Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | PAULA ALBUQUERQUE | ||
Descritores: | DEMÊNCIA DO ARGUIDO SUSPENSÃO DO PROCESSO INDEFERIMENTO REGIME DO RECURSO | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | «I-A retenção do recurso a subir a final só o tornará absolutamente inútil se já não for possível, no caso de provimento, reverter o efeito do despacho recorrido, mesmo com a inutilização de todos os actos entretanto praticados. II-O prosseguimento dos autos com a inerente realização de audiência de julgamento pode ser inutilizada a final, em sede recursiva, e nesta fase prover-se ao pedido de suspensão dos autos que retroagirá à data do despacho recorrido. III-Não decorrendo da subida a final atribuída ao recurso a sua absoluta inutilidade, mantém-se, na íntegra, o despacho inicial que admitiu o recurso, a subir com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa.» (Sumário da responsabilidade da Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I. RELATÓRIO No âmbito do processo nº 355/21.3JABRG.G1 a correr termos no Tribunal supra identificado, foi proferido despacho em 22 de janeiro de 2025, com a referência Citius 194498101, que indeferiu a requerida suspensão do processo, e designou data para a realização da audiência de discussão e julgamento. O arguido AA, inconformado, interpôs recurso de tal despacho para este Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo que fosse admitido com subida imediata e em separado, com base no n.º 1 do art. 407.º do Código de Processo Penal (doravante CPP), ou seja, por entender que a retenção do recurso o tornaria absolutamente inútil. São do seguinte teor as suas conclusões recursivas: « CONCLUSÕES: 1º. Compulsada a decisão recorrida, verifica-se que a Meritíssima Juiz a quo decidiu indeferir o pedido de suspensão do processo formulado pelo Recorrente, por entender que apesar de o Código de Processo Penal não regulamentar expressamente a questão da (in)capacidade processual do arguido, pode afirmar-se, com alguma certeza, que no processo penal não existe nenhuma norma que impeça o seu desenrolar pelo facto do arguido padecer de incapacidade processual. 2º. Resulta dos autos que o Arguido, ora Recorrente, foi submetido a uma perícia médica, tendo em vista apurar se o mesmo padece de alguma doença e, em caso afirmativo, qual e se, por força da mesma, era, à data dos factos, capaz de avaliar a ilicitude dos seus atos e de se determinar de acordo com essa avaliação e se o arguido tem, neste momento, capacidade de querer e entender. 3º. Do relatório pericial junto aos autos resultaram, pois, em suma, duas conclusões fundamentais: à data dos factos, o Recorrente não padecia de afetação cognitiva ou volitiva grave que o tornasse incapaz de avaliar a ilicitude dos seus atos e de se determinar de acordo com essa avaliação; na atualidade, o Recorrente, devido à doença neurológica degenerativa progressiva incurável de que padece, não tem capacidade de querer e entender. 4º. Em face deste resultado, coloca-se, pois, a questão da (in)capacidade judiciária do Recorrente e das consequências que de tal incapacidade advêm para o processo em curso. 5º. A este respeito, o Meritíssimo Desembargador Pedro Soares de Albergaria, conclui que “diante de um arguido manifestamente incapaz de providenciar à sua defesa, e quer essa incapacidade seja anterior ou contemporânea do facto, quer se siga ao mesmo, defronte disto, dizia, um compromisso consequente com o princípio da plenitude das garantias de defesa no quadro de um processo penal de estrutura acusatória (artigo 32.º/1/5 crp) e com o princípio da “participação efectiva” que inere a um processo justo (artigo 6.º cedh), tudo postulando um arguido como sujeito do processo, para o desfecho do qual há-de poder contribuir efectiva e autonomamente, o processo deverá ser suspenso” . 6º. Inversamente, o douto Tribunal a quo, concluiu que “nos casos em que o arguido se mostre incapaz processualmente nada impede que o processo penal prossiga, sendo o arguido representado pelo seu Defensor”. 7º. Contudo, na senda do decidido pelo douto Tribunal da Relação de Coimbra, no seu Acórdão proferido em 6 de novembro de 2024 , o n.º 3, do artigo 32.º da CRP erige o arguido em verdadeiro sujeito do processo, com direito a organizar a sua própria defesa – é o arguido o titular do direito de defesa, não o defensor, e para exercer os direitos que lhe assiste, o arguido tem de ser capaz de entender e compreender as acusações que lhe são dirigidas, e interagir em conformidade, o que tudo é condição de satisfação da exigência de que a defesa assente na sua própria vontade. 