação de direito, radica numa interpretação de que o critério de contagem do prazo prescricional, estabelecido no art. 306/1 do Código Civil, possui um caráter objetivo, obstando a que a natureza continuada ou duradoura do ato lesivo desloque o dies a quo. Sublinha, nesse particular, a irrelevância da circunstância de novos jogos serem lançados ou versões anteriores serem repostas no mercado para efeitos do início da contagem da prescrição. Tal exegese é, aliás, expressamente fundamentada na adesão ao entendimento plasmado no AUJ de 15.06.2023, segundo o qual o termo inicial do prazo prescricional deve coincidir com o momento do conhecimento dos pressupostos do direito, independentemente de os danos reclamados ainda se encontrarem em produção.
Perante isto, a linha de raciocínio prosseguida pelo Tribunal a quo, concorde-wse ou não com ela, revela-se coerente e destituída de antinomia interna. O que se configura, na verdade, não é uma contradição entre as premissas e a conclusão da sentença, mas antes uma divergência interpretativa quanto à subsunção dos factos provados às normas jurídicas aplicáveis, especificamente no que concerne ao regime da prescrição do direito de indemnização em situações de ilicitude prolongada ou sucessiva. Trata-se, por conseguinte, de um possível erro de julgamento (error in judicando) e não de um vício formal que macule a validade da sentença.
A resposta à 1.ª questão é, portanto, negativa.
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2).1. Vejamos agora a 2.ª questão, na qual está em causa a decisão do Tribunal de 1.ª instância de antecipar, para o despacho saneador, proferido em sede de audiência prévia, o conhecimento do mérito da causa em resultado da procedência da exceção perentória da prescrição do direito de indemnização que o Recorrente pretende fazer valer através da ação.
Como se pode ler em RG 20.02.2025 (3333/24.7T8VNF.G1), do presente Relator, no despacho saneador, depois de ter concluído pela inexistência de exceções dilatórias (art. 595/1, a), do CPC), o juiz vê-se confrontado com a hipótese de conhecimento imediato do mérito da causa[2], o que sucederá, na expressão da lei (art. 595/1, b), do CPC), “sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.” Quando assim não suceda – isto é, quando, atingida a fase do saneamento, os aspetos fácticos relevantes, debatidos pelas partes nos respetivos articulados, se mostrem controvertidos –, o processo terá de avançar para as fases ulteriores, com vista à instrução e julgamento, o que pressupõe a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova (art. 596 do CPC).
A questão que se coloca ao juiz é, portanto, saber se a causa reúne as condições necessárias para que a decisão final possa ser proferida, sem necessidade de mais provas, no despacho saneador.
Assim sucederá, desde logo, nas ações em que a matéria de facto já se encontra adquirida no termo da fase dos articulados, em virtude de confissão, admissão, ou de documento junto aos autos, restando apenas ao juiz providenciar pelo seu enquadramento jurídico, seja no sentido da procedência, seja no da improcedência da ação, conforme os factos preencham ou não a previsão normativa correspondente à causa de pedir ou à exceção perentória. Nada haverá, então, a discutir em termos factuais, pelo que toda a atividade processual subsequente carecerá de objeto, impondo-se a antecipação da decisão “primeiro, por uma questão de economia processual, depois, por uma questão de razoabilidade jurídica” (Paulo Pimenta, A Fase do Saneamento do Processo Antes e Após a Vigência do Novo Código de Processo Civil, Coimbra: Almedina, 2003, p. 279). E isto quer a decisão deva ser favorável a uma ou a outra das partes.
Assim sucederá, também, quando seja indiferente, para qualquer das soluções plausíveis da causa, a prova dos factos que permanecem controvertidos. Neste sentido, ensina António Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, II, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2000, pp. 136-137), que “[s]e, de acordo com as plausíveis soluções da questão de direito, a decisão final de modo algum puder ser afetada com a prova dos factos controvertidos, não existe qualquer interesse na elaboração da base instrutória e, por isso, nada impede que o juiz profira logo decisão de mérito.” É indiferente que a decisão deva ser favorável ao autor ou ao réu. Como escreve o mesmo autor (idem), “[s]e o conjunto dos factos alegados pelo autor (factos constitutivos) não preenche de modo algum as condições de procedência da ação, torna-se indiferente a sua prova e, por conseguinte, inútil toda a tarefa de seleção da matéria de facto, instrução e julgamento da mesma. Mutatis mutandis, quando se trate de apreciar de que forma os factos alegados pelo réu poderão interferir na decisão final. Se tais factos, enquadrados na defesa por exceção ou por impugnação, ainda que provados, se revelarem insuficientes ou inócuos para evitar a procedência da ação, não existe qualquer razão justificativa do adiamento da decisão.”
Assim sucederá, ainda, quando todos os factos controvertidos careçam de prova documental. Em tal situação não fará sentido fazer prosseguir a ação uma vez que tais factos estão subtraídos à livre apreciação do julgador (art. 607/5, 2.ª parte do CPC), podendo ser adquiridos logo na fase do saneamento mediante a apresentação dos documentos destinados à sua prova, em resposta a convite estribado no disposto no art. 590/2, c), do CPC.
