Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4878/24.4T8BRG-A.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DA IMPUGNAÇÃO
INSTRUMENTALIDADE DA IMPUGNAÇÃO
UTILIDADE DA IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Tendo a mesma realidade sido vertida em diversos factos de sentença proferida, e pretendendo a parte impugná-la no seu recurso de apelação (para demonstrar o seu contrário), terá que sindicar simultaneamente todos os factos que a tenham afirmado (integrando-os no objecto do dito recurso), sob pena de, fazendo-o apenas quanto a alguns, não se poder conhecer do mesmo, por inadmissível contradição com factos definitivamente provados.
II. O ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC, exige que o recorrente especifique os meios probatórios que determinariam decisão diversa da tomada em primeira instância, para cada um dos factos que pretende impugnar, sob pena de rejeição do seu recurso.
III. Por força dos princípios da utilidade, da economia e da celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for(em) insusceptível(eis) de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter(em) relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe ser inútil.
IV. Dependendo a apreciação do recurso pertinente à interpretação e aplicação do Direito ao caso concreto, do prévio sucesso do simultâneo recurso interposto sobre a matéria de facto fixada, sendo este último julgado improcedente, fica necessariamente prejudicado o conhecimento daquele primeiro.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo
Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade;
2.º Adjunto - José Carlos Pereira Duarte.
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente na Rua ..., em ..., ... (aqui Requerente), propôs um procedimento cautelar de embargo de obra nova, contra EMP01... - Imobiliária, S.A., com sede na Rua ..., ..., em ... (aqui Requerida), pedindo que

· fosse ratificado o embargo de obra nova por si realizado em 12 de Agosto de 2024 e, em consequência, fosse ordenado à Requerida a suspensão imediata das obras que se encontra a realizar sobre parcela de prédio seu e a restituição do mesmo no preciso estado em que se encontrava em momento anterior a elas (com a consequente reposição da vedação delimitadora da sua propriedade);

· fosse a Requerida condenada numa sanção pecuniária compulsória (destinada em partes iguais ao Estado e a si próprio), pela violação, entrada ou realização de qualquer trabalho na dita parcela de terreno, de montante não inferior a € 20.000,00 por cada dia em que tal suceda;

· e fosse a providência cautelar decretada com dispensa do contraditório da Requerida.

 
Alegou para o efeito, em síntese, que sendo proprietário de um prédio urbano com logradouro (por o ter adquirido por doação e por usucapião), a Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) incluiu uma parcela dele (de 2.800 m2) num projecto urbanístico, de vários milhões de euros, que promove (por pretensamente integrar propriedade sua e não dele próprio).
Mais alegou que, na execução do dito projecto urbanístico (incluindo operações de desmatação, movimentação de terras e edificação de pavilhões industriais), entre 8 e 12 de Agosto de 2024 a Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) derrubou a vedação instalada por si próprio e ocupou uma parcela de cerca de 500 m2 do seu prédio, desmatou o local, instalou um poste de telecomunicações, e procedeu a operações de aterro e compactação do pavimento com saibro e terra, com a constante passagem de escavadoras e cilindros.
Alegou ainda que, no dia 12 de Agosto de 2024, conjuntamente com três testemunhas, procedeu ao embargo extrajudicial da obra, que na parte executada já  alterou a configuração do seu próprio prédio (conforme melhor discriminou), receando ainda o acentuar dessa alteração caso a execução do projecto urbanístico da Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) aí prossiga (discriminando igualmente os termos dessa projectada alteração); e ter a Requerida desrespeitado o embargo extrajudicial de obra nova realizado, retomando a execução desta logo no dia seguinte.
Por fim, alegou que, representando o investimento da Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) milhões de euros, e sendo infungível o seu respeito pelo embargo extrajudicial realizado e pela pretendida ratificação judicial respectiva, justificar-se-ia a sua condenação na sanção pecuniária compulsória impetrada.

1.1.2. Foi proferido despacho, designando dia para produção da prova arrolada e dispensando o contraditório prévio da Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.).

1.1.3. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando procedente o procedimento cautelar de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
III. Dispositivo
Face ao exposto, julgo o procedimento cautelar intentado contra EMP01... - IMOBILIARÍA, S.A., NIPC ...86. procedente, ratificando-se, em consequência o embargo extrajudicial realizado pelo requerente AA, determinando-se a imediata suspensão das obras realizadas no prédio urbano do prédio urbano correspondente a casa de habitação e lavoura com três divisões no rés do chão e duas no 1.º andar, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...81.º, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00.º da União de Freguesias ... e ... do concelho ....
Mais se determina que a Ré deve abster-se de praticar qualquer acto, por si ou por terceira pessoa, que possa bulir ou contender com o prédio referido nomeadamente, não trespassar os limites da propriedade tal como delimitados com a vedação e o acesso à estrada, não proceder a qualquer operação de desmatação ou movimentação de terras e não proceder ao desmantelamento ou demolição das estruturas urbanas existentes no prédio urbano, nem implantar nada no referido prédio, nos termos do embargo extrajudicial de 12 de agosto de 2024.
Quanto à sanção pecuniária compulsória fixa-se a mesma em €5.000,00 por cada dia de atraso no cumprimento.
Custas pelo Requerente, sem prejuízo da decisão final, existindo oposição.
Valor do procedimento: € 26.268,00.
Registe e notifique a requerida, cumprindo-se o contraditório.
(…)»

1.1.4. Regularmente citada, a Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) deduziu oposição, pedindo que: o procedimento cautelar fosse julgado totalmente improcedente, por não provado; subsidiariamente, lhe fosse concedida autorização para continuar com a obra mediante a prestação de caução (de valor a determinar pelo tribunal e em prazo a conceder por ele); subsidiariamente, fosse reduzida a sanção pecuniária compulsória para € 50,00 por dia.
Alegou para o efeito, em síntese, ser a parcela de terreno em causa nos autos integrante de prédio seu, e não de prédio do Requerente (AA.).
Mais alegou que a paragem da empreitada que leva a cabo no local lhe acarretaria um prejuízo de milhões (nele se incluindo quer dificuldades de tesouraria resultante dos encargos financeiros assumidos sem a correspectiva venda ou arrendamento dos espaços industriais a construir, quer danos reputacionais resultantes do incumprimento de projectos assumidos com outros parceiros de dimensão internacional), muito superior ao dano que o Requerente (AA) pretenderia acautelar (reportado a uma área de 500 m2); e sem que o mesmo tivesse capacidade económica para, futuramente, a ressarcir (em caso de improcedência final da tese dele próprio).
Por fim, alegou ser arbitrária, desproporcional e excessiva a sanção pecuniária compulsória fixada, tendo inclusivamente sido fundamentada num pretenso desrespeito seu de embargo levado a cabo pela Câmara Municipal ... quando o mesmo nunca foi invocado nos autos, nem consta da fundamentação de facto da sentença.  

1.1.5. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, mantendo a ratificação judicial de embargo de obra nova realizado pelo Requerente (AA), mas suspendendo os autos até ser proferida decisão final sobre a parcela de terreno deles objecto, mediante a prestação de uma caução a prestar pela Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.), ficando então igualmente suspensa a sanção pecuniária compulsória antes aplicada, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
III. Dispositivo 
Face ao exposto, julgo o procedimento cautelar intentado contra EMP01... - IMOBILIARIA, S.A., NIPC ...86. procedente, mantendo-se ratificado o embargo extrajudicial realizado pelo requerente AA, quanto às obras realizadas no prédio urbano do prédio urbano correspondente a casa de habitação e lavoura com três divisões no rés do chão e duas no 1.º andar, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...81.º , inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00.º da União de Freguesias ... e ... do concelho .... 
Mais se determina, na ponderação dos interesses em conflito, em suspender os presentes embargos, até decisão final sobre a propriedade da parcela de terreno em discussão, mediante o pagamento de uma caução por parte da requerida, a prestar através de garantia bancária, no valor a apurar em apenso, no incidente de prestação de caução.
Fica suspensa a sanção pecuniária compulsória aplicada, aquando da prestação de caução.
Custas em partes iguais. 
Valor do procedimento: €26.268,00. 
Registe e notifique. 
(…)»
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1.2. Recursos
1.2.1. Recurso independente (do Requerente)
1.2.1.1. Fundamentos
Inconformado com esta decisão, o Requerente (AA) interpôs recurso independente de apelação, pedindo que fosse julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida na parte em que suspendeu o embargo mediante a prestação de caução (por forma a que o mesmo fosse mantido nos seus precisos e originais termos).

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

I - O recorrente não concorda com a apreciação de parte da prova por parte do Tribunal a quo, nomeadamente no que diz respeito à factualidade que levou à suspensão do embargo de obra nova mediante a apresentação de caução idónea.
 
II - A entidade que viola o direito de propriedade, que viola o embargo judicialmente ratificado e que viola também o embargo administrativo realizado pela Câmara Municipal ... em ../../2024 acaba por ver a sua actuação desrespeitadora e ilegal dar frutos e compensar, levando a verdadeiro benefício do infractor.
 
III - O recorrente não pode concordar com o julgamento da matéria de facto dada como provada nos pontos: 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 71, 72 e 73, com a fundamentação da motivação de recurso e que, por brevidade se dá por integralmente reproduzida.
 
IV - Entende-se também que, em face da prova produzida, deveria ter sido dado como provado o seguinte facto: a) A obra levada a cabo pela recorrida encontra-se embagada pela Câmara Municipal ... desde ../../2024.
 
V - O prédio do recorrente contem todos os elementos cadastrais e documentais em plena harmonia com a realidade física no local, nomeadamente suas áreas e confrontações, características que a prova pericial veio confirmar.
 
VI - Entendeu o Tribunal  de forma claramente errada que o embargo decretado e renovado poderá levar a grandes prejuízos que levam a impor ao recorrente o sacrifício da sua suspensão e, com isso, a possibilidade mais que certa de prossecução dos trabalhos na sua parcela de terreno, porquanto a parcela de terreno de 500 m2 que completam a área do seu prédio que remonta já ao ano 2000, não reveste de qualquer essencialidade para que a recorrida, nem a sua não utilização determina qualquer prejuízo de relevo.
 
VII - Mal andou o Tribunal recorrido quando não valora o facto verdadeiramente nuclear de que a obra tem muitos outros problemas, de muito maior dificuldade de resolução, como é, por exemplo a questão do embargo camarário com duração de nove meses a contar de Agosto de 2024.
 