8º. Ademais, na decisão em crise, a Meritíssima Juiz a quo recorre, ainda, ao Direito Internacional, concluindo que “a mesma ideia de possibilidade do processo prosseguir para arguidos que padeçam de incapacidade processual parece resultar do considerando 42 da Diretiva EU 2016/343 de 09.3.2016 relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal e bem assim da Recomendação da Comissão, de 27.11.2013 sobre as garantias processuais das pessoas vulneráveis suspeitas ou arguidas em processo penal”. 9º. Não obstante, e como referiu (e bem) a douta Relação de Coimbra, no Acórdão acima referenciado, “Compatibilizando o art. 32º, n.ºs 1 e 5, da Constituição da República Portuguesa com o direito internacional, em instrumentos ratificados por Portugal, o que se torna imperioso perante a lacuna da nossa lei, não podemos deixar de convocar o art. 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. [...] O n.º 3 do art. 6º da CEDH, referente de forma expressa ao processo de natureza criminal, confere ao acusado, nomeadamente, o direito a defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha, o que constitui manifestação do processo equitativo: o acusado tem o direito de se defender de modo adequado e de forma concreta e efetiva. Se o acusado se encontra incapaz (em sentido processual, como se viu) de exercer o direito à autodefesa, de natureza eminentemente e essencialmente pessoal, não pode dar a sua versão ao tribunal (encontrando-se impedido, por razão alheia à sua vontade, de prestar declarações), de preparar a sua defesa com o seu defensor, discernindo as possibilidades que se lhe deparam e optando conscientemente por uma, de confessar, de perceber os riscos do processo crime e da condenação... Enfim, de proporcionar ao seu defensor a possibilidade de defender efetivamente, do ponto de vista técnico, o arguido que representa e enquanto verdadeiro sujeito conduziria a situações extremas que chocam a consciência jurídica de qualquer cidadão médio, mesmo leigo em matéria de leis, v.g. procedendo-se a julgamento de arguido que se encontrasse à data da audiência num estado de coma irreversível”. 10º. Relativamente às consequências que devemos extrair da incapacidade processual do Arguido, continuando a citar a referenciada decisão da douta Relação de Coimbra, “(...) a aplicação analógica (que é anterior às restantes possibilidades previstas no art. 4º) e a contrario daquele art. 332º, n.º 6, por se tratar da única referência na lei processual penal a uma situação de incapacidade do arguido em comparecer no julgamento: é que prevendo a lei que o julgamento prossiga no caso em que o arguido provoca a sua incapacidade, terá de se extrair que na hipótese em que a incapacidade do arguido ocorra de forma involuntária a audiência de julgamento não pode prosseguir – única conclusão compatível com o espírito da lei, ponderada no seu conjunto. [...] Por estas razões, concordamos com a necessária suspensão da audiência de julgamento nos casos em análise, sob pena de se violarem princípios básicos da nossa Lei Fundamental e normas essenciais do direito internacional aplicável em Portugal com força constitucional”. 11º. Seguindo este entendimento, em contraposição com o defendido pelo Tribunal a quo, cremos, pois, que, mostrando-se o Recorrente incapaz de participar na audiência, por motivos que lhe não são imputáveis, esta não poderá continuar e o processo ficará suspenso (cfr. artigo 332.º, n.º 6 do CPP, a contrario) - o que, agora, em revogação da decisão recorrida, deverá ser decidido - o que se requer. 12º. Nessa conformidade, estando demonstrado que o Recorrente não tem capacidade de querer e entender, por força da doença neurológica degenerativa de que padece, sempre deveria o presente processo ter sido suspenso, pelo que, ao decidir como decidiu, violou o Tribunal a quo o disposto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, artigo 6.º da CEDH e artigo 332.º, n.