Assim sucederá, finalmente, quando, não obstante persistir o dissenso quanto a parte dos factos alegados pelas partes, o juiz conclua que estes não assumem relevo para a decisão, justificando-se o julgamento antecipado. Ainda seguindo António Abrantes Geraldes (Temas cit., p. 138), o juiz deve aqui guiar-se por um critério objetivo e não subjetivo. Apesar de “se considerar intimamente habilitado a solucionar o diferendo, partindo apenas do núcleo de factos incontroversos, pode isso não ser suficiente se, porventura, outras soluções jurídicas, carecidas de melhor maturação e de apuramento de factos controvertidos puderem ser legitimamente defendidas.” Neste sentido aponta o art. 662/2, c), do CPC vigente, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06, que, à semelhança do art. 712/4 do anterior diploma, aprovado pelo DL n.º 44 129, de 28 de dezembro de 1961, na redação do DL n.º 303/2007, de 24.08, consagra a possibilidade de a Relação, mesmo oficiosamente, anular a decisão da 1.ª instância e ordenar a realização de julgamento para apuramento de matéria de facto controvertida “quando considere indispensável a ampliação” do quadro factual a considerar na decisão. Com efeito, “se assim é, não parece que haja vantagens em avançar imediatamente para a decisão de mérito sem primeiro averiguar, em concreto, de entre os factos controvertidos, quais os que, interessando potencialmente a qualquer das saídas permitidas pelo sistema legal, se devem considerar provados” (António Abrantes Geraldes, Temas cit., p. 139).” A esta luz, a antecipação do conhecimento do mérito para a fase do saneador “deve supor o apuramento de todos os factos que permitam uma solução final segura” (ibidem), que não seja afetada pela evolução ulterior do processo em sede de recurso. No mesmo sentido, Paulo Pimenta (A Fase do Saneamento cit., pp. 281-282), Lebre de Freitas / Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, II, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2019, p. 659) e António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, I, Coimbra: Almedina, 2018, p. 697). Na jurisprudência, RG 16.02.2017 (4716/15.9T8VCT-A.G1), Pedro Damião e Cunha, RP 10.05.2021 (4348/19.2T8AVR.P1), Miguel Baldaia de Morais, RP 24.05.2021 (5900/20.9T8PRT-A.P1), Eugénia Cunha, e RC 5.04.2022 (449/20.2T8LRA.C1), José Avelino Gonçalves.
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2).2. Isto dito, estamos perante uma ação através da qual o Recorrente, pelo menos em primeira linha, pretende imputar na esfera jurídica da Recorrida os danos decorrentes do uso, alegadamente indevido, que esta fez da sua imagem e nome, o que nos remete para o instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos (cf. art. 483 e ss. do Código Civil). Neste contexto, a Recorrida defende-se, na contestação, deduzindo, além do mais, a prescrição do direito do Recorrente, com fundamento no disposto no n.º 1 do art. 498 do Código Civil, onde se pode ler que “[o] direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.”
Na decisão recorrida, o Tribunal a quo entendeu, a um tempo, que o prazo de prescrição do direito à indemnização pretendida se conta a partir do momento em que o Recorrente teve conhecimento que a sua imagem e o seu nome estão a ser utilizados pela Recorrida, independentemente de tal utilização assumir natureza continuada, e, a outro, que a data em que esse facto chegou ao conhecimento do Recorrente está já adquirida em resultado das posições que sobre ele foram assumidas pelas partes.
Sendo estes os dois pilares da fundamentação, vejamos a bondade do enunciado em segundo lugar.
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2).3. Se bem percebemos, o Tribunal a quo considerou como adquirido que o Recorrente tomou conhecimento, no ano de 2011, de que a Recorrida vem utilizando, “desde final de setembro de 2011 (data de lançamento do jogo de vídeo X 2012)”, a sua imagem e o seu nome nos jogos que produz e comercializa, por tal facto, alegado na contestação, não ter sido impugnado na resposta que, por iniciativa do Tribunal, o Recorrente apresentou à “matéria excetiva invocada na contestação.”
Recordemos que, na contestação, a Recorrida invocou expressamente a prescrição do direito de indemnização formulado pelo Recorrente dizendo, em síntese, que este teve conhecimento da utilização da sua imagem e nome em 2011, o que se deduz da notoriedade dos jogos, sobretudo junto dos jogadores de futebol da geração do Recorrente. Na dita resposta, o Recorrente afirmou a irrelevância do momento em que teve conhecimento da utilização da sua imagem e nome por estar em causa um direito imprescritível e, em qualquer caso, um dano prolongado no tempo, que perdura, pelo que o cômputo do prazo de prescrição apenas terá início com a cessação da situação antijurídica, sem tomar uma posição sobre aquela concreta afirmação.
Quid inde?