VIII - Não é, nem nunca foi, o presente embargo qualquer causa impeditiva ou limitativa para o avançar das obras, pois que o mesmo não teve a virtualidade de parar as obras ou a passagem na parcela de terreno do recorrente, já que mesma foi usada todos os dias desde Agosto de 2024 para ali depositar inertes, compactá-los, servir de passagem de máquinas e homens, armazenamento de materiais e até construção de infraestruturas.
 
 IX - É absolutamente inaceitável o entendimento de que o embargo constitui qualquer travão ao avançar das obras, falando a obra por si mesma, como se demonstram de toda a prova junta.
 
X - O argumento da entrega do pavilhão para a EMP02..., S.A. é totalmente falacioso e facilmente desmontável na precisa medida em que o próprio contrato promessa de cedência tem uma data de inicio de vigência incerto e condicionado ao licenciamento, o que determina que não existe qualquer incumprimento contratual que a recorrida possa incorrer pelo atraso na obra, bem reflectindo esse contrato que as partes bem saberiam que os trabalhos poderiam atrasar, como atrasaram por motivo não imputável ao recorrente.
                         
XI - A recorrida bem sabia que o recorrente é, e arroga-se, proprietário da área de 2922 m2 que se confronta a nascente/poente com o edificado, pelo que quando o projecta já o faz com uma solução alternativa em relação à original, que previa a completa utilização do prédio urbano do recorrente.
 
XII - Não é pelo embargo que poderá existir qualquer constrangimento ou impossibilidade do cumprimento das obrigações da recorrida, mas existe apenas uma alteração a um projecto, o qual, como se demonstra, não poderia deixar de levar em consideração a anunciada controvérsia que o recorrente levantou logo em 2022 à recorrida e à sociedade empreiteira, através das comunicações com a testemunha BB. 
                         
XIII - A parcela de terreno onde incide o embargo não reveste de qualquer essencialidade, sendo apenas uma de duas possibilidades de acesso ao pavilhão, o que foi devidamente contemplado pela recorrida. 
                         
XIV - É, pois, caricato que o Tribunal tenha ficado convencido que o acesso ao pavilhão se tenha de realizar unicamente pelo acesso, o que é contrariado pela prova acima referida, e que seja pelo totalmente ineficaz embargo, que não teve a aptidão de dissuadir a recorrida nem por um dia à invasão e vilipendiação da parcela de terreno do recorrente, que possam existir transtornos e prejuízos tais que sustentem a decisão de suspensão do embargo decretado.      
                         
XV - Os trabalhos no pavilhão não abrandaram em face do embargo, muito menos os impediu, nem sequer a parcela de terreno em discussão é essencial ou primordial para o projecto, sendo antes preferível, mais cómoda e vantajosa, revestindo um cariz voluptuário.     
                         
XVI - De resto, como foi referido pela gestora do projecto, a recorrida procedeu à elaboração e soluções alternativas de molde a não comprometer a utilização do pavilhão, o que esvazia de total fundamento a pretensa necessidade da parcela de terreno, que, em bom rigor, já não é mais do que um mero capricho no sentido de constranger o recorrente pela diligente defesa dos seus interesses e direitos.      
                         
XVII - Não existindo qualquer facto concreto que possa ser levado a entender que, por qualquer forma, o embargo de obra nova levado a cabo tenha comprometido a evolução da obra da recorrida na sua propriedade, não poderemos deixar de referir que a decisão proferida é duplamente injusta.

XVIII - Primeiro, porque já se viu que não existe qualquer fundamento válido e sério que estabeleça qualquer conexão entre o embargo e um eventual prejuízo da recorrida, no que diz respeito ao andamento, desenvolvimento e conclusão dos trabalhos realizados.      
                         
XIX - Depois, mas não menos relevante, é o facto de que, com a suspensão do embargo e com a inerente prossecução das obras na parcela de terreno, ficará o recorrente indefinidamente constrangido na sua propriedade durante todo o período em que durar a acção principal.  Nesse ínterim a recorrida terá a grande vantagem de poder usar e fruir da parcela de terreno do recorrente, nela construir e usá-la, servindo o pavilhão, sem prejuízo do outro acesso que a recorrida não poderia deixar de contemplar e construir. 
             
XX - A suspensão do embargo constitui um encargo e prejuízo sobre o prédio do recorrente muito maior do que se não existisse a suspensão do embargo, já que, como se viu, a recorrida tem outro ponto de acesso ao pavilhão, não sendo a parcela de terreno essencial ou imprescindível para o desenvolvimento dos seus projectos, antes detendo um cariz meramente cómodo, senão mesmo, voluptuário. 
                         
XXI - A douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 1305.º do Código Civil e ainda os artigos 387.º e 397.º e seguintes do Código de Processo Civil.
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1.2.1.2. Contra-alegações
A Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) contra-alegou, pedindo que se negasse provimento ao recurso e se confirmasse a decisão recorrida, na parte impugnada pelo Requerente (AA).
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1.2.2. Recurso subordinado (da Requerida)
1.2.2.1. Fundamentos
Igualmente inconformada com a sentença final proferida, a Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) interpôs o recurso subordinado de apelação, pedindo que fosse provido e se revogasse a decisão que julgou ratificado o embargo extrajudicial de obra sua.

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

I. Insurge-se a Recorrente contra sentença que julgou ratificado o embargo do recorrente.

II. Pretende a Recorrente que os factos 2 e 19 constantes da matéria assente devem ser alterados para não provados e os 31 e 37 alterados na sua redação.

III. O ponto 2 da matéria assente resulta provado única e exclusivamente das declarações constantes da caderneta matricial/descrição, porquanto, nenhuma das testemunhas indicadas pelo Requerente se pronunciou acerca das confrontações do prédio, nem tampouco dos seus limites físicos em concreto, descrevendo onde inicia e onde termina o prédio.

IV. A jurisprudência dos nossos tribunais tem-se pronunciado pela negação da presunção a que se refere o art.º 7º do CRP relativamente às áreas e confrontações.

V. As presunções resultantes do registo predial não abrangem fatores descritivos, como as confrontações ou áreas.

VI. Não consta do acervo probatório quais os limites e confrontações do prédio que o Recorrente diz ser proprietário !

VII. Pelo que deve o facto 2 alterar-se para não provado.

VIII. Consta da factualidade assente que: 19. A requerida arroga-se proprietária da parcela de terreno do requerente.

IX. Ora, tal conclusão, e não facto, não pode ser aceite, desde logo porque é uma conclusão, 

X. porque parte do pressuposto, errado, que os 500m2 em causa são do requerente. 

XI. A Requerida ora recorrente entende que aquele terreno é seu, conforme, aliás, consta do facto 38.

XII. Pelo que, existe contradição entre os factos, a qual conduz à nulidade da sentença nos termos no n.º 1, alínea c) do art.º 615.º do C.P.Civ..

XIII. Os pontos o 31 e 37 devem passar a ter a seguinte redação: 31. A obra que vem sendo levada a cabo determinou a alteração da configuração do prédio.37. A requerida visa ali implementar uma nova fase de pavilhões industriais, pretendendo usar os terrenos adquiridos, para levar a cabo aquela operação urbanística de representará investimentos de dezenas de milhões de euros

XIV. A requerida pretende usar o terreno que comprou e não o do Recorrido, que não se sabe sequer onde fica !

XV. A parcela em discussão não é aceite como sendo do Recorrido, que nem se sabe onde se situa.

XVI. Não é correto fazer-se referência a factualidade a confrontações, limites e relações de propriedade que não têm respaldo nos factos provados.

XVII. A Recorrente alegou, demonstrou e provou que pratica, por si, atos de posse na parcela de terreno que adquiriu, designadamente através da limpeza do terreno e elaboração de projetos.

XVIII. O recorrido limitou-se à referência ao prédio urbano e a um barracão, nunca afirmando ter feito algo, antes que pessoas ali passavam?!

XIX. Relativamente à parcela de 500m2 e onde se circunscreve a obra, nada foi dito em concreto, pelo que não poderá manter-se o embargo decretado.
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1.2.2.2. Contra-alegações
O Requerente (AA) não contra-alegou no recurso subordinado.
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1.2.3. Processamento ulterior do recurso
Tendo sido proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir ambos os recursos interpostos - como «de apelação, com efeito devolutivo e subida imediata» -, foram os mesmos recebidos por este Tribunal ad quem, sem alteração.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, aqui aplicáveis ex vi do art.º 17.º, do CIRE), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC, e do art.º 17.º, do CIRE) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

2.2.1. Identificação das questões
Mercê do exposto, e do recurso independente interposto pelo Requerente (AA) e do recurso subordinado interposto pela Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.), 03 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - É a sentença recorrida nula, nomeadamente por os seus fundamentos estarem em oposição com a decisão proferida (subsumindo-se desse modo ao disposto no art. 615.º, n.º 1, al. c), I parte, do CPC) ?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque 

