Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
151/23.3T8MLG-B.G1
Relator: PAULO REIS
Descritores: MAIOR ACOMPANHADO
PERÍCIA
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DO REQUERENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O regime geral previsto no artigo 480.º, n.º 3 do CPC - que rege sobre a assistência da parte e do assessor técnico às diligências de inspeção das perícias em processo civil, verificados que sejam os pressupostos nela contidos - é aplicável às diligências de inspeção das perícias médico-legais a realizar pelo INML, não obstante o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses plasmado na Lei 45/2004, de 19/8 (RJPMLF).
II - Contudo, não sendo o exame em causa presidido pelo juiz, nem estando o mesmo presente, as partes estão impedidas de requerer o que tiverem por conveniente em relação ao objeto da diligência, tal como resulta do disposto no artigo 480.º, n.º 4 do CPC, estando a sua eventual presença limitada à possibilidade de fazer observações ao perito.
III - A omissão de notificação ao mandatário do requerente da data marcada para exame ao requerido, na especialidade de Psicologia - nova presença - não põe em causa o principio do contraditório, já que o regime aplicável salvaguarda devidamente às partes/intervenientes o conhecimento do relatório pericial e os respetivos fundamentos, permitindo aos sujeitos processuais interessados conhecer o trajeto seguido na recolha dos elementos que sustentam as conclusões do relatório pericial, bem como a faculdade de dele reclamarem contra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição que considerem existir, o que a ser atendido conduzirá a que o perito o tenha que completar, esclarecer ou fundamentar por escrito, o mesmo sucedendo com a possibilidade de serem pedidos esclarecimentos aos peritos em audiência.
IV - Não vindo alegado, nem resultando dos autos, que a presença do ilustre mandatário do requerente na diligência que teve lugar no Gabinete Médico-Legal e Forense do ... Centro Hospitalar do ..., S.A. ... ..., poderia determinar um diferente resultado da perícia, deve concluir-se que a irregularidade detetada não tem influência no exame ou na decisão da causa, não implicando a nulidade do ato.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

No processo de acompanhamento de maior, n.º 151/23.3T8MLG.G1, em que é requerido AA, sendo requerente BB, seu filho, foi proferido despacho, datado de 21-07-2025, a declarar que a diligência consubstanciada no exame médico de psicologia forense, efetuado ao requerido, não está ferida de qualquer nulidade, mais determinando a notificação do requerente para informar se pretende que o Sr. Perito médico preste esclarecimentos devendo, na afirmativa, em 10 dias, elencá-los.
Inconformado com esta decisão, o requerente apresentou-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação do despacho recorrido.

Termina as respetivas alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. O presente recurso é interposto do, aliás douto, despacho ref. ...89, tomado em 21.07.2025, por com ele o Apelante não se conformar.
2. Na sua génese imediata está a arguição, pelo Apelante, da nulidade do exame de 12.03.2025 - na origem de Relatório de Psicologia Forense, dito complementar a um outro de Psiquiatria, que não consta dos autos ou que, pelo menos, ainda não foi notificado - e sequentes termos.
3. Dá-se, aqui, por integrado e reproduzido o processado na senda do douto aresto proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do Proc. n.º 151/23.3T8MLG.G1, em 23.05.2024, e este, cujas súmulas e/ou transcrições constam da Motivação deste recurso.
4. Como se afere da decisão recorrida, o Requerimento na sua génese (ref. ...93, de 13.06.2015) não mereceu por parte do Tribunal a quo apreciação e decisão concreta e específica, desde logo, em termos “de direito”, já que nela não é indicada uma qualquer norma ou preceito jurídico que a estribe e, muito menos, alicerce.
5. Não sendo esse, aliás douto, despacho de mero expediente nem proferido no uso legal de um poder discricionário e tendo, até, a contraparte apresentado oposição ao pedido de declaração de nulidade, o Tribunal a quo não poderia nunca, ainda que implicitamente, como que “aderir” ao aí vertido a título conclusivo.
6. Assim, o, aliás douto, despacho recorrido peca por falta de justificação/fundamentação - cfr. arts. 154º n.º 1 e 205º CRPort. - e, como tal, é nulo - cfr. arts. 615º n.º 1 b) ex vi 613º n.º 3, ambos do CPCivil -, ao ter sido violado o dever de administrar justiça – cfr. art. 152º n.ºs 1 e 4 a contrario, CPCivil.
7. É que, embora em bom rigor não se possa entender que a decisão em causa não deixou de se pronunciar sobre o expendido e requerido no aludido requerimento do aqui Apelante, a verdade é que o decidiu sem procurar elucidar ou esclarecer os motivos e fundamentos, o que equivale a conclusão sem premissas, havendo, pois, erro de actividade (erro de construção ou de formação) - v., no mesmo sentido, Ac. STJ, de 09.12.87, in BMJ 372º-369.
8. A necessidade de fundamentação prende-se com a própria garantia de direito ao recurso e tem a ver com a necessidade de legitimação da decisão judicial em si mesma - cfr. Ac. TC n.º 55/85, de 25.3.85, in Acs. TC, 5º-467 e segs.
9. “III - A exigência de fundamentação tem natureza imperativa, é um princípio geral que a própria Constituição consagra no art. 208º (ora 205º) n.º 1, e tem que ser observado nas decisões judiciais, mesmo nas proferidas em processo de jurisdição voluntária ou em processo tutelar” - Ac. RP, de 17.10.91, in BMJ 410º- 876 -, porquanto “O princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito e no Estado social de direito contra o arbítrio do poder judiciário” - Pessoa Vaz, “Direito Processual Civil - Do Antigo ao Novo Código”, Coimbra, 1998, pag. 211.
Acresce que,
10. Seguramente que não é o disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 480º CPCivil e o constante duma sentença que foi revogada pelo doutíssimo aresto proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, no âmbito do Proc. n.º 151/23.3T8MLG.G1, em 23.05.2024, que permite ao Tribunal a quo afirmar que “como bem refere o Requerido, o Requerente, não sendo pessoa da confiança do Requerido ou, pelo menos não sendo a pessoa pelo mesmo escolhida para o acompanhar, não poderá estar presente na diligência médica a que foi sujeito. Assim, por a diligência ter sido realizada nos exactos termos legalmente estabelecidos, não está ferida de qualquer nulidade”.
11. Um filho não será da confiança do pai só porque pretende que o Tribunal estipule se aquele está ou não desequilibrado psíquica e emocionalmente, o que conduz ou pode conduzir a que facilmente faça ou permita uma gestão abusiva do dinheiro e das suas contas bancárias e tenha sérias dificuldades na compreensão e na realização conscienciosa de negócios jurídicos e afins? É que, nestes autos, o Requerente/Apelante age na salvaguarda da pessoa e dos interesses e direitos de seu pai, nanja de expectativas egoísticas!
12. Depois, o Tribunal a quo antecipa, por mera presunção, que o Requerente/Apelante não é a pessoa escolhida pelo Requerido/Apelado para o acompanhar, quando é quem terá de determinar se este está afectado psiquiatricamente e a necessitar de acompanhamento e qual é a pessoa melhor posicionada para exercer tal cargo!
13. Não se vê o que sustenta que o Requerente/Apelante - rectius, o mandatário deste - não podia estar presente na diligência médica a que o Requerido foi sujeito, a título ‘complementar’, quando, recorde-se que na data de 14.10.2024, pelas 09h00, foi agendado e ocorreu exame na pessoa do Requerido/Apelado, na especialidade de psiquiatria, no Gabinete Médico-Legal e Forense do ... Centro Hospitalar do ..., S.A., ... ..., tendo o mandatário do Requerente/Apelante comparecido e assistido/intervindo nessa avaliação, fazendo à Exma. Perita Médica interveniente as observações que teve por pertinentes (designadamente, que a donatária CC não devia estar presente, ao invés do que aquela pretendia, por poder condicionar o exame - o que foi acolhido) e prestou os esclarecimentos que foram tidos por necessários, senão a existência de dois pesos e duas medidas no mesmo âmbito processual… e sem que  o Tribunal a quo, face ao processado, admita, contraditoriamente, a validade de um acto que, face ao constante da decisão recorrida, haveria de ter por ilegal (a presença e intervenção do mandatário do Requerente naquele exame de psiquiatria)!
14. Depois, o despacho recorrido é redutor do requerido ‘simplificando-o’ em termos de apenas estar em crise a não notificação da data de realização do exame pericial complementar de psicologia - e, mesmo nessa parte, não se pronuncia/decide sobre a omissão da prática de um acto pela Secretaria e suas consequências, conforme o disposto no n.º 6 do art. 157º CPCivil, bastando atentar no expendido e concluído pelo Requerente/Apelante no requerimento ref. ...93, de 13.06.2015, para se atingir que tal vai muito para além do cumprimento dum mero formalismo e tem a ver com a própria substância.  
15. Estando em causa, nos presente autos, (simplificando) injustificada prodigalidade - ou não -, certo é que não se mostra do Relatório Pericial dito complementar o quer que seja a propósito (não é saber o valor facial das moedas e das notas em circulação que, salvo melhor e douta opinião, é relevante - relevará, isso sim, o juízo crítico sobre, v.g., o porquê dos €230.000,00 haverem ‘descido’ para € 130.000,00 e o mais do dobro de € 230.000,00 se compaginarem, ora e a fazer fé no vertido, a € 200.000,00 no banco…). Relevará, ainda, como consta da gravação da audição do Requerido e da sua transcrição nos autos, que este não tenha a mínima ideia de quanto tempo, a gastar € 1.000,00 /mês é que ‘durariam’ € 230.000,00 (v.g. se três meses ou se três anos…) ou qual é o resultado da operação básica de matemática de subtracção 33-7 - diga-se que, aquando do exame de psiquiatria, só à terceira vez é que o Requerido conseguiu acertar com a soma do valor que as notas, que lhe foram presentes, de € 50,00, de € 20,00, de € 10.00 e de € 5.00 perfazem...
16. Também se não vê desse Relatório, dito ‘complementar’, que os quesitos determinados pelo Tribunal - cfr. douto despacho ref. 52474518, datado de 01-07-2024 - e aditados - cfr. douto despacho ref. 52824640, datado de 02-10-2024 - tenham sido objecto de resposta!
17. Mas mais. O Tribunal a quo entende que é de permitir que o marido da donatária - e, com tal, interessado em que a ‘prodigalidade’ do Requerido/Apelado venha a soçobrar e a não ser declarada, para os devidos e legais efeitos - possa estar presente em diligência de exame psicológico, dito complementar.
18. É que nem mesmo o n.º 1 do art. 3º da Lei 45/2004, de 19 de Agosto, na redacção em vigor, o permite (por, obviamente, se cuidar duma situação susceptível de comprometer o objecto da perícia).
19. Cumpria, pois, ao Tribunal a quo esclarecer porque é que essa perícia foi “realizada nos exactos termos legalmente estabelecidos”.
20. Mesmo que se tenha que o referido normativo tenha aplicabilidade no domínio cível, quando muito, o mandatário do Requerente/ Apelante só não se poderia fazer acompanhar de “consultor técnico”, já que a perícia ‘complementar’ de psicologia, tal como a realizada de psiquiatria, não é susceptível de ofender o pudor do Requerido / Apelado ou de implicar quebra de qualquer sigilo que o Tribunal entendesse merecer protecção - tanto que, máxime, do despacho ref. 52474518, datado de 01.07.2024 e sequentes, tal não foi sequer equacionado e só o foi, agora, de forma enviesada, por uma espécie de remissão eivada de subjectividade e sem concretos fundamentos, motivos e razões a sustentar.
21. Como se afere do Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães datado de 21.04.2022, tomado por unanimidade, no âmbito do Processo n.º 3247/20.0T8BRG-C. G1, disponível em www.dgsi.pt:
“1. O regime jurídico das perícias médico legais e forenses contém normas que afastam a aplicação do regime geral da prova pericial em processo civil, que apenas será aplicável subsidiariamente e no que não contenda com aquele regime especial.