º 6, a contrario, do CPP. » O recurso foi, porém, admitido com subida a final, e em separado, a subir com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa, e com efeito meramente devolutivo. Inconformado, reclamou o recorrente para o Exmo. Senhor Presidente deste Tribunal da Relação de Guimarães. Na reclamação, o arguido defende que no recurso que interpôs a questão que se coloca e que peticionou é a da necessidade de suspensão do processo devido ao facto de padecer de incapacidade processual uma vez que, segundo o relatório pericial junto aos autos, após o cometimento dos factos veio a sofrer de doença neurológica degenerativa progressiva incurável, não tendo capacidade de querer e entender. Mais defende que sendo a necessidade de suspensão do processo necessariamente prévia à sujeição do arguido a julgamento, a retenção do recurso torna-o absolutamente inútil, uma vez que desta retenção decorrerá um resultado irreversivelmente oposto ao que quis alcançar com o recurso, a suspensão do processo e a sua não submissão a julgamento. Seguido o formalismo legal, e apresentada a reclamação ao Exmo. Senhor Presidente deste Tribunal da Relação de Guimarães, por decisão de 18-03-2025 sob Referência ...01, veio aquele a decidir: «Nestes termos e pelos fundamentos expostos, atende-se a reclamação apresentada pelo arguido AA, devendo ser proferido despacho a ordenar a subida imediata do recurso admitido.» Em cumprimento do assim decidido, o tribunal a quo proferiu despacho a admitir o recurso do arguido nos seguintes termos: « Em cumprimento da decisão do Exmo. Presidente da Relação de Guimarães, sobre a reclamação apresentada pelo arguido nos termos do art. 405º do CPP., impõe-se corrijir o regime de admissão do recurso interposto pelo arguido AA, do despacho que indeferiu o pedido de suspensão do presente processo, devendo este subir imediatamente. Por outro lado, face ao que resulta da decisão proferida, no segmento em que se consigna que o efeito do recurso interposto – suspensão do processo e não submissão a julgamento do arguido, por via da sua incapacidade – fica gorado, ainda que tal recurso venha a ser procedente, tanto mais que o pedido recursivo é precisamente o de se obter êxito na suspensão do processo com vista ao não julgamento do arguido, aconselha a alterar o regime antes fixado no que respeita à atribuição de efeito meramente devolutivo. Assim, ante o circunstancialismo descrito e o concreto pedido de suspensão do processo, a utilidade do recurso, mesmo que substancial, mostra-se apenas compaginável com a subida imediata do recurso e a atribuição de efeito suspensivo, tudo nos termos do disposto nos artigos 407.º, n.º 1 e 408.º, n.º 3 do CPP. Notifique.» Em primeira instância, o digno magistrado do Ministério Público deduziu resposta ao recurso, e declarando sufragar a posição adoptada no despacho recorrido, conclui pela improcedência do recurso. Subiram os autos, e nesta Relação, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no qual suscitou a questão prévia da alteração do regime de subida do recurso, nos seguintes termos: «O recurso foi admitido, a subir de imediato, na sequência de decisão proferida pelo Exmo. Sr. Juiz Desembargador Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito da reclamação apresentada pelo recorrente ao abrigo do disposto no artigo 405.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal. Porém, tal decisão não vincula o tribunal de recurso – art. 405º nº 4 CPP. (…) entendemos que não se verifica o pressuposto da inutilidade absoluta do recurso em caso de retenção. O que pode acontecer é ficarem sem efeito os actos levados a cabo, designadamente o julgamento, o que acontece em qualquer recurso em que é revogada a decisão recorrida. Entendemos, assim, que o recurso só deve subir a final – art. 407º nº 3 CPP.» (nosso sublinhado) Sobre o mérito do recurso, pugna a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pela sua improcedência. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, n.º 2 do CPP, e não foi deduzida resposta. Proferido despacho liminar e colhidos os vistos, teve lugar a conferência. II- FUNDAMENTAÇÃO Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objeto do recurso: O objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - como pacificamente decorre da doutrina (destacando-se os Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques no “Código de Processo Penal Anotado”, 2.