. não permitia que se dessem como demonstrados os factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 2 («As confrontações do prédio urbano do Requerente são: a norte, CC; a nascente, estrada nacional; a sul e a poente, DD»), sob o número 19 («A Requerida arroga-se proprietária da parcela de terreno do Requerente»),  sob o número 31, tal como o foi («A obra que vem sendo levada a cabo determinou a alteração da configuração do prédio urbano do Requerente»), sob o número ...7, tal como o foi («A Requerida visa ali implementar uma nova fase de pavilhões industriais, pretendendo usar os terrenos adquiridos, assim com o do Requerente, para levar a cabo aquela operação urbanística que representará investimentos de dezenas de milhões de euros»), sob o número 38 («Ao que foi transmitido à Requerida, as parcelas de terreno que lhe foram vendidas, incluem a parcela de terreno que o Requerente diz ser sua»), sob o número 39 («Não se conhece, agora, quaisquer marcos ou limites de propriedade entre a da Requerida e a alegada pelo Requerente»),sob o número 40 («A Requerida é proprietária e legítima possuidora dos seguintes prédios», que a seguir se discriminam), sob o número 41 («A Requerida - por si após a aquisição atrás referida, e por via dos respetivos ante-possuidores, a cuja posse acedeu, desde há mais de 20, 30, 40 e 50 anos - vem possuindo os referidos prédios»), sob o número 42 («A Requerida vem praticando todos os actos materiais correspondentes à titularidade plena e exclusiva do direito de propriedade, comportando-se como única e verdadeira dona que é de tal prédio»), sob o número 43 («A Requerida vem limpando, ou mandando limpar, a propriedade»), sob o número 44 («A Requerida vem suportando todos os encargos a elas (propriedades) inerentes, nomeadamente, impostos e taxas»), sob o número 45 («A Requerida vem colhendo e fazendo seus todos os respectivos frutos e rendimentos, assim usufruindo das utilidades que as propriedades proporcionam»), sob o número 46 («A Requerida vem fazendo o referido, e sempre foi feito, à vista de todos, durante o dia e a noite, com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém, designadamente de ante possuidores, vizinhos»), sob o número 47 («O referido sempre foi feito pela Requerida sem oposição do Requerente, pelo menos até finais de 2023 e inícios de 2024»), sob o número 48 («A paragem da empreitada, nesta fase, acarretará milhões de prejuízo para a Requerida»), sob o número 62 («Este projeto tem interesse e urgência para a Requerida e seus parceiros, uma vez que já começou a atrair investimento de empresas que lá se pretendem fixar»), sob o número 63 («A Requerida já celebrou um contrato promessa de cedência de espaço com a sociedade comercial EMP02... S.A.»), sob o número 64 («O contrato promessa de cedência de espaço referido prevê que a Requerida irá executar e ceder (no mínimo por 05 anos) a EMP02... S.A. um estabelecimento comercial com edifício de 5700m2, ao preço mensal estimado de € 31.350,00 acrescido de IVA, o que resulta num rendimento anual de € 376.200,00, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor,»), sob o número 65 («O contrato promessa de cedência de espaço referido resulta num valor de € 1.881.000,00, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, considerando apenas os 05 anos de contrato e sem as atualizações anuais»), sob o número...6 («Mercê do contrato promessa de cedência de espaço referido será projetado e edificado um estabelecimento comercial com edifício de 5700m2 a pedido e para as necessidades de EMP02... S.A.»), sob o número 67 («Muito dificilmente o estabelecimento comercial projectado e edificado para EMP02... S.A. servirá para outras Sociedades»), sob o número 68 («O incumprimento do contrato promessa de cedência de espaço referido, celebrado em 10 de Janeiro de 2024 - cujo prazo é de 08 + 03 meses - causará um dado muito dificilmente reparável para a Requerida, que já se encontra a executar o edifício»), sob o número 71 («Os prejuízos que a Requerida irá sofrer serão muito superiores aos que o Requerente sofrerá, caso se mostre que tem razão na reclamação que oferece»), sob o número 72 («O Requerente tem disponibilidade e vontade de vender a parcela de terreno») e sob o número 73 («A Requerida pagará o valor que for decidido/arbitrado caso a parcela de terreno em causa não seja sua»);

. e impunha que se desse como demonstrado um novo facto («A obra levada a cabo pela Recorrida encontra-se embargada pela Câmara Municipal ... desde ../../2024») ?

3.ª - Deverá ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita), por forma a que se revogue a posterior suspensão da ratificação judicial de embargo de obra nova (em caso de procedência do recurso independente do Requerente), ou por forma a que se revogue a prévia ratificação judicial de embargo de obra nova (em caso de procedência do recurso subordinado da Requerida)?
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2.2.2. Ordem do seu conhecimento
Lê-se no art.º 663.º, n.º 2, do CPC, que o «acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º».
Mais se lê, no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, que o «juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Ora, tendo sido invocada pela Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo (vício que, a verificar-se, obsta à sua validade), deverá a mesma ser conhecida de imediato, e de forma prévia às remanescentes questões objecto aqui de sindicância, já que, sendo reconhecida, poderá impedir o conhecimento da mesma [3].
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III - QUESTÃO PRÉVIA - Vícios da decisão de mérito

3.1. Nulidades da sentença versus Erro de julgamento
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à eficácia ou à validade das ditas decisões): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art.º 615.º, do CPC [4].
Precisando, «os vícios da decisão da matéria de facto não constituem, em caso algum, causa de nulidade da sentença», já que «a decisão da matéria de facto está sujeita a um regime diferenciado de valores negativos - a deficiência, a obscuridade ou contradição dessa decisão ou a falta da sua motivação [5] - a que corresponde um modo diferente de controlo e de impugnação: qualquer destes vícios não é causa de nulidade da sentença, antes é susceptível de dar lugar à actuação pela Relação dos seus poderes de rescisão ou de cassação da decisão da matéria de facto da 1ª instância (artº 662º, nº 2, c) e d) do nCPC)» (Ac. da RC, de 20.01.2015, Henrique Antunes, Processo n.º 2996/12.0TBFIG.C1, com bold apócrifo) [6].
Outros há, porém, que, concordando em princípio com esta posição, não deixam de admitir que poderão existir vícios da decisão de facto idóneos a justificar, de per se, a nulidade da própria sentença, enfatizando o facto desta, desde o CPC de 2013 (e ao contrário do que sucedia com o anterior, de 1961) conter agora simultaneamente a decisão de facto e a decisão de direito [7].

Ora, não obstante se estar perante realidades bem distintas, é «frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou e que a racionalidade não consegue explicar [8], desviando-se do verdadeiro objecto do recurso que deve ser centrado nos aspectos de ordem substancial. Com não menos frequência a arguição de nulidades da sentença acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades».
Sem prejuízo do exposto, e «ainda que nem sempre se consiga descortinar que interesses presidem à estratégia comum de introduzir as alegações de recurso com um rol de pretensas “nulidades” da sentença, sem qualquer consistência, quando tal ocorra (…), cumpre ao juiz pronunciar-se sobre tais questões (…)» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, págs. 132 e 133).
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3.2. Nulidades da sentença - Contradição
3.2.1. Lê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. c), I parte, do CPC, que «é nula a sentença quando»:

. contradição - «Os fundamentos estejam em oposição com a decisão (…)».

Esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos art.ºs 154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, ambos do CPC, e pelo art.º 205.º, n.º 1 da CRP, do juiz fundamentar as suas decisões; e, por outro lado, com o facto de se exigir que a decisão judicial constitua um silogismo lógico-jurídico, em que o seu decisório final deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal [premissa maior] com os factos [premissa menor].
Reconhece-se, deste modo, que é precisamente a fundamentação da decisão que assegurará ao cidadão o respectivo controlo; e, simultaneamente, permitirá ao Tribunal de recurso a sindicância do bem ou mal julgado.
Por outras palavras, «os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, funcionam na estrutura expositiva e argumentativa em que se traduz a sentença, como premissas lógicas necessárias para a formação do silogismo judiciário». Logo, «constituirá violação das regras necessárias à construção lógica da sentença que os fundamentos da mesma conduzam logicamente a conclusão diferente da que na mesma resulta enunciada» (Ac. da RG, de 14.05.2015, Manuel Bargado, Processo n.º 414/13.6TBVVD.G) [9].
Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou o erro na interpretação desta: quando - embora mal - o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos (Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, Coimbra Editora, 2000, pág. 298).
Precisando, o erro de julgamento gerador da violação de lei substantiva decompõe-se numa das seguintes vertentes: erro de determinação da norma aplicável; erro de interpretação; ou erro de aplicação do direito, isto é, erro de subsunção dos factos e do direito, ou estender-se à sua própria qualificação [10].
Logo, saber se a decisão (de facto ou de direito) está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma [11].
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3.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, veio a Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) arguir a nulidade da sentença por pretensa contradição verificada entre o facto provado enunciado sob o número 19 («A Requerida arroga-se proprietária da parcela de terreno do Requerente») e o facto provado enunciado sob o número 38 («Ao que foi transmitido à Requerida, as parcelas de terreno que lhe foram vendidas incluem a parcela de terreno que o Requerente diz ser sua»).
Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, ainda que tais factos fossem contraditórios entre si (que o não são, adianta-se), essa oposição não cominaria de nula a sentença recorrida (permitindo apenas a eventual alteração ou anulação da decisão de facto, nos termos da al. c) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC).

Com efeito, e conforme já explicitado, a contradição que cominaria de nula a sentença é apenas a que se verifique entre os seus fundamentos (de facto e/ou de direito) e a decisão final.
Ora, no caso dos autos, nem a Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) afirma ser essa a realidade da sentença recorrida: tendo o Tribunal a quo deixado por provar os factos (por si alegados) relativos à integração da parcela de terreno em disputa no seu próprio prédio rústico, considerando integrar a mesma o prédio urbano do Requerente (AA), concluiu, lógica e necessariamente, pela procedência do pedido de ratificação judicial do embargo (extrajudicial) de obra nova levado a efeito por ele, obra nova que ela própria realizava em parte de prédio afinal…alheio (daquele).

Dir-se-á, ainda, nem mesmo existir a alegada contradição entre factos provados denunciada pela Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.), uma vez que ficou indiciariamente provado nos autos que a parcela de terreno em disputa faz parte do prédio do Requerente (AA), conforme factos provados enunciados sob o número 17 («Da documentação integrante da proposta apresentada pela Requerida, nomeadamente das plantas que ali constam, resulta inserido o prédio urbano do Requerente na parcela de terreno de cariz rústico descrita na  Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...34 e inscrita na matriz predial rústica sob o artigo ...27.º»), sob o número 18 («Segundo a errónea informação que a Requerida veiculou à Autarquia indica como fazendo parte do referido prédio rústico descrito no n.º ...34 e que seria de sua propriedade») e sob o número ...4 («A Requerida iniciou as obras de um empreendimento de dezenas de milhões de euros em que insere o prédio urbano do Requerente no projecto»); e, não tendo os mesmos sido  impugnados por qualquer das partes nos recursos que interpuseram, mostram-se neste momento definitivamente assentes. Assim, a afirmação de que a Requerida se arroga proprietária de parcela de terreno do Requerente (facto provado enunciado sob o número 19) é coerente e conforme com a factualidade já definitivamente assente.
Contudo, sendo outra a tese da Requerida (repete-se, pese embora não tenha no seu recurso subordinado impugnado os factos que afirmaram a tese inversa, do Requerente), é coerente com ela a afirmação de que, quando adquiriu o prédio rústico confinante com o do Requerente, ter-lhe-ia sido transmitido que o mesmo (depois dela própria) incluía a parcela de terreno que, afinal, nestes autos, ficou indiciariamente provado pertencer àquele (facto provado enunciado sob o número 38).
Dito por outras palavras, reportando-se o facto provado ao que foi dito à Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) no momento em que lhe foi vendido o prédio rústico confinante com o prédio urbano do Requerente (AA)  - que o mesmo incluía a parcela de terreno aqui em disputa -, e não sendo essa afirmação, por si só, conformadora da realidade, pode subsistir com a prova posterior do seu contrário (isto é, que afinal, e de forma desconforme com o que lhe teria sido assegurado, a dita parcela de terreno integra, de facto, o prédio do Requerente).