3. A Lei 45/2004 de 19 de Agosto, não afastou a aplicação do disposto no artigo 480º n.3 do C.P.C. às perícias médico legais a realizar nas delegações do INML ou nos gabinetes médico-legais e forenses.
…”.   
22. In casu, não se vê que simples testes de vivência, de aptidão funcional, de memória e cognitivos (como são a prova “mini mental state examination (MMSE)” e o “inventário de avaliação funcional de adultos e idosos (IAFAI)” realizados e constantes do Relatório psicológico dito ‘complementar’ ao de psiquiatria forense - este ainda não concluído ou, pelo menos, não notificado - possam contender com a reserva de intimidade da vida privada do examinando e/ou o sigilo médico-profissional que determinem que o mandatário do Requerente/Apelante a eles não pudesse assistir - cfr. art. 480º n.º 3, in fine.
23. Certo é que o, aliás douto, despacho sob recurso admite um meio de prova que não foi solicitado, pretensamente ‘complementar’ a outro Relatório que inexiste nos autos.
24. Aliás, a serem tidas por necessárias ‘diligências complementares’ às psiquiátricas estas deveriam ser fundadamente transmitidas e requeridas ao Tribunal a quo - cfr. o disposto no n.º 1 do art. 481º CPCivil – e, depois de exercido o respectivo contraditório, admitidas ou não por douto despacho, sem prejuízo de o processado haver de ser incluído num único e mesmo Relatório, a notificar às partes e em vista do que dispõem os arts. 485º e 486º, ambos do CPCivil, pelo que este Relatório, dito ‘complementar’ ao de psiquiatria, havia de ser rejeitado pelo Tribunal a quo.
25. Por este prisma, a, aliás douta, decisão em crise cair, pois e também, na previsão da alínea d) do n.º 1 do art. 615º ex vi n.º 3 do art. 613º, ambos do CPCivil e por o Tribunal a quo ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, em concomitante violação do poder / dever de boa gestão processual - cfr. art. 6º CPCivil - e do atinente ao dever de administrar justiça - sendo que esta quer-se “material” -, plasmado no art. 152º CPCivil e o no art. 154º CPCivil, que prevê e obriga à explicitação detalhada do dever de fundamentar uma qualquer decisão quando não meramente interlocutória, como é o caso.
26. O Tribunal a quo violou o são e / ou o correcto entendimento e / ou a letra e / ou o espírito, entre outros, do disposto nos arts. 6º, 152º n.ºs 1 e 4, a contrario, 154º n.ºs 1 e 2, 157º n.º 6, 195º e segs., 480º n.ºs 1, 3 e 4 e 481º n.º 1, todos do CPCivil, art. 3, n.º 1, da Lei 45/2004, de 19 de Agosto, na redacção em vigor, e art. 205º n.º 1 CRPort.