ª ed., Vol. II) e da jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário da Secção Criminal do STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995. Assim, considerando o teor das conclusões do recurso interposto, a questão a decidir circunscreve-se a saber se o recorrente, por força da doença neurológica degenerativa progressiva incurável que lhe foi diagnosticada após o cometimento dos factos, não deve ser submetido a audiência de discussão e julgamento pelos factos que praticou, devendo, antes suspender-se o processo. Questão prévia Antes, porém, da apreciação do mérito de tal questão, importa decidir da questão prévia e de conhecimento oficioso, a qual se prende com o regime de subida e efeito do recurso, sendo certo que nos termos previstos no art. 405º nº 4 do CPP a decisão anterior sobre tal matéria não vincula o tribunal de recurso. Com interesse para a apreciação da questão prévia importa ter presente o teor do despacho recorrido de 22 de janeiro de 2025, com a referência Citius 194498101, que indeferiu a requerida suspensão do processo, e designou data para a realização da audiência de discussão e julgamento, que tem o seguinte teor: «Na contestação apresentada pelo arguido AA veio o mesmo suscitar a seguinte questão prévia: O arguido foi submetido a perícia, da qual resultou que o Arguido sofre de doença neurológica degenerativa progressiva incurável – doença de Parkinson e estado demencial avançado associado, alheado, deteriorado cognitivamente, sem funcionalidade e mobilidade, afásico e disfágico; que à data dos factos, o Arguido não padecia de afetação cognitiva ou volitiva grave que o tornasse incapaz de avaliar a ilicitude dos seus atos e de se determinar de acordo com essa avaliação; não tendo na presente data capacidade de querer e entender. Invocando os estudos de Pedro Soares Albergaria e Mariana Lino Ferraz e o Ac. TRE de 13.07.2022 (relatora Dr.ª Maria Leonor Esteves) defende o arguido que na presente data não possui capacidade judiciária, a qual se manifesta na falta de condições para acudir à sua defesa e nessa medida deverá o processo ser suspenso, o que requer. Ora, com o devido respeito por tal posição, não sufragamos o entendimento da doutrina e jurisprudência invocadas. Como bem nota a Digna Magistrada do M.P., o conceito de “incapacidade judiciária ou processual” não se encontra densificado na lei processual penal, ao contrário do que ocorre com o processo civil. De todo o modo, em paralelismo com a incapacidade processual civil poderá dizer-se que a incapacidade processual penal “consiste na impossibilidade de o arguido estar, por si só, em juízo. Ou seja, o mesmo revela-se incapaz de exercer pessoalmente os direitos que lhe assistem” (cfr. Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo IV, anotação ao artigo 332.º do Código de Processo Penal, por Tiago Caiado Malheiro, fls. 324 §30). A única referência legal à incapacidade do arguido para participar na audiência consta no n.º 6 do artigo 332.º do Código do Processo Penal. Aí, se estabelece a possibilidade de a audiência de julgamento prosseguir até final sem a presença do arguido, “quando o arguido, por dolo ou negligência, se tiver colocado numa situação de incapacidade para continuar a participar na audiência”. Esta norma rege apenas aqueles casos específicos, em que a incapacidade para se defender, em que se coloca o arguido, na audiência de julgamento, tem origem na sua própria atuação que por constituir uma violação das suas obrigações enquanto arguido, por tal atuação ser merecedora de um juízo de censura, pode o Tribunal decidir pela continuação da realização da audiência de julgamento, por tal continuação se mostrar proporcional a uma eventual contração dos seus direitos de defesa. Não cremos, ao contrário do defendido pelos autores invocados pelo requerente, designadamente, BB e CC, que seja possível retirar da referida norma, a contrario, que quando o arguido esteja em situação de incapacidade para continuar a participar na audiência (estiver em situação de incapacidade processual), sem que tenha contribuído para tal, o Tribunal deva decidir pela não prossecução da audiência. Ainda como bem nota a Digna Magistrada do M.P., tal como defendido por Tiago Caiado Malheiro (ob. Cit) este dispositivo legal (artigo 332.º, n.º 6 do Código de Processo Penal) não regula os casos em que a incapacidade não é meramente transitória e/ou, não se deve a nenhum comportamento censurável do arguido. E o autor discorre sobre diversas incapacidades das meramente físicas (que geram dificuldades de comunicação), às anomalias psíquicas. Quanto a estas, inexiste dúvidas que perante uma anomalia psíquica anterior ou contemporânea ao facto, consubstanciadora de inimputabilidade do arguido, o processo prosseguirá para aplicação de medida de segurança; e quando consubstanciadora de uma inimputabilidade diminuída, o processo prosseguirá para aplicação de uma pena. A lei não esclarece quando a anomalia psíquica geradora da incapacidade processual surge em momento posterior à prática do facto. Como supra se expôs para os autores invocados pelo requerente a solução passa pela aplicação a contrário do n.º 6 do artigo 332.