Improcede, assim, o fundamento da arguição de nulidade que alegadamente afectaria a sentença recorrida (por contradição entre os seus fundamentos e a decisão respectiva), sendo ainda inexistente qualquer contradição entre os factos provados nela enunciados sob os números 19 e 38.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

4.1. Decisão de Facto do Tribunal de 1.ª Instância
4.1.1. Factos Provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui reproduzidos sem quaisquer expressões interlocutórias ou narrativas, próprias apenas dos articulados [12]):

1 - AA (aqui Requerente) é dono e possuidor do prédio urbano correspondente a casa de habitação e lavoura, com três divisões no rés-do-chão e duas no 1.º andar, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...81.º, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00.º da União de Freguesias ... e ... do concelho ....

2 - As confrontações desse prédio urbano são: a norte, CC; a nascente, estrada nacional; a sul e a poente, DD. 

3 - A propriedade do Requerente (AA) advém de escritura pública de doação em que EE (sua tia e madrinha), na qualidade de única herdeira do seu marido em únicas e em primeiras núpcias, FF, lhe doou o prédio acima referido. 

4 - O autor da doação, FF, casado no regime da comunhão geral de bens com EE, adquiriu, no dia 7 de Abril de 2000, a DD, o prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão e 1.º andar, com a área coberta de cento e quarenta e seis metros quadrados e meio e logradouro com área de dois mil setecentos e setenta e cinco metros quadrados e meio, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., a confrontar do Norte com CC, do Nascente com Estrada Nacional, e do Sul e Poente com vendedor, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ....º, com o valor tributável de 6.4336$00, o qual faz parte do descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ....

5 - O preço da compra do prédio urbano referido nos factos anteriores foi de Esc. 10.000.500$00 (dez milhões, quinhentos mil escudos e zero centavos).

6 - Na constância da posse e propriedade de FF, este mandou limpar várias vezes por ano o prédio urbano referido nos factos anteriores, através de pessoas vizinhas que fazem trabalhos agrícolas. 

7 - Na constância da posse e propriedade de FF, este pagou impostos e contribuições pelo prédio urbano referido nos factos anteriores. 

8 - Existia, como existe, um barracão no prédio urbano referido nos factos anteriores, que quer o Requerente, quer os seus antecessores, cedem aos jornaleiros e vizinhos para guardar bens e utensílios agrícolas, secar milho e, até, a própria roupa. 

9 - Os jornaleiros e vizinhos ali no prédio urbano referido nos factos anteriores pequenas culturas agrícolas. 

10 - Tudo o que foi feito por jornaleiros e vizinhos foi-o com o consentimento expresso do Requerente e dos seus antecessores e padrinhos. 

11 - Durante vários anos, a Comissão de Festas da Paróquia de ... pediu aos antecessores, como pede ao Requerente, para que possa armazenar no barracão o palco e outros utensílios das festividades. 

12 - Nos últimos anos é ao Requerente a quem a Comissão de Festas da Paróquia de ... tem pedido autorizações para percorrer e usar toda a parcela de terreno que constitui o logradouro do prédio urbano. 

13 - O Requerente teve conhecimento de uma operação urbanística promovida por EMP01... Imobiliária, S.A. (aqui Requerida), o que o remeteu inclusivamente para notícias saídas na comunicação social. 

14 - Perante essas informações, o Requerente consultou o site da Câmara Municipal ... e verificou ter ocorrido em 02 de Abril de 2024 uma reunião ordinária pública. 

15 - No ponto 31 da ordem de trabalho da reunião referida no facto anterior constava uma proposta intitulada: «Proposta de delimitação da Unidade de Execução de ...»

16 - Foi deliberada pela Autarquia a «Proposta de delimitação da Unidade de Execução de ...» que foi apresentada pela Requerida. 

17 - Da documentação integrante da proposta apresentada pela Requerida, nomeadamente das plantas que ali constam, resulta inserido o prédio urbano do Requerente na parcela de terreno de cariz rústico descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...34 e inscrita na matriz predial rústica sob o artigo ...27.º. 

18 - Segundo a errónea informação que a Requerida veiculou à Autarquia, a mesma indica parte do prédio urbano do Requerente como fazendo parte do referido prédio rústico descrito no n.º ...34 e que seria de sua propriedade. 

19 - A Requerida arroga-se proprietária da parcela de terreno do Requerente. 

20 - O Requerente sabe que tal projecto de construção ainda não se encontra licenciado, dado que o mesmo participou na fase de discussão pública e não teve qualquer resposta da Autarquia

21 - A Requerida procedeu ao desmatamento, a movimentação de terras e à edificação de pavilhões industriais de vários milhares de metros quadrados, sem a existência de qualquer licenciamento camarário. 

22 - O Requerente interpôs procedimento cautelar comum pedindo a condenação da Requerida no seguinte: 
«(…)
i.) respeitar a integralidade do prédio urbano do prédio urbano correspondente a casa de habitação e lavoura com três divisões no rés do chão e duas no 1.º andar, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...81.º , inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...00.º da União de Freguesias ... e ... do concelho ...; 
ii.) abster-se de praticar qualquer acto, por si ou por terceira pessoa, que possa bulir ou contender com o prédio referido em i.), nomeadamente, mas não taxativamente não trespassar os limites da propriedade tal como delimitados com a vedação e o acesso à estrada, não proceder a qualquer operação de desmatação ou movimentação de terras e não proceder ao desmantelamento ou demolição das estruturas urbanas existentes no prédio urbano.
iii.) condenada a pagar sanção pecuniária compulsória destinada em partes iguais ao Estado e à requerente, em montante não inferior a €20.000,00 (vinte mil euros ) por cada dia em que tal suceda, nos termos do disposto no artigo 365.º n.º 2 do Código de Processo Civil, caso viole o disposto nos alíneas i.) e ii.) do pedido.
(…)» 

23 - A referida providência cautelar comum (interposta pelo Requerente contra a Requerida) foi indeferida liminarmente. 

24 - A Requerida iniciou as obras de um empreendimento de dezenas de milhões de euros em que insere o prédio urbano do Requerente no projecto. 

25 - Algures entre os dias 8 e 12 de Agosto de 2024, a Requerida derrubou a vedação instalada pelo Requerente e ocupou uma parcela de área de cerca de 500 m2. 

26 - A Requerida procedeu à desmatação do local e ali instalou um poste de telecomunicações. 

27 - A Requerida procedeu a operações de aterro e compactação de pavimento com saibro e terra, com a constante passagem de escavadores e cilindros. 

28 - No dia 12 de Agosto de 2024 o Requerente, conjuntamente com três testemunhas, procedeu ao embargo extrajudicial da obra da Requerida, nos termos do artigo 397.º do Código de Processo Civil. 

29 - O Requerente notificou verbalmente o Engenheiro responsável pela obra e o respectivo encarregado, que se recusaram a identificar, vindo para o efeito a ser auxiliado por uma patrulha da Guarda Nacional Republicana.

30 - No contexto referido nos factos anteriores, foi elaborado o auto de embargo cuja ratificação se requereu. 

31 - A obra que vem sendo levada a cabo determinou a alteração da configuração do prédio urbano do Requerente. 

32 - Foi derrubada e danificada a vedação previamente existente no local. 

33 - Os trabalhos realizados pela Requerida constituem trabalhos iniciais, que preveem a edificação de uma via de acesso à edificação que ali se encontra a ser construída, pelo que são preparatórios ao asfaltamento do solo. 

34 - Os trabalhos realizados pela Requerida são preparatórios à construção de outros elementos, como muros, passeios e instalação de infraestruturas de saneamento e eletricidade. 

35 - Existem já marcações no muro da propriedade do Requerente, que a Requerida visa derrubar e ali fazer uma passagem que atravessa todo o seu prédio urbano. 

36 - A Requerida desrespeitou o embargo; e no dia seguinte continuou os trabalhos como se nada fosse.

37 - A Requerida visa ali implementar uma nova fase de pavilhões industriais, pretendendo usar os terrenos adquiridos, assim com o do Requerente, para levar a cabo aquela operação urbanística que representará investimentos de dezenas de milhões de euros. 

38 - Ao que foi transmitido à Requerida, as parcelas de terreno que lhe foram vendidas incluem a parcela de terreno que o Requerente diz ser sua. 

39 - Agora não se conhecem quaisquer marcos, ou limites de propriedade, entre a da Requerida e a alegada pelo Requerente. 

40 - A Requerida é proprietária e legítima possuidora dos seguintes prédios: 

A) Prédio rústico denominado "... e ..." de lavradio, sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...00/... e omisso na matriz, conforme descrição predial e aduaneira,
• cuja posse e domínio exclusivo lhe adveio através de contrato de compra e venda, outorgado em 23 de ../../2002, com o respectivo anteproprietário EMP03... Lda; 
• aquisição levado a registo pela AP. ...3 de 2005/04/08; 
• tendo a Requerida, per si, tomado posse do referido prédio, pelo menos desde ../../2002. 

B) Prédio misto sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., composto de casa de rés-do-chão e andar e terreno de cultura, ramada e videiras de enforcado, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...51 da União de Freguesias ... e ... e na matriz predial urbana sob o artigo ...77 da União de Freguesias ... e ..., conforme descrição predial e cadernetas prediais emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira,
• cuja posse e domínio exclusivo (tradição) lhe adveio através de contrato promessa de compra e venda, outorgado em 08 de Janeiro de 2024, com os respectivos anteproprietários GG e HH;
• tendo a Requerida, per si, tomado posse do referido prédio, pelo menos desde Janeiro de 2024. 

C) Prédio rústico sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., composto de terra de pinhal e mato, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...13 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...42 da União de Freguesias ... e ... conforme descrição predial e caderneta predial emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira,
• cuja posse e domínio exclusivo (tradição) lhe adveio através de contrato promessa de compra e venda, outorgado em 08 de Janeiro de 2024, com os respectivos anteproprietários GG e HH 
• tendo a Requerida, per si, tomado posse do referido prédio, pelo menos desde Janeiro de 2024. 

D) Prédio rústico sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., denominado ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...09 e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...39 da União de Freguesias ... e ... conforme descrição predial e caderneta predial emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira,
• cuja posse e domínio (tradição) lhe adveio através de contrato promessa de compra e venda, outorgado em 08 de Janeiro de 2024, com os respectivos anteproprietários GG e HH; 
• tendo a Requerida, per si, tomado posse do referido prédio, pelo menos desde Janeiro de 2024; 
• sendo que a localização e descrição destes 3 prédios (descrições ...6, ...57 e ...8) se encontra melhore exemplificada nos documentos n.ºs 12 e 13 juntos com a contestação. 