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO V/EXCIAS., DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA E SUBSTITUIDA POR OUTRA, COM A ANULAÇÃO DO ACTO / EXAME DE 12.03.2025 E DE TODOS OS TERMOS SUBSEQUENTES QUE DELE DEPENDEM ABSOLUTAMENTE, PROCESSANDO-SE ULTERIORES COM A ADMISSÃO DA PRESENÇA DO MANDATÁRIO DO REQUERENTE / APELANTE EM TODAS AS DILIGÊNCIAS MÉDICAS INSPECTIVAS E AVERIGUATIVAS NECESSÁRIAS À ELABORAÇÃO DO RELATÓRIO PERICIAL QUE VENHAM A OCORRER, DESIGNADAMENTE COM OS DIREITOS E OBRIGAÇÕES A QUE SE REPORTA O N.º 4, AB INITIO, DO ART. 480º CPCIVIL, ELABORANDO-SE UM ÚNICO RELATÓRIO PERICIAL NOS TERMOS JÁ DEFINIDOS E DETERMINADOS NOS DOUTOS DESPACHOS REFS. ...40, DE 01.07.2024 E DE 02.10.2024, RESPECTIVAMENTE, COM O QUE SE FARÁ SÃ, SERENA E A MAIS LÍDIMA JUSTIÇA».
O Ministério Público apresentou resposta, sustentando a improcedência da apelação e a consequente manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal da Relação, tendo o recurso sido admitido nos mesmos termos.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações da recorrente, e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, 636.º, n.º 1, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

i) se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação e/ou por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, als. b) e d) do CPC;
ii) se a omissão de notificação ao requerente da data e do local designados para a realização do exame relativo à perícia médico-legal - psicologia forense - complementar ao exame pericial na especialidade de psiquiatria, solicitado ao Gabinete Médico-Legal de ... Serviço de Clínica e Patologia Forense [INML CF], conduz à nulidade da referida perícia, e respetivas consequências.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos
1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda as seguintes ocorrências/incidências processuais devidamente documentadas nos autos:
1. No processo de acompanhamento de maior, n.º 151/23.3T8MLG.G1, em que é requerido AA, sendo requerente BB, seu filho, foi determinada a realização de exame pericial ao beneficiário, a realizar pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, visando determinar se o beneficiário sobre de alguma afeção e, em caso afirmativo: qual o tipo de afeção; qual a respetiva causa; quais as respetivas consequências; qual a sua data de início; se não certa, a provável se conseguir; quais os meios de apoio e tratamentos aconselháveis [despacho de 01-07-2024].
2. Em 02-07-2024 foi solicitado ao Gabinete Médico-Legal de ... Serviço de Clínica e Patologia Forense, [INML CF] a marcação de exame pericial ao requerido/beneficiário.
3. No dia 11-09-2024, o INML CF informou ao processo a marcação do exame para o dia 14-10-2024 pelas 09:00 horas na especialidade de Psiquiatria - 1.ª presença - mais consignando que o examinando deverá comparecer na seguinte morada para realização da presente perícia: Gabinete Médico-Legal e Forense do ... Centro Hospitalar do ..., S.A. ... ...; que este(a) Delegação não efetua a notificação dos Examinandos; (…) Venha acompanhado apenas em caso de extrema necessidade.
4. Em 12-09-2024, o requerido/beneficiário foi notificado, por carta registada, de que se encontrava designado o dia 14-10-2024, às 09:00 horas para exame pericial na especialidade de psiquiatria, a ser efetuado no Gabinete Médico-Legal e Forense do ..., Centro Hospitalar do ..., com cópia do ofício remetido pelo INML CF.
5. Na mesma data, a secção notificou os ilustres mandatários do requerente e do beneficiário da junção aos autos do ofício, com a marcação de exame a AA, que foi remetido em anexo.
6. Na sequência de requerimento apresentado pelo requerente, o Tribunal de primeira instância determinou a ampliação do objeto da perícia médico-legal, no sentido de abarcar ainda os seguintes quesitos: - o requerido necessita do auxílio de terceira pessoa para a prestação de cuidados de saúde? - o requerido necessita do auxílio de terceira pessoa para a gestão do seu património? - o requerido padece de alguma doença psíquica que o faça dissipar o seu património? - O requerido tem tendência para efetuar gastos injustificados e excessivos? o que foi comunicado ao INML CF.
7. No dia 14-10-2024, o INML CF informou ao processo que o requerido AA compareceu ao exame marcado para o(a) Gabinete Médico-Legal e Forense do ... Centro Hospitalar do ..., S.A. ... ..., no dia 14-10-2024 pelas 09:00 horas.
8. No dia 07-01-2025, o INML CF informou ao processo a marcação de exame para o dia 12-03-2025, pelas 15:00 horas, na especialidade de Psicologia - nova presença - mais consignando que o examinando deverá comparecer na seguinte morada para realização da presente perícia: Gabinete Médico-Legal e Forense do ... Centro Hospitalar do ..., S.A. ... ...; que este(a) Delegação não efetua a notificação dos Examinandos; (…) Venha acompanhado apenas em caso de extrema necessidade.
9. Em 10-01-2025, o requerido/beneficiário foi notificado, por carta registada, de que se encontrava designado o dia 12-03-2025, às 15:00 horas para exame pericial no estabelecimento hospitalar/clínico indicado, com cópia do ofício remetido pelo INML CF.
10. No dia 12-03-2025, o INML CF informou ao processo que o requerido AA compareceu ao exame marcado para o(a) Gabinete Médico-Legal e Forense do ... Centro Hospitalar do ..., S.A. ... ..., no dia 12-03-2025 pelas 15:00 horas.
11. Em 27-05-2025 foi junto ao processo relatório da perícia médico-legal - psicologia - perícia psicologia forense - datado de 25-05-2025 e relativo ao examinando AA, relatório que foi notificado ao Ministério Público, ao ilustre mandatário do requerente e ao ilustre mandatário do requerido.
12. Em 13-06-2025, o requerente veio, entre o mais, arguir a nulidade/irregularidade do exame de 12-03-2025 na génese do relatório da perícia médico-legal - psicologia - perícia psicologia forense - suprindo-se a arguida nulidade/irregularidade com a anulação do ato/exame de 12-03-2025 e de todos os termos subsequentes que dele dependem absolutamente (como seja o relatório pericial de psicologia forense), com o seguinte teor:
«(…)
1. Na data de 14.10.2024, pelas 09h00 foi agendado e ocorreu exame na pessoa de AA, na especialidade de psiquiatria, no Gabinete Médico-Legal e Forense do ... Centro Hospitalar do ..., S.A., ... ..., para o qual o mandatário do Requerente foi devida e legalmente notificado - cfr. documento ref. ...48, datado de 12.09.2024, e email/ofício que o acompanhou.
2. O mandatário signatário compareceu e assistiu / interveio nessa avaliação, fazendo à Exma. Perita Médica interveniente as observações que teve por pertinentes (designadamente, que ‘a beneficiária’ CC não devia estar presente, ao invés do que aquela pretendia, por poder condicionar o exame - o que foi acolhido) e prestou os esclarecimentos que foram tidos por necessários.
3. Essa Exma. Snra. Perita Médica informou verbalmente que seria necessário efectuar outras diligências - sem as especificar -, pelo que, ulteriormente, seriam dadas novas.
4. Nota-se, agora - e só agora -, pela notificação supra, que foi efectuada, na data de 12.03.2025, perícia de psicologia, dita complementar àqueloutra psiquiátrica, para a qual inexistiu uma qualquer notificação, a propósito.
Certo é que,
5. A falta de notificação de uma qualquer das partes sobre a data e local da realização de um exame pericial (ainda que complementar), gera a nulidade do processado - in casu, de 14.10.2024, em diante, em vista do disposto nos n.ºs 3 e 4 do art. 480º CPCivil.
Aliás,
6. Mesmo que se tenha que a Lei não declara expressamente que a falta de notificação do signatário, para tal, acarrete, forçosamente, a nulidade,
7. A verdade é que a omissão desse acto notificativo e/ou de uma formalidade que a Lei prescreve sempre produziria nulidade e por a irregularidade cometida poder influir no exame ou na decisão da causa.
É que,
8. A completa e absoluta omissão de notificação do mandatário da Requerente para o(s) acto(s) que vem dito ter sido praticado(s) em 12.03.2025 e que culminaram no Relatório Pericial, datado de 25.05.2025, entre o mais, contendem e constituem um real cerceamento do exercício do contraditório, ao impedir que se pudesse dele(s) tomar conhecimento e nele(s) se participasse de forma efectiva, exercendo os direitos legalmente consagrados – cfr. arts. 195º e segs. CPCivil.
9. A arguição de nulidade é feita por interessado na observância da formalidade e/ou na repetição e/ou na eliminação do acto
10. E está em tempo.
Diga-se, a talho de foice, atentos os princípios da economia, da celeridade e da cooperação que:
11. É, no mínimo estranho, que um Relatório complementar haja sido notificado ao Requerente sem que o que o deveria anteceder (de psiquiatria) ainda o não haja sido - caso exista.
Acresce que,
12. Estando em causa, nos presente autos, (simplificando) injustificada prodigalidade - ou não -, certo é que não se mostra do Relatório Pericial o quer que seja a propósito (não é saber o valor facial das moedas e das notas em circulação que, salvo melhor e douta opinião, é relevante - relevará, isso sim, o juízo crítico sobre, v.g., o porquê dos € 230.000,00 haverem ‘descido’ para € 130.000,00 e o mais do dobro de € 230.000,00 se compaginarem, ora e a fazer fé no vertido, a € 200.000,00 no banco…)
13. Relevará, ainda, como consta da gravação e da transcrição nos autos, que o Requerido não tenha a mínima ideia de quanto tempo, a gastar € 1.000,00 /mês é que ‘durariam’ € 230.000,00 (v.g. se três meses ou se três anos…) ou qual é o resultado da operação básica de matemática de subtracção 33-7 - diga-se que, aquando do exame de psiquiatria, só à terceira vez é que o Requerido conseguiu acertar com a soma do valor que as notas, que lhe foram presentes, de € 50,00, de € 20,00, de € 10.00 e de € 5.00 perfazem...
Aliás,
14. Também se não vê desse Relatório que os quesitos determinados pelo Tribunal - cfr. douto despacho ref. 52474518, datado de 01-07-2024 - e aditados - cfr.douto despacho ref. 52824640, datado de 02-10-2024 - tenham sido objecto de resposta!!!

TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO E COM O SEMPRE MUI DOUTO SUPRIMENTO V/EXCIA., REQUER SE DIGNE ADMITIR, SUPRINDO-SE A ARGUIDA NULIDADE / IRREGULARIDADE, COM A ANULAÇÂO DO ACTO / EXAME DE 12.03.2025 E DE TODOS OS TERMOS SUBSEQUENTES QUE DELE DEPENDEM ABSOLUTAMENTE (COMO SEJA O RELATÓRIO PERICIAL DE PSICOLOGIA FORENSE).
OUTROSSIM, MAIS REQUER, ATENTOS OS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA, DA CELERIDADE E DA COOPERAÇÃO QUE, DO A PROCESSAR SEQUENTEMENTE, VENHAM A CONSTAR AS RESPOSTAS AOS QUESITOS A QUE SE REPORTAM OS DOUTOS DESPACHOS REF. 52474518, DATADO DE 01-07-2024, E REF. 52824640, DATADO DE 02-10-2024, AQUILATANDO-SE, AINDA, DO PORQUÊ AINDA NÃO SE MOSTRAR NOS AUTOS O RELATÓRIO PERICIAL DE PSIQUIATRIA FORENSE.
(…)».

13. O requerido pronunciou-se por meio de requerimento apresentado a 25-06-2025, pugnando pelo indeferimento da arguição de nulidade, com os seguintes fundamentos:
«(…) Não assiste qualquer razão ao requerente, que bem o sabe.
Todavia, no seu afã de obter a todo o custo a declaração de incapacidade do pai, não olha a meios.
Claro está que não lhe agradou o relatório do exame médico, o qual reflete a excelente sanidade mental que, como ele bem sabe, o pai patenteia.
Por isso, com a arguição em causa, mais não pretende que protelar o andamento do processo, cujo desenlace prevê, em função do teor de tal relatório, não vá ao encontro dos seus interesses.
(…)
Como o requerente bem sabe a legislação que superintende quanto ao modo de proceder aos exames a efetuar pelo Instituto de Medicina Legal, é definida pelo Decreto-Lei 53/2021, de 16 de junho.
E, no seu artigo 3º (com redação igual à que constava na Lei 45/2004, de 19 de agosto, revogado por aquele), prescreve “As perícias solicitadas por autoridade judiciária são ordenadas por despacho da mesma, nos termos da lei do processo, não sendo todavia aplicáveis às efetuadas nas delegações do INMLCP, I.P., ou nos gabinetes médico-legais e forenses as disposições contidas nos artigos 154º e 155º, do Código de Processo Penal...., podendo, contudo o examinado fazer-se acompanhar por uma pessoa da sua confiança para realização do exame pericial, exceto em situações que tal comprometa o objeto da perícia”
Tal significa que só poderá estar presente no decurso do exame uma pessoa da confiança do examinado, mais ninguém, ou seja, relativamente a este tipo de perícias, não tem aplicabilidade o disposto nos artigos 50º e 480º do C. P. C.
Aliás, sobre a presença de pessoas estranhas ao gabinete legal, pronunciou-se o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no proc. 164/17.4PTAMD-A. L1-5, de 22/09/2020, publicado em www.dgsi.pt:
“A restrição à participação na realização da perícia de elementos estranhos ao INML ..... não ofende o princípio do contraditório, por força do artº 3, nº 1, da Lei nº 45/2004, de 19 de agosto, ( hoje DL 53/2021, de 16 de junho).
O Instituto Nacional de Medicina Legal é a instituição de referência nacional na área científica da medicina legal, desenvolvendo a sua missão pericial em estreita articulação funcional com as autoridades judiciárias e judiciais no âmbito da administração da justiça, na observância das normas e dos princípios legais e éticos que asseguram o devido respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos.
Ao introduzir (o legislador) uma distinção quanto às perícias médicas realizadas no Instituto Nacional de Medicina Legal, teve comprovadamente em conta que esta é uma instituição com natureza judiciária, cujos peritos gozam de total autonomia técnico-cientifica, garantido um elevado padrão de qualidade cientifica – cfr Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 189/2001 e 31/91.”
E ainda o Acórdão da Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo 3247/20.0T8BRG-C.G1, de 21/04/2022, publicado em www.dgsi.pt:
“A realização do exame médico inerente à perícia medico-legal tem implicações ao nível da intimidade e do sigilo médico, nessa medida na perícia medico-legal a realizar a uma das partes, a presença da outra e/ou do seu mandatário e assessor, pode ofender o pudor do examinado, designadamente quando, havendo oposição do examinando, se imponha uma avaliação física a nível das lesões sofridas e das sequelas físicas e psíquicas com aspectos sensíveis e relevantes ao nível da vida pessoal e da intimidade da vida privada do examinado.
Acresce que não poderá deixar de se extrair do disposto nos artigos 6º, nº 3 e 4, 3º, nº 1, 21º, da Lei 45/2004, ... um regime específico e com particularidades quanto às perícias realizadas no INML, face ao regime geral das perícias, quanto à assistência e participação nos exames. O que vem de se expor claramente evidencia..... que o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses contém normas que afastam a aplicação do regime geral da prova pericial em processo civil, que apenas terá aplicabilidade subsidiariamente e no que não contenda com aquele regime especial”
Donde se conclui não ter aplicabilidade o disposto nos artigo 50º e 480º do C. P. C.
Convém salientar que, no primeiro exame a que o requerido se sujeitou, com data de 12/03/2025, o mandatário do requerente esteve presente aquando do decurso de tal exame, violando, assim, o postulado na lei acima referido.
Nesta conformidade, não foi cometida qualquer nulidade, respeitando-se, isso sim, o previsto na lei para a execução de tais exames, pelo que deve ser indeferida tal arguição, devendo os autos prosseguir».
14. Também o Ministério Público tomou posição no sentido da inexistência de qualquer nulidade do relatório/exame pericial.
15. Em 21-07-2025 foi proferido o despacho recorrido, com o seguinte teor:
«Veio o Requerente invocar a nulidade do exame médico de psicologia efectuado ao Requerido por não ter sido notificado da data da sua realização.
Ora, como bem refere o Requerido, o Requerente, não sendo pessoa da confiança do Requerido ou, pelo menos não sendo a pessoa pelo mesmo escolhida para o acompanhar, não poderá estar presente na diligência médica a que foi sujeito. Assim, por a diligência ter sido realizada nos exactos termos legalmente estabelecidos, não está ferida de qualquer nulidade.
Notifique, sendo o Requerente para informar se pretende que o Sr. Perito médico preste esclarecimentos devendo, na afirmativa, em 10 dias, elencá-los».
16. Em 01-08-2025, o requerente veio requerer que a Sra. Perita complete e/ou fundamente e/ou esclareça o enunciado em 1. a 5. - na consideração, também, do expendido e suscitado subsequentemente nesta peça - e, oportunamente, se digne deferir ao aqui em 10., nos seguintes termos: «(…) requer que o “Sr. Perito médico preste os esclarecimentos” que, a seguir, passa a elencar:
1. Quem determinou a realização de Relatório Pericial de Psicologia Forense e em que termos, quando o requerido e deferido pelo Tribunal contemplava, apenas, a especialidade de Psiquiatria?
2. Porque é que é designado como “complementar à perícia realizada de psiquiatria forense”, quando o Relatório daqueloutra ainda não foi operado - ou, pelo menos, não notificado?
3. Porque é que não foi elaborado e apresentado um único Relatório?
Sem prescindir,
4. Porque é que neste Relatório de Psicologia Forense, não foram operadas as respostas ao constante do douto despacho ref. 52474518, datado de 01.07.2024, onde “se solicita que indique expressamente”:
“1. Se o beneficiário sofre de alguma afecção? 
 E, em caso afirmativo:
2. Qual o tipo de afecção?
3. Qual a respectiva causa?
4. Quais as respectivas consequências?
5. Qual a data de início? Se não certa, a provável a conseguir.
6. Quais os meios de apoio e tratamento aconselháveis?”