º do Código de Processo Penal, propugnando uma suspensão do processo. Entendemos que a solução preconizada por Pedro Soares Albergaria e Mariana Lino Ferraz, embora se apresente como a que melhor garante os direitos de defesa do arguido, não encontra respaldo na lei processual penal, nem se harmoniza com os demais interesses que a lei processual penal prossegue, designadamente, a administração da justiça, a pacificação social, as expetativas comunitárias e os direitos da vítima. Sufragando o entendimento exposto por Tiago Caiado Malheiro na ob cit, (pág 328) o que se extrai do regime jurídico vigente “é que quer o nosso direito nacional, quer o direito europeu admitem – sopesando todos os interesses em jogo – a representação por Defensor, aliada à eventual nomeação de representante de arguido, enquanto pressupostos para assegurar o processo equitativo”. Tal como bem explana, o Código de Processo Penal não regulamenta expressamente a questão da (in)capacidade processual do arguido, mas num plano geral pode afirmar-se, com alguma certeza, que no processo penal não existe nenhuma norma que impeça o seu desenrolar pelo facto do arguido padecer de incapacidade processual. Na realidade, ainda que implicitamente, essa representação incumbe ao defensor – artigo 64.º, n.º 1, alínea d) – devendo considerar-se que a menção que ali se faz a inimputabilidade ou imputabilidade diminuída está conexa com a incapacidade para exercer de forma efetiva a sua defesa. Aliás, a obrigação de nomeação de defensor aquele que padece de anomalia psíquica, consiste numa admissão pelo legislador que apesar da vulnerabilidade deste e que, porventura mesmo sendo incapaz de estar por si só em juízo, tal não é impeditivo da tramitação dos autos, sopesando outros interesses que seriam comprimidos caso tal não sucedesse (designadamente, os que supra se aludiram). Mais, a representação de arguido que padece de incapacidade processual é uma solução que é equiparável aquela outra em que o Defensor representa o ausente, sendo que em ambas as situações existe uma ausência, embora nos primeiros casos possa apenas ser mental – corpo presente. Acresce que no processo civil a incapacidade processual é suprida via representação e não seria compreensível que um processo penal em que o arguido padecesse de incapacidade processual estivesse inviabilizado de prosseguir os seus termos, pelo menos para conhecimento do pedido de indemnização civil ou de declaração de perda de bens (que, inclusivamente, deve ser conhecido mesmo que o paradeiro do arguido seja desconhecido ou que o arguido tenha falecido. Cientes que a representação por defensor não ultrapassa a questão da prática de atos pessoais do arguido, sempre se dirá que a CEDH não parece vedar o julgamento de pessoas com incapacidade processual, mas tem evidenciado para efeito de processo equitativo a necessidade de proteção de pessoas especialmente vulneráveis. A mesma ideia de possibilidade do processo prosseguir para arguidos que padeçam de incapacidade processual parece resultar do considerando 42 da Directiva EU 2016/343 de 09.3.2016 relativa ao reforço de certos aspectos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal e bem assim da Recomendação da Comissão, de 27.11.2013 sobre as garantias processuais das pessoas vulneráveis suspeitas ou arguidas em processo penal. Nesta senda à semelhança do propugnado pelo identificado autor e pela Digna Magistrada do M.P., cuja posição acompanhamos, cremos que nos casos em que o arguido se mostre incapaz processualmente nada impede que o processo penal prossiga, sendo o arguido representado pelo seu Defensor, podendo, eventualmente, lhe ser nomeado representante (pode já estar nomeado em processo de maior acompanhado ou pode ser nomeado p. exº familiar que se apresente como a única pessoa ou a mais capaz de compreender quando o arguido se expresse) de modo a assegurar de forma mais efetiva a sua defesa e garantir um processo mais equitativo, sem que com esta solução se posterguem em definitivo outros interesses, designadamente, os relativos à administração da justiça e aos direitos da vítima. Considerando o exposto, indefiro o requerido. Notifique. Para audiência de julgamento, a ter lugar no Juízo Central Criminal de Guimarães (...), designo o próximo dia (…). » Apreciando. O recurso interposto pelo arguido incide sobre o despacho que indeferiu a sua pretensão de se declarar suspenso o processo, por entender que –por força de doença neurodegenerativa- não possui capacidade judiciária. Sendo evidente que tal despacho não tem enquadramento em nenhuma das previsões do art. 407º, n.