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2).3.1. Em primeiro lugar, cumpre dizer que não suscita dúvida que o facto em questão marca, de acordo com a tese jurídica seguida na decisão recorrida, o termo inicial do prazo de prescrição, a qual se apresenta como uma causa extintiva do direito que o Recorrente pretende ver satisfeito através da ação, configurando, portanto, defesa por exceção perentória (cf. art. 586/3 do CPC).
Em segundo lugar, acrescenta-se, para dissipar dúvidas, que é de refutar a tese da Recorrida no sentido de o lançamento (e o conteúdo?) dos jogos X e das suas sucessivas edições serem “factos notórios per se (…), nos termos do art. 5.º, n.º 2, alínea c), 1.ª parte, do CPC.”
Com efeito, factos notórios, como tais não carecidos de alegação e prova, “são aqueles que são do conhecimento geral, aqueles que são do conhecimento regional ou local ou ainda aqueles que qualquer pessoa pode conhecer através de meios de informação comuns (como, p. ex., a correspondência entre uma data e um dia da semana)” (Miguel Teixeira de Sousa, Código de Processo Civil Online, CPC: art. 1.º a 129.º, Versão de 2024/09, p. 12).
Significa isto, conforme se expende em STJ 25.10.2005 (05A3054), Silva Salazar, que um concreto facto, para ser notório, tem de ser conhecido, “não bastando para tal classificação qualquer conhecimento, pois é indispensável um conhecimento de tal modo extenso e difundido que o facto apareça como evidente, revestido de um carácter de certeza resultante do conhecimento do facto por parte da massa dos portugueses que possam considerar-se regularmente informados por terem acesso aos meios normais de informação.” Dizendo de outra forma, com recurso às palavras de RG 15.10.2020 (1952/19.2T8GMR.G1), Maria dos Anjos Nogueira, “[n]ão se podem considerar como notórios os factos que sejam do conhecimento de um sector restrito de pessoas, com informação muito acima da média ou de um sector muito específico (ex. problemas de natureza económica, ocorrências ou práticas de funcionais de uma profissão).” 
Ora, o lançamento de um jogo de computador, por parte da Recorrida, facto que apenas interessa aos cidadãos que apreciam esse tipo de entretenimento, por muito alargado que seja o seu universo, não preenche o apontado requisito da notoriedade, como a propósito de um caso semelhante foi considerado em RG 28.11.2024 (3853/20.2T8BRG.G2), relatado pela Juíza Desembargadora Lígia Venade, no qual o ora Relator interveio como segundo Adjunto. Por maioria de razão, o concreto conteúdo do jogo, onde se inserem aspetos como o desenho e nome das personagens respetivas, não merece semelhante classificação.
De qualquer modo, o que releva para o conhecimento da prescrição, de acordo com o entendimento jurídico seguido pela 1.ª instância, não é propriamente o lançamento do jogo, mas o momento em que o Recorrente teve conhecimento desse lançamento e, bem assim, de que no jogo é feito uso da sua imagem e do seu nome.
Esse conhecimento, ainda que pertencente ao foro interno do Recorrente, constitui per se um facto, suscetível de prova. Como se pode ler, em STJ 17.12.2019 (756/13.0TVPRT.P2.S1), Maria da Graça Trigo, “factos são não só os acontecimentos externos, mas também os estados emocionais e os eventos do foro interno, psíquico.” O que sucede, acrescentamos, é que a apreensão de tais realidades não pode ser feita de forma direta. É o que explica Michele Taruffo, La Prueba des los Hechos, 2.ª ed., Madrid: Trotta, 2005, p. 166, quando escreve que “[q]uando o facto juridicamente relevante é verdadeiramente um facto psíquico (não redutível ou reconduzível a uma declaração), quase nunca é determinado diretamente. O verdadeiro objeto do conhecimento do juiz, pelo contrário, são indícios que tendem a ser recolhidos em esquemas tipificados, sob a premissa de que esses indícios típicos produzem com razoável segurança a determinação do facto psíquico em questão, ao qual a norma atribui consequências normativas. No entanto, é muito discutível a ideia de que, realmente, nestas situações, o juiz determina a verdade ou a existência de um facto psíquico interno da mesma forma que determina presuntivamente um facto material do qual não tem prova direta. Em vez disso, o que acontece é que o juiz conhece apenas indícios que se encaixam num esquema típico e, com base nesse conhecimento, considera subjacente o pressuposto de facto que se está a tentar determinar. Dizer que, neste caso, estamos perante uma determinação indireta, mas tipificada do facto psíquico é talvez uma complicação formal inútil.” Daqui resulta que é provavelmente mais realista pensar que os factos psíquicos não são realmente determinados; são antes substituídos por uma constelação de indícios que são tipicamente considerados equivalentes a eles e que representam o verdadeiro objeto da determinação probatória. Em resumo, como também escreve Michele Taruffo, “o facto psíquico interno não existe como objeto de prova e a sua definição normativa é apenas uma formulação elíptica cujo significado se reduz às circunstâncias específicas do caso concreto.”
É neste contexto que deve ser enquadrada a alegação da Recorrida, que assim não representa mais do que o desfiar de um conjunto de factos probatórios que poderão indicar aquele outro (conhecimento, por parte do Recorrente, de que a Recorrida fez uso da sua imagem e do seu nome) que constitui, de acordo com a solução jurídica preconizada na decisão recorrida, facto essencial da exceção perentória da prescrição adrede invocada.