Acresce que,
5. Na senda do requerimento ref. ...77, datado de 25.09.2024, pelo douto despacho ref. ...40, tomado em 02.10.2024, foram fixados os seguintes quesitos a aditar àqueloutros:
“- O requerido necessita do auxílio de terceira pessoa para a prestação de cuidados de saúde?
- O requerido necessita do auxílio de terceira pessoa para a gestão do seu património?
- O requerido padece de alguma doença psíquica que o faça dissipar o seu património?
- O requerido tem tendência para efetuar gastos injustificados e excessivos?”
6. Sobre as questões atrás transcritas em 4. e 5. o sobredito Relatório é, por demais, obscuro e deficiente já que, “expressamente” e em concreto, a nada do questionado responde e dele nada resulta em consonância com o doutamente decidido e determinado,
7. Pelo que, caso se venha a ter que o Relatório de Psicologia é cumulativamente admissível sem que, antes, o Tribunal o haja permitido, cumpre que a Sra. Perita o complete, esclarecendo e fundamentando as respostas que vier a dar àqueles quesitos,
8. Tanto que a questão não é só se o requerido conhece o valor facial do dinheiro corrente e consegue fazer algumas contas aritméticas…
9. Repare-se, a título meramente exemplificativo e adentro deste campo, que aquando da audição pessoal e directa do beneficiário / depoimento - gravado no dia 29-11-2023, gravação: diligencia_151-23.3T8MLG_2023-11-29_14-22-58, já transcrita nos autos - o requerido, a instâncias do Mmo. Juiz, “E quanto dinheiro é que foi que deu há CC?” afirmou “Dei-lhe 230 mil euros” - então, atente-se, a troco de nada e de coisa nenhuma, já que dele não cuidava -, sendo que, agora, no Relatório, tal doação cinge-se a “€ 160.000,00” e o ter ficado com “mais do dobro” dessa importância no banco (v. a aludida audição) ater-se-á a “200 000 mil no banco”, para além de, consabidamente, o requerido não saber quanto é que os reditos € 230.000,00 a dividir por € 1.000,00 / mês dariam em meses e / ou anos (ibidem)… - o que sempre cumprirá conhecer e esclarecer em sede de exame pericial e em vista de, designadamente, se estipular se o Requerido está ou não desequilibrado psíquica e emocionalmente, o que conduz ou pode conduzir a que facilmente faça ou permita uma gestão abusiva do dinheiro e das suas contas bancárias e tenha sérias dificuldades na compreensão e na realização conscienciosa de negócios jurídicos e afins.

Ainda sem prescindir,
10. Desde já e nos termos do disposto no art. 486º CPCivil, requer-se que a Snra. Perita, Dra. DD, a não poder comparecer pessoalmente na audiência final, seja ouvida por teleconferência a partir do seu local de trabalho (Gabinete Médico-Legal e Forense do ... - ... / Serviço de Clínica e Patologia Forenses), a fim de prestar, sob juramento, os esclarecimentos que lhe sejam pedidos».

2. Apreciação do objeto do recurso
O recorrente alega que o despacho recorrido peca por falta de justificação/fundamentação.
Sustenta que embora em bom rigor não se possa entender que a decisão em causa não deixou de se pronunciar sobre o expendido e requerido no requerimento do aqui apelante, a verdade é que o decidiu sem procurar elucidar ou esclarecer os motivos e fundamentos, violando o disposto no artigo 154.º do CPC, que prevê e obriga à explicitação detalhada do dever de fundamentar uma qualquer decisão quando não meramente interlocutória, como é o caso.
Mais alega o apelante que o Tribunal a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, assim preenchendo a previsão da al. d) do artigo 615.º do CPC, em concomitante violação do poder/dever de boa gestão processual e do atinente ao dever de administrar justiça, pois, a serem tidas por necessárias ‘diligências complementares’ às psiquiátricas estas deveriam ser fundadamente transmitidas e requeridas ao Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 481.º, n.º 1 do CPC e, depois de exercido o respetivo contraditório, admitidas ou não por douto despacho, sem prejuízo de o processado haver de ser incluído num único e mesmo relatório, a notificar às partes e em vista do que dispõem os arts. 485.º e 486.º, ambos do CPC, pelo que este relatório, dito ‘complementar’ ao de psiquiatria, havia de ser rejeitado pelo Tribunal a quo.