º 2 e 408º, n.º 1 e 2 ambos do CPP, terá que se subsumir ao disposto no art. 407º, n.º 1 e 3 e 408º, n.º 3 do CPP, cumprindo, pois, averiguar se a subida diferida do recurso, o mesmo é dizer, se a sua subida a final, conjuntamente com o recurso interposto da decisão que tiver posto termo à causa, o torna absolutamente inútil, como defende o recorrente. Conforme tem sido entendimento pacifico e unânime na nossa jurisprudência, sendo também o nosso, «1. Os recursos cuja retenção os torna absolutamente inúteis são apenas aqueles cujo efeito mais não poderá ser obtido, ainda que revogada a decisão sob recurso. 2 – O recurso cuja retenção o torna absolutamente inútil é apenas aquele cuja decisão, ainda que favorável ao recorrente, já não lhe pode aproveitar, por não poder produzir quaisquer efeitos dentro do processo, e não aquele cujo provimento implique a anulação de quaisquer actos, incluindo o do julgamento, por esse ser um risco próprio dos recursos com subida diferida. (Cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 8-05-2024, 99/23.1JAFAR-B.E1, in www.dgsi.pt). Assim sendo, como é nosso entendimento, a retenção do recurso a subir a final só o tornará absolutamente inútil se já não for possível, no caso de provimento, reverter o efeito do despacho recorrido, mesmo com a inutilização de todos os actos entretanto praticados. É também este o entendimento maioritário da jurisprudência do nosso STJ citando-se, em particular, o acórdão do STJ de 7-12-2023, processo 801/21.6T8CSC-A.L1.S1, Relator o Senhor Conselheiro João Cura Mariano (in www.dgsi.pt), que sufragamos inteiramente no nosso caso concreto, assinalando-se estar ali em causa, como aqui, um despacho de indeferimento de um pedido de suspensão da instância, ainda que no âmbito da jurisdição cível: «I. Uma decisão de indeferimento de um pedido de suspensão da instância, só poderá ser recorrível autonomamente caso se considere que, se aguardarmos pelo recurso da decisão final para apreciarmos se a suspensão da instância se justificava, a decisão sobre essa questão pode já não ter qualquer utilidade. II. A inutilidade, significativamente adjetivada de absoluta, enquanto requisito da dedução autónoma do recurso de apelação, ocorre quando um desfecho favorável da impugnação de um determinado despacho, quando obtido apenas com o resultado do recurso da decisão final, já não consegue reverter o resultado do despacho recorrido, não se revelando eficaz a inutilização dos atos entretanto praticados. III. O facto da impugnação do despacho que indeferiu um pedido de suspensão da instância com fundamento na existência de uma causa prejudicial ser apenas deduzido no recurso que for interposto da decisão final não determina uma inutilidade absoluta dessa impugnação.» Isto posto, e atento o teor do despacho recorrido acima transcrito, não se vislumbra de que modo a atribuição da subida diferida do recurso, que decorre da lei (arts. 407º e 408º, do CPP), possa torná-lo absolutamente inútil, pois que os efeitos do despacho sindicado -prosseguimento dos autos com realização de audiência de discussão e julgamento - a proceder o recurso, podem ser dados sem efeito, ou seja, o julgamento pode naturalmente ser dado sem efeito, e determinar-se a pretensão recursiva da suspensão do processo. Pelo que não se mostram violados, conforme invoca o recorrente, o disposto nos arts. 32.º da Constituição da República Portuguesa, no artigo 6.º da CEDH, e no art. 332º, n.º 6, á contrário, do CPP. Nada fica, por isso, inutilizado, mais se assinalando que o efeito do recurso será não suspensivo, conforme decorre da leitura conjugada dos arts. 407º e 408º, do CPP. Em face do exposto, não decorrendo da subida a final atribuída ao recurso a sua absoluta inutilidade, mantém-se, na íntegra, o despacho inicial que admitiu o recurso, com subida a final, a subir com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa, e com efeito meramente devolutivo. De onde, não se conhece, para já, do mérito do recurso. IV- DECISÃO Nestes termos, acordam os Juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, após conferência, em manter o despacho inicial que admitiu o recurso, com subida a final, a subir com o recurso interposto da decisão que puser termo à causa, e com efeito devolutivo. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs. Notifique. Guimarães, 10 de julho de 2025 Paula Albuquerque (Juíza Desembargadora Relatora) Pedro Cunha Lopes (Juiz Desembargador Adjunto) Fátima Furtado (Juíza Desembargadora Adjunta) |