E) Prédio misto, composto de casas torres com a área coberta de quatrocentos metros quadrados, e terreno com a área de sete mil e nove virgula dezassete metros quadrados, a confrontar de nascente com caminho, e de poente e sul com EMP01... - Imobiliária, S.A., de norte com II, sito no Lugar ..., União de Freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...42, da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...0 da União de Freguesias ... e ..., concelho ..., que teve origem no artigo ... da extinta freguesia ..., e inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...76 da União de Freguesias ... e ..., concelho ..., que teve origem no artigo ...16 da extinta freguesia ..., conforme descrição predial e cadernetas prediais emitidas pela Autoridade Tributária e Aduaneira,
• cuja posse e domínio exclusivo lhe adveio através de contrato de compra e venda, outorgado em 31 de Maio de 2023, com os respetivos anteproprietários JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS e TT; 
• aquisição levado a registo pela AP. ...01 de 2023/06/02; 
• tendo a Requerida, per si, tomado posse do referido prédio, pelo menos desde Junho de 2023. 

F) Prédio rústico, a confrontar de norte com caminho de consortes, de sul com UU e Dr. DD, de nascente com UU e de poente com Dr. DD, denominado "Campo ...", sito no Lugar ..., União de Freguesias ... e ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...40, da freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...74 da União de Freguesias ... e ..., que teve origem no artigo ...13 da extinta freguesia ..., conforme descrição predial e caderneta predial emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira,
• cuja posse e domínio exclusivo lhe adveio através de contrato de compra e venda, outorgado em 31 de Maio de 2023, com os respectivos anteproprietários JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS e TT; 
• aquisição levado a registo pela AP. ...01 de 2023/06;
• tendo a Requerida, per si, tomado posse do referido prédio, pelo menos desde Junho de 2023. 

G) Prédio rústico denominado "Campo ...", sito no Lugar ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...34, da freguesia ... inscrito na matriz sob o art.º ...27 da União de Freguesias ... e ..., correspondente ao artigo ...78 da extinta matriz de ..., conforme descrição predial e caderneta predial emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira,
• cuja posse e domínio exclusivo lhe adveio através de contrato de compra e venda, outorgado em 03 de Junho2004, com o respectivo anteproprietário DD, casado/a com VV no regime de comunhão de adquiridos; 
• aquisição levado a registo AP. ...0 de 2005/04/08; 
• tendo a Requerida, per si, tomado posse do referido prédio, pelo menos desde Junho de 2004. 

H) Prédio rústico denominado "Campo... e de ...", descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...50/..., inscrito na matriz sob o artigo ...73 da União de Freguesias ... e ..., conforme descrição predial e caderneta predial emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira,
• cuja posse e domínio exclusivo lhe adveio através de contrato de compra e venda, outorgado em 28 de Novembro de 2023, com o respectivo anteproprietário WW; 
• aquisição levado a registo pela AP. ...55 de 2023/12/15; 
• tendo a Requerida, per si, tomado posse do referido prédio, pelo menos desde Novembro de 2023. 

I) Prédio rústico denominado "Campo ...", descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...56/..., inscrito na matriz sob o artigo ...75 da União de Freguesias ... e ..., conforme descrição predial e caderneta predial emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira,
• cuja posse e domínio exclusivo lhe adveio através de contrato de compra e venda, outorgado em 28 de Novembro de 2023, com o respectivo anteproprietário XX;
• aquisição levado a registo pela AP. ...55 de 2023/12/15; 
• tendo a Requerida, per si, tomado posse do referido prédio, pelo menos desde Novembro de 2023. 

J) Prédio rústico denominado “...", descrito na conservatória sob o número ...34/..., inscrito na matriz sob o artigo ...82 da União de Freguesias ... e ..., conforme descrição predial e caderneta predial emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira,
• cuja posse e domínio exclusivo lhe adveio através de contrato de compra e venda, outorgado em 28 de Novembro de 2023 com o respectivo anteproprietário XX, conforme documento n.º 26 junto com a contestação; 
• aquisição levado a registo pela AP. ...55 de 2023/12/15; 
• tendo a Requerida, per si, tomado posse do referido prédio, pelo menos desde Novembro de 2023.

K) Prédio rústico denominado “campo do ...", descrito na conservatória sob o número ...75/... proveniente da descrição ...99 em livro, inscrito na matriz sob o artigo ...26 da união de freguesias d ... e ..., proveniente da matriz ...77 da extinta freguesia ..., conforme descrição predial e caderneta predial emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, 
• cuja posse e domínio exclusivo lhe adveio através de contrato de compra e venda, outorgado em 05-05-2000, com o respectivo anteproprietário YY e mulher, ZZ; 
• aquisição levado a registo pela AP. ...5 de 2000/06/12; 
• tendo a Requerida, per si, tomado posse do referido prédio, pelo menos desde Maio de 2000. 

41 - A Requerida (por si, com a aquisição atrás referida, e por via dos respetivos ante-possuidores, a cuja posse acedeu, desde há mais de 20, 30, 40 e 50 anos) vem possuindo os referidos prédios. 

42 - A Requerida vem praticando todos os actos materiais correspondentes à titularidade plena e exclusiva do direito de propriedade, comportando-se como única e verdadeira dona, que é, de tais prédios.

43 - A Requerida vem limpando, ou mandando limpar, a propriedade. 

44 - A Requerida vem suportando todos os encargos inerentes a elas (propriedades), nomeadamente, impostos e taxas.

45 - A Requerida vem colhendo e fazendo seus todos os respectivos frutos e rendimentos, assim usufruindo das utilidades que aquelas propriedades proporcionam.

46 - A Requerida vem fazendo o referido nos factos anteriores, sempre foi feito, à vista de todos, durante o dia e a noite, com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém, designadamente de ante-possuidores, vizinhos, 

47 - O referido nos factos anteriores sempre foi feito sem oposição do Requerente, pelo menos até finais de 2023 e inícios de 2024. 

48 - A paragem da empreitada, nesta fase, acarretará milhões de prejuízo para a Requerida.

49 - Ao longo de vários anos que a Requerida se vem posicionando e adquirindo terrenos na zona de ... em ..., junto ao Mercado Abastecedor ..., 

50 - Há já mais de 1, 2, 3, 5, 10,15 e 20 anos que a Requerida vem adquirindo e cuidando dos prédios atrás referidos. 

51 - A Requerida fê-lo com o fito da promoção imobiliária de tais terrenos, que é o seu objeto social. 

52 - A Requerida idealizou para aquele local uma unidade industrial que entende revelar-se necessária e mesmo de interesse público, com vista à criação de sinergias com o Mercado Abastecedor ... (...), o Parque Industrial ... e o Terminal de Mercadorias, 

53 - O idealizado pela Requerida para aquele local permite a operação de loteamento (integrando a totalidade das 11 parcelas abrangidas pela unidade de execução) e a execução de infraestruturas destinadas a servir, directa e indirectamente, as novas edificações. 

54 - O idealizado pela Requerida para aquele local proporciona a expansão da plataforma logística local, nomeadamente com a expansão do Mercado Abastecedor .... 

55 - A Requerida pretende ver aprovada a execução da unidade de execução urbanística. 

56 - A aprovação da unidade de execução urbanística irá contribuir para a partilha de serviços entre empresas instaladas numa organização de condomínio de empresas, garantindo o funcionamento coeso desta área. 

57 - A aprovação da unidade de execução urbanística almeja, ainda, a articulação da plataforma municipal, regional, nacional e internacional com outras infraestruturas.

58 - Mercê do referido nos factos anteriores, a Requerida apresentou uma unidade de execução urbanística junto do Município ..., a qual engloba os 11 prédios atrás descritos, uma vez que pretende levar a cabo o licenciamento e a edificação de unidades industriais. 

59 - A Requerida investiu milhões na criação de condições para levar este projecto em frente. 

60 - A Requerida, para levar este projecto em frente, adquiriu todos os prédios naquela zona. 

61 - A Requerida, para levar este projecto em frente, elaborou projetos e pedidos de licenciamento; e executou os trabalhos de movimentação de terras e escavação que já se encontram em curso. 

62 - Este projeto tem interesse e urgência para a Requerida e seus parceiros, uma vez que já começou a atrair investimento de empresas que lá se pretendem fixar. 

63 - A Requerida já celebrou um contrato promessa de cedência de espaço com a sociedade comercial EMP02..., S.A.. 

64 - O contrato promessa de cedência de espaço celebrado entre a Requerida e EMP02..., S.A. prevê que aquela irá executar e ceder (no mínimo por 05 anos) a esta um estabelecimento comercial com edifício de 5700m2, ao preço mensal estimado de € 31.350,00 acrescido de IVA, o que resulta num rendimento anual de € 376.200,00, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor. 

65 - O contrato promessa de cedência de espaço celebrado entre a Requerida e EMP02..., S.A. resulta num valor de € 1.881.000,00, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, considerando apenas os 05 anos de contrato e sem as atualizações anuais.

66 - Mercê do contrato promessa de cedência de espaço celebrado entre a Requerida e EMP02..., S.A. será projetado e edificado um estabelecimento comercial com edifício de 5700 m2 a pedido e para as necessidades daquela Sociedade. 

67 - Muito dificilmente o estabelecimento comercial projectado e edificado para EMP02... S.A. servirá para outras Sociedades. 

68 - O incumprimento do contrato promessa de cedência de espaço celebrado em 10 de Janeiro de 2024, entre a Requerida e EMP02..., S.A., cujo prazo é de 08 +03 meses, causará um dano muito dificilmente reparável para a Requerida, que já se encontra a executar o edifício. 

69 - A Requerida não terá colocação para o estabelecimento comercial com edifício de 5700m2, já que é especialmente desenvolvido e projetado para este cliente.

70 - O Requerente insurge-se apenas quanto a uma mancha de cerca de 500 m2 e não a todo o prédio deste. 

71 - Os prejuízos que a Requerida irá sofrer serão muito superiores aos que o Requerente sofrerá caso se mostre que tem razão na reclamação que oferece.

72 -  O Requerente tem disponibilidade e vontade de vender a parcela de terreno. 

