Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1889/23.0T9VNF.G1
Relator: ANABELA VARIZO MARTINS
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTE
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
ILICITUDE CONSIDERAVELMENTE DIMINUÍDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- O legislador consagrou, no âmbito da actividade delituosa de tráfico de estupefacientes, um tipo legal base — o crime de tráfico de estupefacientes — previsto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
II — Paralelamente, previu um tipo privilegiado, no artigo 25.º do mesmo diploma, sob a epígrafe "Tráfico de menor gravidade", aplicável quando a ilicitude do facto se revele consideravelmente diminuída, em razão de circunstâncias objectivas e concretas, como, nomeadamente, os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, bem como a qualidade e a quantidade dos produtos estupefacientes.
III — O artigo 21.º abrange todas as formas de tráfico — grande, médio ou pequeno — desde que, no caso do pequeno tráfico, não se verifique um quadro de acentuada diminuição da ilicitude que justifique a aplicação do tipo privilegiado previsto no artigo 25.º.
IV —No domínio do tráfico de menor gravidade, o critério decisivo é a imagem global do facto, resultante de uma valoração conjunta e ponderada de todos os elementos relevantes.
V — Perante a factualidade apurada — a imagem global dos factos — e as circunstâncias concretas em que o recorrido desenvolveu a actividade delituosa, nomeadamente : o período que se dedicou ao tráfico de estupefacientes (de Outubro de 2022 a 3 de Janeiro de 2024); a persistência e regularidade da conduta; a estrutura relativamente organizada, com o envolvimento de co-arguidos e familiares, a existência de dois locais de venda distintos, bem como a diversidade e natureza das substâncias comercializadas — heroína, cocaína e canábis (resina), sendo as duas primeiras vulgarmente classificadas como drogas duras — as quantidades apreendidas (29 doses de heroína, 283 de cocaína e 314 de canábis) e a quantidade de indivíduos a quem vendeu (pelo menos, 58 indivíduos), não se pode concluir pela existência de uma acentuada diminuição da ilicitude. Nessa medida, mostra-se adequado o enquadramento jurídico da conduta no crime de tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

I.1. No Processo Comum Colectivo n.º 1889/23.0T9VNF, que corre termos no Juízo Central Criminal de ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de ..., realizado julgamento, foi proferido Acórdão, no dia 12 de Julho de 2024, com o seguinte dispositivo (na parte que releva):

«A) Absolver os arguidos AA, BB, CC e DD da prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C.
A) Condenar o arguido AA pela prática como autor e como reincidente de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 75º e 76º do Código Penal, e pelo art.º 25º, al. a) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao disposto no art.º 21º, nº1 do mesmo diploma legal e à Tabela Anexa I-B, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão;
(…)
C) Condenar o arguido BB pela prática como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 75º e 76º do Código Penal, e pelo art.º 25º, al. a) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, por referência ao disposto no art.º 21º, nº1 do mesmo diploma legal e à Tabela Anexa I-A, I-B e I-C, na pena de 3 (três) anos de prisão;
D) Suspender, pelo período de 3 (três) anos, a execução da pena de prisão aplicada nos termos da alínea D), ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, n.ºs 1 e 5, 51.º, n.º 1, al. c), 53.º e 54.º, todos do Código Penal, e artigo 494.º do Código de Processo Penal, subordinada ao cumprimento pelo arguido de um regime de prova assente num plano de reinserção social executado com vigilância e apoio da DGRSP, tendo em vista alcançar os seguintes objectivos, entre outros que, porventura, forem delineados: [i] confronto do arguido com as suas acções e tomada de consciência das suas condicionantes e consequências em ordem a prevenir o cometimento no futuro de factos de idêntica natureza; [ii] proibição de consumir produtos estupefacientes e de frequentar locais conotados com esse consumo e/ou tráfico de substâncias estupefacientes, sujeitando-se a testes de despistagem sempre que assim for determinado por essa entidade para efeitos de fiscalização; [iii] iniciar tratamento que lhe seja prescrito para a sua toxicodependência – já consentido –, comparecendo às consultas agendadas e cumprindo os planos terapêuticos instituídos, podendo tal tratamento implicar o internamento do mesmo em instituição adequada para o efeito, caso se mostre necessário; e [iv] procura de uma ocupação profissional a tempo inteiro e organização e estruturação do tempo disponível.
G) Nos termos dos artigos 35.º, n.º 2 e 62.º, n.ºs 4, 5 e 6 do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, decide-se declarar perdidas a favor do Estado a totalidade das substâncias estupefacientes apreendidas nos presentes autos, e consequentemente ordenar a destruição da amostra guardada em cofre (cfr. artigo 62.º, n.º 6 do Diploma legal citado).
H) Nos termos do artigo 36.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/1993, de 22 de janeiro, e artigo 109.º, n.º 1 do Código Penal, decide-se declarar perdido a favor do Estado o dinheiro apreendido aos arguidos AA e BB, por se tratar de produto/recompensa da atividade de tráfico de estupefaciente desenvolvida pelos arguidos,
I) Nos termos do artigo 35º, nº1, do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, e artigo 109.º, n.º 1 do Código Penal, decide-se declarar perdido a favor do Estado Declarar perdido a favor do Estado os telemóveis, balanças, facas, tesouras, x-actos e os sacos herméticos apreendidos nos autos, por se tratarem de instrumentos do crime de tráfico de estupefaciente praticado pelos arguidos.
J) Determinar que se proceda à recolha da amostra de ADN ao arguido BB, nos termos e para os efeitos do artigo 8.º, n.º 2 da Lei n.º 5/2008, de 12 de fevereiro.
K) A medida de coação de termo de identidade e residência (TIR) só se extinguirá com a extinção da pena (cfr. artigo 214.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal).
L) Revogar a medida de coação de prisão preventiva aplicada aos arguidos AA e BB, nos termos dos artigos 212.º, n.º 1, al. b) e 213.º, ambos do Código de Processo Penal.
M) Aplicar ao arguido AA a medida de coação de obrigação de apresentação periódica, de se apresentar uma vez por semana, durante o horário de expediente, no posto policial da área da sua residência, cumulada com a proibição de se ausentar para o estrangeiro sem autorização, com as necessárias comunicações às autoridades e a entrega do respectivo passaporte, nos termos, previstos nos arts. 198, n.º 1 e 2º e 200º, n.º 1, al. b) e n.º 3 do CPP.
N) Condenar os arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (cinco unidades de conta), cada um, reduzidas a metade para o arguido DD face à sua confissão integral e sem reservas, (na forma como foram dados os factos provados), nos termos do artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo, sem prejuízo do eventual apoio judiciário que beneficiem.

I.2. Inconformados com tal decisão, o arguido AA e o Ministério Público interpuseram recurso, apresentando a respectiva motivação, que finalizaram com as conclusões que a seguir se transcrevem:

A) Do arguido AA:

I. Salvo melhor opinião, a condenação do Arguido pela prática como autor e como reincidente de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão bem como ter sido decretado perdido a favor do Estado o dinheiro apreendido ao arguido, por alegadamente se tratar de produto/recompensa da atividade de tráfico de estupefaciente desenvolvida pelo arguido, enferma de uma clamorosa injustiça, e baseia-se numa errada apreciação da matéria de facto e uma incorreta aplicação da lei e é totalmente desprovido de bom senso e razoabilidade que devem pautar as decisões judiciais.
II. Venerandos Desembargadores o recorrente clamou a sua inocência logo após ter sido detido e interrogado pelo Juiz de Instrução Criminal, porquanto nesse interrogatório, desde logo, o Recorrente referiu que a droga não era sua mas sim do companheiro da sua filha BB. É de relembrar que quando o Recorrente denunciou que a droga era do BB este estava em liberdade.
III. Em sede de julgamento o Arguido BB confirmou que a droga em causa era sua e que o Recorrente, a seu pedido, apenas guardou a bolsa onde a droga se encontrava enquanto ia à casa de banho.
IV. Ninguém desmentiu tal versão dos factos. Mais, nenhum dos vários consumidores que foram ouvidos em Tribunal referiu que tinha comprado droga ao Recorrente. Todos, sem exceção, confirmaram que compraram droga ao BB. 
V. O Recorrente sente-se injustiçado pela pena de prisão 2 (dois) anos e 3 (três) meses, que lhe foi aplicada, por considerar que deveria ser absolvido.
VI. O Tribunal a quo deu erradamente como provados no que ao Recorrente respeita os factos constantes dos pontos 20, 21, 22 e 44 da matéria de facto dada como provada no douto Acórdão recorrido.
VII. Salvo o devido respeito por opinião diversa, atenta a prova carreada para os autos e a produzida em sede de audiência de discussão e julgamento (ou ausência da mesma), o Tribunal a quo deveria ter dado como não provados os aludidos factos.
VIII. Venerandos Desembargadores, a prova produzida de que o produto estupefaciente não pertencia ao Recorrente, bem como que o mesmo não é traficante, foi a seguinte: declarações credíveis e espontâneas do Recorrente acerca da proveniência do produto estupefaciente; a confissão do detentor (o Arguido BB) dos produtos estupefacientes e demais material associado ao tráfico de que tais produtos lhe pertenciam; o facto de o Recorrente não ter sido apanhado a traficar, nem com droga em mais nenhuma situação; nenhum dos consumidores de estupefacientes ter identificado o Recorrente como vendedor de estupefacientes; bem como o facto que nos 10 meses decorridos de Outubro de 2022 até ao dia em que o Recorrente foi detido (14-08-2023) inexistir qualquer prova de tráfico de droga por parte do Recorrente.
IX. Atenta a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, nomeadamente o depoimento credível e espontâneo do Recorrente, em sede de primeiro interrogatório, no dia 16-08-2023, (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 16-08-2023, entre as 16:55:57 horas e as 17:07:21 horas, por referência à acta do auto de interrogatório de Arguido), o depoimento credível e espontâneo do Recorrente, em sede audiência de julgamento, no dia 19-06-2024, que com as suas limitações na verbalização das suas palavras disse o seguinte (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 19-06-2024, entre as 10:49 horas e as 10:54 horas, por referência à acta), o depoimento do Arguido BB (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 05-01-2024, entre as 11:11:13 horas e as 11:29:47 horas por referência à acta do auto de interrogatório de Arguido), o depoimento da testemunha EE (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 19-06-2024, entre as 11:10 horas e as 11:31 horas por referência à acta), o depoimento da testemunha FF (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 19-06-2024, entre as 11:33 horas e as 12:01 horas por referência à acta), o depoimento da testemunha GG (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 19-06-2024, entre as 14:49 horas e as 15:05 horas, por referência à acta),  o depoimento da testemunha HH (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 19-06-2024, entre as 15:06 horas e as 15:21 horas, por referência à acta), o depoimento da testemunha II (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 28-06-2024, entre as 14:40 horas e as 14:49 horas, por referência à acta do dia 28-06-2024), e o depoimento da testemunha JJ (depoimento gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal, no dia 28-06-2024, entre as 15:02 horas e as 15:06 horas, por referência à acta), os factos constantes dos pontos 20, 21, 22 e 44 da matéria de facto dada, injustamente, como provada deveriam ter resultado como não provados.
X. O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 20 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte: “No dia 14.08.2023, foi o arguido AA surpreendido, no hall de entrada do bloco ..., quando este saía da residência do r/chº, local onde o arguido BB procedia à venda de estupefacientes.”
XI. O Recorrente indicou a quem pertencia o produto estupefaciente, tendo inclusive o Arguido BB confessado que a droga lhe pertencia!!
XII. O Recorrente descreveu com clareza, apesar das suas grandes dificuldades de comunicação, o que sucedeu naquele dia, isto é, que se encontrava a sair do hall de entrada do bloco ... e que o seu genro BB lhe pediu que olhasse pela bolsa que continha o produto estupefaciente enquanto ia à casa de banho.
XIII. Aliás, o genro do Recorrente, BB confessou os factos quando foi ouvido pelo tribunal a quo, já como Arguido nos presentes autos. O Arguido BB tinha-se deslocado à casa de banho do seu apartamento, sito no rés-do-chão, tendo deixado a bolsa com o produto estupefaciente em cima da caixa do correio, razão pela qual pediu ao seu sogro para “olhar” pela bolsa.
XIV. A testemunha EE, agente da PSP que realizou a detenção do Recorrente não viu, em momento algum, o Recorrente a traficar produto estupefaciente!! Como se pode verificar pelo depoimento do Agente EE, o facto de não ter visto o Arguido BB naquele momento não faz com que o mesmo não se encontrasse lá! O agente EE não entrou na referida habitação, onde o Arguido BB se encontrava na casa de banho, pelo que não pode dizer se o mesmo se encontrava ou não lá.
XV. Basearmos uma pena de prisão no facto de o agente não ter visto o Arguido que confessou os factos é completamente impensável.
XVI. Apenas esta testemunha coloca o Arguido como traficante de produto estupefaciente, e o mesmo nem sequer entrou na habitação para comprovar que o Recorrente se encontrava a dizer a verdade. Se o tivesse feito, como aliás deveria, o Arguido BB de imediato teria assumido que aquele produto estupefaciente lhe pertencia!
XVII. Aliás, o próprio acórdão proferido pelo Tribunal a quo menciona que “Não obstante o depoimento deste agente da PSP, o certo é que nenhuma testemunha ouvida em sede de julgamento referiu que tenha comprado produto estupefaciente ao arguido AA, nem ele próprio o viu a vender.
XVIII. Assim, parece-nos por demais evidente que o Tribunal a quo deveria ter dado como não provados os factos constante do ponto 20 da matéria de facto dada como provada.
XIX. O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 21 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte: “Nessa abordagem, o arguido AA tinha na sua posse, uma bolsa, de cor ..., com a indicação ..., que continha no seu interior o seguinte: 89 (oitenta e nove) pedras de cocaína (éster metílico), com o peso de 8,596 gramas (correspondentes a 82 doses individuais) e com o peso de 5,061 gramas (correspondentes a 118 doses individuais).”
XX. Por uma questão de economia processual damos como integralmente reproduzido o referido na impugnação do ponto 20 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, na medida em que o Recorrente esclarece a quem pertence o produto estupefaciente, bem como o Arguido BB confessa que o produto estupefaciente apreendido ao Recorrente lhe pertencia e que o Recorrente nunca vendeu com ele.
XXI. Os referidos produtos estupefacientes e demais material associado ao tráfico dos mesmos NÃO PERTENCIAM AO RECORRENTE.
XXII. O Recorrente identificou o seu próprio Genro, BB, que apelida de KK, como sendo quem efetivamente traficou nas circunstâncias em apreço nos autos. O Recorrente foi sincero, correto, concreto e preciso e IDENTIFICOU O SEU PRÓPRIO GENRO de forma bastante clara, tendo o Arguido BB confessado tais factos!
XXIII. Assim é por demais óbvio que o Tribunal a quo deveria ter dado como não provados os factos constante do ponto 21 da matéria de facto dada como provada.
XXIV. O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 22 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte: “No bolso das calças que o arguido AA trajava, o mesmo possuía um saco plástico, contendo recortes em plástico, usados no doseamento do estupefaciente e ainda 1 (um) telemóvel, marca ...; 1 (uma) nota do BCE, de valor facial de 50€; 2 (duas) notas do BCE, de valor facial de 20€.”
XXV. O Recorrente apanhou uns plásticos que estavam pelo chão e meteu-os ao bolso com intuito de os deitar ao lixo!! Ademais, não é o facto de o Recorrente poder ter com ele plásticos que faz dele um traficante de estupefacientes!
XXVI. Tal como a mala preta que continha os produtos estupefacientes, também os plásticos pertenciam ao referido Arguido, tendo o Recorrente encontrado os mesmos no chão, para colocar no lixo.
XXVII. O Recorrente tinha ainda consigo uma nota de 50€ (cinquenta euros) e duas notas de 20€ (vinte euros), num total de 90€ (noventa euros) em notas, as quais resultavam da reforma que o mesmo tinha recebido da sua progenitora, que se encontra presa.
XXVIII. O Recorrente, como aliás explicou ao Tribunal a quo sobrevive com a pensão de velhice atribuída à sua mãe que se encontra presa, para além de que, ter 90€ na sua posse, não faz do Recorrente um traficante!
XXIX. Venerandos Desembargadores, de todas as testemunhas ouvidas, todos os consumidores que habitualmente compravam no Bairro ..., compravam ao Arguido BB e NUNCA COMPRARAM AO RECORRENTE!
XXX. Era de esperar que entre tantos compradores e consumidores, alguém identificasse o Recorrente como vendedor, se o mesmo o tivesse feito.
XXXI. Venerandos Desembargadores, é evidente que o ponto 22 da matéria de facto dada como provada foi erradamente dado como provado pelo Tribunal a quo.
XXXII. O Tribunal a quo não poderia dar como provado o ponto 44 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo, onde consta o seguinte: “O arguido AA agiu de forma deliberada, livre, e conscientemente, muito embora conhecesse o carácter proibido e criminalmente punível da sua conduta.”
XXXIII. Como supra já explicado, o Recorrente não praticou os factos pelos quais foi condenado, sendo uma completa injustiça a pena que lhe foi aplicada, porquanto o mesmo é INOCENTE, para além de que o Recorrente não se encontra na posse de todas as capacidades mentais.
XXXIV. Diga-se, desde já, em abono da verdade que o Tribunal a quo foi totalmente insensível ao estado físico, psíquico e mental do Recorrente, porquanto, o mesmo revela-se um HOMEM FRÁGIL, MAGRO, COM MUITAS DIFICULDADES EM ENTENDER O QUE LHE É DITO E DE SE EXPRESSAR E É UMA PESSOA DOENTE, como aliás resulta dos documentos juntos aos autos, aquando do 1.º interrogatório do Arguido – resumo de informação clínica, relatório do Hospital e exame de psiquiatria forense.
XXXV. O Tribunal a quo face à prova documental carreada nos autos no dia do 1.º interrogatório do Arguido, deveria desde logo ter considerado o Recorrente como uma pessoa que sofre de anomalia psíquica, o que errada e ilegalmente não fez, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos. XXXVI. Venerandos Desembargadores, infelizmente, o estado de saúde do Recorrente já lhe motivou um internamento compulsivo na urgência do Serviço de Psiquiatria do Hospital de ... em Outubro de 2020, constando aliás tal informação da sentença proferida no âmbito do processo judicial n.º4585/20.7T8BRG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Local Criminal de ... – Juiz ..., bem como no âmbito do processo judicial n.º90/20.0PFBRG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de ... - Juízo Local Criminal de ... – Juiz ..., o estado de saúde mental do Arguido foi avaliado e o mesmo foi julgado inimputável por anomalia psíquica.
XXXVII. Venerandos Desembargadores, perante o quadro clínico supra descrito do Recorrente, e já assente em diversos processos judiciais, urge questionar ab initio o seguinte: porque não foi este Homem considerado como uma pessoa com anomalia psíquica e qual a capacidade que este homem doente tem para traficar o que quer que seja e qual a sua capacidade para gerir o negócio de tráfico de droga?!
XXXVIII. Venerandos Desembargadores, a resposta parece-nos evidente: NENHUMA!
XXXIX. Assim, o arguido AA nunca agiu de forma deliberada, livre e conscientemente, nas circunstancias relatadas nos autos.
XL. Venerandos Desembargadores, perante as declarações credíveis e espontâneas do Recorrente acerca da proveniência do produto estupefaciente, a confissão do Arguido BB de que os produtos estupefacientes e demais material associado ao tráfico dos mesmos eram sua propriedade, o facto de o Recorrente nunca ter sido visto a traficar, nenhum dos consumidores de estupefacientes identificar o Recorrente como vendedor de estupefacientes, a falta de credibilidade do depoimento da Testemunha EE, agente da PSP, e perante o facto de não haver nos autos um único registo fotográfico que permita ver o Recorrente a traficar, dúvidas não podem subsistir de que os produtos estupefacientes e demais material apreendido associado ao tráfico, melhor descritos nos pontos 21 e 22 da matéria de facto dada erradamente como provada pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido, NÃO PERTENCIAM AO RECORRENTE.
XLI. Venerandos Desembargadores, NÃO EXISTE nos autos UM ÚNICO REGISTO FOTOGRÁFICO do qual se permita ver o Recorrente a traficar qualquer produto estupefaciente entre os dias 28-10-2022 e o dia 14-08-2023, NÃO EXISTE QUALQUER ESCUTA TELEFÓNICA da qual resulta a transação de droga, NEM EXISTE QUALQUER PRODUTO ESTUPEFACIENTE apreendido no referido período, bem como INEXISTE nos presentes autos qualquer prova de que o Recorrente tenha gizado qualquer plano para vender droga, ou, que dele faça parte!!
XLII. Não há uma única testemunha a relatar nos presentes autos que viu e/ ou ouviu o Recorrente a gizar um plano para vender droga ou que o mesmo faz parte de tal plano.
XLIII. Como os Venerandos Desembargadores, bem saberão o Bairro ... é diariamente vigiado pelos Agentes Policiais por forma a combater a criminalidade do tráfico da droga, tendo sido vigiado durante o período supramencionado, não obstante, ao Recorrente, no período de 10 meses a que aludem os presentes autos, apenas foi supostamente referenciado uma vez pelo tráfico de droga em 14-08-2023.
XLIV. Posto isto, Venerandos Desembargadores, é com base na INEXISTENTE PROVA e em meras suposições e convicções pessoais que o Tribunal a quo decidiu dar como indicados os referidos pontos e assim aplicar a pena ao Recorrente.
XLV. Pelo que condenar o Recorrente apenas e tão só, com base no depoimento de um agente da PSP que afirma não se encontrar o Arguido BB no momento da detenção, sem que o mesmo tivesse sequer entrado na casa para ver se realmente o Arguido lá se encontrava é deveras injusto e MANIFESTAMENTE INSUFICIENTE!