As causas de nulidade da sentença encontram-se previstas no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, nos termos do qual é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

Conforme esclarecem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa[1], em anotação ao artigo 615.º do CPC, «[i]mporta que se estabeleça uma separação entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que o regime do preceito apenas a estas se aplica; as demais deverão ser arguidas pelas partes ou suscitadas oficiosamente pelo juiz, nos termos previstos noutros normativos».
Por outro lado, as nulidades de decisão são vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando) seja em matéria de facto seja em matéria de direito.
As nulidades da sentença são vícios formais, intrínsecos de tal peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, sendo tipificados vícios do silogismo judiciário, inerentes à sua formação e à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento (error in judicando) de facto ou de direito.
Assim, as nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento, estes, a sindicar noutro âmbito[2].
Nestes termos, as causas de nulidade taxativamente enumeradas neste preceito não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, configurando realidades distintas[3].
A nulidade prevista na citada al. b), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC - aplicável aos despachos por força do artigo 613.º, n.º 3, do mesmo diploma - está diretamente relacionada com a violação do preceituado no artigo 154.º do CPC, que impõe ao juiz o dever de fundamentar as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo (n.º 1), sendo que a justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição, salvo quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade (n.º 2).
O aludido artigo 154.º do CPC está em consonância com o artigo 205.º, n. º1 da Constituição da República Portuguesa, o qual prevê que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Neste domínio, a generalidade da doutrina e da jurisprudência vem sustentando que só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de indicação dos fundamentos de facto ou de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do n.º 1 do citado artigo 615.º do CPC, não se verificando perante uma fundamentação meramente deficiente, incompleta, não convincente[4].
No caso, julgamos que a análise da decisão recorrida permite a imediata apreensão dos fundamentos que o Tribunal recorrido enunciou para sustentar a decisão da arguida nulidade do exame médico de psicologia efetuado ao requerido [por, alegadamente, não ter o requerente sido notificado da data e local da realização do exame pericial (complementar), em vista do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 480.º do CPC][5], aludindo à impossibilidade de o requerente estar presente na diligência médica a que o requerido foi sujeito, por não ser pessoa da confiança do requerido ou, pelo menos, não ser a pessoa pelo mesmo escolhida para o acompanhar, em face do que aquele Tribunal concluiu que a diligência em causa foi realizada nos exatos termos legalmente estabelecidos, não estando ferida de qualquer nulidade.
Por seu turno, o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses (RJPMLF), mostra-se plasmado na Lei 45/2004, de 19/8, que veio estabelecer a regra de que as perícias solicitadas por autoridade judiciária ou judicial são ordenadas por despacho da mesma, nos termos da lei de processo, não sendo, todavia, aplicáveis às efetuadas nas delegações do INMLCF, I. P., ou nos gabinetes médico-legais e forenses as disposições contidas nos artigos 154.º e 155.º do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro, na sua redação atual, podendo contudo o examinado fazer-se acompanhar por uma pessoa da sua confiança para a realização do exame pericial, exceto em situações em que tal comprometa o objeto da perícia [artigo 3.º, n.º 1 do RJPMLF].
Ora, da análise da decisão impugnada é possível extrair que o Tribunal recorrido entendeu que as perícias médico legais e forenses estão sujeitas a regime específico, facultando apenas ao examinado a faculdade de se fazer acompanhar por uma pessoa da sua confiança para a realização do exame pericial, o que determinou o sentido da decisão proferida.
Deste modo, constata-se que o despacho recorrido apresenta de forma expressa, ainda que sucinta, os respetivos fundamentos.
Consequentemente, julgamos que o verdadeiro motivo do vício apontado pelo recorrente ao despacho recorrido decorre da sua discordância quanto ao mérito do decidido, assim não se verificando a invocada nulidade da decisão, por falta de fundamentação.
Relativamente à nulidade por omissão de pronúncia, prevista na 1.ª parte da citada al. d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, trata-se de vício resultante do incumprimento do disposto no artigo 608.º, n.º 2 do mesmo Código, do qual consta que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Densificando o âmbito da nulidade em análise, referem Lebre de Freitas-Isabel Alexandre[6]: «[d]evendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…)».
Nas palavras de Alberto dos Reis[7], «[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».
A par da doutrina, também a jurisprudência que entendemos de sufragar tem vindo a considerar que a referida nulidade só se verifica quando determinada questão colocada ao tribunal - e relevante para a decisão do litígio por se integrar na causa de pedir ou em alguma exceção invocada - não é objeto de apreciação, não já quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas[8], sendo que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição direta sobre ela, ou resultar de ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou exclui[9].
Em consonância com este entendimento, pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3-10-2017[10], com o seguinte sumário: « (…) II - A nulidade consistente na omissão de pronúncia ou no desrespeito pelo objecto do recurso, em directa conexão com os comandos ínsitos nos arts. 608.º e 609.º do CPC, só se verifica quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões ou pretensões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada. III - A expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respectivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia».
Ademais, nos termos previstos no artigo 608.º, n.º 2 do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Assim, não se verifica omissão de pronúncia quando o não conhecimento de questões fique prejudicado pela solução dada a outras[11].
Por outro lado, «[n]ão se verifica a nulidade de uma decisão judicial - que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) - quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou»[12].
No caso, a decisão impugnada ponderou efetivamente as questões suscitadas pelo ora recorrente no âmbito do requerimento apresentado em 13-06-2025, pelo qual o requerente veio, entre o mais, arguir a nulidade/irregularidade do exame de 12-03-2025 na génese do relatório da perícia médico-legal - psicologia - perícia psicologia forense - suprindo-se a arguida nulidade/irregularidade com a anulação do ato/exame de 12-03-2025 e de todos os termos subsequentes que dele dependem absolutamente (como seja o relatório pericial de psicologia forense) por alegadamente não ter o requerente sido notificado da data e local da realização do exame pericial (complementar), em vista do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 480.º do CPC.
Apesar de o ter feito de forma lacónica, a decisão recorrida entendeu que a diligência observou os exatos termos legalmente estabelecidos, não estando ferida de qualquer nulidade, perante a impossibilidade de o requerente estar presente na diligência médica a que o requerido foi sujeito, por não ser pessoa da confiança do requerido ou, pelo menos, não ser a pessoa pelo mesmo escolhida para o acompanhar, mais determinando a notificação do requerente para informar se pretende que o Sr. Perito médico preste esclarecimentos devendo, na afirmativa, em 10 dias, elencá-los.
Neste enquadramento, revela-se manifesto que o Tribunal recorrido apreciou a questão que lhe foi concretamente suscitada pelo apelante no requerimento apresentado em 13-06-2025, o que não se confunde com a análise de todos os argumentos em que os intervenientes fundam as respetivas posições na controvérsia.
Em  sede de apelação o recorrente alega ainda que o despacho sob recurso admite um meio de prova que não foi solicitado, pretensamente ‘complementar’ a outro Relatório que inexiste nos autos, mais sustentando que, a serem tidas por necessárias ‘diligências complementares’ às psiquiátricas estas deveriam ser fundadamente transmitidas e requeridas ao Tribunal a quo - cfr. o disposto no n.º 1 do art. 481º CPCivil - e, depois de exercido o respectivo contraditório, admitidas ou não por douto despacho, sem prejuízo de o processado haver de ser incluído num único e mesmo Relatório, a notificar às partes e em vista do que dispõem os arts. 485º e 486º, ambos do CPCivil, pelo que este Relatório, dito ‘complementar’ ao de psiquiatria, havia de ser rejeitado pelo Tribunal a quo, concluindo que, por este prisma, a, aliás douta, decisão em crise cair, pois e também, na previsão da alínea d) do n.º 1 do art. 615º ex vi n.º 3 do art. 613º, ambos do CPCivil e por o Tribunal a quo ter deixado de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar, em concomitante violação do poder/dever de boa gestão processual - cfr. art. 6º CPCivil - e do atinente ao dever de administrar justiça - sendo que esta quer-se “material” -, plasmado no art. 152º CPCivil.
Observa-se, contudo, que estas questões não foram concretamente suscitadas pelo ora recorrente no incidente preliminar ao despacho recorrido, daí não terem sido apreciadas e decididas pelo Tribunal recorrido, pelo que não se verifica o invocado vício de omissão de pronúncia.
O recorrente retoma em sede de apelação as referências já enunciadas no requerimento que foi apreciado na decisão recorrida, quando sustenta que se não vê desse Relatório, dito ‘complementar’, que os quesitos determinados pelo Tribunal - cfr. douto despacho ref. 52474518, datado de 01-07-2024 - e aditados - cfr. douto despacho ref. 52824640, datado de 02-10-2024 - tenham sido objecto de resposta!
Contudo, afigura-se-nos que tais referências apenas poderão relevar em sede de reclamação contra o relatório pericial, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 485.º do CPC, não integrando por isso o objeto do incidente de nulidade suscitado pelo recorrente.
Em todo o caso, também neste ponto se verifica que o Tribunal recorrido não incorreu em omissão de pronúncia, porquanto entendeu ser de convidar o requerente para informar se pretende que o Sr. Perito médico preste esclarecimentos devendo, na afirmativa, em 10 dias, elencá-los, conforme decorre da parte final do despacho em análise.
O recorrente vem ainda alegar na apelação que o Tribunal a quo entendeu que é de permitir que o marido da donatária - e, com tal, interessado em que a ‘prodigalidade’ do Requerido/Apelado venha a soçobrar e a não ser declarada, para os devidos e legais efeitos - possa estar presente em diligência de exame psicológico, dito complementar, quando nem mesmo o n.º 1 do artigo 3.º do RJPMLF o permite (por, obviamente, se cuidar duma situação susceptível de comprometer o objecto da perícia).
Contudo, trata-se de questão que não foi oportunamente suscitada pelo ora recorrente no incidente preliminar ao despacho recorrido, nem o Tribunal recorrido a ponderou.
Deste modo, de acordo com o princípio da preclusão e destinando-se os recursos à impugnação das decisões judiciais, nos termos do disposto no artigo 627.º, n.º 1 do CPC, resulta manifesto que tal questão não pode ser suscitada no recurso de apelação que visa reapreciar a decisão impugnada e não criar decisões sobre matéria nova, pelo que não constitui matéria a apreciar por este Tribunal.
Conforme salienta Abrantes Geraldes[13], «[n]a fase de recurso, as partes e o tribunal superior devem partir do pressuposto de que a questão já foi objecto de decisão, tratando-se apenas de apreciar a sua manutenção, alteração ou revogação».
Por conseguinte, tratando-se de questão só agora suscitada pelo recorrido em sede de contra-alegações de recurso, não constitui matéria a apreciar por este Tribunal pois que não foi suscitada no momento próprio perante a primeira instância nem foi apreciada ou suscitada oficiosamente por esta.
Nos termos e pelos fundamentos expostos, cumpre concluir que a decisão recorrida não padece das nulidades invocadas pelo recorrente, o que leva necessariamente a que improceda, nesta parte, a apelação.
O apelante insurge-se contra a decisão recorrida, alegando ainda não vislumbrar que os testes realizados e constantes do relatório psicológico dito ‘complementar’ ao de psiquiatria forense - este ainda não concluído ou, pelo menos, não notificado - possam contender com a reserva de intimidade da vida privada do examinando e/ou o sigilo médico-profissional que determinem que o mandatário do Requerente/Apelante a eles não pudesse assistir - cfr. art. 480º n.º 3, in fine, preceito que considera aplicável às perícias médico legais a realizar nas delegações do INML ou nos gabinetes médico-legais e forenses.
As nulidades processuais - que são habitualmente classificadas em principais, nominadas ou típicas, tal como previstas nos artigos 186.º, 187.º, 191.º, 193.º e 194.º CPC e, por outro lado, secundárias, inominadas ou atípicas[14], estas residualmente incluídas na previsão geral do artigo 195.º CPC[15] - têm como uma das particularidades o regime de arguição perante o tribunal que omitiu o ato.