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2).3.2. Como se afigura evidente, também os factos do foro interno, como aquele que está em discussão, podem ser processualmente adquiridos, seja por confissão, seja por admissão nos articulados (cf. art. 607/1 do CPC).
Na primeira situação, está em causa a confissão enquanto declaração expressa de reconhecimento de um facto desfavorável ao declarante e favorável à parte contrária (art. 352 do Código Civil). No segundo, uma figura autónoma, como ensinam Lebre de Freitas / Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, II, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2019, pp. 534 e 571), autores que, na senda de João de Castro Mendes, sugerem ser mais adequado distingui-la, reservando para ela o termo admissão. Com efeito, entre a confissão (stricto sensu) e a admissão, podem ser identificadas as seguintes diferenças: ao contrário do que sucede com a confissão, a admissão não exige que o facto admitido seja desfavorável ao admitente; não opera quanto a factos para cuja prova a lei exige documento escrito, relativamente aos quais a confissão é, admitida (art. 364/2 do Código Civil); não é impugnável, como a confissão (art. 359 do Código Civil); só é eficaz no processo em que for produzida, não tendo a eficácia extraprocessual da confissão.
O ponto axial da resposta à questão enunciada passa, assim, por saber se o facto, alegado pela Recorrida na contestação, foi admitido pelo Recorrente na resposta que, a convite do Tribunal, apresentou sobre as exceções invocadas.
Procedendo à exegese de tal resposta, segundo os cânones dos arts. 236 e 238 do Código Civil, como se impõe – os articulados das partes mais não são que declarações de vontade dirigidas ao tribunal e à parte contrária (cf. Paula Costa e Silva, Ato e Processo, Coimbra: Coimbra Editora, 2003, pp. 450-451; e E. Santos Júnior, “Ónus de impugnação e admissão por acordo de factos não impugnados (art. 490 do Código de Processo Civil”, Cadernos de Direito Privado, n.º 12, outubro / dezembro de 2005, pp. 54 e ss., maxime pp. 63-64) –, diremos que o Recorrente não tomou uma posição específica sobre o facto em questão, cujo ónus probatório recai indiscutivelmente sobre a Recorrida (cf. art. 342/2 do Código Civil) – id est, não disse que o aceitava nem que o impugnava ou, dito de outra forma, guardou sobre ele o silêncio. A sua argumentação, cópia da antecipada na petição inicial, centrou-se em dois pontos distintos: na suposta imprescritibilidade do direito, que afasta a relevância de qualquer data de conhecimento; e na natureza continuada do dano, que, na sua tese, desloca o início do prazo de prescrição para o momento da cessação da ilicitude.
Isto permite-nos concluir que não é possível retirar da referida resposta uma admissão do facto – a qual, de resto, a existir, sempre redundaria, em rigor, numa confissão.
Mas pode essa admissão ser a consequência do descrito comportamento processual do Recorrente?
Uma consequência processual negativa para a parte, como é a admissão de um facto que a desfavorece e favorece a parte contrária, apenas pode ser afirmada quando e onde exista o incumprimento de um ónus. É porque o réu tem, ademais dos ónus da contestação e da concentração da defesa na contestação (arts. 569/1 e 573/1 do CPC), o ónus de “tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor” (art. 574/1 do CPC), que se consideram “admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito” (art. 574/2). É por ter semelhante ónus quanto aos factos que constituem a causa de pedir do pedido reconvencional deduzido pelo réu ou, no caso de ação de simples apreciação negativa, dos factos constitutivos do direito alegados pelo réu, que o autor tem não apenas o ónus de apresentar a réplica, mas também o de “tomar posição definida” quanto a tais factos (art. 587/1 do CPC).
Como se constata, qualquer uma destas situações é tratada pelo legislador como um ónus: prevê-se que a parte deve adotar um determinado comportamento processual, sob pena de ter de suportar uma consequência negativa.
O mesmo ónus estava previsto, no domínio do CPC de 1961, aprovado pelo DL n.º 44 129, de 28.12, para a resposta do autor às exceções aduzidas na contestação, o que decorria do alargamento do âmbito funcional da réplica previsto no n.º 1 do art. 503, conjugado depois com o art. 505 que, ao remeter para o art. 490, cominava a falta do articulado ou a falta de impugnação especificada com a admissão dos novos factos alegados pelo réu. Esta previsão foi, porém, eliminada no novo CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26.06. Agora, sobre a resposta às exceções invocadas na contestação e à impugnação dos respetivos factos constitutivos, apenas rege a norma geral do n.º 4 do art. 3.º do CPC, a qual, ao dizer que “[à]s exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”, não parece estar a impor um ónus, com a consequente cominação, mas a conceder uma faculdade.