XLVI. Venerandos Desembargadores, o Tribunal a quo para além da incorreta apreciação da matéria de facto, conforme supra se demonstrou, também errou e interpretou incorretamente a lei, fazendo uma errada interpretação e aplicação do direito.
XLVII. Venerandos Desembargadores, o Recorrente entende que o Tribunal a quo incorreu em clamoroso erro na valoração da prova que levou a cabo, nomeadamente por decidir erradamente valorar apenas o depoimento das testemunha Agente da PSP EE, que acabou por admitir que o Arguido BB poderia efetivamente encontrar-se na casa de banho (o que de imediato conformaria os depoimentos prestados pelo Recorrente e pelo Arguido, que depuseram nesse sentido), o Recorrente tem que acreditar que V. Exas. do Alto da Vossa Sapiência e maior experiência saberão apreciar pelo total desacerto da decisão recorrida.
XLVIII. Com o devido respeito Venerandos Desembargadores, no caso concreto, não estamos perante uma simples situação que recaia no princípio da livre apreciação da prova, mas sim uma total existência de prova que permite afirmar que o Recorrente não era o dono/ proprietário, nem tinha na sua posse qualquer produtos estupefacientes nem qualquer material associado ao tráfico dos mesmos, conforme erradamente consta dos pontos 20, 21, 22 e 44 da matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido.
XLIX. Dos autos resultam depoimentos credíveis e espontâneos do Recorrente e do Arguido BB,  que afirmaram convictamente que os produtos estupefacientes e demais material associado ao tráfico eram pertença do Arguido BB,
L. Bem como as testemunhas LL, MM, GG, HH, II e JJ, consumidores de produto estupefaciente, relataram ao Tribunal que apenas compraram produto ao Arguido BB, nunca compraram ao Recorrente AA!!!!
LI. Perante tudo o exposto, dúvidas não podem subsistir de que os produtos estupefacientes e demais material apreendido associado ao tráfico, melhor descritos nos pontos 20, 21, 22 e 44 da matéria de facto dada erradamente como provada pelo Tribunal a quo no acórdão recorrido, NÃO PERTENCIAM AO RECORRENTE.
LII. Atenta a prova carreada nos autos e produzida em sede de audiência de discussão e julgamento ou ausência da mesma, o Tribunal a quo só poderia ter, ao abrigo e com observância do princípio da presunção da inocência que deve nortear todo o processo penal, absolvido o Recorrente do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade pelo qual foi condenado.
LIII. Sendo certo que só não o fez porque, em total violação do princípio da livre apreciação da prova, da descoberta da verdade material, da presunção da inocência e do in dúbio pro reo, decidiu julgar com base em meras suposições e convicções de índole pessoal, o que é manifestamente ilegal.
LIV. Ninguém pode ser condenado sem efetiva prova da prática dos factos pelos quais venha acusado, não pode o Julgador alicerçar a convicção, a motivação e fundamentação em provas indiretas, em suspeições e em conjeturas pessoais não sindicáveis nem controláveis.
LV. Tanto equivale a dizer que a interpretação da norma contida no art.º 127º do CPP, sob pena de violação dos princípios constitucionais não permite que o Julgador forme a sua convicção contra a prova, com a falta de prova positiva dos factos imputados ao arguido, aqui Recorrente, incorrendo assim o Tribunal a quo, ao não ter dado como não provados os factos supra mencionados em erro notório na valoração e apreciação da prova e consequência da apreciação da matéria de facto, violando os princípios da livre apreciação da prova, da descoberta da verdade material, da presunção do inocência e do in dúbio pro reo.

LVI. Venerandos Desembargadores, do alto da Vossa sapiência e maior experiência, certamente que irão absolver o Recorrente do crime de tráfico de produtos estupefacientes de menor gravidade pelo qual foi condenado.
LVII. Acresce que, ao não ter decido pela suspensão da pena aplicada ao Recorrente, o Tribunal a quo fez uma incorreta aplicação do direito bem como uma incorreta valoração da prova carreada nos autos.
LVIII. O Tribunal a quo ao ponderar na escolha da pena a aplicar ao crime em questão deveria ter dado prevalência a pena não privativa da liberdade e na sua impossibilidade, deveria pelo menos suspender a pena de prisão na sua execução!!
LIX. Não se vislumbram quaisquer razões ou factos para que tal opção não tivesse sido tomada, nem na fundamentação do Acórdão recorrido resulta suficiente justificação em sentido contrário, mostrando-se a pena de prisão suspensa na sua execução adequada e suficiente à realização das finalidades da punição.
LX. Prevê a lei que quando a pena de prisão não for superior a 5 anos deverá ser suspensa na sua execução, quando perante as circunstâncias ocorrentes, o Tribunal concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
LXI. À aplicação do instituto da suspensão da pena subjaz, pois, um juízo de prognose social favorável ao delinquente, juízo esse que tem por base a presunção ou expectativa de que este sentirá a sus condenação como advertência e que não voltará a delinquir.
LXII. A suspensão da execução acompanhada das medidas e das condições admitidas por lei que forem adequadas a cada situação permite manter as condições de sociabilidade próprias à condição da vida pelos valores do direito como fatores de inclusão, evitando os riscos de fratura familiar, social, laboral e comportamental como fatores de exclusão. (Cfr., neste sentido, Ac.STJ, de 25/06/03, www.dgsi.pt).
LXIII. A suspensão da execução da pena de prisão não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas, antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos.
LXIV. In casu, tendo em conta o tipo de crime em causa e ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, 51.º, 52.º, 53.º e 54.º do Código Penal e o artigo 494.º do Código de Processo Penal, deveria o Tribunal a quo ter entendido que a censura do facto e a ameaça da prisão seriam no caso suficientes para realizar de forma adequada as finalidades da punição.
LXV. Nesta conformidade, deveria o Tribunal a quo ter lançado mão da suspensão da execução da pena de prisão, condicionando, se assim o entendesse, ao cumprimento de certos deveres ou obrigações.
LXVI. Em face do supra exposto, o Tribunal a quo, ao não decidir no sentido das conclusões anteriores violou, os princípios constitucionais do in dubio pro reo, da verdade material e o principio da presunção da inocência, bem como os principio da livre apreciação da prova e da descoberta da verdade material, e ainda, entre outros, o disposto nos artigos 13, 18.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, no artigo 26.º do Código Penal, nos artigos 118º, 124º, 125º, 126º, 127º, 128º, 129º, 141º n.º4 al. b), 141º n.º5, 146.º, 164.º, 174º, 175º, 176º, 177º, 340º, 344º, 348º, 355º, 356º e 357º, do Código de Processo Penal e no artigo 25º do Decreto- Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro.»

B) DO MINISTÉRIO PÚBLICO

«a. A previsão legal do artigo 21º, do Decreto-Lei n.º 15/93 contém a descrição típica do crime de tráfico de estupefacientes, de maneira compreensiva e de largo espectro, contendo o tipo base, fundamental, essencial, matricial. Trata-se de um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação.
Tem sido englobado na categoria do "crime exaurido", "crime de empreendimento" ou "crime excutido". É um crime de perigo comum. E é, também, um crime de perigo abstracto. E consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido (a saúde pública na dupla vertente física e moral).
b. Por seu turno, o artigo 25º, do Decreto-Lei n.º 15/93, epigrafado de “tráfico de menor gravidade”, é um crime de tráfico de estupefacientes privilegiado relativamente ao tipo fundamental (previsto no artigo 21º), punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, quando se tratar das substâncias previstas nas tabelas I a III, V e VI anexas ao diploma. Esse privilegiamento assenta numa considerável diminuição da ilicitude do facto, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”. O privilegiamento deste tipo legal de crime não resulta, pois, de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (artigo 21º do mesmo diploma), mas sim da verificação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir exemplificativamente “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo assim a porta à densificação doutrinal e jurisprudencial do conceito de “menor gravidade”.
c. Na senda dessa densificação, dir-se-á que assumem particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade: (1) o tipo dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração a sua danosidade para a saúde, habitualmente expressa na distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”; (2) a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim, avaliada não só pelo peso, mas também pelo grau de pureza; (3) a dimensão dos lucros obtidos; (4) o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida; (5) a afetação ou não de parte das receitas conseguidas ao financiamento do consumo pessoal de drogas; (6) a duração temporal da atividade desenvolvida; (7) a frequência (ocasionalidade ou regularidade), e a persistência no prosseguimento da mesma; (8) a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes, tendo em conta nomeadamente a distância ou proximidade com os consumidores; (9) o número de consumidores contactados; (10)a extensão geográfica da atividade do agente; (11) a existência de contactos internacionais; (11) o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização e meios sofisticados.
d. Estas circunstâncias devem ser avaliadas globalmente. Dificilmente uma delas, com peso negativo, poderá obstar, por si só, à subsunção dos factos a esta incriminação, ou, inversamente, uma só circunstância favorável imporá essa subsunção. Exige-se sempre uma ponderação que avalie o valor, positivo ou negativo, e respetivo grau, de todas as circunstâncias apuradas e é desse cômputo total que resultará o juízo adequado à caracterização da situação como integrante, ou não, de tráfico de menor gravidade.
e. É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21º.
f. A existência de critérios padrão que permitam, ou facilitem, a subsunção da factualidade apurada numa das normas incriminadoras, tem vindo a ser pacificamente reconhecida, havendo mesmo um consenso alargado quanto aos mesmos.
g. Do mesmo modo, é unanime que as circunstâncias relativas a cada um desses critérios devem ser avaliadas globalmente, sendo que qualquer uma delas pode assumir-se com maior ou menor relevância, consoante a preponderância que tiver em concreto.
h. No caso em apreço cumpre atentar ao seguinte:
- a actividade de tráfico de estupefacientes levada a cabo pelo arguido BB prolongou-se por, pelo menos, um ano de dois meses (de Outubro de 2022 a 03 de Janeiro de 2024), conforme decorre do ponto  1. dos factos provados. Ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo entendemos que o período em causa assume já uma relevância que não permite concluir pela existência de uma considerável diminuição da ilicitude.
- por outro lado, ficou demonstrado que o arguido BB actuou segundo um plano previamente gizado (cfr. ponto 2. dos factos provados), contando com a colaboração do co-arguido DD e, depois, CC, em que estes eram seus subalternos, cabendo-lhes as funções bem definidas de chamamento e encaminhamento dos consumidores para os locais de venda (cfr. ponto 5 dos factos provados). Esta circunstância é reveladora de um grau de organização que, embora não muito sofisticada, também não permite concluir pela existência de uma considerável diminuição da ilicitude.
- também reveladora da elevada censurabilidade da sua conduta a circunstância do arguido BB se aproveitar da vulnerabilidade dos seus subordinados DD e CC, ambos consumidores de heroína, os quais trabalhavam para si a troco de comida, produto estupefaciente (heroína) ou, residualmente, pequenas quantias (cfr. declarações confessórias do arguido BB relatadas no segundo parágrafo de fls. 1083 verso).
- ainda a este propósito de notar que, conforme resulta do ponto 15. dos factos provados, o arguido BB contava ainda com a colaboração de familiares na actividade de tráfico de estupefacientes (cfr. ponto 15. dos factos provados).
- ficou também demonstrado que o arguido BB tinha dois locais de venda. A fracção onde habita, no rés-do-chão, mas também o apartamento no 1.º andar, ocupado pelo arguido AA, pai da sua companheira. Estes factos resultam da conjugação da matéria dada como provada nos pontos 3. e 11º dos factos provados, bem como das declarações confessórias do arguido BB (cfr., a este propósito, segundo parágrafo de fls. 1083 verso).
- de notar também que o arguido BB foi objecto de abordagem pelas autoridades policiais com apreensão de produtos estupefacientes (no caso, haxixe) nos dias 28 de Outubro de 2022 e 28 de Fevereiro de 2023 (cfr. pontos 06., 07. e 17. a 19. dos factos provados), e ainda assim persistiu na sua actividade de tráfico até 03 de Janeiro de 2024, data da sua detenção. Esta circunstância é também reveladora de um grau de culpa elevado.
- relevante também o facto de no momento da detenção do arguido CC, em 03 de Janeiro de 2024, o mesmo tinha na sua posse uma balança de precisão (cfr. ponto 34. dos factos provados), o que faz concluir que o arguido BB, com o auxílio do seu subordinado, procedia à dosagem e pesagem dos produtos estupefacientes que vendia.
- de vital importância também a circunstância de, no período em causa (de Outubro de 2022 a 03 de Janeiro de 2024), não ser conhecida ao arguido BB qualquer actividade laboral nem qualquer fonte licita de rendimentos, vivendo o mesmo da actividade de tráfico de estupefacientes que desenvolvia (cfr. ponto 42. Dos factos provados). Este facto, só por si, é também revelador de um grau de culpa elevada.
- por outro lado, de realçar também o universo de clientes do arguido BB, que se apurou ser, pelo menos, de 58 indivíduos [cfr., a este propósito, ponto b) da fundamentação de fls. 1090]. Ao contrário do defendido pelo Tribunal a quo, entendemos que este número de clientes não é baixo mas sim significativo.
- por último a circunstância mais relevante. O facto do arguido BB se dedicar, entre o mais, à venda de cocaína e heroína, tidas vulgarmente como drogas duras (conforme decorre dos pontos 1., 11., 14., 15., 25. a 27., 28., 29., 30., 32., 33. e 35. dos factos provados). Na verdade, ficaram comprovadas vendas de cocaína e/ou heroína nos dias 09 de Janeiro de 2023, 06 de Novembro de 2023, 15 de Novembro de 2023 e 03 de Janeiro de 2024.
- De referir também a quantidade de heroína (29 doses) e cocaína (283 doses) que o arguido BB detinha na sua residência aquando da busca domiciliária de 03 de Janeiro de 2024, destinada a revenda a terceiros.
i. Quanto à frequência dessa actividade não foi possível apurar com exactidão, uma vez que a sua comprovação decorreu sobretudo das operações de vigilância levadas a cabo pelas autoridades policiais, efectuadas de forma aleatória e espaçada no tempo a fim de não levantar suspeitas e assim por em causa o sucesso da investigação.
j. Em todo ocaso, é possível afirmar que resulta comprovada a actividade de tráfico de estupefacientes por parte do arguido BB em todas as diligências de vigilância efectuadas.
k. Esta circunstância não permite extrapolar que tal actividade era diária, muito embora se saiba que o arguido BB não tinha outra fonte de rendimento.
l. Permite, contudo, concluir que se tratava de uma actividade habitual ou regular.
m. Ora, da conjugação de todos estes elementos, resulta um grau de desvalor da conduta e do resultado (culpa e ilicitude) que se situa num patamar médio-alto, que não se compadece com a considerável diminuição da ilicitude do facto exigida pelo tipo privilegiado do crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 25º, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
n. Ao decidir como decidiu, incorreu o Tribunal a quo na violação dos artigos 21º, n.º 1 e 25º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.
o. Provido o recurso nesta parte, entendemos que deve ser determinada a remessa dos autos à primeira instância para fixação da pena conformada pela moldura penal dada pela correcta qualificação jurídica dos factos daí decorrente.
Nestes termos, deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido e, em consequência, determinar-se:
- a condenação do arguido BB pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C anexas a tal diploma.
- a remessa dos autos à primeira instância para fixação da pena conformada pela moldura penal dada pela correcta qualificação jurídica dos factos daí decorrente.»

1.3. O Ministério Público, em 1ª instância, respondeu ao recurso do arguido AA, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção do acórdão recorrido, formulando a final as seguintes conclusões:
«1. A motivação do acórdão recorrido está fundamentada de forma coerente e objectiva, sendo perfeitamente possível reconstituir e apreender o caminho lógico seguido pelo Tribunal para chegar às conclusões a que chegou, sempre orientada pelas regras da experiência comum.
2. O Tribunal da Relação só pode modificar a decisão recorrida em termos de facto quando a prova imponha decisão diversa daquela que foi tomada pelo tribunal recorrido.
3. Se a prova indicada no recurso permitiria, eventualmente, uma decisão diversa da recorrida mas não a impõe, o recurso não pode merecer provimento, por não poder o Tribunal de recurso, em casos destes, bulir na decisão recorrida.
4. A perspectiva que o recorrente traz da prova, admitindo-se como defensável, não é única; e não o sendo, não impõe decisão diversa da recorrida.
5. O recorrente ancora o entendimento de que deveria ter sido absolvido na circunstância do coarguido BB ter assumido que o produto estupefaciente que aquele detinha no dia 14 de Agosto de 2023 era de sua pertença.
6. Muito embora tal confissão tenha de facto ocorrido, toda a demais prova produzida demonstra que tal não corresponde à verdade.
7. Desde logo se diga que BB é companheiro da filha do recorrente, havendo entre ambos uma relação de proximidade.
8. Por outro lado, o arguido BB confessou grande parte da matéria que lhe era pessoalmente imputada, ciente de que a prova existente nos autos no sentido da sua culpabilidade era exuberante.
9. Perante este cenário, e muito possivelmente imbuído de espirito de solidariedade, não é de estranhar que BB se assumisse como autor dos factos imputados ao aqui recorrente, antevendo que tal circunstância não acarretaria um significativo agravamento da sua punição e, por outro lado, poderia permitir a absolvição daquele.
10. Mas, mais do que estes elementos, importa realçar o depoimento da testemunha EE, agente da PSP, o qual, de forma categórica, declarou que: «Relativamente aos factos ocorridos no dia 14/08/2023 relatou que se encontrava em serviço de viu o arguido AA no hall do bloco ... do Bairro ... com uma bolsa na mão, e mostrou-se bastante nervoso. Fez-lhe a revista e no interior da bolsa tinha o produto estupefaciente apreendido nos autos e nos bolsos das calças tinha os restos dos recortes dos sacos plásticos utilizados para dosear e acondicionar o produto estupefaciente. Referiu que tal arguido não lhe deu qualquer justificação para deter tal produto estupefaciente. Confirmou assim o auto de noticia de fls. 321-322. Aquando a detenção e abordagem ao AA, perguntou pelo BB e o aquele respondeu-lhe que este não estaria em casa. Espreitou pela porta do apartamento do R/C que se encontrava aberta e não viu ninguém do seu interior, bem como bateu à porta do apartamento do 1º andar e ninguém lhe abriu a porta».
11. Ora, esta versão dos factos é incompatível com aquela que o recorrente e o coarguido BB apresentaram.
12. Isto porque:
- a ser verdade o que estes arguidos declararam (que o recorrente tinha ficado, momentaneamente, à guardar a bolsa do arguido BB que continha o produto estupefaciente, enquanto este se ausentou por alguns minutos), não havia qualquer razão para que o recorrente tivesse no interior dos bolsos das calças restos dos recortes dos sacos plásticos utilizados para dosear e acondicionar o produto estupefaciente.
- seria natural que perante a abordagem policial inesperada o recorrente logo revelasse ao agente da P.S.P. que aquela bolsa e o respectivo produto estupefaciente não eram seus.
- ao contrário do afirmado por ambos, o arguido BB não se encontrava no local, facto confirmado pelo recorrente quando questionado pelo agente policial sobre o paradeiro daquele.
- sendo o recorrente pessoa de parcos recursos, não foi apresentada qualquer justificação plausível para que o mesmo tivesse na sua posse 90 € em notas do Banco Central Europeu, assim se concluindo que tal montante era resultado da venda de produtos estupefacientes.
13. Não infirma esta conclusão o facto de não se ter apurado qualquer venda de produtos estupefacientes pelo recorrente naquelas circunstâncias de tempo e lugar.
14. O acórdão nenhuma censura merece no que respeita à apreciação da prova feita em audiência de discussão e julgamento e aos factos que extraiu de tal  prova, relativamente ao recorrente AA.
15. Em todo o caso, o recorrente, não obstante discordar da avaliação da prova efectuada pelo Tribunal a quo, não indica, como lhe competia nos termos do disposto no artigo 412º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, os elementos probatórios que no seu entender impunham decisão diversa, neste caso de absolvição, limitando-se a divagar genericamente sobre as razões da sua discordância.
16. Não decorre da decisão a quo qualquer violação do princípio in dubio pro reo, porquanto da factualidade dada como provada e da fundamentação de facto aí explanada não se alcança que se haja instalado na convicção do julgador qualquer dúvida quanto à forma como os factos ocorreram.
17. Nos termos do disposto no artigo 50º do Código Penal o Tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
18. O pressuposto formal da aplicação desta medida é a que a medida da pena de prisão a aplicar não seja superior a 5 anos.
19. O pressuposto material é que o Tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente.
20. Necessário é, pois, que se conclua que a simples censura do facto e a ameaça da pena – ainda que, porventura, acompanhadas de deveres e/ou regras de conduta – sejam suficientes para afastar o delinquente da criminalidade.
21. No caso dos autos, como bem dá nota a decisão recorrido, relativamente ao arguido e recorrente AA, não é equacionável a substituição da pena aplicada uma vez que o mesmo tem antecedentes criminais por crimes da mesma natureza, em penas de prisão efectiva - iguais e superiores a 5 anos -, as quais já cumpriu, sendo que tais condenações não foram suficientes para o afastar de voltar a praticar novos ilícitos criminais.
22. Como também refere o Tribunal a quo, a propósito, entre o mais, do recorrente «os arguidos denotam desrespeito e insensibilidade às advertências que lhes foram anteriormente feitas, designadamente nos Processos nº 24/14.7PEBRG e 1482/16.2T8OER, não tendo interiorizado devidamente o juízo de censura subjacente, com o que não se inibiram de renovar o seu propósito criminoso, como bem o demonstram os factos dos presentes autos. Existe, assim, uma íntima conexão entre o crime de tráfico de estupefacientes dos Processos nº 24/14.7PEBRG e 1482/16.2T8OER e o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade que ora se censuram».
23. Bem andou, por isso, o Tribunal a quo ao não suspender a execução da pena de prisão aplicada.
24. A decisão recorrida não violou quaisquer normativos legais, designadamente os invocados pelo recorrente.
25. A decisão recorrida não merece qualquer censura, nomeadamente na parte ora sindicada pelo recorrente.»