No caso vertente está em causa a invocação de uma nulidade processual, como tal dependente da prática de um ato que a lei não admita, bem como da omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, sendo certo, ainda assim, que tal omissão só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
Como se viu, o despacho sob censura pronunciou-se sobre o requerimento apresentado pelo recorrente em 13-06-2025, pelo qual este último veio arguir a nulidade/irregularidade do exame de 12-03-2025 na génese do relatório da perícia médico-legal - psicologia - perícia psicologia forense - suprindo-se a arguida nulidade/irregularidade com a anulação do ato/exame de 12-03-2025 e de todos os termos subsequentes que dele dependem absolutamente (como seja o relatório pericial de psicologia forense) por, alegadamente, não ter o requerente sido notificado da data e local da realização do exame pericial (complementar), em vista do disposto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 480.º do CPC.
Contudo, a decisão recorrida entendeu que a diligência observou os exatos termos legalmente estabelecidos, não estando ferida de qualquer nulidade, perante a impossibilidade de o requerente estar presente na diligência médica a que o requerido foi sujeito, por não ser pessoa da confiança do requerido ou, pelo menos, não ser a pessoa pelo mesmo escolhida para o acompanhar.
O artigo 480.º, n.º 3 do CPC - com a epígrafe Atos de inspeção por parte dos peritos - prevê que, as partes podem assistir à diligência e fazer-se assistir por assessor técnico, nos termos previstos no artigo 50.º, salvo se a perícia for suscetível de ofender o pudor ou implicar quebra de qualquer sigilo que o tribunal entenda merecer proteção, estabelecendo o n.º 4 do mesmo preceito que as partes podem fazer ao perito as observações que entendam e devem prestar os esclarecimentos que o perito julgue necessários; se o juiz estiver presente, podem também requerer o que entendam conveniente em relação ao objeto da diligência.
No caso, suscita-se em primeiro lugar a questão de saber se o regime previsto no artigo 480.º, n.ºs 3 e 4 do CPC tem aplicação às perícias médico-legais realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais e forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. (INMLCF, I. P.), nos termos dos respetivos estatutos, conforme o disposto no artigo 2.º, n.º 1 do RJPMLF, tanto mais que deste último regime resulta expresso o afastamento da aplicação a tais perícias do disposto nos artigos 154.º e 155.º do Código de Processo Penal, mormente quanto à possibilidade de o Ministério Público, o arguido, o assistente e as partes civis poderem designar para assistir à realização da perícia um consultor técnico da sua confiança, podendo contudo o examinado fazer-se acompanhar por uma pessoa da sua confiança para a realização do exame pericial, exceto em situações em que tal comprometa o objeto da perícia [artigo 3.º, n.º 1 do RJPMLF].
Contudo, a aplicabilidade, às perícias médico-legais a realizar pelo INML, do disposto no regime geral previsto no artigo 480.º, n.º 3 do CPC - que rege sobre a assistência da parte e do assessor técnico às diligências de inspeção das perícias, verificados que sejam os pressupostos nela contidos - vem sendo amplamente admitida pela jurisprudência que julgamos de sufragar[16].
De acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 1 do RJPMLF, as perícias são realizadas, obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais e forenses do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I. P. (INMLCF, I. P.), nos termos dos respetivos estatutos.
No caso concreto, o Tribunal solicitou ao Gabinete Médico-Legal de ... Serviço de Clínica e Patologia Forense, [INML CF] a marcação de exame pericial ao requerido/beneficiário. No dia 11-09-2024, o INML CF informou ao processo a marcação do exame para o dia 14-10-2024 pelas 09:00 horas na especialidade de Psiquiatria - 1.ª presença. 4. Em 12-09-2024, o requerido/beneficiário foi notificado, por carta registada, de que se encontrava designado o dia 14-10-2024, às 09:00 horas para exame pericial na especialidade de psiquiatria, a ser efetuado no Gabinete Médico-Legal e Forense do ..., Centro Hospitalar do ..., com cópia do ofício remetido pelo INML CF. Na mesma data, a secção notificou os ilustres mandatários do requerente e do beneficiário da junção aos autos do ofício, com a marcação de exame a AA, que foi remetido em anexo, pelo que quanto a este exame não ocorre qualquer omissão ou irregularidade que cumpra assinalar.
Verifica-se, porém, que no dia 07-01-2025, o INML CF informou ao processo a marcação de exame para o dia 12-03-2025, pelas 15:00 horas, na especialidade de Psicologia - nova presença - mais consignando que o examinando deverá comparecer na seguinte morada para realização da presente perícia: Gabinete Médico-Legal e Forense do ... Centro Hospitalar do ..., S.A. ... ...; que este(a) Delegação não efetua a notificação dos Examinandos; (…) Venha acompanhado apenas em caso de extrema necessidade.
Ora, em relação ao exame na especialidade de Psicologia - nova presença - constata-se  que apenas o requerido/beneficiário foi notificado, por carta registada, de que se encontrava designado o dia 12-03-2025, às 15:00 horas para exame pericial no estabelecimento hospitalar/clínico indicado, com cópia do ofício remetido pelo INML CF, não resultando dos autos a notificação os ilustres mandatários do requerente e do beneficiário relativamente à data e local de realização do exame na especialidade de Psicologia - nova presença.
Deste modo, prevendo o n.º 3 do artigo 480.º do CPC, entre o mais, a possibilidade de as partes poderem assistir à diligência, salvo se a perícia for suscetível de ofender o pudor ou implicar quebra de qualquer sigilo que o tribunal entenda merecer proteção (o que no caso não foi suscitado), importa concluir que a omissão de notificação ao requerente da data marcada para exame ao requerido, na especialidade de Psicologia - nova presença - é suscetível de configurar uma irregularidade processual, pois consubstancia a omissão de uma formalidade que a lei prescreve.
Contudo, no caso em análise a lei não comina a aludida omissão com nulidade, pelo que importa apurar se a irregularidade cometida é suscetível de influir no exame ou na decisão da causa, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 195.º, n.º 1 do CPC.
Como se sabe, a prova pericial tem por fim a perceção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos que os julgadores não possuem, ou quando os factos relativos a pessoas não devam ser objeto de inspeção judicial, sendo a força probatória das respostas dos peritos fixada livremente pelo Tribunal - cf. os artigos 388.º e 389.º do Código Civil e 489.º do CPC.
Sucede que, não sendo o exame em causa presidido pelo juiz, nem estando o mesmo presente, as partes estão impedidas de requerer o que tiverem por conveniente em relação ao objeto da diligência, tal como resulta do disposto no artigo 480.º, n.º 4 do CPC, estando a sua eventual presença limitada à possibilidade de fazer observações ao perito.
Ora, o requerente, ainda que suscite a nulidade do exame na especialidade de Psicologia - nova presença - não invoca, em concreto, em que medida a ausência do seu ilustre mandatário na diligência que teve lugar no Gabinete Médico-Legal e Forense do ... Centro Hospitalar do ..., S.A. ... ..., poderia influir no exame ou na decisão da causa.
Neste contexto, também não vemos que a omissão da notificação dos ilustres mandatários do requerente e do beneficiário da data e do local de realização do exame na especialidade de Psicologia - nova presença - coloque em causa o principio do contraditório, já que o regime aplicável salvaguarda devidamente às partes/intervenientes o conhecimento do relatório pericial e os respetivos fundamentos, permitindo aos sujeitos processuais interessados conhecer o trajeto seguido na recolha dos elementos que sustentam as conclusões do relatório, bem como a faculdade de dele reclamarem contra qualquer deficiência, obscuridade ou contradição que considerem existir, o que a ser atendido conduzirá a que o perito o tenha que completar, esclarecer ou fundamentar por escrito, o mesmo sucedendo com a possibilidade de serem pedidos esclarecimentos aos peritos em audiência - cf. os artigos 485.º e 486.º do CPC.
De resto, o ora recorrente, em 01-08-2025, veio requerer que a Sra. Perita complete e/ou fundamente e/ou esclareça diversos pontos, conforme enunciado em 16., supra, mais requerendo a sua comparência na audiência final, a fim de prestar, sob juramento, os esclarecimentos que lhe sejam pedidos.
Como tal, entendemos que a irregularidade detetada não tem influência no exame ou na decisão da causa, conforme determina a parte final do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, não se verificando a nulidade invocada pelo apelante.
Pelo exposto, resta confirmar a sentença recorrida, ainda que com fundamentos não totalmente coincidentes.
Improcede, assim, a apelação.