Neste enquadramento legal, não podemos deixar de aderir ao entendimento expresso em RP 23.05.2022 (19815/19.0T8PRT.P1), António Mendes Coelho, no qual, a propósito da falta de impugnação especificada, em articulado apresentado pelos autores a convite do tribunal, dos factos constitutivos da exceção perentória de caducidade invocada pela ré na contestação, se escreveu:

“E foi por via do funcionamento desse articulado de resposta da autora que o tribunal recorrido considerou admitida por acordo, porque não impugnada, aquela factualidade.
Mas, já se adianta, não podemos concordar com tal entendimento.
Desde logo, não pode funcionar aqui o ónus de impugnação de factos alegados na contestação previsto no art. 587º nº1 do CPC, pois este, como resulta da sua inserção, é restrito aos casos de admissibilidade legal de réplica previstos nos nºs 1 e 2 do art. 584º – neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 4ª edição, Almedina, 2019, pág. 610, nota 2 ao art. 587º, precisando estes mesmos autores a págs. 605, na anotação 3 ao art. 584º, que “A resposta às exceções arguidas na contestação passou, em regra, a ter lugar nos termos do art. 3-4; mas, quando haja lugar a réplica nos termos do nº1, o articulado deve, em homenagem ao princípio da economia processual, servir também para o autor responder às exceções arguidas. Esperar para tanto pela audiência prévia, ou pela audiência final, quando de qualquer modo o articulado vai ser apresentado, não faria sentido. Está, por isso, o autor neste caso onerado com a impugnação dos factos impeditivos, modificativos e extintivos alegados pelo réu, bem como com a resposta às exceções dilatórias que ele haja arguido na contestação, como mostram os arts. 572-c e 587-1; se o não fizer, os factos alegados pelo réu ter-se-ão por provados, em termos idênticos e com as mesmas exceções do art. 490” (sublinhado nosso).
Por outro lado, e como também se refere na obra supra citada, pág. 610, “Quando não haja lugar a réplica (ou porque o réu não tenha deduzido reconvenção, ou porque não se esteja perante ação de simples apreciação negativa) e o réu tenha invocado uma exceção, a falta de resposta a esta faz-se nos termos do art. 3-4, já sem o efeito cominatório do art. 574” (sublinhados nossos).
Efetivamente, dos termos da previsão do art. 3º nº4 do CPC (cujo funcionamento o Sr. Juiz, por via do despacho que se referiu, antecipou) a conclusão que podemos retirar é que ali se prevê uma mera faculdade (diz-se ali que “… pode a parte contrária responder…”) e não um ónus e, como tal, que a falta de impugnação dos factos integradores de exceções invocadas no último articulado não pode ter como consequência a sua admissão, pois sobre o autor não impende o ónus de os impugnar mas antes a mera faculdade de, quanto a tais factos, exercer o contraditório [neste sentido, vide também: Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 33, anotação 4, e pág. 505; José Lebre de Freitas, in “A Ação Declarativa Comum à luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 143, onde sintetiza que “A parte «pode», por isso, responder às exceções, mas não «deve», como o réu ao contestar (art, 574-1) ou o autor ao replicar (art.587-1)”; o recente acórdão do STJ de 22/2/2022 (proc. nº3152/20.0T8VNG.P1.S1, relator Conselheiro José Rainho), disponível em www.dgsi.pt, onde se sumaria que “I - A lei não impõe, no que se refere à falta de resposta no quadro do n.º 4 do art. 3.º do CPC, um ónus de impugnação, de sorte que não há aqui lugar à admissão de factos por falta da sua impugnação.”; e o comentário do Sr. Conselheiro Urbano Dias publicado no “Blog do IPPC” em 14/4/2015 (disponível em https://blogippc.blogspot.com/) sob o título “O artigo 3º, nº4, do nCPC: extensão do ónus de impugnação ou mera faculdade de exercício do contraditório”, onde se faz uma análise bem detalhada da questão em referência].”

No mesmo sentido, podem ver-se ainda: a propósito do ónus de resposta, STJ 22.02.2022 (3152/20.0T8VNG.P1.S1), José Rainho, e RG 23.05.2022 (19815/19.0T8PRT.P1), José Amaral; a propósito do ónus de impugnação, RL 23.01.2024 (4488/20.5T8ALM-B.L1), Paulo Ramos de Faria[3], podendo ler-se neste último que:

 “Embora a redação da norma não seja a mais clara, o legislador não pretendeu impor ao autor o ónus de impugnar os novos factos alegados pelo réu, no momento previsto no art. 3.º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil, nos casos em que não é admissível a réplica”, acrescentando-se, em suporte, que “[p]or um lado, este artigo está (sistematicamente) incluído num capítulo dedicado à réplica. Por outro, a intenção do legislador – promovendo a simplificação e a celeridade processuais –, presente na eliminação da tréplica e na limitação da função da réplica, é clara. Seria, pois, absurdo sustentar que foi seu propósito tornar a audiência prévia e a audiência final mais complexas – o que até inviabilizaria a sua programação –, comportando uma fase inicial verdadeiramente necessária, de resposta à contestação, nos referidos casos em que a réplica não é admissível. Finalmente, a imposição de um ónus deste tipo implicaria, sob pena de violação do princípio da igualdade, que o réu também ficasse a ele sujeito, relativamente aos factos novos alegados na réplica. Ora, nenhuma disposição legal obriga o réu a impugnar a matéria da réplica no momento previsto no art. 3.º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil – como transparece da sua epígrafe, o artigo em análise apenas diz respeito à posição do autor quanto aos factos articulados pelo réu.