1.4. O arguido BB não respondeu ao recurso do Ministério Público.

I.5 .Nesta instância, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto, emitiu parecer no sentido de:
- Ser julgado improcedente o recurso do arguido AA;
- Ser julgado procedente o recurso do Ministério Público.

I.6. Cumprido o disposto no art.º 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, o arguido/recorrente AA respondeu ao sobredito parecer, reiterando o por si alegado na motivação do recurso.

I.7. Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1 – OBJECTO DO RECURSO
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) consolidou-se há muito no sentido de que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na motivação do recurso. Assim, a análise a ser realizada pelo Tribunal ad quem deve restringir-se às questões suscitadas nas conclusões, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso.[1]

Atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, as questões a decidir são as seguintes:

A) do arguido AA:
- Erro notório na apreciação da prova;
- Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, nomeadamente por violação dos princípios da livre apreciação da prova e in dubio pro reo;
-Suspensão da execução da pena de prisão.

B) Do Ministério Público.
Do enquadramento jurídico- penal dos factos provados relativamente ao arguido BB.

2- DA DECISÃO RECORRIDA

Factos provados, não provados e motivação da decisão de facto (transcrição na parte que releva):
«1. Factos provados
Discutida a causa provaram-se os seguintes factos com relevo para a decisão:
Da acusação pública
1. Pelo menos desde Outubro de 2022, o arguido BB, actuando em comunhão de esforços e de vontades com os arguidos DD e CC, até ao dia 03.01.2024, dedicou-se à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra, de heroína, cocaína e haxixe.
2. Desenvolveram essa actividade a partir do bloco ..., no Bairro ..., em ..., onde residem várias famílias “romani”, que se dedicam, num plano previamente gizado, à actividade de tráfico de estupefacientes, alternadamente e com uma periodicidade pré-estabelecida.
3. A actividade de venda de estupefacientes aos toxicodependentes era, assim, desenvolvida pelos arguidos a partir do ...., do bloco ..., do Bairro ..., em ....
4. A residência em causa está atribuída, pela ..., a NN (mãe do arguido AA e sogra do arguido BB), que actualmente se encontra a cumprir pena de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.
5. Os arguidos DD e CC, toxicodependentes, tinham como missão, chamar, encaminhar os toxicodependentes para o local de venda de estupefacientes, bem como controlar os movimentos dos agentes policiais afectos à investigação criminal.
6. No dia 28.10.2022, pelas 16H15, no âmbito do inquérito n.º 903/22.1PCBRG, foram realizadas buscas em algumas casas no Bairro ... e, na habitação onde residia, o arguido BB tinha:
 12 (doze) línguas de canábis (resina), com o peso de 9,825 gramas, correspondentes a 9 doses individuais;
 7 (sete) sacos de bolsas herméticas, contendo cada uma delas, cinquenta bolsas, usadas para acondicionar o haxixe;
 27 (vinte e sete) sacos, usados para acondicionar haxixe;
 1 (uma) nota de 20€;
 2 (duas) notas de 10€;
 2 (duas) notas de 5€;
 1 (uma) faca de cozinha, com resíduos de haxixe na lâmina, usada para fazer o corte do haxixe.
7. Pese embora a operação policial desenvolvida naquele dia, a venda de produtos estupefacientes aos toxicodependentes, a partir daquele local, não cessou, sendo a mesma desenvolvida pelo arguido BB, com a colaboração directa dos também arguidos DD e CC.
8. O arguido AA é pai da companheira do arguido BB;
9. No dia 13.12.2022, no período compreendido entre as 18:30h e 19:00h, a partir do bloco ..., do Bairro ..., o arguido BB mantinha a actividade de tráfico de estupefacientes.
10. Nessa data, o arguido BB contava com a colaboração do arguido DD, toxicodependente, que tinha a missão de encaminhar os toxicodependentes para o local de venda de estupefacientes, obtendo assim o estupefaciente para seu consumo.
11. Nesse dia, naquela janela temporal, cerca de seis toxicodependentes dirigiram-se ao arguido DD e, após o contactarem, entraram no prédio, subiram até ao 1.º andar, onde adquiriram o produto estupefaciente para seu consumo.
12. Em 09.01.2023, no período compreendido entre as 19:00h e as 20:00h, o arguido BB, continuava com a venda de estupefacientes aos toxicodependentes.
13. Nesse dia, o arguido contava mais uma vez com a colaboração de OO, no encaminhamento dos toxicodependentes para o local de venda de estupefacientes.
14. Durante aquele período, deslocaram-se ao bloco ..., do Bairro ..., ... toxicodependentes que após contactarem o arguido OO, entraram na residência do arguido BB, onde compraram estupefaciente para consumo.
15. No dia 12.01.2023, no período compreendido entre as 18:00h e as 19:00h, a partir do o bloco ..., o arguido BB procedia à venda de estupefacientes com a colaboração de seus familiares.
16. Nesse dia, o arguido DD continuava a colaborar com o arguido, no encaminhamento dos toxicodependentes para a residência, local onde era vendido o estupefaciente pelo arguido BB, para consumo dos toxicodependentes.
17. No dia 28 de Fevereiro de 2023, foi o arguido BB interceptado por agentes da PSP de ..., no Bairro ..., imediações da sua residência.
18. Na circunstância, o arguido BB tinha na sua posse (3) três sacos plásticos, contendo no seu interior vários pedaços de haxixe. 19. Nesse dia, o arguido tinha, ainda, no interior da sua residência 52,733 gramas de canábis (resina), correspondentes a 314 doses individuais.
20. No dia 14.08.2023, foi o arguido AA surpreendido, no hall de entrada do bloco ..., quando este saía da residência do r/chº, local onde o arguido BB procedia à venda de estupefacientes.
21. Nessa abordagem, o arguido AA tinha na sua posse, uma bolsa, de cor ..., com a indicação ..., que continha no seu interior o seguinte:
 89 (oitenta e nove) pedras de cocaína (éster metílico), com o peso de 8,596 gramas (correspondentes a 82 doses individuais) e com o peso de 5,061 gramas (correspondentes a 118 doses individuais).
22. No bolso das calças que o arguido AA trajava, o mesmo possuía um saco plástico, contendo recortes em plástico, usados no doseamento do estupefaciente e ainda 1 (um) telemóvel, marca ...; 1 (uma) nota do BCE, de valor facial de 50€; 2 (duas) notas do BCE, de valor facial de 20€.
23. Nessa altura, o arguido AA foi presente a interrogatório judicial, tendo ficado sujeito à medida de coacção de prisão preventiva.
24. Pese embora o arguido AA tenha sido sujeito a prisão preventiva, a venda de estupefacientes não cessou, tendo o arguido BB continuado no negócio da venda de estupefacientes.
25. Assim, no dia 06.11.2023, no período compreendido entre as 10:00h e as 10:35h, o arguido BB procedia à venda de estupefacientes a partir da sua residência do ..., do bloco ..., no Bairro ..., tendo procedido à venda a vários indivíduos toxicodependentes.
26. Pelas 10:05h, o arguido BB, vindo do interior do prédio abriu a porta lateral, deu indicação a quatro indivíduos que ali se encontravam para entrarem, deixando a referida porta do bloco aberta.
27. Nesse dia e, nos moldes anteriores, naquele período temporal, o arguido BB, procedeu à venda de estupefacientes a 15 indivíduos, toxicodependentes, que se deslocaram à mencionada residência.
28. No dia 15.11.2023, no período compreendido entre as 18:30h e as 19:20h, o arguido PP continuava com a venda de estupefacientes aos toxicodependentes.
29. Nesse dia, durante esse período, deslocaram-se ao local de venda de estupefacientes, 15 indivíduos toxicodependentes, a quem o arguido BB vendeu produtos estupefacientes para consumo dos mesmos.
30. No dia 02.01.2024, no período compreendido entre às 18:00h e as 18:40h, o arguido BB procedia à venda directa de estupefaciente aos toxicodependentes, contando com a colaboração do arguido CC, conhecido por “QQ”.
31. O arguido CC tinha como missão a abordagem aos toxicodependentes e seu encaminhamento para o local de venda, obtendo assim o estupefaciente para seu consumo.
32. Nesse dia deslocaram-se ao local de venda de estupefacientes cerca de 10 toxicodependentes, a quem foi vendido droga para consumo pelo arguido BB, com a colaboração do arguido CC.
33. No dia 03.01.2024, o arguido BB procedia à venda directa de estupefacientes aos toxicodependentes, contando com a colaboração do arguido CC na abordagem e encaminhamento dos toxicodependentes para o local de venda de estupefacientes.
34. Neste dia, pelas 19:30h, aquando da aproximação ao bloco ..., para cumprimento dos mandados de busca domiciliária, foi o arguido CC interceptado no exterior junto do mesmo, tendo na sua posse uma balança de precisão, que lhe foi apreendida. DA VENDA DE PRODUTOS ESTUPEFACIENTES:
35. Assim, no período considerado nos autos o arguido BB (até 03.01.2024) a partir daquela habitação, vendeu, por valor não concretamente apurado, cocaína, heroína e haxixe, entre muitos outros, designadamente, aos seguintes toxicodependentes que ali dirigiram:
a) Em 09 de Janeiro de 2022, no período compreendido entre as 19:00h e as 20:00h, o arguido vendeu produtos estupefacientes a vários indivíduos toxicodependentes, entre os quais:
i. Pelas 19:28h, a HH, que foi encontrado na posse de uma pedra de cocaína com o peso de 0,053 gramas;
ii. Pelas 19:34h ao condutor do veículo ligeiro passageiros, marca modelo ..., de matrícula ..-GI-.., RR, que tinha na sua posse uma pedra de cocaína, com o peso de 0,294 gramas.
b) Em 12 de Janeiro de 2023, entre as 18:00h e as 19:00h, a partir da sua residência, o arguido vendeu produtos estupefacientes a mais de 11 indivíduos toxicodependentes, entre os quais:
I. Pelas 18:17h, a SS, que foi encontrado na posse de um fragmento haxixe, com o peso de 0,510 gramas, correspondentes a 2 doses individuais.
c) Em 06 de Novembro de 2023, entre as 10:00h e as 10:35h, a partir da sua residência, o arguido vendeu produtos estupefacientes a mais de 10 indivíduos toxicodependentes.
I. Pelas 10:29h ao condutor do veículo matrícula ..-..-XD, TT, que tinha na sua posse uma pedra de cocaína, com o PBTA de 0,05 gramas.
d) Em 15 de Novembro de 2023, entre as 18:30h e as 19:20h, a partir da sua residência, o arguido vendeu produtos estupefacientes a mais de 15 indivíduos toxicodependentes.
i. Pelas 18:45h a UU, condutor do veículo ligeiro de passageiros, marca modelo ..., cor ..., com a matrícula ..-RX-..;
ii. Pelas 19:00h a VV, que tinha na sua posse uma pedra de cocaína, com PBTA de 0,11 gramas e uma embalagem de heroína, com o PBTA de 0,19 gramas.
e). Em 03 de Janeiro de 2024, entre as 18:25h e as 19:30h, a partir da sua residência, o arguido vendeu produtos estupefacientes a mais de 15 indivíduos toxicodependentes.
i. Pelas 18:40h a WW, que tinha na sua posse duas pedras de cocaína, com o peso de 0,390 gramas (correspondentes a 7 doses individuais) e três embalagens de heroína, com o peso de 0,377 gramas (correspondentes a <1 dose individual);
ii. Pelas 19:30h a XX, que tinha na sua posse um fragmento de canábis (resina), com o peso de 1,327 gramas, correspondentes a 6 doses individuais.
36. No dia 03.01.2024, pelas 19:30h, o arguido BB, encontrava-se no interior da sua residência, sita no Bairro ... - ... e, ao aperceber-se da intervenção policial, da sala, atirou-se de cabeça pela janela, vindo a cair no solo exterior a 3 metros de altura, sendo prontamente manietado por elementos da PSP que se encontravam a efectuar o perímetro segurança à residência alvo de busca.
37. No interior da residência, o arguido BB tinha:
Na sala:
-Em cima da mesa de jantar:
i. Vários pedaços de haxixe, com o peso de 1,470 gramas (correspondentes a 7 doses individuais);
ii. 1 (um) saco contendo 11 pedras de cocaína, com o peso de 1,722 (correspondentes a 38 doses individuais);
iii. 225,20€ (duzentos e vinte e cinco e vinte cêntimos) em notas e moedas do BCE;
iv. 1 (uma) faca de cozinha com cabo azul, com vestígios de haxixe;
v. 1 (uma) faca táctica com cabo preto, de marca ..., com resíduos de haxixe;
vi. 1 (uma) faca de cozinha com cabo em madeira castanha, com resíduos de heroína;
vii. 1 (uma) tesoura com cabo de cor ..., usada para cortar os cantos emplástico para dosear o estupefaciente;
viii. 1 (um) X-ato com cabo de cor de laranja, usada para dosear o estupefaciente;
ix. Vários sacos em plástico, para acondicionar o estupefaciente.
No interior de uma caixa de óculos:
i. 1 (um) saco com 29,693 gramas de heroína (correspondentes 18 doses individuais);
ii. 52 (cinquenta e duas) embalagens de heroína com o peso de 5,605 gramas (correspondentes a 4 doses individuais).
-Em cima da secretária:
i. 334€ (trezentos e trinta e quatro euros) em notas e moedas do BCE;
ii. 100,18 € (cem euros e dezoito cêntimos) em notas e moedas do BCE, no interior do mealheiro.
Dentro de um carro de criança:
i. 3 (três) sacos contendo cocaína, cada um com 25 pedras, perfazendo 75 pedras, com o peso total de 12,114 gramas (correspondentes a 245 doses individuais);
ii. 130€ (cento e trinta euros) em notas do BCE.
38. Na sua posse, o arguido BB tinha, no bolso das calças, 80€ (oitenta euros) em notas do BCE.
39. As quantias monetárias em referência apreendidas aos arguidos foram obtidas como contrapartida da venda a terceiros de substâncias estupefacientes.
40. Os arguidos, sem que, para tanto, estivessem autorizados, destinavam as substâncias estupefacientes que lhes foram apreendidas à venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra.
41. Os arguidos conheciam a natureza e as características das substâncias estupefacientes que compravam e/ou vendiam e/ou guardavam/detinham e não ignoravam que a respectiva compra e/ou detenção e/ou venda lhe estavam legalmente vedadas.
42. À data dos factos não era conhecida qualquer actividade laboral aos arguidos, nem qualquer fonte lícita de rendimento, vivendo o arguido BB da actividade de tráfico de estupefacientes que desenvolvia.
43. Os arguidos BB, DD e CC agiram conjunta, deliberada, livre, concertada e conscientemente, muito embora conhecessem o carácter proibido e criminalmente punível das suas condutas.
44. O arguido AA agiu de forma deliberada, livre, e conscientemente, muito embora conhecesse o carácter proibido e criminalmente punível da sua conduta.
45. Entre o mais, no processo n.º 24/14.7PEBRG, por factos ocorridos em 29.04.2014, foi o arguido AA condenado, por decisão transitada em julgado em 17.11.2016, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº1, do Decreto-Lei nº15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 5 anos de prisão efectiva.
46. Em 28.06.2019, o arguido AA foi colocado em liberdade condicional, durante o período que lhe faltava cumprir, ou seja, até 04.02.2020.
(…)
51. À data dos factos os arguidos BB, DD e CC eram consumidores de produtos estupefacientes;
Dos antecedentes criminais
(…)
54. O arguido AA tem averbados antecedentes criminais no seu registo criminal, designadamente:
- Foi condenado no âmbito do processo comum singular nº 518/99, por decisão datada de 11/01/2000, transitada em 26/02/2000, por 1 crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 2/09/1998, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 500$00, que perfaz o total de 60.000$00. Tal pena de multa foi convertida em 80 dias de prisão subsidiária. Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum singular nº 687/99, por decisão datada de 18/01/2000, transitada em 04/02/2000, por 1 crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 300$00. Tal pena de multa foi convertida em 80 dias de prisão subsidiária. Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum colectivo nº 217/00-C, por decisão datada de 14/03/2001, transitada em 29/03/2001, por 1 crime de crimes(s) de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por factos ocorridos em 05/05/2000, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos. Tal pena foi declarada extinta.  
- Foi condenado no âmbito do processo sumário nº 157/01, por decisão datada de 27/09/2001, transitada em 12/10/2001, por 1 crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 10/09/2001, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 17 meses. Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo sumário nº 626/01, por decisão datada de 07/11/2001, transitada em 22/12/2001, por 1 crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 15/10/2001, na pena de na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 600$00.Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum singular nº 1844/03.7PBBRG, por decisão datada de 17/12/2004, transitada em 14/01/2005, por 1 crime de receptação, por factos ocorridos em 02/07/2003, na pena de na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5, 00€.Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum singular nº 687/99, por decisão datada de 18/01/2000, transitada em 04/02/2000, por 1 crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 300$00. Tal pena de multa foi convertida em 80 dias de prisão subsidiária. Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum colectivo nº 83/06.0PEBRG, por decisão datada de 06/03/2009, transitada em 14/04/2009, por 1 crime de detenção de arma proibida, 1 crimes(s) de receptação e 1 crime de tráfico de estupefacientes, por factos ocorridos em 01/10/2007, 01/10/2007 e 14/11/2006, respectivamente, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva. Tal pena foi declarada extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum singular nº 101/13.5PFBRG, por decisão datada de 23/04/2015, transitada em 1/6/2015, por 1 crime de condução sem habilitação legal e 1 crime de condução perigosa de veículo rodoviário, por factos ocorridos em 25/10/2013, na pena de 18 meses de prisão efectiva, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses. Tais penas já se encontram extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum colectivo nº 26/14.7PEBRG, por decisão datada de 21/09/2015, transitada em 07/03/2016, por 1 crime de tráfico de estupefacientes, por factos ocorridos em 29/04/2014, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva.
No âmbito deste processo foi efectuado o cúmulo jurídico de penas entre a pena aplicada nestes autos e a pena aplicada no processo comum singular nº 101/13.5PFBRG, tendo-lhe sido aplicada a pena única de 5 anos. Tal pena foi declarada extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo abreviado nº 90/20.0PFBRG, por decisão datada de 09/09/2021, transitada em 11/10/2021, por 1 crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 01/10/2020, na medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento pelo período máximo de 2 (dois) anos, suspendendo-o na sua execução pelo prazo de 02 (dois) anos, sujeitando-o a vigilância dos serviços de reinserção social, nos termos do artigo 98.º, n.º 4, do código penal, e ao cumprimento das seguintes regras de conduta:
1) não conduzir veículos automóveis, motociclos ou ciclomotores na via pública enquanto não tiver habilitação legal para o efeito
2) prosseguir o tratamento ambulatório psiquiátrico no hospital ..., através da sua estabilização com psicofármacos se necessário -
3) prosseguir com o acompanhamento psiquiátrico-
4) prestar-se a exames e observações nos locais que lhe forem indicados.
55. O arguido BB tem averbados antecedentes criminais no seu registo criminal, designadamente:
- Foi condenado no âmbito do processo sumaríssimo nº 117/17.2PFBRG, por decisão datada de 30/10/2000, transitada em 01/12/2020, por 1 crime de consumo de estupefacientes, por factos ocorridos em 18/11/2017, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 5,50, que perfaz o total de 275,00€. Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum colectivo nº 1675/16.4JABRG, por decisão datada de 16/06/2021, transitada em 16/06/2021, por 2 crimes de ofensa à integridade física qualificada, por factos ocorridos em 2016, na pena única de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade. Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo sumário nº 93/21.7PFBRG, por decisão datada de 15/07/2001, transitada em 30/09/2001, por 1 crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 04/07/2021, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 6,00, que perfaz o total de 600,00€. Tal pena foi declarada extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum singular nº 688/20.6GCBRG, por decisão datada de 21/03/2022, transitada em 09/05/2022, por 2 crimes de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 06/11/2020, na pena única de 180 dias de multa, à taxa diária de 7,50€, que perfaz o total de 1 350,00€. Tal pena foi convertida em 118 dias de prisão subsidiária. Tal pena foi declarada extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo sumário nº 123/22.5GAAMR, por decisão datada de 21/04/2022, transitada em 23/05/2022, por 2 crimes de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 10/04/2022, na pena única de 165 dias de multa, à taxa diária de 6,00€, que perfaz o total de 990,00€. Tal pena foi declarada extinta.
Dos factos relativos à personalidade e condições pessoais dos arguidos
56. Consta no relatório social elaborado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), quanto à inserção familiar e socioprofissional do arguido AA, com o objetivo de auxiliar no conhecimento da personalidade do arguido e na correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, além do mais, o seguinte:
“I - Condições pessoais e sociais
No período a que se reportam os factos descritos na acusação, AA residia com os filhos UU, YY e ZZ, e com o companheiro desta, BB, coarguido, presentemente, todos de maior idade, com uma dinâmica familiar caracterizada como afetiva e solidária.
O agregado reside num apartamento com modestas condições de habitabilidade do Bairro ..., em ..., no mesmo prédio onde tem residência outros familiares, designadamente, a mãe, ainda que presentemente em cumprimento da segunda pena de prisão, meio comunitário conotado com significativas problemáticas sociais, particularmente, desemprego, e conotação ao consumo e tráfico de estupefacientes e outras atividades ilícitas.
AA revelava um estilo de vida centrada no convívio com os familiares e com outros residentes do Bairro ..., com um relacionamento adaptado aquele contexto social,  beneficiando de vínculos de solidariedade dos demais.
O arguido mantinha-se profissionalmente inativo e sem ocupações estruturadas de tempos livres.
Com aparentes dificuldades cognitivas e da fala, não aprendeu a ler nem a escrever durante a infância e não exerceu qualquer atividade laboral que lhe permitisse auferir rendimento, não obstante, durante a juventude ter chegado a acompanhar os familiares na venda ambulante de artigos têxteis.
Foi em contexto prisional que, não obstante, revelar problemas de aprendizagem, habilitou-se com o 1º ciclo ( 4º ano de escolaridade).
Aos 17 anos de idade o arguido passou a viver em união de facto com uma jovem, e desta união teve 4 filhos, os quais, após o abandono do lar por parte da mãe, ficaram entregues aos cuidados da avó paterna e outros familiares, particularmente, durante o cumprimento das penas de prisão de AA.
O arguido iniciou o seu primeiro tratamento de recuperação da toxicodependência em 2009, no CRI em ..., mas, quando em meio livre, revelou uma postura abstencionista às consultas, que justificava com a sua alegada abstinência do consumo de estupefacientes e/ou capacidades de autocontrole.
No âmbito psiquiátrico, AA tem vindo a ser seguido na consulta de psiquiatria do hospital ..., sob prescrição farmacológica, revelando ao longo dos últimos anos, adesão às consultas e tratamentos, designadamente quanto em liberdade condicional e, presentemente, desde que em prisão preventiva.
Ao nível económico, a subsistência do agregado familiar era suportada nas prestações económicas do RSI, e nos rendimentos da eventual atividade laboral do companheiro da filha.
Como despesas fixas mensais, o agregado apresenta as referentes às de manutenção da habitação, como 30€ de renda de casa e gastos de consumos de energia eletricidade e água, no valor médio global de 70€.
A imagem social de AA é variável em função da abordagem que se faz a elementos da sua família ou a outros do meio sociocomunitário de residência, todavia, de uma forma genérica, apresenta uma imagem social associada à falta de hábitos de trabalho, aos contactos com o sistema judicial, problemáticas de saúde e convívio com pares desviantes.
2 – Repercussões da situação jurídico-penal do arguido
AA apresenta antecedentes criminais, com intervenção deste serviço desde 2010, e com uma 5ª entrada em EP. Na anterior pena de prisão, condenado em 5 anos pela prática de tráfico de estupefacientes e por três crimes rodoviários, beneficiou de Licenças de Saída Jurisdicionais, de Regime Aberto no Exterior e de liberdade condicional a 28.01.2019, com termo a 04.02.2020, revelando em meio livre não ter a problemática aditiva ultrapassada.
Posteriormente, foi condenado no âmbito do processo 90/20.0PFBRG, pela pratica de um crime de condução sem habilitação legal, e considerado inimputável por anomalia psíquica, foi determinado o seu internamento em estabelecimento de tratamento pelo período máximo de dois anos, medida suspensa com regras de conduta, particularmente a de prosseguir tratamento psiquiátrico, e cuja sentença transitou em julgado a 11.10.2021 e o termo estava previsto para 11.10.2023.
AA entrou no EP ... à ordem do presente processo a 16.08.2023.
Em entrevista o arguido adotou uma postura calma, de relativa cooperação, uma comunicação verbal pobre e pouco fluida, contextualizou o seu percurso de vida, apresentou uma atitude de acomodação e ausência de crítica, e revelou dispor de competências pessoais que lhe permitem abarcar as normas e regras do funcionamento da vida em sociedade.
O arguido continua a beneficiar de retaguarda familiar apoiante, particularmente, por parte dos filhos, dos familiares de origem.
3 – Conclusão
O processo de socialização de AA decorreu em contexto sociocultural modesto, num meio comunitário conotado com várias problemáticas sociais. Regista uma inserção familiar caracterizada pela coesão e solidariedade entre os seus membros.
O arguido apresenta um percurso de vida com frágeis recursos académicos, um percurso profissional sem experiencia labora relevante e uma vivencia na dependência de apoios sociais e familiares.
Face ao exposto, na eventualidade de condenação, cremos que o arguido necessita de interiorizar o desvalor dos comportamentos, fator determinante para que possa reorientar o seu
58. Consta no relatório social elaborado pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), quanto à inserção familiar e socioprofissional do arguido BB, com o objetivo de auxiliar no conhecimento da personalidade do arguido e na correta determinação da sanção que eventualmente possa vir a ser aplicada, além do mais, o seguinte:
“1 – CONDIÇÕES PESSOAIS E SOCIAIS
No período dos factos de que está acusado, BB encontrava-se a residir no Bairro ...., em ..., morada da avó da sua companheira, atualmente a cumprir uma pena de prisão. Partilhava a habitação com a sua companheira, ZZ, com quem mantinha uma relação afetiva, com união de facto, e ainda com a uma filha do casal com dois anos de idade. Em apartamentos contíguos residem os familiares da sua companheira, nomeadamente, progenitor (coarguido no presente processo), tios e primos, mantendo o arguido com eles um convívio diário e uma  dinâmica familiar caracterizada pela coesão e solidariedade.
À data dos factos, BB estava desempregado, situação que vivenciava desde 2022 depois de do seu contrato não ter sido renovado pela empresa “EMP01..., Unipessoal., Lda” onde exercia atividade no corte e desossagem de carnes desde 2020.
Assumiam como despesas fixas o pagamento da renda do imóvel, água, luz, telecomunicações e gás num total de cerca de 125,00€/mês.
Os seus tempos livres eram passados em contexto de grupo de pares, do qual faziam parte alguns dos coarguidos no presente processo.
À data dos factos, BB referiu assumir consumos de estupefacientes, designadamente de haxixe e cocaína, que mantinha desde 2020 sem recurso a acompanhamento ou apoio clínico.
Como perspetiva de futuro, BB pretende tentar retomar o seu percurso laboral na mesma empresa - “EMP01..., Unipessoal., Lda”, apesar de no momento não ter perspetivas concretas de trabalho. Em alternativa, alvitra a hipótese de poder emigrar para a ... onde reside e trabalha um primo, mas, de igual modo, neste momento não tem a certeza se esta possibilidade é exequível.
BB é natural do ..., onde viveu até aos 8 anos de idade integrado em ambiente familiar que descreve como positivo e afetuoso.
Viveu com a mãe, o irmão mais velho e a avó materna, uma vez que os pais se separaram pouco tempo depois de o arguido nascer. Quando o arguido contava 4 anos de idade a mãe deslocou-se para Portugal onde casou novamente e ficou a viver. Aos 8 anos de idade, o arguido e o irmão mais velho que até então viviam com a avó materna no Brasil, juntaram-se à mãe em Portugal.
A situação económica do agregado foi descrita como suficiente, não tendo sido relatados constrangimentos a este nível dada a atividade laboral da mãe e padrasto.
O arguido iniciou o seu percurso escolar no Brasil, tendo dado continuidade ao mesmo em Portugal, onde se habilitou com o 9º ano de escolaridade e frequentou duas escolas profissionais sem avançar no nível habilitacional, por não concluir os cursos. Sinaliza um percurso pautado por duas retenções e incidentes disciplinares relacionados com conflitos com colegas.
O arguido sinaliza o consumo de estupefacientes (haxixe) iniciado aos 15/16 anos, ao qual deu continuidade. Manteve o consumo regular, não considerando esta situação como sendo problemática.
BB vivia com a mãe, o irmão mais velho e o padrasto, estudou na Escola Profissional ...”, com o apoio do irmão, que trabalhava na restauração, e da mãe, operária. O marido da progenitora auxiliava financeiramente o agregado, ainda que a situação de coabitação com os seus elementos se apresentasse muitas vezes inconstante.
Os seus tempos livres eram passados em contexto de grupo de pares, frequentavam espaços de diversão noturna e em convívios em casa uns dos outros.
BB foi pai aos 18 anos de idade. O arguido iniciou um relacionamento de namoro em 2017, do qual nasceu uma filha atualmente com 4 anos. A namorada passou também a integrar o agregado do arguido, coabitando na sua residência. A guarda da filha de ambos era partilhada com a mãe da ex-companheira, uma vez que a jovem era menor quando a criança nasceu. O fim da relação ocorreu há cerca de três anos.
O irmão mais velho e a mãe regressaram, entretanto, ao Brasil, onde atualmente residem. Neste momento, apenas uma tia – AAA reside em ..., mas que não foi possível contactar.