Síntese conclusiva:

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, assim confirmando a decisão recorrida.
Sem custas, por isenção - artigo 4.º, n.º 2, al. h), do Regulamento das Custas Processuais.
Guimarães, 16 de outubro de 2025
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (Juiz Desembargador - relator)
Afonso Cabral de Andrade (Juiz Desembargador - 1.º adjunto)
Raquel Baptista Tavares (Juíza Desembargadora - 2.º adjunto)



[1] Cf. Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, p. 736.
[2] Cf. o Ac. TRG de 04-10-2018 (relatora: Eugénia Cunha), p. 1716/17.8T8VNF.G1, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Cf. o Ac. TRL de 16-05-2024 (relatora: Ana Paula Nunes Duarte Olivença), p. 11769/19.9T8LSB-A. L1-8, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Neste sentido, cf. Alberto dos Reis Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, Coimbra, Coimbra Editora, 1984, p. 140; Antunes Varela, M. Bezerra e S. e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p. 687; Lebre de Freitas-Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 736. Na Jurisprudência cf. por todos, o Ac. STJ de 02-06-2016 (relator: Fernanda Isabel Pereira), proferido na revista n.º 781/11.6TBMTJ.L1. S1 - 7.ª Secção, acessível em www.dgsi.pt.
[5] Requerimento apresentado pelo requerente em 13-06-2025.
[6] Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, p. 737.
[7] Cf. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil anotado, Volume V - reimpressão - Coimbra, Coimbra-Editora, 1984, p. 143.
[8] Cf. por todos, os Acs. do STJ de 8-11-2016 (relator: Nuno Cameira) - revista n.º 2192/13.0TVLSB.L1. S1-  6.ª Secção; de 21-12-2005 (relator: Pereira da Silva), revista n.º 05B2287; ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[9] Cf. o Ac. do STJ de 6-06-2000 (relator: Ferreira Ramos), revista n.º 00A251, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Ac. do STJ de 3-10-2017 (relator: Alexandre Reis), revista n.º 2200/10.6TVLSB.P1. S1 - 1.ª Secção, Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Secções Cíveis, p. 1, www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel_2017_10.pdf.
[11] A propósito, cf., por todos, os Acs. do STJ de 29-03-2023 (relator: Mário Belo Morgado) p. 15165/19.0T8LSB.L1. S1; STJ de 08-03-2023 (relator: Ramalho Pinto), p. 5987/19.7T8LSB.L3. S1; ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[12] Cf. o Ac. do STJ de 20-03-2014 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza), p. 1052/08.0TVPRT.P1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
[13] Cf. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 25.
[14] Cf. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa - obra citada -, pg. 236.
[15] Dispõe o artigo 195.º do CPC, com a epígrafe Regras gerais sobre a nulidade dos atos:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.
[16] No sentido de que a Lei n.º 45/2004 de 19-08, não afastou a aplicação do disposto no artigo 480.º, n.º 3 do CPC às perícias médico legais a realizar nas delegações do INML ou nos gabinetes médico-legais e forenses, cf., o Ac. TRG de 21-04-2022 (relatora: Elisabete Coelho de Moura Alves), p. 3247/20.0T8BRG-C. G1; em sentido idêntico, cf. os acs. TRE de 13-02-2025 (relatora: Susana Ferrão da Costa Cabral), p. 4490/23.5T8SRB-A. E1; TRP de 25-02-2021 (relator: Paulo Duarte Teixeira), p. 3232/19.4T8VFR-A. P1; TRP de 21-02-2019 (relator: Madeira Pinto), p. 961/18.3T8VFR-A. P1; todos disponíveis em www.dgsi.pt.