73 - A Requerida pagará o valor que for decidido/arbitrado caso a parcela de terreno em causa não seja sua.
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4.1.2. Factos não provados

Inexistem quaisquer factos, dos previamente alegados pelas partes, que o Tribunal a quo tenha considerado não provados.
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4.2. Modificabilidade da decisão de facto
4.2.1. Incorrecta apreciação da prova legal - Poder (oficioso) do Tribunal da Relação
Lê-se no art.º 607.º, n.º 5, do CPC, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no CC, nos seus art.º 389.º (para a prova pericial), art.º 391.º (para a prova por inspecção) e art.º 396.º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte, do n.º 5, do art.º 607.º, do CPC citado).

Mais se lê, no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, aqui aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (art.ºs 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art.º 574.º, n.º 2, do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art.º 358.º, do CC, e art.ºs 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos art.ºs. 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
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4.2.2. Incorrecta livre apreciação da prova
4.2.2.1. Âmbito da sindicância (provocada) do Tribunal da Relação
Lê-se no n.º 2, als. a) e b), do art.º 662.º, do CPC, que a «Relação deve ainda, mesmo oficiosamente»: «Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade de depoente ou sobre o sentido do seu depoimento» (al. a); «Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova» (al. b)».
«O actual art. 662.º representa uma clara evolução [face ao art. 712.º do anterior CPC] no sentido que já antes se anunciava. Através dos n.ºs 1 e 2, als. a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e fundar a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis.
(…) Afinal, nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores de imediação e da oralidade. Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º), deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão num sentido restritivo ou explicativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 225-227).
É precisamente esta forma de proceder da Relação (apreciando as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios, e indo à procura da sua própria convicção), que assegura a efectiva sindicância da matéria de facto julgada, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise (conforme Ac. do STJ, de 24.09.2013, Azevedo Ramos, comentado por Teixeira de Sousa, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, págs. 29 e segs.).
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4.2.2.2. Modo de operar o duplo grau de jurisdição - Ónus de impugnação
Contudo, reconhecendo o legislador que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto «nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência», mas, tão-somente, «detectar e corrigir pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento» (preâmbulo do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro), procurou inviabilizar a possibilidade de o recorrente se limitar a uma genérica discordância com o decidido, quiçá com intuitos meramente dilatórios.
Com efeito, e desta feita, «à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como se se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respectivas alegações que servem para delimitar o objecto do recurso», conforme o determina o princípio do dispositivo (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 228, com bold apócrifo).
Lê-se, assim, no art.º 640.º, n.º 1, do CPC, que, quando «seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnada diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
Precisa-se ainda que, quando «os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados», acresce àquele ónus do recorrente, «sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes» (al. a), do n.º 2, do art.º 640.º citado).
Logo, deve o recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada; e esta última exigência (contida na al. c), do n.º 1, do art. 640.º citado), «vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente», devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor [13] enquanto «decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes», «impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129, com bold apócrifo).
Dir-se-á mesmo que as exigências legais referidas têm uma dupla função: não só a de delimitar o âmbito do recurso, mas também a de conferir efectividade ao uso do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
Por outras palavras, se o dever - constitucional (art.º 205.º, n.º 1, da CRP) e processual civil (art.ºs154.º e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) - impõe ao juiz que fundamente a sua decisão de facto, por meio de uma análise crítica da prova produzida perante si, compreende-se que se imponha ao recorrente que, ao impugná-la, apresente a sua própria. Logo, deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» por si (Ac. da RP, de 17.03.2014, Alberto Ruço, Processo n.º 3785/11.5TBVFR.P1).

De todo o exposto resulta que o âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros: só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente; sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento; e nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes).
Contudo (e tal como se referiu supra), mantendo-se em vigor os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova, e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta -, precisa-se ainda que o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1.ª Instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. 
Por outras palavras, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando o mesmo, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitam uma conclusão diferente daquela que vingou na 1.ª Instância. «Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte» (Ana Luísa Geraldes, «Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto», Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, Coimbra Editora, pág. 609).
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4.2.2.3. Carácter instrumental da impugnação da decisão de facto
Veio, porém, a jurisprudência precisar ainda que a impugnação da decisão de facto não se justifica a se, de forma independente e autónoma da decisão de mérito proferida, assumindo antes um carácter instrumental face à mesma.
Com efeito, a «impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, consagrada no artigo 685.º-B [do anterior CPC], visa, em primeira linha, modificar o julgamento feito sobre os factos que se consideram incorrectamente julgados. Mas, este instrumento processual tem por fim último possibilitar alterar a matéria de facto que o tribunal a quo considerou provada, para, face à nova realidade a que por esse caminho se chegou, se possa concluir que afinal existe o direito que foi invocado, ou que não se verifica um outro cuja existência se reconheceu; ou seja, que o enquadramento jurídico dos factos agora tidos por provados conduz a decisão diferente da anteriormente alcançada. O seu efectivo objectivo é conceder à parte uma ferramenta processual que lhe permita modificar a matéria de facto considerada provada ou não provada, de modo a que, por essa via, obtenha um efeito juridicamente útil ou relevante» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo).
Logo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto «quando o(s) facto(s) concreto(s) objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente», convertendo-a numa «pura actividade gratuita ou diletante» (Ac. da RC, de 27.05.2014, Moreira do Carmo, Processo n.º 1024/12.0T2AVR.C1).
Por outras palavras, se, «por qualquer motivo, o facto a que se dirige aquela impugnação for, "segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito", irrelevante para a decisão a proferir, então torna-se inútil a actividade de reapreciar o julgamento da matéria de facto, pois, nesse caso, mesmo que, em conformidade com a pretensão do recorrente, se modifique o juízo anteriormente formulado, sempre o facto que agora se considerou provado ou não provado continua a ser juridicamente inócuo ou insuficiente.
Quer isto dizer que não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º.» (Ac. da RC, de 24.04.2012, António Beça Pereira, Processo n.º 219/10.6T2VGS.C1, com bold apócrifo) [14].
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4.2.2.4. Caso concreto
4.2.2.4.1. Propriedade da parcela de terreno em disputa
Concretizando, verifica-se que, quer no recurso independente interposto pelo Requerente (AA), quer no recurso subordinado interposto pela Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.), se impugnaram factos provados na sentença recorrida relativos à propriedade de prédios reclamados por cada um deles, por forma a assegurar a pretendida prova de que a parcela de terreno em disputa integra prédio próprio (confinante) de cada um deles.
Assim, e para esse preciso efeito, o Requerente (AA) impugnou os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46 e 47, todos eles pertinentes à aquisição feita pela Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) de prédios mistos e rústicos (fosse por negócio translativo, fosse por usucapião) [15].
Já a Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.), igualmente para esse efeito, impugnou os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 2, 19, 31 e 37, todos eles pertinentes à configuração do prédio urbano do Requerente (AA) e à sua integração na operação urbanística que ela própria leva a cabo [16].

Contudo, e conforme já referido supra, a matéria que ambas as partes pretenderiam ver novamente apreciada e decidida nos respectivos recursos já se encontra definitivamente assente nos autos (embora com carácter meramente indiciário, isto é, sendo susceptível de vir a ser apreciada de forma distinta na acção definitiva de que a presente providência cautelar é dependente).
Com efeito, afirma-se expressa e taxativamente na sentença recorrida, em factos não objecto de impugnação por qualquer das partes, que a parcela de terreno em disputa faz parte do prédio do Requerente (AA), conforme factos provados enunciados: sob o número 17 - «Da documentação integrante da proposta apresentada pela Requerida, nomeadamente das plantas que ali constam, resulta inserido o prédio urbano do Requerente na parcela de terreno de cariz rústico descrita na  Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...34 e inscrita na matriz predial rústica sob o artigo ...27.º»); sob o número 18 - «Segundo a errónea informação que a Requerida veiculou à Autarquia indica como fazendo parte do referido prédio rústico descrito no n.º ...34 e que seria de sua propriedade»;  e sob o número ...4 - «A Requerida iniciou as obras de um empreendimento de dezenas de milhões de euros em que insere o prédio urbano do Requerente no projecto».
Assim, e pretendendo a Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.), por com ela não se conformar, demonstrar o seu contrário no recurso subordinado interposto (por isso constituído seu objecto os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 2, 19, 31 e 37), teria que ter impugnado simultaneamente aqueles outros. Não o tendo feito, estando definitivamente assente a realidade contrária, não pode este Tribunal ad quem conhecer do pretendido objecto do seu recurso sobre a matéria de facto, que, por isso, se rejeita

Face ao exposto, perde necessariamente utilidade o recurso interposto pelo Requerente (AA) quanto aos factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46 e 47, porque o resultado que pretendia alcançar com a sua sindicância (a demonstração de que a parcela de terreno em causa nos autos nunca integrou prédio adquirido pela Requerida) já se mostra obtido.

Concluindo, exclui-se necessariamente do objecto do recurso sobre matéria de facto em apreciação qualquer sindicância sobre integrar a parcela de terreno em causa nos autos o prédio urbano do Requerente (AA), cuja realidade não pode mais ser aqui contestada.
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4.2.2.4.2. Prejuízos decorrentes para a Requerida da suspensão da obra na faixa de terreno em causa
Concretizando novamente, versa o remanescente objecto do recurso independente (sobre a matéria de facto) do Requerente (AA) os prejuízos que resultariam para a Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) da suspensão da obra que realiza na parcela de terreno indiciariamente tida como integrando o seu prédio.
Estão aqui em causa os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 48, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68 e 71 [17].
Ora, e relativamente a eles, considera-se que o Requerente (AA) não cumpriu o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1,al. b), do CPC.