2 – Repercussões da situação jurídico-penal do arguido
BB apresenta anteriores contactos com o sistema de justiça, tendo-lhe sido aplicada anteriormente uma suspensão provisória do processo por crime de consumo de estupefacientes, com injunção de prestação de 50 horas de trabalho comunitário, que o arguido não cumpriu na totalidade.
Sinaliza mais recentemente processo por crime de condução sem habilitação legal.
No âmbito do processo 1675/16.4JABRG do Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Central Criminal de ..., Juiz ..., BB foi condenado, em cúmulo jurídico, pela prática de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, na pena única de cinco meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade, que cumpriu com avaliação positiva por parte da entidade beneficiária do trabalho.
BB foi constituído arguido no processo nº 903/22.1PCBRG do Tribunal de Comarca de ..., Juízo Central Criminal de ..., Juiz ..., no âmbito do qual está acusado pela prática de um crime de recetação. O julgamento está agendado para o próximo dia 03.07.2024.
O arguido contextualiza o presente processo judicial penal na fase ativa dos consumos de estupefacientes e no acompanhamento de pares relacionados com a problemática aditiva. Adota um discurso de desculpabilização, tendencialmente defensivo e pouco desenvolvido sobre a acusação que lhe é dirigida, impregnado, no entanto, de algum sentimento de preocupação face ao desfecho do processo. Contudo, parece revelar, ainda que em abstrato, capacidade de reconhecimento da ilicitude do comportamento reportado nos presentes autos.
Atualmente, apresenta estabilização e compensação física, assumindo-se desde que ingressou no EP - Estabelecimento Prisional como abstinente aos consumos, sem necessidade de acompanhamento pelos serviços clínicos do estabelecimento prisional. No Estabelecimento Prisional ... não exerce atividade, apesar de se ter disponibilizado para tal.

3 – CONCLUSÃO
BB apresenta um processo de socialização com integração em ambiente familiar afetuoso.
Habilitou-se com o 9º ano de escolaridade, sinalizando ao longo deste percurso duas retenções e incidentes disciplinares relacionados com conflitos com colegas.”

2. Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão (note-se que o Tribunal não se pronuncia quanto a juízos conclusivos e/ou de direito e/ou repetidos), designadamente:
a) Pelo menos desde de Outubro de 2022 até 14.08.2023, o arguido AA atuou em comunhão de esforços e de vontades com os arguidos identificados em 1. na venda a terceiros, mediante contrapartida monetária ou outra, de heroína, cocaína e haxixe.
b) Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidos em 7. o arguido BBB continuou a vender produtos de estupefacientes aos toxicodependentes, a partir daquele local, não cessando tal atividade, juntamente com os arguidos identificados em 7.;
c) Nas circunstâncias de tempo, modo e lugar referidos em 9. a 11. o arguido AA mantinha a actividade de tráfico de estupefacientes juntamente com o arguido BB;
d) Os factos referidos em 12. a 19. ocorreram no ano de 2022;
e) Os arguidos AA, DD e CC viviam da actividade de tráfico de estupefacientes que desenvolviam.
*
3. Motivação da convicção do Tribunal
Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
A convicção do Tribunal fundou-se em todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento (cfr. artigo 355º, do CPP).
Note-se que a prova produzida deve ser analisada atenta a segurança oferecida por cada elemento probatório (considerado individualmente, nomeadamente, quanto à sua credibilidade, isenção e fundamentação da razão de ciência), e bem assim ponderada de acordo com o seu confronto com os demais elementos de prova constantes nos autos (v.g., prova documental, pericial e testemunhal), por forma a que o resultado final não produza uma decisão injusta, insuficientemente segura em termos de corroboração factual, ou incoerente com a realidade e o normal acontecer dos factos.
Nesta apreciação não pode deixar de dar-se a devida relevância à percepção que a oralidade e a imediação conferem ao julgador.
Assim sendo, compreende-se que uma testemunha contribua ativamente para alicerçar o Tribunal na formação da convicção da realidade de um facto pela mesma relatado, atenta a sua isenção e fundamentação da razão de ciência quanto a esse mesmo facto, mas também pode acontecer que essa mesma testemunha transmita ao Tribunal outros factos que, quando confrontados com os demais elementos de prova produzida (e legalmente admissíveis), não sejam bastantes para fundamentar a resposta em determinado sentido dada pelo Tribunal à matéria factual em análise nos autos.
Veja-se que a apreciação da prova, ao nível do julgamento de facto, não se funda num mero exercício arbitrário por parte do julgador, pelo contrário, funda-se numa valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, por modo que se comunique e se imponha aos outros.
Se por um lado, o julgador é livre, ao apreciar as provas, por outro, tal apreciação tem que ser “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório” [2].
Para Cavaleiro Ferreira[3]a livre convicção é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundamentada da verdade. É uma conclusão livre, porque subordinada à razão e à lógica e não limitada por prescrições formais exteriores”.
Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom-senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou, nas palavras de Castanheira Neves da liberdade para a objectividade[4]
A este propósito refere Figueiredo Dias[5] que “(…) [u]ma coisa é desde logo certa: o princípio não pode de modo algum querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável – e portanto arbitrária – da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade discricionária, tem evidentemente esta discricionariedade (...) os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada “verdade material” – de tal sorte que a apreciação há-de se, em concreto, recondutível a critérios objectivos e portanto, em geral susceptível de motivação e de controlo”.
Ao nível jurisprudencial, veja-se o Acórdão do STJ[6] de 09 de Fevereiro de 2012, onde se pode ler no seu sumário:
IX – A necessidade de controle dos instrumentos através dos quais o juiz adquire a sua convicção sobre a prova visa assegurar que os mesmos se fundamentam em meios racionalmente aptos para proporcionar o conhecimento dos factos e não em meras suspeitas ou intuições ou em formas de averiguação de escassa ou nula fiabilidade. Igualmente se pretende que os elementos que o julgador teve em conta na formação do seu convencimento demonstrem a fidelidade às formalidades legais e às garantias constitucionais.
X – As regras da experiência, ou regras de vida, como ensinamentos empíricos que o simples facto de viver nos concede em relação ao comportamento humano e que se obtêm mediante uma generalização de diversos casos concretos tendem a repetir-se ou reproduzir-se logo que sucedem os mesmos factos que serviram de suporte efectuar a generalização. Estas considerações facilitam a lógica de raciocínio judicial porquanto se baseia na provável semelhança das condutas humanas realizadas em circunstâncias semelhantes a menos que outra coisa resulte no caso concreto que se analisa ou porque se demonstre a existência de algo que aponte em sentido contrário ou porque a experiência ou perspicácia indicam uma conclusão contrária.
XI – O princípio da normalidade, como fundamento que é de toda a presunção abstracta, concede um conhecimento que não é pleno mas sim provável. Só quando a presunção abstracta se converte em concreta, após o sopesar das contraprovas em sentido contrário e da respectiva valoração judicial se converterá o conhecimento provável em conhecimento certo ou pleno. Só este convencimento alicerçado numa sólida estrutura de presunção indiciária – quando é este tipo de prova que está em causa – pode alicerçar a convicção do julgador. XII – Num hipotético conflito entre a convicção em consciência do julgador no sentido da culpabilidade do arguido e uma valoração da prova que não é capaz de fundamentar tal convicção será esta que terá de prevalecer. Para que seja possível a condenação não basta a probabilidade de que o arguido seja autor do crime nem a convicção moral de que o foi. É imprescindível que, por procedimentos legítimos, se alcance a certeza jurídica, que não é desde logo a certeza absoluta, mas que, sendo uma convicção com génese em material probatório, é suficiente para, numa perspectiva processual penal e constitucional, legitimar uma sentença condenatória. Significa o exposto que não basta a certeza moral mas é necessária a certeza fundada numa sólida produção de prova (sublinhado nosso).
Aqui chegados, cumpre analisar os elementos probatórios disponíveis nos autos e produzidos em sede de audiência de julgamento.
*
Mereceram relevância as perícias realizadas nos autos, atenta a idoneidade, isenção e indiscutível conhecimento técnico que se reconhece ao(à)(s) Sr.(s) Perito(a)(s) que subscreveram os competentes relatórios periciais, sendo certo que os mesmos, na sequência da sua notificação, não foram questionados por nenhum dos sujeitos processuais.
Aliás, como se estatui no artigo 163º, nº1, do CPP, o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador.
É certo que, sempre que a convicção do julgador divergir do juízo contido no parecer dos peritos, deve aquele fundamentar a divergência (assim o nº2, subsequente).
Não é, porém, o que se verifica no caso dos presentes autos.
Deste modo, valorou-se positivamente:
- Os Relatórios de do exame pericial de fls. 223, 224, 241, 475, 476, 586 a 588, 604 e 605, 840 a 845.
- Relatório de exame de psiquiatria forense de refª ...63;
*
No que toca à prova documental, não foi feita prova bastante que afaste a genuinidade dos documentos juntos aos autos, pelo que relativamente aos documentos não autênticos (cfr. artigo 169.º do Código de Processo Penal, o qual refere que “consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa”), o seu teor pode ser valorado livremente pelo Tribunal, conjugando os mesmos com a demais prova produzida e as regras de experiência. Assim sendo, o Tribunal teve em consideração os documentos juntos aos autos, designadamente:
- Certidão, de fls. 2 a 312;
- Autos de Notícia, de fls. 321 e 322; 526 e 527; 537 a 539.
- Autos de busca, de fls. 647 a 649; 659.
- Autos Vigilâncias de fls. 622; 623 e 624; 625 a 627.
- Autos de Apreensão, de fls. 323; 529; 542; 628; 635;
- Testes Rápidos, de fls. 326; 528; 540; 541; 629; 630; 637; 650; 651; 652; 653; 654.
- Reportagens fotográficas, de fls. 328 a 332.
- Clichés Fotográficos, de fls. 782 a 789.
- Fichas de Recluso, de fls. 911 a 925.
- CRC de refªs ...94, ...95, ...19 e ...55;
- Relatórios da DGRSP de refªs ...45, ...46, ...18 e informação da DGRSP de refª...29;
Teve-se em consideração o teor da jurisprudência plasmada no Ac. do STJ de 31/05/2006, proc. n.º 06P1412, in www.dgsi.pt, de acordo com a qual “Os documentos juntos aos autos não são de leitura obrigatória na audiência, considerando-se nesta produzidos e examinados, desde que se trate de caso em que a leitura não seja proibida.” e no Ac. do TRC de 06/01/2010, proc. n.º 20/05.9TÀGD.C1, in www.dgsi.pt, segundo a qual “É permitida, mas não obrigatória, a leitura em audiência de julgamento dos documentos existentes no processo, independentemente dessa leitura, podendo o meio de prova em causa ser objecto de livre apreciação pelo tribunal, sem que resulte ofendida a proibição legal prevista no art. 355.º do Código de Processo Penal”.
No que toca à prova testemunhal, cumpre salientar que tendo a mesma sido gravada, de modo algum se deve aqui reproduzir o teor da mesma, por tal não corresponder à letra e ao espírito da lei e ser inexequível na prática, mas sim frisar os pontos essenciais (nomeadamente no que respeita à fundamentação da razão de ciência, isenção, coerência, segurança e emotividade que pautaram em concreto cada depoimento) que determinaram que a convicção do julgador (relativamente ao qual a prova se produziu presencialmente) se formasse no sentido em que consta do elenco dos factos provados.
Concretizando, quanto ao arguido BB, o mesmo quis prestar declarações quanto aos factos que lhe foram imputados pela acusação pública, direito que lhe assiste, tendo confessado os factos relativos à sua participação na atividade de tráfico de produtos estupefacientes, tal como vem acusado, embora com algumas precisões/excepções. Desta forma, referiu que o arguido AA nunca vendeu consigo produto estupefaciente. Relativamente ao produto estupefaciente que foi apreendido ao arguido AA no dia 14/08/2023 referiu que o mesmo lhe pertencia, e que o tinha deixado em cima da caixa do correio e como precisou de ir á casa de banho, e coincidiu do arguido AA, seu sogro, estar a sair de casa, pediu-lhe momentaneamente que o mesmo “olhasse” por tal produto. Mais esclareceu tal arguido as funções dos arguidos DD e CC que encaminhavam os consumidores para sua casa, em troco de comida, produto estupefaciente ou dinheiro. Referiu também que tanto vendia produto estupefaciente a partir do apartamento do 1º andar (onde vivia o seu sogro AA) quer do R/c, casa onde residia, ambos do bloco ....
Mostrou-se arrependido.
O arguido DD quis prestar declarações quanto aos factos que lhe foram imputados pela acusação pública, direito que lhe assiste, tendo confessado os factos pelos quais vinha acusado, embora com algumas precisões/excepções. Referiu que a sua atividade se resumia a encaminhar os toxicodependentes para a casa do BB, pessoa que o contratou. Em troca ele dava-lhe produto estupefaciente, dado que era consumidor de heroína, ou comida ou dinheiro. Desenvolveu tal atividade entre Outubro de 2022 e Fevereiro de 2023, altura em que foi detido para cumprimento de uma pena de prisão subsidiária. Desde que saiu do estabelecimento prisional nunca mais consumiu ou desenvolveu qualquer atividade relacionada com o tráfico de estupefacientes, encontrando-se a fazer tratamento à toxicodependência na instituição “Sorrir”.
Referiu que nunca trabalhou para o AA, nem tem conhecimento que ele naquela altura se dedicasse à venda de produto estupefaciente, apenas encaminhava os toxicodependentes para o apartamento do r/c para o BB.
Mostrou-se bastante arrependido.
O arguido AA, o mesmo quis prestar declarações quanto aos factos que lhe foram imputados pela acusação pública, direito que lhe assiste, tendo negado os mesmos. Referiu que desde que saiu do estabelecimento prisional nunca mais vendeu produto estupefaciente, e aquele que lhe foi apreendido no dia 14/08/2023 não lhe pertencia a ele, mas ao arguido BB que o tinha deixado em cima da caixa do correio e como precisou de ir á casa de banho, e coincidiu de ele ir a sair de casa, pediu-lhe momentaneamente que o mesmo “olhasse” por tal produto.
Foram ouvidas as declarações do arguido AA, prestadas em sede de 1.º interrogatório judicial, ocorrido no dia 16.08.2023 (cfr. fls. 369 a 376), em sede de audiência de discussão e julgamento, tendo o mesmo mantido a mesma história que relatou em sede de audiência de julgamento.
A testemunha EE, agente da PSP, relatou conhecer os arguidos do exercício das suas funções.
Começou por ser confrontado com o teor do auto de notícia de fls. 4-5, o qual confirmou o seu teor, referindo que o mesmo teve origem numas buscas domiciliárias realizadas no Bairro ... por causa de um furto e receptação. Referiu que foi apreendido o produto estupefaciente e os objectos constantes do ponto 6. dos factos provados. Esclareceu que no 1º andar do bloco ... vivia o CCC, o pai (o arguido AA) e um irmão mais novo – o YY. No R/C vivia o BB e a esposa ZZ, que é filha do arguido AA.
Mais esclareceu que no bloco ... organizam-se na venda, vendendo casa um cerca de uma semana por mês.
Relativamente aos factos ocorridos no dia 14/08/2023 relatou que se encontrava em serviço de viu o arguido AA no hall do bloco ... do Bairro ... com uma bolsa na mão, e mostrou-se bastante nervoso. Fez-lhe a revista e no interior da bolsa tinha o produto estupefaciente apreendido nos autos e nos bolsos das calças tinha os restos dos recortes dos sacos plásticos utilizados para dosear e acondicionar o produto estupefaciente. Referiu que tal arguido não lhe deu qualquer justificação para deter tal produto estupefaciente. Confirmou assim o auto de noticia de fls. 321-322. Aquando a detenção e abordagem ao AA, perguntou pelo BB e o aquele respondeu-lhe que este não estaria em casa. Espreitou pela porta do apartamento do R/C que se encontrava aberta e não viu ninguém do seu interior, bem como bateu à porta do apartamento do 1º andar e ninguém lhe abriu a porta.
Esclareceu que o DD e o CC, em períodos temporais diferentes faziam a ronda do bloco .... Normalmente os traficantes tem alguém de confiança no exterior da habitação em que traficam, para encaminhar os toxicodependentes, bem como para os avisar quando aparecer a polícia, para eles se desmarcarem do produto/droga. Referiu que a droga que estava na posse do AA não sabe a quem pertencia.
A testemunha FF agente da PSP, relatou conhecer os arguidos do exercício das suas funções. Relatou que fez a primeira ma vigilância no dia 28/11/2022. Sabiam que no bloco ... havia o sistema da rotatividade e que o BB venderia no R/c e o AA no 1º andar. Sabe de tal informação pelas denúncias dos moradores e pelos toxicodependentes que iam abordando. Contudo referiu que na sua vigilância não conseguia ver quem efectivamente vendia droga.
Mais disse, que eles utilizavam sempre um angariador, e na referida vigilância quem desempenhava tal função era o arguido DD.
Nas vigilâncias de 9/1/2023 e 12/01/2023 - auto de fls. 144-145 e 151-152 (os quais confirma o teor), a venda de produto estupefaciente fazia-se a partir do apartamento do 1º andar, e era o DD que encaminhava os toxicodependentes.
No dia 3/1/2024 (auto de noticia de fls. 672-684) referiu que fizeram buscas domiciliárias ao apartamento do R/C, tendo sido detido o BB e o CC, este último angariava e encaminhava os toxicodependentes.
Mais referiu que a função do DD e do CC era indicar o local de venda da droga.
Não obstante o depoimento deste agente da PSP, o certo é que nenhuma testemunha ouvida em sede de julgamento referiu que tenha comprado produto estupefaciente ao arguido AA, nem ele próprio o viu a vender.
Contudo, do seu depoimento verifica-se que o produto estupefaciente em causa estava na sua posse e não em cima da caixa do correio como os arguidos AA e BB tentaram perpassar.
As testemunhas XX, MM, GG, HH, II, JJ, consumidores de produto estupefaciente, relatar4am ao Tribunal que apenas compraram tal produto ao arguido BB, nunca compraram ao AA.
A testemunha WW admitiu ter ido ao bairro das ... comprar produto estupefaciente para o marido, mas negou que fosse a um dos arguidos.
Tais testemunhas confirmaram individualmente o tipo de estupefaciente transacionado, as doses, os valores, os locais de transação, os períodos de tempo da atividade de tráfico, e os meios empregues nos contactos entre traficante e consumidores, o que aliado às vigilâncias, relatórios de extração, relatórios fotográficos e autos de busca e apreensão, constituí prova que, de modo seguro, sustenta o elenco dos factos considerados provados.
No que concerne ao elemento subjetivo, a comprovação do mesmo em qualquer ilícito faz-se, ou pela confissão do agente, ou pela existência de elementos fácticos objetivos dos quais aquele elemento se extrai por aplicação das regras da experiência e do normal acontecer dos factos.
Tal como nos ensina Germano Marques da Silva[7], na valoração da prova intervêm deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, sendo certo que se as inferências não dependem substancialmente da imediação, terão de basear-se na correcção do raciocínio, o qual se alicerçará nas regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência.
A este propósito refere ainda o Acórdão da Relação de Coimbra[8], de 23 de Maio de 2012: “(…) tratando-se de factos de ordem subjectiva (do mundo dos pensamentos e das representações mentais do agente: os seus conhecimentos e intenções) são insusceptíveis de prova directa, havendo que retirar a convicção da sua verificação da análise dos factos objectivos praticados à luz das regras da experiência comum”.
No caso concreto em análise a comprovação do elemento subjetivo resultou, sobretudo, da confissão dos arguidos, relativamente aqueles que confessaram, do depoimento das testemunhas, e dos demais elementos documentais constantes nos autos, e das regras de experiência e do normal contecer dos factos, uma vez que se afigura sobejamente conhecido que os arguidos ao proceder do modo com está exarado nos factos provados implica o preenchimento do crime em questão.
A respeito da existência e inexistência de antecedentes criminais, foi determinante o teor dos certificados do registo criminal juntos aos autos.
A comprovação da situação pessoal, familiar e profissional dos arguidos, bem como a situação económico-financeira e dos seus encargos pessoais, decorreu dos relatórios sociais junto aos autos (os quais mostram-se cabalmente fundamentados, com indicação expressa das respetivas fontes, coerentes e imparciais, e cujos conteúdos não foram postos em causa pelos arguidos).
Na parte em que os factos não resultaram provados, tal circunstância deve-se quer à inexistência ou insuficiência de prova produzida, quer à circunstância de se terem provado factos contrários, ou à análise da prova supra descrita.
*
3. APRECIAÇÃO DO RECURSO
Importa agora conhecer as questões acima enunciadas, que iremos analisar em conformidade com a sua precedência lógica.