A atribuição de um efeito ao silêncio da parte sobre os factos alegados pela parte contrária tem um carácter claramente excecional (arts. 218.º e 295.º do Cód. Civil). Seguramente que o autor pode responder à matéria de exceção na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final (art. 3.º, n.º 4, do Cód. Proc. Civil). Mas deste direito (de contraditório) não se pode extrair um ónus de impugnação. A factualidade excecionada pelo réu tem-se sempre por controvertida, podendo o autor, ainda na fase dos articulados, no prazo previsto na segunda parte do n.º 2 do art. 552.º, do Cód. Proc. Civil, oferecer contraprova sobre a mesma (art. 346.º do Cód. Civil) – cf. o Ac. do TRP de 23-05-2022 (19815/19.0T8PRT.P1), bem como a doutrina no mesmo citada.”

Não ignoramos que este entendimento, defendido, na doutrina, por Lebre de Freitas / Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, I, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2019, p. 30, e II, 4.ª ed., Coimbra: Almedina, 2019, p. 610), Paulo Ramos de Faria / Ana Luísa Loureiro (Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Coimbra: Almedina, 2013, pp. 464-465) e Urbano Aquiles Dias (“O artigo 3.º, n.º 4, do nCPC: extensão do ónus de impugnação ou mera faculdade de exercício do contraditório”, disponível no Blog do IPPC[4]) não é unânime na jurisprudência e na doutrina.
Assim, na jurisprudência, em STJ 23.01.2024 (481/19.9T8LLE.C1.S1), Maria Clara Sottomayor,  a propósito da omissão de resposta às exceções deduzidas pelo réu na contestação, entendeu-se estar em causa um ónus e não uma mera faculdade, pelo que a consequência é a produção do efeito cominatório previsto no art. 574 do CPC, “por tal ser a solução que mais promove o equilíbrio entre a posição processual de ambas as partes e por decorrer do estipulado no artigo 587.º, n.º 1, do CPC, que, remetendo para o artigo 574.º, prevê a admissão por acordo, não só para a falta de apresentação de réplica, mas também para a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu, devendo entender-se aqui incluídos os factos em que o réu fundamenta as exceções no último articulado admissível.”
Na doutrina, António Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Pires de Sousa (Código de Processo Civil Anotado, I, Coimbra: Almedina, 2018, p. 21), também a propósito da resposta às exceções, afirmam estar em causa um ónus e não uma mera faculdade, “de modo que a falta de resposta à matéria de exceção terá como efeito a produção do efeito cominatório previsto no art. 574.º, n.º 2, a não ser que a matéria em causa já tenha sido antecipadamente impugnada ou colida, porventura, com a defesa considerada no seu conjunto. No mesmo sentido, Miguel Teixeira de Sousa (“Questões sobre matéria de prova no nCPC”, Blog do IPPC[5]),  sustenta que «[o] art. 3.º, n.º 4, nCPC dispõe que às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não se realizando esta, no início da audiência final. Este preceito regula a forma de a parte (normalmente o autor) exercer o seu direito ao contraditório quanto às exceções alegadas (normalmente pelo réu) e de aquela parte cumprir o ónus de impugnação dessas exceções. Acrescente-se que o facto de o legislador do nCPC – ou melhor, o legislador da AR que aprovou o nCPC – ter suprimido a réplica como articulado de resposta do autor às exceções alegadas pelo réu não significa a supressão do ónus do réu de impugnar aquelas exceções. Mudou – para pior, talvez se possa dizer – a forma como a resposta da contraparte à alegação da exceção pode ser realizada, mas permaneceu intacto o ónus de contestação da exceção por essa contraparte.» Também João de Castro Mendes / Miguel Teixeira de Sousa (Manual de Processo Civil, II, Lisboa: AAFDL, 2022, p. 75, entendem que: “(a) Se o processo não comportar réplica, a resposta às exceções deduzidas pelo demandado na contestação pode ocorrer na audiência prévia ou, não comportando o processo esta audiência, no início da audiência final (art. 3.º, n.º 4). São estes os momentos em que, conforme os casos, o autor pode cumprir o seu ónus de impugnação das exceções alegadas pelo réu na contestação. (b) Qualquer solução que retirasse do disposto no art. 3.º, n.º 4, uma dispensa da impugnação pelo autor das exceções invocadas pelo réu traduzir-se-ia na criação de uma inaceitável desigualdade entre as partes e, portanto, numa violação do princípio da igualdade das partes (art. 4.º; no plano constitucional, cf. art. 13.º CRP). A referida desigualdade verificar-se-ia num duplo sentido: - Num primeiro sentido, dado que, enquanto o réu tem o ónus de contestar os factos constitutivos alegados pelo autor, este autor não teria o ónus de contestar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos invocados pelo réu; portanto, em termos de ónus de impugnação, aquela dispensa traduzir-se-ia num benefício do autor em relação ao réu; - Num segundo sentido, porque, enquanto o autor só tem de provar os factos constitutivos que alega se os mesmos forem impugnados pelo réu, este réu teria de provar os factos impeditivos, modificativos ou extintivos que invocasse, mesmo que o autor não os tivesse impugnado; novamente, agora em termos de ónus da prova, o autor seria beneficiado e o réu prejudicado.”