Com efeito, se os indicou, no corpo das alegações e nas conclusões do seu recurso, como objecto do mesmo, certo é que não indicou quais os concretos meios probatórios que imporiam decisão diferente,  limitando-se, grosso modo, a defender que não deveriam integrar o acervo dos factos provados, já que: «em momento algum, será por responsabilidade do recorrente que a empreitada poderá parar», limitando-se ele próprio a exercer «legitimamente e dentro dos limites impostos pela lei o seu direito de propriedade», e sendo ele «quem tem tido prejuízos avultadíssimos com a conduta dolosa e prepotente da recorrida» (porém, não alegados inicialmente, não integrados na fundamentação de facto da sentença recorrida, e não objecto de pedido de aditamento à mesma no seu recurso);  «não tem culpa da incompetência, negligência e falta de rigor da recorrida quando não sabe qual é a concreta localização dos prédios de adquire», que «evidencia graves problemas ao nível da sua própria organização e da gestão dos seus processos e obras»; «a circunstância da recorrida pretender concluir os trabalhos para poder celebrar contratos com os seus clientes, não se pode sobrepor a direitos legalmente protegidos, como é o direito de propriedade do recorrente»; «não é por qualquer motivo imputável ao recorrente qualquer putativo atraso na obra que possa inviabilizar os negócios da recorrida», sendo «apenas a sua incompetência, sofreguidão e desrespeito pelas normas jurídicas aplicáveis que leva a que o imóvel edificado não tenha licenciamento, facto com o qual, o recorrente nada tem que ver»; e não «existe qualquer motivo sério ou válido para que os interesses patrimoniais da recorrida se sobreponham aos do recorrente, tanto mais que qualquer impedimento absoluto da prossecução da actividade comercial da recorrida provém da sua própria inépcia, precipitação e falta de cuidado, além da falta de licenciamento das entidades públicas e administrativas, o que, manifestamente não pode ser assacado ao recorrente».
Numa palavra, defendendo o Requerente (AA) que «não poderão os putativos e condicionais compromissos assumidos levianamente pela recorrida, que não tinha condições objectivas e autónomas de poder cumprir tais obrigações, determinar a suspensão do embargo determinado, o qual incide sobre uma ínfima parte daquilo que é a Unidade de Execução projectada», certo é que não chegou efectivamente a sindicar a prova produzida (documental, pessoal e por inspeção ao local) que permitiu, no juízo do Tribunal a quo, dar como assente a factualidade referida supra (nomeadamente, indicando uma outra, contrária, ou expondo de forma fundamentada e circunstanciada a insuficiência da que foi usada para o juízo probatório referido, conforme estava obrigado) [18].

Dir-se-á ainda que, defendendo no seu recurso que «ficará limitado e constrangido no seu direito de propriedade», já que «dificilmente poderá levar a cabo os seus próprios planos de edificação de dois pavilhões industriais que prevê construir», uma vez que a «área de 500 m2, corresponde a cerca de 15% do seu terreno, o que inviabilizará o seu próprio projecto», e que, pretendendo «vir a vender o seu prédio urbano, ficará com o ónus da ocupação ilícita por parte da recorrida, desvalorizando em grande medida o valor do prédio», certo é que só neste momento alegou estes inéditos factos.
Assim, não dispôs o Tribunal a quo, nem poderá dispor este Tribunal ad quem, dos mesmos, nomeadamente para sufragar a sua conclusão de que a «suspensão do embargo constitui um encargo  e prejuízo sobre o prédio  do recorrente muito maior do que se não existisse a suspensão do embargo»; e, não tendo cumprido o ónus de impugnação que lhe estava cometido pelo art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC, também não pode sufragar a sua outra conclusão (contrária ao juízo do Tribunal a quo), de que não é «a parcela de terreno essencial ou imprescindível para o desenvolvimento dos seus projectos, antes detendo um cariz meramente cómodo, senão mesmo, voluptuário».

Concluindo, por falta e cumprimento do ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC, rejeita-se o recurso sobre os factos provados enunciados na sentença recorrida sob os números 48, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68 e 71.
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4.2.2.4.3. Remanescente objecto do recurso sobre a matéria de facto
Veio ainda o Requerente (AA), no seu recurso independente (sobre a matéria de facto) impugnar os factos provados enunciados na sentença recorrida sob o número 72 («O Requerente tem disponibilidade e vontade de vender a parcela de terreno») e sob o número 73 («A Requerida pagará o valor que for decidido/arbitrado caso a parcela de terreno em causa não seja sua»); e pedir o aditamento de um novo, onde se leria que «A obra levada a cabo pela Recorrida encontra-se embagada pela Câmara Municipal ... desde ../../2024»
Contudo, não tendo sido previamente alterada a demais matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, ainda que o Requerente (AA) lograsse êxito nesta sua remanescente pretensão, não seria a mesma idónea para alterar o julgamento sobre o mérito do recurso.

Com efeito, e tal como ele próprio sustenta no mesmo, «o recorrente vende se quiser, quando quiser, a quem quiser», e, acrescenta-se aqui, pelo preço que quiser; e, por isso, se concorda com ele quando afirma que aí reside a «beleza do princípio da autonomia privada e da liberdade contratual previsto no artigo 405.º do C.C.».

Já relativamente ao facto pretendido aditar, defende o Requerente (AA) que o mesmo «demonstra categoricamente que qualquer atraso na obra ou no seu licenciamento não provem de qualquer acção ou actuação do recorrente, mas sim das entidades licenciadoras que não só não admitem licenciar a obra - o que por si só impede o início de vigência do contrato promessa de cedência com o cliente EMP02..., S.A. -  como procederam ao seu embargo, que não foi cumprido ou respeitado pela recorrida»; e, por isso, «não tem qualquer fundamento factual verídico ou idóneo a consideração de que embargo tal como decretado tenha como efeito directo ou indirecto a existência de prejuízos ou sequer atrasos na obra, a qual já foi levada a cabo desde o inicio no contexto do embargo e, consequentemente, contemplando soluções alternativas para a circunstância de o acesso ao pavilhão poder não se desenvolver pela parcela de terreno do recorrente».
Dir-se-á, porém, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que o documento junto aos autos em 06 de Setembro de 2024 apenas certificaria que a obra foi embargada pela Câmara Municipal ... em ../../2024, e não também que esse embargo ainda hoje se mantem; ou que o prévio (de 12 de Agosto de 2024) realizado por ele próprio, a manter-se, não cause prejuízos (e prejuízos elevados) à Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.).
Aliás, se assim fosse, isto é, se bastasse o embargo realizado pela Câmara Municipal ... para constranger a Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) a abster-se de prosseguir com a obra, sendo dele que exclusivamente poderiam resultar quaisquer prejuízos para a mesma, mal se compreenderia que o Requerente (AA) porfiasse ao longo de quase um ano pela manutenção daquele que ele próprio promoveu (bastando para a defesa do seu direito de propriedade intentar acção visando a sua defesa e a indemnização dos prejuízos sofridos).

Declara-se, assim, prejudicado o conhecimento do remanescente objecto do recurso sobre a matéria de facto, por inútil para a decisão de mérito a proferir (na sindicância do prévio da sentença recorrida).
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Mantem-se, deste modo, inalterada a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo.
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V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO (conhecimento prejudicado)
O pedido de alteração do decidido na sentença proferida nos autos, no que respeita à interpretação e aplicação do Direito, dependia do prévio sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não se revestindo de autonomia, quer relativamente ao recurso independente interposto pelo Requerente (AA), quer relativamente ao recurso subordinado interposto pela Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.).

Com efeito, tendo ficado indiciariamente assente nos autos que a parcela de terreno em discussão integra o prédio do Requerente (AA), ter-se-ia que manter a ratificação judicial de embargo (extrajudicial), por ele promovido, de obra nova realizada pela Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.) sobre a dita faixa de terreno.

Por outro lado, não tendo sequer ficado indiciariamente assente nos autos o montante do prejuízo causado com a violação do direito de propriedade do Requerente (AA), tendo  o mesmo natureza patrimonial e nada resultando alegado e provado quanto à insusceptibilidade de futura reposição da parcela de terreno em causa no seu estado inicial (caso, em acção definitiva destinada a decidir da sua titularidade, se confirme que pertence ao prédio do Requerente), mostra-se correcto o juízo do Tribunal a quo de que  caução adequada se mostra suficiente para reparar integralmente aquela lesão.
Recorda-se, a propósito, que este é o único pressuposto legal da dita substituição, quando no art.º 368.º, n.º 3, do CPC se lê que a «providência decretada pode ser substituída por caução adequada (…) sempre que a caução oferecida (…) se mostre suficiente para prevenir a lesão ou repará-la integralmente».
O excesso considerável do prejuízo causado ao requerido com o seu decretamento, face ao dano que se prendia evitar com ele, não releva para este efeito, sendo antes critério para a recusa de providência que seria fundada, conforme n.º 2 da mesma disposição legal.
Igualmente não relevam para este efeito (de suspensão de providência antes decretada por caução) considerações sobre o prévio cumprimento, ou incumprimento, do embargo (ou da respectiva ratificação judicial) antes realizado. Dir-se-á que nesta última hipótese (de incumprimento de prévia ordem judicial), foi o legislador, e não o julgador, quem desse modo permitiu «o ostensivo e injustificado benefício do infractor que vê a sua actuação desrespeitadora de tudo e todos favorecida e beneficiada com a suspensão do embargo, com mera prestação de caução para reposição do prédio do recorrente ao estado anterior da violação do direito de propriedade» respectivo, como amarga, e compreensivelmente, se queixa o concreto Recorrente (AA) dos autos.

Assim, não tendo qualquer das partes tido êxito na sua pretensão de alteração da matéria de facto considerada na sentença recorrida, ficou necessariamente prejudicado o conhecimento do recurso sobre a matéria de direito que dele dependesse, nos termos do art.º 608.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, in fine, do mesmo diploma.
Concluindo, e decidindo em conformidade com o antes ajuizado, terão de improceder totalmente, quer o recurso independente de apelação do Requerente (AA), quer o recurso subordinado de apelação da Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.)
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VI - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedentes, quer o recurso independente de apelação do Requerente (AA), quer o recurso subordinado de apelação da Requerida (EMP01... - Imobiliária, S.A.), e, em consequência, em

· Confirmar integralmente a sentença recorrida.
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Custas das respectivas apelações pelos próprios Recorrentes (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 10 de Julho de 2025.
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade;
2.º Adjunto - José Carlos Pereira Duarte.