A Do arguido AA:

3.a Erro notório na apreciação da prova

O recorrente AA alega, em termos genéricos e sem qualquer enquadramento legal, que, o tribunal recorrido, ao não ter considerado como não provados os factos constantes dos pontos 20, 21, 22 e 44 da matéria de facto dada como provada, incorreu em erro notório na valoração da prova (conclusão LV).
Vejamos.
Nos termos do art.º 428º do Código de Processo Penal, os tribunais da relação conhecem não só de direito, mas também de facto, assim se concretizando a garantia do duplo grau de jurisdição na matéria de facto.
A matéria de facto pode ser sindicada em recurso através de duas formas: uma, de âmbito mais estrito, a que se convencionou designar de «revista alargada», implica a apreciação dos vícios enumerados nas als. a) a c) do art.º 410º nº 2 do C.P. Penal; outra, denominada de impugnação ampla da matéria de facto, que se encontra prevista e regulada no art.º 412º nºs 3, 4 e 6 do mesmo diploma, envolve a reapreciação da actividade probatória realizada pelo Tribunal, na primeira instância e da prova dela resultante.
O citado art.º 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal, que o recorrente alega que foi violado, estatui que mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito «…o recurso pode ter por fundamento, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a)A insuficiência para a decisão da matéria de facto;
b) A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão;
c) O erro notório na apreciação da prova.”.
Importa sublinhar que, em qualquer das hipóteses referidas, o vício deve emergir da própria decisão recorrida, considerada isoladamente ou em conjugação com as regras da experiência comum. Não é admissível, para o seu apuramento, o recurso a elementos estranhos à decisão — ainda que constantes dos autos ou resultantes do julgamento — uma vez que estamos perante vícios intrínsecos da sentença, cuja detecção exige que esta seja, nesse domínio, auto-suficiente.[9]
Sendo que, como escreve Germano Marques da Silva [10]«As regras da experiência comum não são senão as máximas da experiência que todo o homem, de formação média conhece e respeitam à apreciação de quaisquer das hipóteses previstas no nº 2 do art.º 410º».
Como dizem Simas Santos e Leal-Henriques[11], erro notório na apreciação da prova é a «...falha grosseira e ostensiva da análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram como provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.»
Não se trata de qualquer desconformidade entre a decisão de facto e aquela que o recorrente considere ser a correcta, face à prova que foi produzida, mas antes de um erro grosseiro, de uma falha grave e gritante, patenteada pelo texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, que, pela sua manifesta desconformidade com as regras da lógica e da normalidade da vida, não escaparia à análise do homem de formação média, sendo fácil e liminarmente perceptível pelo mesmo.
Traduz-se num vício de raciocínio na apreciação da prova de que um cidadão comum, perante a leitura da decisão, dele facilmente se apercebe.
Assim, apenas existe o vício do erro notório na apreciação da prova quando, de acordo com o texto da sentença, o tribunal a quo valorou contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de o erro não passar despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo e evidente.
De notar também que no erro notório da apreciação da prova não está em causa o conteúdo da prova em si, nomeadamente do que foi dito no depoimento ou nas declarações prestadas, cujo teor se aceita, mas a utilização que foi dada à referida prova, no sentido de a mesma suportar a demonstração de um determinado facto.
Revertendo ao caso concreto, constata-se que o recorrente entende ter ocorrido o vício em apreço, porquanto o tribunal a quo, ao dar como provados os factos impugnados, terá feito uma incorrecta valoração das provas produzidas em audiência de julgamento. Na sua perspectiva, tais meios probatórios não sustentam os factos tidos como provados, nem justificam a sua condenação proferida.
Efectivamente, percorrendo a motivação e a síntese conclusiva do recurso, evidencia-se claramente que o recorrente questiona essencialmente a convicção adquirida pelo tribunal a quo com base na prova produzida, sustentando que esta justificaria uma decisão diversa. Para tanto chama à colação elementos externos à decisão, como seja a prova produzida, que, no seu entender, foi mal avaliada.
Por conseguinte, o que resulta da análise feita pelo recorrente é uma confusão conceptual entre o vício do erro notório na apreciação da prova, previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea c), do CPP, e aquilo que constitui, em rigor, um erro de julgamento (ou erro de valoração da prova), cuja invocação exige a formulação adequada nos termos do artigo 412.º do mesmo diploma. 
Só que o citado vício e a invocada alegação não são passíveis de ser confundidos, uma vez que, como acima, mencionamos, no vício previsto na al. a) do nº 2 do art.º 410º não é possível recorrer a elementos estranhos à decisão recorrida, para o fundamentar, como faz o recorrente, designadamente com base nas suas declarações prestadas em primeiro interrogatório judicial.
Por outro lado, na motivação da decisão de facto aduzida na sentença, o tribunal recorrido invocou ter estribado a sua convicção na valoração global e crítica da prova produzida, ponderando a prova documental junta aos autos e a prova testemunhal produzida em audiência, mormente das testemunhas EE e FF, agentes da PSP.
Nessa motivação, o tribunal a quo revela o iter lógico e racional seguido no seu processo de decisão, permitindo compreender quais as provas que foram consideradas para a formação da convicção e as razões que a sustentam, bem como concluir que se trata de uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência e da lógica, não assente em provas ilegais ou proibidas ou que contrarie aquelas regras.
No Ac. do STJ de  06-10-2010[12] expende-se, expressivamente a este respeito que, «Para avaliar da não arbitrariedade (ou impressionismo) e da racionalidade da convicção sobre os factos, há que apreciar, de um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção), e de outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão»
Em suma, da análise do texto da decisão recorrida, em conjugação com as regras da experiência comum, não se detecta qualquer erro ostensivo que evidencie que a apreciação dos meios de prova tivesse afrontado essas regras, nem que a opção tomada quanto à matéria considerada provada esteja incorrecta.
Nestes termos, o vício apontado pelo recorrente não resulta do teor da sentença, em conformidade com o enquadramento supra-referido, mas sim, num alegado erro de julgamento, que iremos analisar a seguir.
Improcede este segmento do recurso.

3.b. Da impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, nomeadamente por violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo
O recorrente AA insurge-se, em termos genéricos, em relação à decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto contida nos pontos 20, 21, 22 e 44 da matéria de facto dada como provada, sustentando que, na sua perspectiva, deveriam ter sido considerados não provados.
Argumenta que a sua condenação no crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade resultou de uma incorrecta valoração da prova constante dos autos, baseada em meras suposições e convicções de índole pessoal, violando, assim, os princípios da livre apreciação da prova, da descoberta da verdade material, da presunção da inocência e do in dubio pro reo.
Conclui pedindo que, ao abrigo desses princípios, deve ser absolvido do aludido crime.
Vejamos se lhes assiste razão.
 No caso, o recorrente discorda da forma como o tribunal a quo apreciou a prova, o que, em abstracto, consubstanciaria impugnação da matéria de facto, em sentido amplo.
A impugnação ampla da matéria de facto, tendo em vista o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento e visando a modificação da matéria de facto, nos termos do art.º 431º, al. b), é sempre delimitada pelo recorrente através do ónus de especificação previsto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 412º do C. P. Penal.

Mais concretamente impõe que o recorrente especifique:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que devem ser renovadas.
Assim, no que diz respeito à alínea a) do mencionado preceito, impõe-se que o recorrente individualize/concretize o facto que considera mal julgado, não bastando uma remissão genérica para um conjunto de factos.
No que toca à alínea b), o recorrente deve especificar as concretas provas que impõem que no caso concreto o tribunal a quo tivesse decidido de forma diferente, exigindo-se a indicação do concreto conteúdo probatório, não sendo suficiente, também a mera remissão genérica para um determinado meio de prova (para a integralidade de um depoimento, para o teor de todas as declarações de um determinado sujeito processual e para um documento).
A especificação das «concretas provas» só se satisfaz com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.[13]
Estabelece ainda o n.º 4 do artigo 412.º que, havendo gravação das provas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 6 do artigo 412.º).

Como salienta Paulo Pinto de Albuquerque[14] a «especificação das ”concretas provas" só se satisfaz com a indicação do conteúdo específico do meio de prova ou de obtenção de prova que impõe decisão diversa da recorrida».
Também no acórdão do STJ, de 08/01/2014[15] considera-se que  «(..) a impugnação de facto deve incidir sobre pontos precisos, com indicação das provas concretas que impõem decisão diversa. Ou seja, há que individualizar os factos contestados, e indicar, para cada um, as provas que impõem a fixação de um facto diferente. Sem essa individualização de factos e provas a Relação não poderá realizar um juízo próprio e autónomo sobre os factos impugnados
No mesmo sentido, pronunciou-se o acórdão desta Relação de 23-03-2015,[16] onde se defende que o ónus imposto pelas als. a) e b) do nº3 do art.º 412º do  Código de Processo Penal tem de ser observado para cada um dos factos impugnados: «Em relação a cada um têm de ser indicadas as provas concretas que impõem decisão diversa (é mesmo este o verbo - «impor» - utilizado pelo legislador) e em que sentido devia ter sido a decisão. É que há casos em que, face à prova produzida, as regras da experiência permitem ou não colidem com mais do que uma solução.»
Por outro lado, é crucial ter em mente que a reapreciação da matéria de facto não implica a realização de um novo julgamento, com o objectivo de formar uma nova convicção, como aparenta ser a pretensão do recorrente.
De facto de acordo com a jurisprudência uniforme dos tribunais superiores,[17], o recurso sobre a matéria de facto não visa a realização de um segundo e novo julgamento, com base na audição das gravações e na apreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, como se esta não existisse, destinando-se antes a obviar a eventuais erros ou incorrecções da mesma, na forma como apreciou a prova, quanto aos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Delimitado o quadro normativo, doutrinário e jurisprudencial para a apreciação da impugnação da matéria de facto, importa agora atentar ao caso concreto.
No caso, tendo em conta o mencionado enquadramento, o recorrente não cumpriu cabalmente o apontado ónus de especificação legalmente exigido para o conhecimento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto que formulou. Na verdade, apesar de identificar a factualidade que, na sua perspectiva, foi incorrectamente julgada - a dada como provada sob os pontos 20, 21, 22 e 44-, não cumpre a exigência legal de especificação das “concretas” provas que impõem decisão diversa da recorrida, ou seja, para se considerarem os aludidos factos não provados. Mais especificamente, o recorrente não indica o conteúdo específico do meio de prova, correlacionando-o com cada um dos factos que pretende impugnar.
 Com efeito, o que o recorrente faz é remeter para excertos dos depoimentos das testemunhas que assinala, para as suas declarações e do co-arguido BB, que, genericamente, indica e, cirurgicamente, transcreve, dali concluindo dever ser extraída diversa conclusão daquela a que chegou o acórdão recorrido. Ou seja, as razões da divergência do recorrente em relação ao que concluiu o tribunal a quo em relação a esta matéria, prendem-se somente com a diferente valoração da prova produzida, sendo que, em termos genéricos, pretende substituir a sua própria convicção à que foi alcançada pelo tribunal que julgou a causa.
No entanto, a impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, não se destina ao confronto dos depoimentos, para descredibilizar a versão acolhida pelo tribunal.[18]
Efectivamente, da análise da motivação e das conclusões do recurso, verifica-se que o recorrente não afirma que a descrição, contida no acórdão recorrido, sobre o conteúdo das declarações do arguido/recorrente, do co-arguido e dos depoimentos das testemunhas diverge do que foi, de facto, por eles declarado.
 Na realidade, o recorrente restringe-se a interpretar aquelas declarações e depoimentos segundo a sua própria perspectiva, atribuindo à prova produzida uma leitura alternativa.
De notar que ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, importa ter presente que entre nós vigora o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art.º 127º do C. P. Penal, nos termos do qual «Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».
E tem sido sustentado pela jurisprudência dos tribunais superiores[19] que, « se a decisão factual do tribunal recorrido se baseia numa livre convicção objectivada numa fundamentação compreensível e naquela optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção – obtida com o benefício da imediação e da oralidade – apenas pode ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.»
Não se pode, de igual modo, desconsiderar que a valoração da prova baseada em declarações e testemunhos não se restringe apenas ao conteúdo das declarações e dos depoimentos apresentados. Essa valoração também envolve o modo como são assumidos pelo declarante e pela testemunha, bem como a forma como são transmitidos ao tribunal. Tal valoração decorrente dos princípios da oralidade e da imediação cabe ao julgador e só a ele, não podendo o recorrente sobrepor a sua convicção à daquele.
De facto, a avaliação da validade da decisão sobre matéria de facto com base na transcrição dos depoimentos ou mesmo na gravação áudio não se equipara a ouvi-los directamente, com a presença física da fonte (testemunha ou declarante). A oralidade e a imediação conferem uma amplitude diferente à apreciação da credibilidade do depoimento, permitindo ao julgador observar o comportamento, as reacções da testemunha ou do declarante durante o interrogatório, assim como as tensões que o envolvem.
Como escreve Castro Mendes[20] «existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados ou valorizados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores».
Além disso, é importante destacar que a avaliação da prova produzida em audiência não se resume ao conteúdo literal e isolado de algumas passagens das declarações prestadas pelo arguido e assistente, no caso extraídas cirurgicamente pelo recorrente. Pelo contrário, cada depoimento deverá inicialmente ser analisado na sua globalidade, interligando-o depois, de forma abrangente, com a demais prova, tudo apreciado, numa perspectiva crítica, segundo as regras da experiência comum e da realidade da vida. Somente esta avaliação global permite a formação de um juízo sobre a credibilidade e a consistência de um depoimento e, no fundo, sobre o conjunto da prova produzida.[21]
De todo o modo sempre se dirá que o recorrente manifesta  a sua discordância, sobretudo pelo facto de considerar que o tribunal a quo errou na valoração da prova, ao apoiar-se exclusivamente no depoimento da testemunha agente da PSP EE e não ter valorado declarações credíveis e espontâneas do Recorrente acerca da proveniência do produto estupefaciente; a confissão do detentor (o Arguido BB) dos produtos estupefacientes e demais material associado ao tráfico de que tais produtos lhe pertenciam; o facto de o Recorrente não ter sido apanhado a traficar, nem com droga em mais nenhuma situação; nenhum dos consumidores de estupefacientes ter identificado o Recorrente como vendedor de estupefacientes; bem como o facto que nos 10 meses decorridos de Outubro de 2022 até ao dia em que o Recorrente foi detido (14-08-2023)inexistir qualquer prova de tráfico de droga por parte do Recorrente.
Tendo em vista uma melhor análise desta questão, importa delimitar a factualidade impugnada, que tem o seguinte teor:
20. No dia 14.08.2023, foi o arguido AA surpreendido, no hall de entrada do bloco ..., quando este saía da residência do r/chº, local onde o arguido BB procedia à venda de estupefacientes.
21. Nessa abordagem, o arguido AA tinha na sua posse, uma bolsa, de cor ..., com a indicação ..., que continha no seu interior o seguinte:
 89 (oitenta e nove) pedras de cocaína (éster metílico), com o peso de 8,596 gramas (correspondentes a 82 doses individuais) e com o peso de 5,061 gramas (correspondentes a 118 doses individuais).
22. No bolso das calças que o arguido AA trajava, o mesmo possuía um saco plástico, contendo recortes em plástico, usados no doseamento do estupefaciente e ainda 1 (um) telemóvel, marca ...; 1 (uma) nota do BCE, de valor facial de 50€; 2 (duas) notas do BCE, de valor facial de 20€.
44. O arguido AA agiu de forma deliberada, livre, e conscientemente, muito embora conhecesse o carácter proibido e criminalmente punível da sua conduta.
Em relação às divergências invocadas pelo recorrente impõe-se, desde logo, realçar duas notas, a saber:
A factualidade em questão está circunscrita ao episódio que ocorreu no dia 14.08.2023, em que o arguido foi surpreendido pelo agente EE, na posse do estupefaciente e demais material ali especificados. Dessa forma, a repetida alegação do arguido, em sua defesa, de que não foi visto a traficar, revela-se destituída de fundamento.
Por outro lado, por diversas vezes, o recorrente transcreve e formula considerações sobre as declarações que prestou no primeiro interrogatório, realizado em 16-08-2023, o que não é legalmente admissível.