Como bem se escreve no citado RP 23.05.2022, estas observações, sendo embora pertinentes, desconsideram que os ónus processuais têm de estar inequivocamente estabelecidos na legislação processual de modo a que cada sujeito processual possa prever as consequências que derivam da sua omissão. A falta da sua previsão, ainda que revele um tratamento discriminatório do legislador face a situações processuais materialmente equiparáveis, não pode ser suprida pelo intérprete por via da analogia ou sequer de uma interpretação extensiva, conforme, foi entendido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 760/2022, de 15.12 (Processo n.º 930/2022)[6], Pedro Machete, e replicado no Acórdão n.º 77/2023, de 14.03 (processo n.º 574/2022)[7], Teles Pereira, nos quais se pode ler que “num processo equitativo, não podem aceitar-se efeitos preclusivos intensos sobre direitos essenciais das partes (…) com base em regras pouco claras. Ou, dito de outro modo, quanto mais intenso é o efeito preclusivo (intensidade medida pela centralidade do direito afetado), mais exigente deve ser o intérprete com a clareza da regra na qual esse efeito se baseia, clareza que se há de buscar, antes de mais, na própria letra da lei, regra que visa evitar que o risco interpretativo seja desproporcionadamente alocado à parte, com sacrifício dos seus direitos processuais, e injustificadamente aliviado do lado do legislador, que tem o dever de sinalizar com clareza os efeitos desfavoráveis, principalmente a supressão de direitos processuais de grande importância.” Assim foi entendido no citado RL 23.01.2024, onde se concluiu que “uma interpretação do enunciado do n.º 1 do art. 587.º do Cód. Proc. Civil conforme à Const. Rep. Port. – mais precisamente, ao n.º 4 do seu art. 20.º – obriga a que se conclua que, não havendo lugar a réplica, a matéria de facto respeitante às exceções tem-se por não admitida por acordo.”
A convicção que temos quanto à bondade deste entendimento (de lege lata) sai reforçada quando consideramos que o julgador tem ao seu dispor um mecanismo que lhe permite evitar a aporia normativa. Com efeito, as normas dos arts. 6.º/1 e 547 do CPC permitem que o juiz, em atenção às particularidades do caso concreto, além de introduzir no encadeado de atos que é o processo um terceiro articulado, destinado à antecipação da resposta às exceções deduzidas na contestação, que se assim não fosse apenas teria lugar na audiência prévia ou na audiência final, preveja, através de uma formulação inequívoca, uma consequência para a sua não apresentação ou para a não impugnação dos factos que a propósito de tal questão foram introduzidos pelo réu. Neste sentido, para além do citado 23.01.2024, pode ver-se RG 14.11.2024 (3731/21.8T8BRG.G2), Maria Amália Santos. Foi exatamente assim que sucedeu no caso apreciado em RP 9.01.2025 (2160/20.5T8PNF.P2), Aristides Rodrigues de Almeida, em que a 1.ª instância convidou o autor a responder à matéria das exceções deduzidas pela ré na contestação, “com a advertência vertida nos arts. 587.º, n.º 1, e 574.º do CPC.”
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2).4. Do exposto, decorre que o Tribunal a quo incorreu em erro de direito ao considerar o facto relativo ao momento em que o Recorrente teve conhecimento de que a Recorrida estava a usar a sua imagem e o seu nome como admitido por acordo.
Como demonstrámos, a ordem jurídico-processual vigente não comina o silêncio do autor perante factos constitutivos da defesa por exceção aduzida pelo réu com a sua admissão de factos em sede de resposta, salvo se, no uso dos seus poderes de gestão, o juiz expressamente advertir o autor dessa consequência preclusiva. Dizendo de outra forma, a mera faculdade de exercício do contraditório, prevista no art. 3.º/4 do CPC, não se transmuta em ónus cominatório, sob pena de violação do princípio da legalidade processual e de criação de uma exigência intoleravelmente surpreendente para a parte. Semelhante leitura da norma do art. 587 do CPC seria desconforme ao n.º 4 do art. 20 da CRP.
Por conseguinte, a factualidade relativa ao momento em que Recorrente teve conhecimento da utilização indevida da sua imagem e nome permanece controvertida e, como tal, carece de produção de prova. A sua consideração como facto assente, e a subsequente procedência da exceção de prescrição, revelam uma decisão prematura.
A resposta à 2.ª questão é, portanto, afirmativa.
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3). Com a resposta dada à 2.ª questão, fica prejudicado o conhecimento das questões seguintes.