[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] No mesmo sentido, de distinção das nulidades da sentença dos vícios que afectam a própria elaboração da decisão de facto (estes últimos entendidos como passíveis de serem qualificados como nulidades processuais, nos termos do art.º 195.º, n.º 1 do CPC), Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2.
[4] Neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo n.º 00858/14.
[5] Entende-se por: deficiência, o não ter sido dada resposta a todos os pontos de facto controvertidos ou à totalidade de um facto controvertido; obscuridade, o haver respostas ambíguas ou pouco claras, permitindo várias interpretações; contradição, o colidirem entre si as respostas dadas a certos pontos de facto, ou colidirem essas respostas com factos antes dados como assentes, sendo entre si inconciliáveis; e falta de fundamentação, o não ter o Tribunal fundamentado, ou fundamentado devidamente, as respostas ou alguma delas (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 664).
[6] No mesmo sentido, de distinção das nulidades da sentença dos vícios que afectam a própria elaboração da decisão de facto (estes últimos entendidos como passíveis de serem qualificados como nulidades processuais, nos termos do art.º 195.º, n.º 1 do CPC), Ac. da RL, de 29.10.2015, Olindo Geraldes, Processo n.º 161/09.3TCSNT.L1-2.
[7] Neste sentido, de eventual não distinção dos vícios que afectam a elaboração da decisão de facto das nulidades da sentença, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, págs. 733 e 734, onde se lê que «atualmente a sentença contém tanto a decisão sobre a matéria de direito como a decisão sobre a matéria de facto (cf. o art. 607-4), pelo que os vícios da sentença não se autonomizam hoje dos vícios da decisão sobre a matéria de facto, diversamente do que antes sucedia (cf. os arts. 608 e 653-4 do CPC de 1961). Esta circunstância, se não justifica a aplicação, sem mais, do regime do art. 615 à parte da sentença relativa à decisão sobre a matéria de facto - desde logo porque a invocação de vários dos vícios que a esta dizem respeito é feita nos termos do art. 640 e porque a consequência desses vícios não é necessariamente a anulação do ato (cf. os n.ºs 2 e 3 do art. 662) -, obriga, pelo menos, a ponderar, caso a caso, a possibilidade dessa aplicação».
[8] «Porventura esta tendência encontrará a sua raiz num modelo processual em que o decurso do prazo para a interposição de recurso apenas se iniciava depois de serem apreciadas pelo tribunal a quo eventuais nulidades decisórias que eram autonomamente arguidas», sendo certo porém, que «há muito que foi ultrapassado esse quadro normativo» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, 2018, pág. 737).
[9] No mesmo sentido, Ac. da RC, de 11.01.1994, Cardoso Albuquerque, BMJ, n.º 433, pág. 633, onde se lê que «entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição».
Ainda, Ac. do STJ, de 13.02.1997, Nascimento Costa, BMJ, n.º 464, pág. 524; e Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, pág. 160.
[10] Neste sentido, com maiores desenvolvimentos, Ac. do STJ, de 02.07.2015, Ana Luísa Geraldes, Processo n.º 5024/12.2TTLSB.L1-S1.  
[11] Neste sentido, Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277.
[12] Manuel Tomé Soares Gomes, «Da Sentença Cível», Jornadas de Processo Civil, e-book do Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, Janeiro de 2014, páginas 20 e 21 (in https://elearning.cej.mj.pt/mod/folder/view.php?id=6202) - onde se lê que, na sentença,  os «enunciados de facto devem ser expressos numa linguagem natural e exata, de modo a retratar com objetividade a realidade a que respeitam, e devem ser estruturados com correção sintática e propriedade terminológica e semântica».
Ora, tendendo as partes «a adestrar a factualidade pertinente no sentido estrategicamente favorável à posição que sustentam no seu confronto conflitual, daí resultando enunciados, por vezes, deformados, contorcidos ou de pendor mais subjetivo ou até emotivo», caberá «ao juiz, na formulação dos juízos de prova, expurgar tais deformações, sendo que, como é entendimento jurisprudencial corrente, não se encontra adstrito à forma vocabular e sintática da narrativa das partes, mas sim ao seu alcance semântico. Deve, pois, adotar enunciados que, refletindo os resultados probatórios, sejam portadores de um sentido semântico, o mais consensual possível, de forma a garantir que a controvérsia se desenvolva em sede da sua substância factual e não no plano meramente epidérmico dos seus modos de expressão linguística».
[13] A exigência de rigor, no cumprimento do ónus de impugnação, manifestou-se igualmente a propósito do art.º 685º-B, n.º 1, al. a), do anterior CPC, de 1961, conforme Ac. da RC, de 11.07.2012, Henrique Antunes, Processo n.º 781/09, onde expressamente se lê que este «especial ónus de alegação, a cargo do recorrente, deve ser cumprido com particular escrúpulo ou rigor», constituindo «simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última extremidade, a seriedade do próprio recurso».
[14] No mesmo sentido:
. Ac. da RC, de 14.01.2014, Henrique Antunes, Processo n.º 6628/10.3TBLRA.C1 - onde se lê que, de «harmonia com o princípio da utilidade a que estão submetidos todos os actos processuais, o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa (artº 137 do CPC de 1961, e 130 do NCPC)», pelo que se «o facto ou factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhuma das soluções plausíveis de direito da causa é de todo inútil a reponderação da decisão correspondente da 1ª instância»; e isso «sucederá sempre que, mesmo com a substituição, a solução o enquadramento jurídico do objecto da causa permanecer inalterado, porque, por exemplo, mesmo com a modificação, a factualidade assente continua a ser insuficiente ou é inidónea para produzir o efeito jurídico visado pelo autor, com a acção, ou pelo réu, com a contestação».
. Ac. do STJ, de 09.02.2021, Maria João Vaz Tomé, Processo n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1 - onde se lê que «nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil».
[15] Recordam-se os factos provados enunciados na sentença recorrida sob o: número 38 («Ao que foi transmitido à Requerida, as parcelas de terreno que lhe foram vendidas, incluem a parcela de terreno que o Requerente diz ser sua»); número 39 («Não se conhece, agora, quaisquer marcos ou limites de propriedade entre a da Requerida e a alegada pelo Requerente»); número 40 («A Requerida é proprietária e legítima possuidora dos seguintes prédios», que a seguir se discriminam); número 41 («A Requerida - por si após a aquisição atrás referida, e por via dos respetivos ante-possuidores, a cuja posse acedeu, desde há mais de 20, 30, 40 e 50 anos - vem possuindo os referidos prédios»); número 42 («A Requerida vem praticando todos os actos materiais correspondentes à titularidade plena e exclusiva do direito de propriedade, comportando-se como única e verdadeira dona que é de tal prédio»); número 43 («A Requerida vem limpando, ou mandando limpar, a propriedade»); número ...4 («A Requerida vem suportando todos os encargos a elas (propriedades) inerentes, nomeadamente, impostos e taxas»); número 45 («A Requerida vem colhendo e fazendo seus todos os respectivos frutos e rendimentos, assim usufruindo das utilidades que as propriedades proporcionam»); número ...6 («A Requerida vem fazendo o referido, e sempre foi feito, à vista de todos, durante o dia e a noite, com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém, designadamente de ante possuidores, vizinhos»); e número 47 («O referido sempre foi feito pela Requerida sem oposição do Requerente, pelo menos até finais de 2023 e inícios de 2024»).
[16] Recordam-se os factos provados enunciados na sentença recorrida sob o:  número 2 («As confrontações do prédio urbano do Requerente são: a norte, CC; a nascente, estrada nacional; a sul e a poente, DD»); número 19 («A Requerida arroga-se proprietária da parcela de terreno do Requerente»); número 31 («A obra que vem sendo levada a cabo determinou a alteração da configuração do prédio urbano do Requerente»); e número 37 («A Requerida visa ali implementar uma nova fase de pavilhões industriais, pretendendo usar os terrenos adquiridos, assim com o do Requerente, para levar a cabo aquela operação urbanística que representará investimentos de dezenas de milhões de euros»).
[17] Recordam-se os factos provados enunciados na sentença recorrida sob o: número 48 («A paragem da empreitada, nesta fase, acarretará milhões de prejuízo para a Requerida»); número 62 («Este projeto tem interesse e urgência para a Requerida e seus parceiros, uma vez que já começou a atrair investimento de empresas que lá se pretendem fixar»); número 63 («A Requerida já celebrou um contrato promessa de cedência de espaço com a sociedade comercial EMP02... S.A.»); número 64 («O contrato promessa de cedência de espaço referido prevê que a Requerida irá executar e ceder (no mínimo por 05 anos) a EMP02... S.A. um estabelecimento comercial com edifício de 5700m2, ao preço mensal estimado de € 31.350,00 acrescido de IVA, o que resulta num rendimento anual de € 376.200,00, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor»); número 65 («O contrato promessa de cedência de espaço referido resulta num valor de € 1.881.000,00, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, considerando apenas os 05 anos de contrato e sem as atualizações anuais»); número...6 («Mercê do contrato promessa de cedência de espaço referido será projetado e edificado um estabelecimento comercial com edifício de 5700m2 a pedido e para as necessidades de EMP02... S.A.»); número 67 («Muito dificilmente o estabelecimento comercial projectado e edificado para EMP02... S.A. servirá para outras Sociedades»); número 68 («O incumprimento do contrato promessa de cedência de espaço referido, celebrado em 10 de Janeiro de 2024 - cujo prazo é de 08 + 03 meses - causará um dado muito dificilmente reparável para a Requerida, que já se encontra a executar o edifício»); e número 71 («Os prejuízos que a Requerida irá sofrer serão muito superiores aos que o Requerente sofrerá, caso se mostre que tem razão na reclamação que oferece»).
[18] Recorda-se, a propósito, a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo a este respeito:
«(…)
Após produção de prova da oposição, com base nos extensos documentos juntos, resultaram provados os prédios de que a requerida é proprietária, a forma de aquisição e os contratos existentes para a obra que está a ser realizada no local. 
(…)
Toda esta documentação e contexto foi coadjuvada pelo depoimento de AAA, economista», que, relativamente «às questões e prejuízos suscitados pela presente providência cautelar, referiu que não construir ou fazer algo naquela parcela representa um problema muito grande, porque o acesso é onde está o terreno, tendo referido que já criou um atraso substancial na obra. Referiu, no que convenceu o Tribunal, até pela inspeção judicial realizada que “há frentes de obra que não podemos avançar” e estamos a falar de milhões de euros, que seria entregue em Janeiro deste ano.
Também com base neste depoimento, o Tribunal criou indiciariamente a conclusão, de que se o prédio aludido não for para a EMP02..., ficará subvalorizado pois foi feito à medida.
(…)
Após a produção de prova da oposição e das testemunhas apresentadas, este Tribunal face ao pedido do Autor, uma vez que sendo apenas prova indiciária, não tem sustentabilidade suficiente, entende que necessita a questão das delimitações das propriedades de ser dirimida em acção própria. Ficou contudo, este Tribunal convencido dos elevados prejuízos causados à Requerida com o embargo decretado, face aos prazos que a mesma possui para a entrega dos imóveis e de todo o investimento que colocou no projecto, bem como à disponibilidade do Autor para a venda do imóvel ou parte dele, face às suspensões que foram sendo solicitadas durante a fase de produção de prova, para tal efeito e que até ao final não lograram alcançar o pretendido entendimento.
(…)»