Efectivamente, o art.º 355º, prevê que:
«1-Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência.
 2 - Ressalvam-se do disposto no número anterior as provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas, nos termos dos artigos seguintes

Ora, dos autos não consta que o tribunal recorrido tenha procedido à leitura ou reprodução em audiência das declarações do arguido. Como é consabido, a utilização ou exame das declarações referidas no art.º 357.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal exige necessariamente a sua leitura ou audição pelos sujeitos processuais que pretendam ou devam fazê-lo.
Essa formalidade é indispensável para que o seu conteúdo possa ser devidamente discutido e valorado.
Por esse motivo, estava vedado ao Tribunal a quo tomar conhecimento e valorar as declarações prestadas pelo arguido no primeiro interrogatório judicial, sob pena de nulidade da decisão e do próprio julgamento. Idêntico impedimento se verifica quanto ao presente Tribunal de recurso, que igualmente se encontra inibido de atender a tais declarações, sob pena de violação do citado art.º 355º.
Por outro lado, da leitura global de toda a motivação da decisão de facto, resulta que o tribunal a quo indica as provas em que se baseou para dar como provados os factos impugnados, bem como o processo lógico que lhe subjaz, optando por uma das soluções plausíveis segundo as regras da experiência. Essa decisão encontra suporte nas provas invocadas na fundamentação, como decorre do seguinte segmento do acórdão recorrido:
«Assim sendo, o Tribunal teve em consideração os documentos juntos aos autos, designadamente:
- Certidão, de fls. 2 a 312;
- Autos de Notícia, de fls. 321 e 322; 526 e 527; 537 a 539.
- Autos de busca, de fls. 647 a 649; 659.
- Autos Vigilâncias de fls. 622; 623 e 624; 625 a 627.
- Autos de Apreensão, de fls. 323; 529; 542; 628; 635;
- Testes Rápidos, de fls. 326; 528; 540; 541; 629; 630; 637; 650; 651; 652; 653; 654.
Concretizando, quanto ao arguido BB, o mesmo quis prestar declarações quanto aos factos que lhe foram imputados pela acusação pública, direito que lhe assiste, tendo confessado os factos relativos à sua participação na atividade de tráfico de produtos estupefacientes, tal como vem acusado, embora com algumas precisões/excepções. Desta forma, referiu que o arguido AA nunca vendeu consigo produto estupefaciente. Relativamente ao produto estupefaciente que foi apreendido ao arguido AA no dia 14/08/2023 referiu que o mesmo lhe pertencia, e que o tinha deixado em cima da caixa do correio e como precisou de ir á casa de banho, e coincidiu do arguido AA, seu sogro, estar a sair de casa, pediu-lhe momentaneamente que o mesmo “olhasse” por tal produto. Mais esclareceu tal arguido as funções dos arguidos DD e CC que encaminhavam os consumidores para sua casa, em troco de comida, produto estupefaciente ou dinheiro. Referiu também que tanto vendia produto estupefaciente a partir do apartamento do 1º andar (onde vivia o seu sogro AA) quer do R/c, casa onde residia, ambos do bloco ....
O arguido AA, o mesmo quis prestar declarações quanto aos factos que lhe foram imputados pela acusação pública, direito que lhe assiste, tendo negado os mesmos. Referiu que desde que saiu do estabelecimento prisional nunca mais vendeu produto estupefaciente, e aquele que lhe foi apreendido no dia 14/08/2023 não lhe pertencia a ele, mas ao arguido BB que o tinha deixado em cima da caixa do correio e como precisou de ir á casa de banho, e coincidiu de ele ir a sair de casa, pediu-lhe momentaneamente que o mesmo “olhasse” por tal produto.
A testemunha EE, agente da PSP, relatou conhecer os arguidos do exercício das suas funções.
Começou por ser confrontado com o teor do auto de notícia de fls. 4-5, o qual confirmou o seu teor, referindo que o mesmo teve origem numas buscas domiciliárias realizadas no Bairro ... por causa de um furto e receptação. Referiu que foi apreendido o produto estupefaciente e os objectos constantes do ponto 6. dos factos provados. Esclareceu que no 1º andar do bloco ... vivia o CCC, o pai (o arguido AA) e um irmão mais novo – o YY. No R/C vivia o BB e a esposa ZZ, que é filha do arguido AA.
Mais esclareceu que no bloco ... organizam-se na venda, vendendo casa um cerca de uma semana por mês.
Relativamente aos factos ocorridos no dia 14/08/2023 relatou que se encontrava em serviço de viu o arguido AA no hall do bloco ... do Bairro ... com uma bolsa na mão, e mostrou-se bastante nervoso. Fez-lhe a revista e no interior da bolsa tinha o produto estupefaciente apreendido nos autos e nos bolsos das calças tinha os restos dos recortes dos sacos plásticos utilizados para dosear e acondicionar o produto estupefaciente. Referiu que tal arguido não lhe deu qualquer justificação para deter tal produto estupefaciente. Confirmou assim o auto de noticia de fls.321-322. Aquando a detenção e abordagem ao AA, perguntou pelo BB e o aquele respondeu-lhe que este não estaria em casa. Espreitou pela porta do apartamento do R/C que se encontrava aberta e não viu ninguém do seu interior, bem como bateu à porta do apartamento do 1º andar e ninguém lhe abriu a porta.
Esclareceu que o DD e o CC, em períodos temporais diferentes faziam a ronda do bloco .... Normalmente os traficantes tem alguém de confiança no exterior da habitação em que traficam, para encaminhar os toxicodependentes, bem como para os avisar quando aparecer a polícia, para eles se desmarcarem do produto/droga. Referiu que a droga que estava na posse do AA não sabe a quem pertencia.
A testemunha FF agente da PSP, relatou conhecer os arguidos do exercício das suas funções. Relatou que fez a primeira ma vigilância no dia 28/11/2022. Sabiam que no bloco ... havia o sistema da rotatividade e que o BB venderia no R/c e o AA no 1º andar. Sabe de tal informação pelas denúncias dos moradores e pelos toxicodependentes que iam abordando. Contudo referiu que na sua vigilância não conseguia ver quem efectivamente vendia droga.
Mais disse, que eles utilizavam sempre um angariador, e na referida vigilância quem desempenhava tal função era o arguido DD.
Nas vigilâncias de 9/1/2023 e 12/01/2023 - auto de fls. 144-145 e 151-152 (os quais confirma o teor), a venda de produto estupefaciente fazia-se a partir do apartamento do 1º andar, e era o DD que encaminhava os toxicodependentes.
No dia 3/1/2024 (auto de noticia de fls. 672-684) referiu que fizeram buscas domiciliárias ao apartamento do R/C, tendo sido detido o BB e o CC, este último angariava e encaminhava os toxicodependentes.
Mais referiu que a função do DD e do CC era indicar o local de venda da droga.
Não obstante o depoimento deste agente da PSP, o certo é que nenhuma testemunha ouvida em sede de julgamento referiu que tenha comprado produto estupefaciente ao arguido AA, nem ele próprio o viu a vender.»
O recorrente fundamenta, essencialmente a sua pretensão de absolvição na confissão prestada pelo co-arguido BB, o qual assumiu ser o proprietário do produto estupefaciente que o recorrente detinha na sua posse no dia 14 de Agosto de 2023.
Não obstante tal confissão ter, efectivamente, ocorrido, entende-se que o conjunto da restante prova produzida e validamente apreciada em sede de audiência de julgamento demonstra que essa versão dos acontecimentos não é verosímil.
Neste conspecto, acompanhamos as considerações expendidas pelo Ministério Público na resposta, que reproduzimos:
“Desde logo se diga que BB é companheiro da filha do recorrente, havendo entre ambos uma relação de proximidade.
Por outro lado, o arguido BB confessou grande parte da matéria que lhe era pessoalmente imputada, prova existente nos autos no sentido da sua culpabilidade era exuberante.
A prova existente nos autos, mormente a documental, à cerca da factualidade que lhe era imputada era objectivamente abundante.
A conjugação de todas essas circunstâncias, permite sustentar que o BB se assumisse como autor dos factos imputados ao aqui recorrente, antevendo que tal circunstância não acarretaria um significativo agravamento da sua punição e, por outro lado, poderia permitir a absolvição daquele.”
Contudo, mais relevante do que essas circunstâncias foi inquestionavelmente o depoimento da testemunha EE, agente da PSP, que:
“Relativamente aos factos ocorridos no dia 14/08/2023, relatou que se encontrava em serviço e viu o arguido AA no hall do bloco ... do Bairro ... com uma bolsa na mão, mostrando-se bastante nervoso. Fez-lhe a revista e, no interior da bolsa, encontrou o produto estupefaciente apreendido nos autos; nos bolsos das calças do arguido havia restos dos recortes dos sacos plásticos usados para dosear e acondicionar o produto. Referiu ainda que o arguido não deu qualquer explicação para a posse daquele produto estupefaciente. Confirmou, assim, o auto de notícia de fls. 321-322. Aquando a detenção e abordagem a AA, perguntou pelo BB e aquele respondeu-lhe que este não estaria em casa. Espreitou pela porta do apartamento do R/C, que se encontrava aberta, e não viu ninguém no seu interior, tendo também batido à porta do apartamento do 1.º andar sem que ninguém a abrisse.”
Ora, esta versão dos factos é incompatível com aquela que o recorrente e o co-arguido BB apresentaram.
Desde logo, se fosse verdadeira a versão dos arguidos—segundo a qual o recorrente apenas teria ficado, momentaneamente, a guardar a bolsa do co-arguido BB, contendo o produto estupefaciente, enquanto este se ausentava por alguns minutos—não haveria qualquer explicação para o facto de o recorrente ter, no interior dos bolsos das calças, restos dos recortes dos sacos plásticos utilizados para dosear e acondicionar o produto estupefaciente.
Além disso, segundo as regras da experiência comum, seria natural que, perante a abordagem policial, o recorrente de imediato esclarecesse ao agente da PSP que a bolsa e o respectivo produto estupefaciente não lhe pertenciam.
Acresce que, ao contrário do que ambos alegaram, o arguido BB não se encontrava no local, facto que foi confirmado pelo próprio recorrente quando questionado pelo agente policial sobre o paradeiro daquele.
Por fim, cabe ainda referir que, não exercendo o recorrente qualquer actividade laboral, não foi apresentada qualquer justificação plausível para o facto de este ter na sua posse 90 € em notas do Banco Central Europeu.
Resulta, pois, da leitura da motivação da decisão de facto, supra transcrita, que o Tribunal a quo norteou-se pelo princípio da livre apreciação da prova e pelas regras da experiência comum, procedendo à avaliação global da prova produzida, numa perspectiva crítica, expondo de forma clara e segura as razões que fundamentaram a sua opção decisória, não competindo a este Tribunal censurar a decisão recorrida com base na convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida, sob pena de se desconsiderar o princípio da livre apreciação da prova, consagrado no artigo 127.º do Código Processo Penal.
Entende ainda o recorrente que o Tribunal a quo violou o princípio in dubio pro reo.
Pelos fundamentos acabados de expor é manifesto que não se verifica essa violação. Contudo, não deixaremos de, ainda que de forma sintética, analisar esta questão.
Ora, como é consabido o princípio in dubio pro reo é unanimemente reconhecido entre nós como princípio fundamental do direito processual penal, que tem aplicação na apreciação da prova, impondo que, em caso de dúvida insuperável e razoável sobre a valoração da prova, se decida sempre a matéria de facto no sentido que mais favorecer o arguido.
É corolário do princípio da presunção de inocência do arguido, constitucionalmente consagrado, no art.º 32º, nº2, da CRP, que prevê que «todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa».
Também neste sentido Gomes Canotilho e Vital Moreira, [22] «o princípio da presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia subjectiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não tiver a certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa
 A Jurisprudência[23] tem entendido que « Para avaliar da racionalidade e da não arbitrariedade (ou impressionismo) da convicção sobre os factos, há que apreciar, por um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção) e, por outro, a natureza das provas produzidas e dos meios, modos ou processos intelectuais, utilizados e inferidos das regras da experiência comum para a obtenção de determinada conclusão
Como resulta das conclusões do recurso, o recorrente invoca a violação deste princípio mais uma vez com fundamento na errada valoração dos elementos de prova pelo tribunal a quo, o que, na sua óptica, motivou que desse como incorrectamente provados os factos supra indicados.
Por conseguinte, apela a esse princípio essencialmente como corolário da sua apreciação da prova, não tendo alegado ou demonstrado que o tribunal a quo se defrontou com dúvidas que resolveu contra ele ou demonstrou qualquer dúvida na formação da sua convicção.
O princípio in dubio pro reo só é, no entanto, desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido.
Daí decorre que tal princípio só teria sido violado se da prova produzida resultasse que, ao condenar o arguido/ recorrente o juiz tivesse contrariado as regras da experiência comum ou atropelasse a lógica intrínseca dos fenómenos da vida, caso em que, ao contrário do decidido, deveria ter chegado a um estado de dúvida insanável e, por isso, deveria ter decidido a seu favor.[24]
Ora, no caso concreto, como já foi dito, resulta de forma clara do acórdão recorrido, mais concretamente da fundamentação da convicção sobre a matéria de facto, que o tribunal a quo após uma análise crítica e conjugada da prova produzida, concluiu, sem qualquer dúvida razoável, e sem contrariar as regras da experiência comum, pela verificação dos factos imputados ao arguido/recorrente e que motivaram a sua condenação.
Importa ainda acentuar que a apreciação pelo STJ[25] da eventual violação do princípio in dubio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio. Ou seja, quando, seguindo o processo decisório evidenciado através da motivação da convicção, se chega à conclusão de que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido, o que não ocorreu no caso dos autos.
Deste modo, pelas razões supra explicitadas, é de concluir pela inteira correcção do juízo probatório efectuado pelo tribunal a quo sobre os factos provados, o que afasta a conclusão de que deveria ter ficado em estado de dúvida sobre os mesmos, não se mostrando, por isso, violados os princípios in dubio pro reo e da presunção da inocência do arguido.
Assim, porque a decisão recorrida não nos merece qualquer reparo, não se altera a matéria de facto, mantendo-se, por isso, imodificada.
Por essa razão, não existem motivos para absolver o recorrente do crime por que foi condenado.
Improcede, assim, este segmento do recurso.