Apenas se acrescenta, a propósito da 3.ª, que a 1.ª instância, considerando que foi alegado um único dano prolongado no tempo, aderiu ao entendimento segundo o qual o momento em que o Recorrente teve conhecimento de que a Ré estava a utilizar a sua imagem e o seu nome nos jogos X marca o termo a quo do prazo de prescrição previsto no art. 498 do Código Civil, e refutou outras soluções jurídicas da questão, como aquela que é defendido pelo Recorrente. Seguiu, para esse efeito, adaptando-a, a fórmula jurisprudencial consagrada no AUJ de 15 de junho de 2023, proferido no processo n.º 1290/20.4T8FAR-A.E1.S1-A, relatado pelo Juiz Conselheiro José Manuel Vieira e Cunha, do seguinte teor: “O termo inicial do prazo de prescricional, estabelecido no art. 498.º, n.º 1, do Código Civil, do direito de indemnização, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual decorrente de ocupação ilícita de imóvel, deverá coincidir com o momento em que o lesado adquira conhecimento dos factos que integram os pressupostos legais do direito invocado, independentemente de, à data do início da contagem daquele prazo, ainda não ter cessado a produção dos danos que venham a ser reclamados.”
Não teve, porém, na devida atenção, salvo o devido respeito, que é também controvertido se cada um dos três jogos em que foi utilizada a imagem e o nome do Recorrente é autónomo em relação aos demais e, bem assim, se cada uma das sucessivas versões de tais jogos integra um novo dano aos direitos de personalidade do Recorrente alegadamente violados. A ser assim, estaremos perante uma pluralidade de danos, ocorridos – e, logo, conhecidos – em diferentes momentos temporais e não perante um único dano continuado. Neste enquadramento, pode ler-se no citado RP 9.01.2025 que “o facto de ser conhecido que numa determinada edição isso [o uso do nome e da imagem do lesado] acontece não implica que passe a ser conhecido antecipadamente que as edições posteriores continuarão a fazê-lo, uma vez que cada versão é uma versão nova, apresentada ao público como uma versão modificada e melhorada, e cujo conteúdo é decidido pelo titular dos direitos de edição do jogo, não tendo um terceiro como saber qual foi essa decisão antes de aceder à nova versão, necessariamente depois do lançamento desta e só depois disso.”
A consideração deste aspeto implicaria que a decisão recorrida tivesse de ser considerada como prematura, ao menos em relação aos jogos e respetivas versões lançados após o denominado X 2012.
Prosseguindo a ação, o que apenas não sucederá se o Tribunal a quo entender que é possível antecipar o conhecimento do mérito com fundamento diverso do que foi considerado na decisão recorrida, os temas da prova deverão, por um lado, refletir estas questões de facto e, por outro, fazê-lo em termos que contemplem todas as “soluções plausíveis” no plano jurídico, certo como é que a fórmula jurisprudencial consagrada no referido AUJ – ainda não transitado em julgado nem publicado na I Série do Diário da República (cf. arts. 687/5 e 695/1 do CPC e art. 3.º/2, i), da Lei n.º 74/98, de 11.11), condições da sua eficácia qua tale–, ainda que possa ser aproveitada, a pari ratione, para os danos decorrentes da violação de direitos de personalidade, como o direito à imagem e ao nome, não mereceu uma aprovação unânime, como se pode constatar pelos doze votos de vencido que foram expressos.
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4). Na procedência do recurso, as custas respetivas devem ser suportadas pela Recorrida: art. 527/1 e 2 do CPC.
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V.
Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar o presente recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida que julgou verificada a exceção perentória da prescrição e absolveu a Recorrida dos pedidos formulados pelo Recorrente e determinam o prosseguimento dos ulteriores termos processuais.
Custas pela Recorrida.
Notifique.
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Guimarães, 24-07-2025

Os Juízes Desembargadores,
Gonçalo Oliveira Magalhães
Fernando Manuel Barroso Cabanelas
João Peres Coelho


[1] https://blogippc.blogspot.com/2019/09/jurisprudencia-2019-83.html
[2] Esta afirmação deve ser burilada à luz do disposto no art. 278/3 do CPC, de acordo com o qual o conhecimento do mérito pode ganhar autonomia em relação à aferição dos pressupostos processuais no sentido de que, não obstante a falta de um destes, é possível o conhecimento do mérito da causa. Assim sucederá quando esteja em causa um pressuposto processual destinado a assegurar, em exclusivo, os interesses da parte e a decisão de mérito se apresente como favorável a essa parte. A propósito, Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed., Lisboa: Lex, 1997, pp. 82-86, e António Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I, Coimbra: Almedina, 1997, p. 29, nota 16.
[3] :::Mostradoc jurel
[4] Blog do IPPC: O artigo 3.º, n.º 4, do nCPC: extensão do ónus de impugnação ou mera faculdade de exercício do contraditório
[5] Blog do IPPC: Questões sobre matéria de prova no nCPC
[6] TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 760/2022
[7] TC > Jurisprudência > Acordãos > Acórdão 77/2023