3.c. Da suspensão da execução da pena de prisão
O recorrente não impugnou a medida da pena que lhe foi aplicada. 
Sustenta, apenas, que a pena de prisão em que foi condenado deveria ser suspensa na sua execução podendo, se assim fosse determinado, ser condicionada ao cumprimento de certos deveres ou obrigações.
Argumenta que, tendo em conta o tipo de crime em causa e ao abrigo do disposto nos artigos 50.º, 51.º, 52.º, 53.º e 54.º do Código Penal e o artigo 494.º do Código de Processo Penal, o Tribunal a quo deveria ter considerado que a censura do facto e a ameaça da prisão seriam, no caso concreto, suficientes para realizar de forma adequada as finalidades da punição.
Vejamos.
Após a fixação da pena concreta o tribunal tem o poder /dever de a substituir por uma pena de substituição, em função dos critérios gerais de escolha da pena, estabelecidos no art.º 70º do CP[26].
Com efeito, as penas de substituição têm, por um lado, carácter não institucional ou não detentivo, sendo cumpridas em liberdade; e pressupõem, por outro, a determinação prévia da medida da pena de prisão, sendo aplicadas e executadas em vez desta.
Nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
A suspensão da execução da pena de prisão, assenta, assim, em dois pressupostos, que são:
1-Pressuposto formal - que a medida da pena de prisão a substituir não seja superior a cinco anos;
2- Pressuposto material - a possibilidade de formulação pelo tribunal de um juízo de prognose favorável ao agente, no sentido de que, considerando a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste, a simples censura do facto e a ameaça da prisão, realizarão de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
A ideia que subjaz a este instituto é a de que a simples ameaça da pena de prisão poderá, em muitos casos, bastar para ao cumprimento das finalidades da punição, quando se revele apta a afastar o agente da criminalidade, salvaguardando as exigências mínimas de prevenção geral.
Em anotação ao art.º 50º SIMAS SANTOS e LEAL-HENRIQUES [27]escreveram, «Na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao arguido, (como lhe chama Jescheck,op.eloc. cit), ou seja, a esperança de que ele sentirá a condenação como uma advertência e que não voltará no futuro a delinquir. / O tribunal deverá correr um risco prudente – esperança não é seguramente certeza (…) / Nessa prognose deve atender-se à personalidade do arguido, às suas condições de vida, à conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, ou seja, devem ser valoradas todas as circunstâncias que tornem possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, atendendo somente às razões da prevenção especial, não sendo de excluir liminarmente do benefício da suspensão da execução da pena determinados grupos de crimes
Como também ensina Figueiredo Dias[28] «pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente (...). Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto -, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.»
O ST.J. tem  sustentado igual entendimento, citando-se a título ilustrativo o Ac. STJ 1-3-2007[29], «o juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, subjacente à decisão de suspender a execução da pena, pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequente ressocialização (em liberdade do arguido)
No juízo de prognose deverá, pois, o tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e o tipo de penas aplicadas), bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de actos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).[30]
No caso em apreço, o recorrente foi condenado na pena de 2 anos e 3 meses de prisão pela prática, como reincidente, de um crime de tráfico e outras actividades ilícitas de menor gravidade, como p, e p, pelos artºs 75º e 76º do Código Penal e pelo artigo 25º, alínea a), por referência ao artº. 21º, nº 1, ambos do DL nº 15/93, de 22/01, e à tabela I-B; anexa ao referido diploma legal.
O tribunal a quo entendeu não suspender a execução da pena de prisão aplicada, porquanto não é equacionável a substituição desta pena, uma vez que o arguido tem antecedentes criminais por crimes da mesma natureza, em penas de prisão efectiva – iguais e superiores a 5 anos-, as quais não foram suficientes para o afastar de voltar a praticar novos ilícitos criminais.
Entendimento contrário é defendido pelo recorrente, contudo limita-se a invocar considerações genéricas e abstractas que em nada alteram a decisão recorrida.
De facto, ainda que o pressuposto formal para a aplicação de uma pena concreta não superior a cinco anos se encontre preenchido, entende-se, em conformidade com o decidido pelo tribunal recorrido, que não se verifica o pressuposto material. Ou seja, não é possível formular um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do recorrente.
Efectivamente, a fundamentação expendida no acórdão recorrido espelha uma análise objectiva e ponderada de toda a factualidade apurada, que evidencia que o recorrente tem uma personalidade reveladora de um desrespeito pelas regras de vivência em sociedade e é incapaz de adoptar um comportamento fiel ao direito. Assim, à semelhança do entendimento expresso no acórdão recorrido, conclui-se que não é possível formular um juízo de prognose favorável, no sentido de considerar que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão seriam suficientes para realizar de forma adequada as finalidades da punição.
Na verdade, ficou provado que o recorrente já sofreu as seguintes condenações:
- Foi condenado no âmbito do processo comum singular nº 518/99, por decisão datada de 11/01/2000, transitada em 26/02/2000, por 1 crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 2/09/1998, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 500$00, que perfaz o total de 60.000$00. Tal pena de multa foi convertida em 80 dias de prisão subsidiária. Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum singular nº 687/99, por decisão datada de 18/01/2000, transitada em 04/02/2000, por 1 crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 300$00. Tal pena de multa foi convertida em 80 dias de prisão subsidiária. Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum colectivo nº 217/00-C, por decisão datada de 14/03/2001, transitada em 29/03/2001, por 1 crime de crimes(s) de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, por factos ocorridos em 05/05/2000, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos. Tal pena foi declarada extinta. 
- Foi condenado no âmbito do processo sumário nº 157/01, por decisão datada de 27/09/2001, transitada em 12/10/2001, por 1 crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 10/09/2001, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 17 meses. Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo sumário nº 626/01, por decisão datada de 07/11/2001, transitada em 22/12/2001, por 1 crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 15/10/2001, na pena de na pena de 40 dias de multa, à taxa diária de 600$00.Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum singular nº 1844/03.7PBBRG, por decisão datada de 17/12/2004, transitada em 14/01/2005, por 1 crime de receptação, por factos ocorridos em 02/07/2003, na pena de na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 5, 00€.Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum singular nº 687/99, por decisão datada de 18/01/2000, transitada em 04/02/2000, por 1 crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 300$00. Tal pena de multa foi convertida em 80 dias de prisão subsidiária. Tal pena já se encontra extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum colectivo nº 83/06.0PEBRG, por decisão datada de 06/03/2009, transitada em 14/04/2009, por 1 crime de detenção de arma proibida, 1 crimes(s) de receptação e 1 crime de tráfico de estupefacientes, por factos ocorridos em 01/10/2007, 01/10/2007 e 14/11/2006, respectivamente, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva. Tal pena foi declarada extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum singular nº 101/13.5PFBRG, por decisão datada de 23/04/2015, transitada em 1/6/2015, por 1 crime de condução sem habilitação legal e 1 crime de condução perigosa de veículo rodoviário, por factos ocorridos em 25/10/2013, na pena de 18 meses de prisão efectiva, e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses. Tais penas já se encontram extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo comum colectivo nº 26/14.7PEBRG, por decisão datada de 21/09/2015, transitada em 07/03/2016, por 1 crime de tráfico de estupefacientes, por factos ocorridos em 29/04/2014, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva.
No âmbito deste processo foi efectuado o cúmulo jurídico de penas entre a pena aplicada nestes autos e a pena aplicada no processo comum singular nº 101/13.5PFBRG, tendo-lhe sido aplicada a pena única de 5 anos. Tal pena foi declarada extinta.
- Foi condenado no âmbito do processo abreviado nº 90/20.0PFBRG, por decisão datada de 09/09/2021, transitada em 11/10/2021, por 1 crime de condução sem habilitação legal, por factos ocorridos em 01/10/2020, na medida de segurança de internamento em estabelecimento de tratamento pelo período máximo de 2 (dois) anos, suspendendo-o na sua execução pelo prazo de 02 (dois) anos, sujeitando-o a vigilância dos serviços de reinserção social, nos termos do artigo 98.º, n.º 4, do código penal, e ao cumprimento das seguintes regras de conduta:
1) não conduzir veículos automóveis, motociclos ou ciclomotores na via pública enquanto não tiver habilitação legal para o efeito
2) prosseguir o tratamento ambulatório psiquiátrico no hospital ..., através da sua estabilização com psicofármacos se necessário -
3) prosseguir com o acompanhamento psiquiátrico-
4) prestar-se a exames e observações nos locais que lhe forem indicados.
Dessas condenações destaca-se a sofrida no âmbito do processo nº 26/14.7PEBRG, em que o arguido foi condenado por factos ocorridos em 29.04.2014, por decisão transitada em julgado em 07/03/2016, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º, nº1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva e depois de efectuado o cúmulo jurídico de penas entre a pena aplicada nestes autos e a pena aplicada no processo comum singular nº 101/13.5PFBRG, foi-lhe aplicada a pena única de 5 anos, que cumpriu.
É, assim, manifesto que as anteriores condenações do arguido/recorrente não foram suficientes para o afastar da criminalidade.
Na verdade, ao contrário do esperado, o arguido/recorrente não optou por empreender um comportamento regular e cumpridor das regras sociais vigentes.
Em suma, a personalidade revelada pelo recorrente, a sua persistência criminosa e a falta de interiorização da gravidade dos factos perpetrados, impedem a formulação de um juízo de prognose favorável quanto ao seu comportamento futuro.
Assim, este Tribunal entende que, em consonância com o decidido pelo tribunal recorrido, não se encontram preenchidos os pressupostos necessários para proceder à suspensão da execução da pena, mesmo que sujeita a regras de conduta ou acompanhada de regime de prova.
Além disso, considera-se que a execução da pena é indispensável para manter e reforçar a confiança da comunidade no ordenamento jurídico-penal.
Concluímos, assim, que não foram violados, entre outros, os artigos 13, 18.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa, no artigo 26.º do Código Penal, nos artigos 118º, 124º, 125º, 126º, 127º, 128º, 129º, 141º n.º 4 al. b), 141º n.º 5, 146.º, 164.º, 174º, 175º, 176º, 177º, 340º, 344º, 348º, 355º, 356º e 357º, do Código de Processo Penal e no artigo 25º do Decreto- Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, bem como os princípios constitucionais invocados pelo recorrente ou outros.
Improcede, assim, na totalidade o recurso do recorrente AA

B) Recurso do Ministério Público
Enquadramento jurídico dos factos referentes ao co-arguido BB
O recorrente entende que, ao contrário do decidido, a factualidade provada não é subsumível à prática, pelo arguido BB, de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25º, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, mas sim de um crime de trafico de substâncias estupefacientes p.p. pelo art.º 21º, nº 1, do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Para tanto, alega, no essencial, que, da conjugação de todos os factos, resulta um grau de desvalor da conduta e do resultado (culpa e ilicitude) que se situa num patamar médio-alto, que não se compadece com a considerável diminuição da ilicitude do facto exigida pelo tipo privilegiado do crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo artigo 25º, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Vejamos.
Com relevo para a decisão desta questão, importa atender às seguintes incidências processuais:
- O arguido foi acusado (referência citius 189114679) da prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C, anexas a tal diploma;
- Por despacho a que alude o art.º 311º do Código de Processo Penal (referência citius 189921463) essa acusação foi recebida pelos factos e disposições legais da mesma constantes, que foram dados por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais;
- No acórdão proferido nos autos foram dados como provados todos os factos constantes da acusação imputados ao arguido BB, com excepção:
- de que o mesmo tenha também actuado em comunhão de esforços com o arguido AA;
- que os factos dados como provados nos pontos 12. a 19. tenham ocorrido no ano de 2022.
- Na ausência de impugnação da matéria de facto e da inexistência dos vícios previstos no art.º 410º, nº 2 do C. P. Penal, a matéria de facto fixada no acórdão mantem-se imodificada.
Importa, assim, determinar se os factos provados são susceptíveis de integrarem o crime p.p. pelo art.º 25º do DL 15/93, de 22.1, como considera o acórdão recorrido, ou o art.º 21º do mesmo Dec.-Lei, como defende o recorrente no recurso em apreciação.
O legislador previu e consagrou, no que concerne à actividade delituosa de tráfico de estupefacientes, um crime-tipo ou nuclear, previsto no art.º 21º do DL 15/93, de 22.1, sendo que paralelamente considerou e consagrou também, no que respeita ao mesmo tráfico, um outro tipo de crime qualificado ou agravado, previsto no art.º 24º, bem como um tipo privilegiado, em razão do grau de ilicitude, consideravelmente diminuída, previsto no art.º 25º.
Especificamente, o artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, define o crime de tráfico e outras actividades ilícitas sobre substancias estupefacientes como: «Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver [...], plantas, substâncias ou preparados compreendidos nas Tabelas I a IV, é punido com a pena de prisão de 4 a 12 anos».
Estamos perante um crime de perigo abstracto, porquanto as sobreditas condutas típicas não têm necessariamente de lesar, de forma directa e imediata, qualquer bem jurídico, implicando, contudo, uma probabilidade de causar dano contra um objecto indeterminado, dano esse que a verificar-se poderá ser grave..[31]
O bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões do tráfico é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade e, assim, em última instância, a saúde pública.
«Fala-se mesmo na protecção da humanidade, encarada a sua destruição a longo prazo, ou ainda, na protecção liberdade do cidadão, em alusão implícita à dependência que a droga gera[32]
Assim, para efeitos do enquadramento penal, impõe-se, inicialmente, subsumir a conduta do arguido ao tipo nuclear ou básico, e só depois partir para o tipo qualificado ou para o privilegiado, consoante os elementos ou dados agravativos ou atenuativos apurados.
O art.º 25º, al. a) do DL 15/93 prevê o tipo privilegiado do tráfico de menor gravidade, dispondo que: «se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações a pena é ... de prisão de 1 a 5 anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas Tabelas I a III, V e VI».
Conforme jurisprudência uniforme e reiterada o art.º 25.º do DL 15/93, de 22-01, epigrafado de «tráfico de menor gravidade», prevê um crime privilegiado de tráfico de estupefacientes, em função da menor ilicitude do facto.
Para tanto o art.º 25º, indica, de forma não taxativa, determinadas circunstâncias para serem instrumentalmente consideradas, como sejam: os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
Assim, a ilicitude exigida no tipo legal de crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, terá de ser consideravelmente diminuta, sendo aferida, entre outros critérios, pela qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações envolvidas.  
É jurisprudência dominante dos Tribunais superiores[33] que no domínio do tráfico de menor gravidade, o que releva é a “ imagem global do facto”, tudo dependendo da apreciação e consideração conjuntas das circunstâncias, factores ou parâmetros mencionados neste artigo.
Citando-se a titulo ilustrativo o Ac. do S. T. J. de 13-03-2019[34], onde se escreveu, «Prevê o art. 25.º do DL n.º 15/93, epigrafado de “tráfico de menor gravidade”, um crime de tráfico de estupefacientes privilegiado relativamente ao tipo fundamental (previsto no art. 21.º), punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, quando se tratar das substâncias previstas nas tabelas I a III, V e VI anexas ao diploma. Esse privilegiamento assenta numa considerável diminuição da ilicitude do facto, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”.
II - O privilegiamento deste tipo legal de crime não resulta pois de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (art. 21.º do mesmo diploma), mas sim da constatação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo a porta à densificação doutrinal ou jurisprudencial do conceito de “menor gravidade”.
III - Na senda dessa densificação, dir-se-á que assumem particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade:
- a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração nomeadamente a distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”;
- a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim;
- a dimensão dos lucros obtidos;
- o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida;
- a afetação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas;
- a duração temporal, a intensidade e a persistência no prosseguimento da atividade desenvolvida;
- a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes;
- o número de consumidores contactados;
- a extensão geográfica da atividade do agente;
- o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização ou meios mais sofisticados, nomeadamente recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente.
É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, de menor gravidade, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º do DL nº 15/93.»
No mesmo sentido Ac. do S. T. J. de 12-03-2015[35], em que se decidiu que:
«I-O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, que se situa entre o crime de tráfico simples e o crime de tráfico agravado, tem lugar sempre que a ilicitude se mostrar consideravelmente diminuída.
II - A ilicitude exigida neste tipo legal tem de ser, não apenas diminuta, mas mais do que isso, consideravelmente diminuta, pelo desvalor da acção e do resultado, tendo em conta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a quantidade ou a qualidade das plantas ou substâncias estupefacientes, como factos-índice a atender numa valoração global, não isolada, de que a configuração da acção típica não prescinde, em que a quantidade não é o único nem, eventualmente, o mais relevante.
III -A modalidade de venda assenta no contacto directo com o consumidor na sua residência, reparte-se ao longo de 3 anos, o tempo não serviu como contra-motivo da sua acção reprovável, teve por objecto 2 dos mais nocivos estupefacientes (heroína e cocaína), para além de resina de cannabis…
IV - Estas circunstâncias, numa visão global dos factos, não se reconduzem a um crime de tráfico de menor gravidade, pese embora os produtos vendidos não repercutam quantidades significativas.»
Também Fernando Gama Lobo[36], defende que, «Do ponto de vista técnico, a essência da distinção entre o tipo base e o privilegiado, plasma-se ao nível exclusivo da dimensão da ilicitude do facto. Na verdade, tratando-se de um crime de perigo, o grau de ilicitude varia em função do grau de aptidão do tráfico para a criação do maior ou menor perigo para o bem protegido, a saúde pública.»    
Revertendo ao caso concreto, o tribunal recorrido, após tecer considerações de ordem jurisprudencial e doutrinal sobre o ilícito em causa, analisou as circunstâncias específicas do caso para concluir que o arguido BB cometeu o crime previsto e punido pelo artigo 25º alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, em vez do crime previsto e punido pelo artigo 21.º do mesmo diploma legal, pelo qual vinha acusado.

Em concreto, considerou:
«a) - um relativamente pequeno período durante o qual a arguido BB comprovadamente desenvolveu a respetiva atividade ilícita de tráfico de substâncias estupefacientes (desde Outubro de 2022 até 3/1/2024 – cerca de 1 ano e três meses)
b) - um baixo número de toxicodependentes comprovadamente envolvidos (apurou-se que o mesmo vendeu a cerca de pelo menos 58 indivíduos);
c) - um número baixo de transações de produto estupefaciente comprovadamente efectuadas (cfr. o acabado de referir mas multiplicado por várias transações por consumidor ao longo do período considerado nos autos);
d) - uma baixa quantidade de produto estupefaciente apreendido:
- No dia 28.10.2022 foi-lhe apreendido 12 (doze) línguas de canábis (resina), com o peso de 9,825 gramas, correspondentes a 9 doses individuais;
- No dia 28 de Fevereiro de 2022 foi-lhe apreendido 52,733 gramas de canábis (resina), correspondentes a 314 doses individuais.
- No dia 03.01.2024 foi-lhe apreendido i. Vários pedaços de haxixe, com o peso de 1,470 gramas (correspondentes a 7 doses individuais); ii. 1 (um) saco contendo 11 pedras de cocaína, com o peso de 1,722 (correspondentes a 38 doses individuais); iii. 1 (um) saco com 29,693 gramas de heroína (correspondentes 18 doses individuais); iv. 52 (cinquenta e duas) embalagens de heroína com o peso de 5,605 gramas (correspondentes a 4 doses individuais); v. (três) sacos contendo cocaína, cada um com 25 pedras, perfazendo 75 pedras, com o peso total de 12,114 gramas (correspondentes a 245 doses individuais);
e) - uma baixa quantidade total de produto estupefaciente transacionado (considerando o número de consumidores e o período de tempo em causa - veja-se que o máximo apreendido aos toxicodependentes é o correspondente a 6 doses individuais de canábis, no que toca à heroína e cocaína o máximo transacionado variava entre 1 e 2 doses individuais);
f) - a quantia monetária obtida em cada transação (é reduzido-médio o montante transacionado, ou seja, regra geral não ultrapassado 20/30 € euros em cada venda – tendo por referência o tipo de produto e a quantidade vendida);
g) - uma baixa quantia monetária efetivamente apreendida resultante do tráfico de substâncias estupefacientes (ou seja, a quantia monetária global de 869,38€);
h) - a diminuta área geográfica de atuação do arguido na venda (procedia à venda apenas no Bairro ....
i) - a normal condição social e económica do arguido, não lhe sendo conhecidos sinais exteriores de manifesta riqueza (cfr. relatórios sociais da DGRSP);
j) - ausência de sofisticação revelada no tráfico, pois este era feito apenas por contacto direto com os consumidores (os consumidores dirigiam-se ao Bairro ... para comprar produto estupefaciente);
k) – O arguido vendia os mesmos tipos de produtos estupefacientes, ou seja, cannabis, heroína e cocaína.»
Das circunstâncias acabadas de transcrever, o tribunal recorrido concluiu estar perante um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, tendo para tanto enquadrado todo o comportamento do arguido de molde a que ficasse demonstrada a sua ilicitude consideravelmente diminuída.
O recorrente diverge dessa leitura dos factos e subsequente convolação jurídica do ilícito, porquanto, na sua perspectiva, da conjugação de todos esses elementos, resulta um grau de desvalor da conduta e do resultado (culpa e ilicitude) que se situa num patamar médio-alto, que não se compadece com a considerável diminuição da ilicitude do facto exigida pelo tipo privilegiado do crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punível pelo citado artigo 25º, alínea a), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
Cumpre, pois, proceder à avaliação global da situação de facto por forma a formular um juízo sobre a ilicitude, designadamente se esta se mostra ou não «consideravelmente» diminuída. Sublinhando-se que o advérbio «consideravelmente», não pode ser menosprezado e tem o significado etimológico de “notável”, “ muito grande”, “importante”.[37]
Desde já, adiantamos que perfilhamos o entendimento do recorrente e, por concordarmos com os argumentos que o sustentam, seguir-se-á essa linha de raciocínio de perto.
Para fundamentar a sua conclusão, o tribunal recorrido considerou essencialmente: que o arguido BB desenvolveu a sua actividade ilícita de tráfico de substâncias estupefacientes durante um período relativamente curto; o número reduzido de toxicodependentes envolvidos—apurou-se que vendeu produto a, pelo menos, 58 indivíduos-, bem como a baixa quantidade de substâncias apreendidas; a ausência de sofisticação revelada no tráfico, pois este era feito apenas por contacto directo com os consumidores (os consumidores dirigiam-se ao Bairro ... para comprar produto estupefaciente) e, por fim, que vendia os mesmos tipos de produtos estupefacientes.
 No entanto, ao contrário do entendimento do tribunal recorrido, consideramos que o período durante o qual o recorrido exerceu a actividade de tráfico—de Outubro de 2022 a 3 de Janeiro de 2024, conforme consta do ponto 1 dos factos provados—ou seja, um ano e três meses, não pode ser classificado como um “pequeno período”.
Por sua vez, embora o modo de execução do tráfico por parte do arguido BB não apresente elevada sofisticação, evidencia uma estrutura já relativamente bem organizada. Com efeito, ficou provado que actuou segundo um plano previamente delineado (ponto 2 dos factos provados), contando com a colaboração inicial do co-arguido DD e, posteriormente, de CC, os quais tinham como missão chamar e encaminhar os toxicodependentes para o local de venda de estupefacientes, bem como controlar os movimentos dos agentes policiais afectos à investigação criminal (facto 5), obtendo, em troca, substâncias para seu próprio consumo. Além disso contava ainda com a colaboração de familiares na actividade de tráfico de estupefacientes (cfr. ponto 15. dos factos provados).
Igualmente reveladora dessa organização é a existência de dois locais de venda: a fracção onde habita, situada no rés-do-chão, e o apartamento no 1.º andar (pontos 3 e 11 dos factos provados).
De destacar também a persistência e a regularidade com que, ao longo do período referido, o recorrido desenvolveu a actividade de venda de produtos estupefacientes, uma vez que, não obstante ter sido alvo de abordagem pelas autoridades policiais com apreensão de substâncias ilícitas, nomeadamente haxixe, nos dias 28 de Outubro de 2022 e 28 de Fevereiro de 2023 (pontos 6, 7 e 17 a 19 dos factos provados), manteve a sua actividade de tráfico até 3 de Janeiro de 2024, data da sua detenção, o que denota um claro sentimento de impunidade.
Ademais, não podemos concordar com o tribunal recorrido quando este considera que o número de toxicodependentes comprovadamente envolvidos—apurou-se que vendeu a cerca de pelo menos 58 indivíduos—represente um baixo número.
Do mesmo modo, não se pode aceitar a conclusão de que a quantidade de heroína (29 doses) e cocaína (283 doses) detida na sua residência aquando da busca domiciliária de 3 de Janeiro de 2024, bem como a canábis (resina) apreendida na sua residência em 28 de Fevereiro de 2023 correspondente a 314 doses individuais, destinadas à revenda—constitui uma baixa quantidade de produto estupefaciente apreendido.
Relevante também é o facto de, no momento da detenção do colaborador do recorrido, o co-arguido CC, em 3 de Janeiro de 2024, este ter na sua posse uma balança de precisão (ponto 34 dos factos provados), instrumento que, segundo as regras da experiência, é normalmente utilizado para proceder à dosagem e pesagem dos produtos estupefacientes comercializados.
Por outro lado, embora o recorrido se limitasse à venda dos mesmos tipos de substâncias estupefacientes, como referido pelo tribunal recorrido, não se pode ignorar que essas substâncias abrangiam três das principais drogas, sendo que duas delas são vulgarmente classificadas como drogas duras (pontos 1, 11, 14, 15, 25 a 27, 28, 29, 30, 32, 33 e 35 dos factos provados), cuja perigosidade e danosidade são amplamente reconhecidas. De facto, ficaram comprovadas vendas de cocaína e/ou heroína nos dias 9 de Janeiro de 2023, 6 de Novembro de 2023, 15 de Novembro de 2023 e 3 de Janeiro de 2024.
Por último, à data dos factos não era conhecida qualquer actividade laboral ao recorrido, nem qualquer fonte lícita de rendimento, vivendo o arguido BB da actividade de tráfico de estupefacientes que desenvolvia (facto 42).
Posto isto, apesar da quantia monetária efectivamente apreendida, resultante do tráfico de substâncias estupefacientes-no montante global de 869,38€- e da área geográfica circunscrita à actuação do arguido na venda (restrita ao Bairro ...), todas as demais circunstâncias e a imagem global dos factos apurados demonstram que não se pode concluir pela existência de uma acentuada diminuição da ilicitude.
Com efeito, as condições em que o crime foi cometido, a diversidade de estupefacientes destinados à venda, a quantidade e qualidade dos produtos apreendidos em poder do arguido, os meios utilizados e o modo de actuação, que denotam uma certa organização, bem como o período de tempo em que exerceu essa actividade, demostram, de forma evidente, que não se pode concluir pela existência de uma acentuada diminuição da ilicitude.
Assim, entendemos, tal como o recorrente, que os factos provados não permitem a sua subsunção à estatuição do artigo 25º do DL 15/93, mas sim à previsão e estatuição do artigo 21º desse mesmo diploma.
Como se escreveu no Ac. do STJ de 22 Novembro 2023[38] «convém ter presente, que no art. 21.º do DL 15/93, tanto se pode incluir o grande, como o médio, tal como o pequeno tráfico de estupefacientes, desde que, neste último caso, não exista um quadro de acentuada diminuição da ilicitude e, portanto, não esteja abrangido no art. 25.º do mesmo diploma legal.
Daí que seja errada a dedução (implícita no recurso) de que não sendo o arguido um “grande traficante” não estaria incluído no art. 21.º, pressupondo, assim, que no referido tipo legal apenas caberiam os grandes traficantes ou os agentes que vendessem com uma certa organização, fazendo uso de meios sofisticados ou que só nele caberiam quem fosse “dono do negócio” de tráfico de estupefacientes (e, portanto, não podendo ser incluídos nesse preceito - art. 21.º - os “meros empregados”, ou aqueles que levassem a cabo a atividade delituosa, mesmo que igualmente dependessem do consumo de estupefacientes ou que desenvolvessem o chamado “tráfico de rua”, sem recurso a técnicas especiais ou estruturas ou organizações particulares).
Terá de ser caso a caso, perante a análise global da matéria de facto apurada, tendo em atenção os critérios legais, que poderá fazer-se a respetiva subsunção dos factos ao direito
Concluímos, assim, que estão preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no art.º 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 23.01, por  referência à Tabela Anexa I-A, I-B e I-C, pelo qual o recorrente foi acusado, ao contrário do que havia decidido a 1ª instância, quando enquadrou os factos apurados no crime de tráfico de menor gravidade p. e p. no art.º 25.º, al. a), do mesmo diploma legal, por referência, à Tabela Anexa I-A, I-B e I-C, anotando-se que referência no dispositivo do acórdão aos artºs 75º e 76º do Código Penal, se ficou a dever a mera lapso de escrita, como se retira do restante teor do acórdão, mormente da fundamentação jurídica e que, por isso, se corrige ao abrigo do disposto no art.º 380º, nº 1 al. b) do C. P. Penal.
Importa, agora, tendo em consideração a convolação da qualificação jurídica dos factos provados, proceder à determinação da pena concreta a aplicar ao arguido/recorrido BB. De notar que não existe fundamento legal para, existindo todos os elementos necessários, remeter os autos à primeira instância para fixação da pena conformada pela moldura penal dada pela correcta qualificação jurídica dos factos daí decorrente, como propugnado pelo recorrente.
Acresce que o acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 4/2016[39], fixou jurisprudência no sentido de que – “Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a Relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal”.
Assim, por maioria de razão, não existe qualquer impedimento legal para esta Relação proceder à determinação da medida da pena no caso, como nos autos, de se ter concluído pela alteração da qualificação jurídica já conhecida do arguido e sobre a qual este já teve oportunidade de se pronunciar.
O crime cometido pelo arguido é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos – cfr. artigo 21º nº 1 do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
De acordo com o disposto no artigo 40º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas e de medidas de segurança, tem como finalidade “a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.
A protecção de bens jurídicos consubstancia-se na denominada prevenção geral, enquanto que a reintegração do agente na sociedade se reporta à denominada prevenção especial.
Por sua vez, prescreve o n.º 1 do art.º 71º, do C. Penal que a medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é determinada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, conforme prescreve o artigo 40º, nº 2, do mesmo Código.
A culpa e a prevenção são, assim, os critérios gerais legalmente estabelecidos para medir, em concreto, a pena. Todavia, em caso algum pode haver pena sem culpa ou acima da culpa.[40]
Como ensina Figueiredo Dias[41] «1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais.»
Em matéria de determinação da medida da pena, o Supremo Tribunal de Justiça vem decidindo, que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira que deve ser prosseguida, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.[42]
Daí que será justa toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa. Podemos, pois, dizer que” toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa”. [43]
Ponderados estes limites, deve ainda o tribunal atender a quaisquer outras circunstâncias, que não fazendo parte do tipo, deponham contra ou a favor do agente.
Em concretização deste princípio, dispõe o nº 2 do art.º 71º que: «na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele», nomeadamente as enunciadas nas suas várias alíneas, que podem ser agrupados «em fatores relativos à execução do facto ( alíneas a), b), c) e e), parte final); fatores relativos à personalidade do agente (alíneas d) e f); e, ainda, fatores relativos à conduta do agente, anterior e posterior ao facto (al. e)).»[44]
O tribunal a quo para fixar a medida concreta das penas aduziu os seguintes fundamentos:
«Não se ignora que no tipo legal de crime de tráfico são elevadíssimas as exigências de prevenção geral ou positiva de integração. É um crime que, atentos os seus efeitos e o que fomenta põe em causa a estabilidade social. É mesmo um “daqueles que causam mais repulsa e indignação no Povo Português, em virtude dos enormíssimos danos e tragédias pessoais, familiares e sociais, que são consequência desse tráfico, que vem afectando a sociedade portuguesa de forma absolutamente intolerável” 25.
Com efeito, os efeitos lesivos associados ao consumo de estupefacientes tornou-se, desde há muito, um verdadeiro caso de saúde pública, em que se vêm gerações a perder a sua vitalidade, a adiarem a sua afirmação enquanto verdadeiros cidadãos pertencentes a uma sociedade e a não contribuíram societariamente de forma desejável e expectável. O que se configura não só como uma perda pessoal, como ainda como uma verdadeira perda social, para além dos custos que tal tipo de dependência sempre acarreta, seja em termos médicos ou medicamentosos, seja na implementação de medidas executivas capazes de proceder ao tratamento e reinserção social dos ex-toxicodependentes.
Deste modo, tendo-se em atenção o ilícito imputado, urge ponderar os seguintes factores concretos de medida da pena, de forma determinar o quantum necessário da mesma:
- a ilicitude presente nos factos praticados, num grau mediano para o arguido BB, e num grau diminuto para os arguidos AA, CC e DD, o que faz estabilizar as exigências da culpa;
- a quantidade de substância estupefaciente apreendida aos arguidos BB e AA, dotada de baixa relevância a ponderar, o que faz estabilizar as mesmas exigências ;
- a qualidade das substâncias, estando-se perante drogas susceptíveis de criar uma maior dependência, como a cocaína e heroína, o que faz aumentar tais exigências ;
- a conduta dos arguidos anterior aos factos, documentada no CRC juntos aos autos, ressaltando que todos os arguidos têm antecedentes criminais, e que os arguidos AA e CC já foram condenados por crimes de tráfico de estupefacientes, tendo inclusive cumprido pena de prisão por tal ilícito. Tais antecedentes criminais fazem aumentar as exigências preventivas.
- a falta de ocupação profissional dos arguidos à data dos factos;»
Da leitura dessa fundamentação, conclui-se que o tribunal a quo, na determinação da medida da pena, teve em atenção, no essencial, todos os elementos relevantes para a sua graduação.
Importa, no entanto, proceder a algumas correcções, em conformidade com os fundamentos acima expostos relativos à alteração da qualificação jurídica.
No que respeita à culpabilidade do arguido, há que relevar a intensidade do dolo (directo) com que actuou.
A ilicitude presente nos factos praticados, num grau médio a elevado, considerando o seu modo de actuação, a diferente natureza das substâncias estupefacientes que transaccionava, entre elas as denominadas drogas duras, e a quantidade dos estupefacientes que detinha e destinava à venda.
São também elevadas as exigências de prevenção geral (necessidade de restabelecer a confiança na validade da norma violada), tendo em atenção o bem jurídico violado (genérica e primacialmente a saúde pública) no crime de tráfico de estupefacientes, que deve ser combatido com maior severidade, embora de forma proporcional à danosidade que causa e tendo em atenção as particulares circunstâncias do caso.
Como é salientado por numerosa jurisprudência, o tráfico de estupefacientes, como tipo legal de crime, viola uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a saúde física e mental e a liberdade; acelera desmedidamente o aumento da criminalidade e põe em causa, perigosamente, a segurança e estabilidade social. Não podem, assim, os tribunais usar de excessiva brandura na punição dos crimes de tráfico de estupefacientes.
Por sua vez, devem também ser consideradas as exigências de prevenção especial, dado que o arguido já sofreu cinco condenações, embora por factos de natureza distinta, sendo quatro em penas de multa e uma delas na pena de 5 meses de prisão, substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade.
À data dos factos não era conhecida qualquer actividade laboral ao arguido, nem qualquer fonte lícita de rendimento, vivendo da actividade de tráfico de estupefacientes que desenvolvia.
O arguido era consumidor de produtos estupefacientes. Iniciou o consumo de haxixe aos 15/16 anos, hábito que manteve de forma regular. Além disso, assumiu o consumo de cocaína desde 2020, sem recurso a acompanhamento ou apoio clínico.
A favor do arguido milita a sua boa inserção familiar, a circunstância de ter mantido um comportamento ajustado em meio prisional; ter confessado a quase totalidade dos factos, ainda que tal assunção tenha pouca relevância face à abundância da prova.
Assim, tudo ponderado, considerando o efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro, olhando aos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do recorrente, bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julga-se adequada e ajustada a pena de 5 (cinco) anos de prisão.
Atento o quantum de pena, não superior a cinco anos de prisão, há que equacionar se a mesma deve, ou não, ser suspensa na sua execução, tendo por referência o enquadramento legal, jurisprudencial e doutrinal anteriormente analisado quanto ao arguido AA, que aqui se dá por reproduzido.
Assim, para aplicação daquela pena de substituição é necessário, em primeiro lugar, que a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.
Em segundo lugar, é necessário que o tribunal se convença, face à personalidade do arguido, comportamento global, natureza do crime e sua adequação a essa personalidade, que o facto cometido não está de acordo com essa personalidade e foi simples acidente de percurso, esporádico, e que a ameaça da pena, como medida de reflexos sobre o seu comportamento futuro evitará a repetição de comportamentos delituosos.
Revertendo ao caso dos autos e dependendo, como já vimos, a opção pela suspensão da execução da pena de um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido, os elementos antes mencionados não perspectivam, mesmo correndo certo risco fundado e calculado, uma esperança de que a socialização em liberdade possa ser alcançada, antes emergindo motivos sérios para duvidar da capacidade do agente de não repetir a actividade criminosa.
Esses elementos, com particular relevo para a persistência e regularidade com que se dedicou no período temporal analisado à venda de substâncias estupefacientes, associada à sua inactividade profissional e ao consumo de substâncias estupefacientes desde a adolescência, compromete o juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido, na medida em que se traduz num grande factor de fragilidade, por favorecer o contacto com ambientes associados ao comércio de produtos estupefacientes e propiciar a intervenção do próprio arguido em tal actividade, para obtenção de recursos com vista à satisfação das suas necessidades de consumo.
Por outro lado, como o Supremo Tribunal de Justiça[45] tem afirmado, na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes deve atender-se às fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade.
As necessidades de prevenção geral impõem, pois, uma resposta punitiva firme, única forma de combater eficazmente o tráfico.
Neste contexto, só em casos ou situações especiais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido, será admissível o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão.
No caso, consideramos que não se verifica essa situação especial e, consequentemente, a mera ameaça de execução da pena não seria suficiente para atender às necessidades da punição, especialmente no que respeita à prevenção geral. Na verdade, neste campo, correr-se-ia o risco de incompreensão dessa suspensão face à actividade desenvolvida pelo arguido, por parte da comunidade, dando-se ainda um sinal que poderia ser encarado como impunidade e uma consequente perda de confiança no sistema penal repressivo.
Daí que se entenda não ser de suspender a execução da pena de cinco anos de prisão aplicada ao arguido.

III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

A) Julgar o recurso interposto pelo arguido AA improcedente e, em consequência, confirmar o decidido no acórdão recorrido;
B) Julgar o recurso interposto pelo Ministério Público procedente e, em consequência, convola-se o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º, al. a) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, pelo qual o arguido BB foi condenado, para o crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art.º 21º, nº 1 do mesmo diploma legal, por referência às Tabelas Anexas I-A, I-B e I-C, crime por que será condenado na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

A) Relativamente ao recurso do recorrente AA, as custas ficam a seu cargo, fixando-se a taxa de justiça em quatro unidades de conta (art.º 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal e art.º 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).
B) No que concerne ao recurso interposto pelo Mº Público, não são devidas custas.

(Texto elaborado pela relatora e revisto pelas signatárias – artº. 94º, n.º 2, do CPP)
Guimarães, 25 de Junho de 2025

Anabela Varizo Martins (relatora)
António Teixeira (1º adjunto) 
Fernando Chaves (2º adjunto)


[1] Cfr. arts. 412.º e 417.º do C P Penal e Ac.do STJ de 27-10-2016, processo nº 110/08.6TTGDM.P2.S1, de 06-06-2018, processo nº 4691/16. 2 T8 LSB.L1.S1  e da Relação de Guimarães de 11-06-2019, processo nº 314/17.0GAPTL.G1, disponíveis em www.dgsi.pt, tal como os demais doravante citados sem expressa indicação da respectiva fonte, e, na doutrina, Germano Marques da Silva- Direito Processual Penal Português, 3, pag. 335.
[2] Vide Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, 1º Volume, 1986, p.211;
[3] In Curso de Processo Penal, reimpressão, Volume II, 1981, p.298.
[4] Neste sentido Revista do Ministério Público, 19º-40.
[5] In Direito Processual Penal, Volume I, Coimbra Editora, 1981, p.202.
[6]  Relator Conselheiro Santos Cabral, Processo nº233/08.1PBGDM.P3.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] In Curso de Processo Penal, Volume II, p.127.
[8] Relatora Maria Pilar Oliveira, Processo nº630/09.5TACNT.C1, cessível em www.dgsi.pt;
[9] cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.
[10] In Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, pag. 325.
[11] in "Recursos em Processo Penal", 7ª edição, 2008, pág. 77.
[12] Processo nº 936/08.JAPRT, 3ª Secção.
[13] Cfr. Ac. da Relação de Guimarães de 11/09/2017, processo nº 1744/16.0JAPRT.G1, Acórdão da Rel. de Coimbra, de 21-09-2022, Processo 3006/20.0 APRT.P1e Ac. da Relação de Lisboa de 22-03-2023, processo nº 183/18.3GBALM.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[14] In “Comentário do Código de Processo Penal”, pág. 1135.
[15] Processo 104/07.9JBLSB.C1.S1, relator Maia Costa, também disponível em www.dgsi.pt.
[16] Processo nº 607/12.3GBVLN.G1, relator Fernando Monterroso, igualmente disponível in www.dgsi.pt.
[17] Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 17-03-2016, processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1, de 14-03-2007, processo n.º 07P21, e de 23-05-2007, processo n.º 07P1498, e do TRP de 11-07-2001, processo n.º 110407, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[18] Cf., nomeadamente, os acórdãos do STJ de 17-03-2016, processo n.º 849/12.1JACBR.C1.S1, de 14-03-2007, processo n.º 07P21, e de 23-05-2007, processo n.º 07P1498, do TRG de 19-03-2018, processo nº 26/16.2T9MDL.G1 e do TRP de 11-07-2001, processo n.º 110407, todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[19] Cf. A c. da Relação de Coimbra de 03-06-2015 Processo nº 12/14.7GBSRT.C1 e no mesmo sentido Ac. da Relação de Coimbra de 20-03-2017 Processo nº 44/14.5TACRZ.G1.
[20] Direito Processual Civil – Vol.III, pág.211 (1980)
[21] Ac. da Relação de Guimarães de 05-03-2018, processo nº 827/17.4GAEPS.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[22] Constituição da República Portuguesa Anotada”, 3ª ed., pág. 203.
[23] Acórdão do S.T.J. de 2010-10-06 (relator Conselheiro HENRIQUES GASPAR), Processo nº 936/08.JAPRT, disponível em www.dgsi.pt.
[24] Ac do Supremo tribunal de justiça de 27-01-2021, Processo nº1663/16.0T9LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[25]Entre outros, Ac. do S.T.J de 15 de Dezembro de 2011, Processo nº17/09.0TELSB.L1.S1, 05 Fevereiro 2009, Processo  nº 08P2381, de 12-03-2009, Processo 07P1769 e de 21-06-2017, Processo nº 294/16.0PCBRG.S1., disponíveis em www.dgsi.pt.
[26] neste sentido Maria João Antunes in ob. citada, pag. 59.
[27]  Direito Penal, 1º Volume, Rei dos Livros, pág. 444.
[28] Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime – pág.342/343, §518.
[29] proc.º n.º 254/07-5, rel. Simas Santos, in www.dgsi.pt.
[30] Ac. da Relação de Coimbra de 29-11-2017, Processo nº 202/16.8PBCVL.C1, relator desembargador Orlando Gonçalves.  
[31] Entre outros ac. do STJ de 01-06-2011, processo 2/06.3 PJLRS, 3ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, tal como os demais doravante citados sem expressa indicação da respectiva fonte.
[32] Ac. do STJ de 30/11/2000 Proc. n.º 2849/2000 - 5.ª Secção Pereira Madeira.
[33] Acs. do STJ de 17-4-2008, proc.º n.º 08P571, rel. Cons.º Henriques Gaspar, de 24-2-2010, proc. n.º141/08.6 P6PRT. S1 , de 24-5-2011, proc.º n.º179/09.6S4LSB.L1.S1, de 23-11-2011, Processo nº 127/09.3PEFUN.S1, de 12-3-2014, proc.º n.º 189/12.6GAANS.S1 e de 28-05-2015, Processo nº 421/14.1TAVIS.S1, de 17-9-2014, proc.º n.º 56/13.6PFEVR.E1.S1, rel. Cons.º Maia Costa, de 12-3-2014, proc.º n.º 189/12.6GAANS.S1, rel. Cons.º Maia Costa, de 5-1-2012, proc.º n.º 3399/10.7TASXL.L1.S1, rel. Cons.º Souto Moura, e de 29.09.2005, in CJSTJ, III, p. 219.
[34] Processo 227/17.6 PALGS.S1, 3ª Sessão.
[35] Processo nº 7/10. OPEBJA.S1, 3ª Sessão.
[36] In ob. citada, pag. 125.
[37] Cfr. Dic. De Língua Portuguesa, Porto Editora.
[38] Processo nº11/22.5SFPRT.P1.S1
[39] DR-36 SÉRIE I de 22/02/2016.
[40] Cf. FIGUEIREDO DIAS, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora, 2007, p. 82 e 83.
[41] Direito Penal –Questões fundamentais – A doutrina geral do crime-Coimbra Editora, 2007, 2ª edição, p. 84.
[42] Neste sentido, entre outros, Ac. do S.T.J. de 15/02/2007, Processo 07P003, relator Simas Santos, de 17/01/2013, Proc. Nº 57/12 e de 06/02/2013, Proc.181/12, disponíveis em www.dgsi.pt.
[43] Cf. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2007, Coimbra Editora, pág. 84.
[44] Maria João Antunes Penas e Medidas de Segurança, 2020, pag. 46 e 47.
[45] Cf., nomeadamente, o acórdão de 30-11-2017 (processo n.º 3466/11.0TALRA.C1.S3).