Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ARMANDO AZEVEDO | ||
Descritores: | DETENÇÃO ILEGAL NOMEAÇÃO DE INTÉRPRETE REVISTA BUSCAS E APREENSÕES | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 06/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | I- O arguido, cidadão de nacionalidade estrangeira, sem que fosse portador de qualquer documento de identificação, tendo sido encontrado em flagrante delito no cometimento de vários tipos legais de crime puníveis com pena de prisão, e não se encontrando devidamente habilitado a viver, residir ou trabalhar em Portugal, foi legalmente detido por permanência irregular em território nacional, nos termos do art.º 181.º 2 da Lei 23/07, de 4/7, uma vez que foi presente ao Senhor Juiz para interrogatório judicial, quando ainda não tinham decorrido 48 horas após a sua detenção, nos termos e ao abrigo do artigo 146.º n.º 1 da Lei 23/07, de 4/7e no artigo 255.º do CPP. II- A circunstância de o arguido não dominar a língua portuguesa não constituía impedimento à sua detenção, à sua revista e subsequentes apreensões. Para além de não ser obrigatória a nomeação de intérprete, por não estar prevista na lei tal obrigatoriedade, não era viável no imediato (atenta a urgência em proceder à realização da revista, buscas e subsequentes apreensões), nem necessária em face do tipo de atos a praticar, sendo que o arguido compreendia o que lhe foi transmitido pelos inspetores da ASAE. III- Porque se trata de meios de obtenção de prova intrusivos, a regra é a de que as revistas, as buscas e apreensões são autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária competente, cfr. nº 3 do artigo 174º e nº 3 do artigo 178º, ambos do CPP. Mas já não assim sucede, não carecendo também do consentimento do visado, aquando da detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão, cfr. nºs 1 e 5 al. c) do artigo 174º, nº 4 do artigo 178, e artigo 251º, nº 1 al. a), todos CPP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães: I- RELATÓRIO 1. No processo de inquérito nº 1/19.5EAMDL, do Tribunal da Comarca de Braga, Juízo de Instrução Criminal de Guimarães – Juiz ..., em que é arguido AA, com os demais sinais nos autos, a Exma. Juíza de Instrução Criminal, em 15.01.2025, proferiu despacho pelo qual, considerou ter sido legal a detenção do arguido, efetuada em flagrante delito de permanência ilegal ao abrigo do disposto no artigo 146º,n.ºs 1 e 7 da Lei 23/2007, de 4/07; que a revista, buscas e apreensões ocorreram ao abrigo do disposto nos art.º 255º e 251º, n.º 1 al. a) do CPP; e que as apreensões foram de material contrafeito por suspeita de fraude sobre mercadorias, conforme artigo 23º da Lei n.º 28/84, de 20/01 e artigos 323º e 324º do Código da Propriedade Industrial e conforme prevê a alínea c) do n.º 2 do art.º 249º do Código de Processo Penal. Nesse sentido, em tal despacho foi considerado, quanto aos referido atos, não se ter verificado qualquer ilegalidade na atuação das autoridades policiais, assim indeferindo as ilegalidades invocadas pelo arguido, ordenando o prosseguimento dos autos. 2. Não se conformando com o mencionado despacho, dele interpôs recurso o arguido, formulando as seguintes conclusões (transcrição): 1. O presente recurso tem como objeto o despacho com Refª ...16, cuja prolação foi determinada pelo Ac. da Relação de Guimarães datado de 16 de dezembro de 2021, que por sua vez anulou o despacho que lhe antecede e decidiu pela substituição por outro despacho, após a realização de diligências que haviam sido determinadas, nomeadamente, a inquirição do inspetor autuante e demais inspetores que figurem no auto de notícia como testemunha e do próprio arguido. 2. As diligências determinadas foram levadas a cabo pelo douto tribunal a quo e após as mesmas, foi proferido um despacho que decidiu pela legalidade da detenção, da revista, das buscas e das apreensões realizadas pela ASAE. 3. Para tal, a Mmª Juiz de Instrução a quo considerou que o arguido havia sido ouvido por autoridade judiciária dentro das 48horas, conforme previsto pelo o art 255º do CPP e foram-lhe aplicadas medidas de coação para além do TIR, por ter sido fortemente indiciado que permanecia de forma ilegal no território nacional. 4. No que se refere à ilegalidade da revista e busca realizadas nos armazéns, que fora invocada pelo arguido, o Tribunal a quo também indeferiu o requerimento do arguido, considerando estava perante uma situação de flagrante delito, e por isso inexistia a necessidade de prévia autorização por parte da autoridade judiciária, conforme previsto no art 251º a) do CPP. 5. O arguido não se conforma com tal decisão, porquanto as diligências que foram levadas a cabo pelo douto Tribunal a quo impunham decisão oposta, desde logo, porque o douto despacho fundamenta a legalidade da detenção feita pela ASAE, tendo por base diligências de um outro processo, dirigido pelo SEF, e que incide sobre factos que se relacionam com a suspeita de permanência ilegal em território nacional. 6. A isto acresce ainda o facto de que Tribunal a quo desconsidera completamente os atos desumanos a que o arguido foi sujeito, nomeadamente coação e restrição física, que permitiram a realização das aludidas buscas e revista. 7. O despacho, ora recorrido, tenta de forma incompreensível justificar os comportamentos abusivos, desproporcionais, desnecessários, desumanos e violadores dos mais elementares direitos humanos consagrados não só na Constituição da República Portuguesa, mas também na Convenção Europeia dos Direitos dos Homens. 8. A prossecução da justiça, no âmbito criminal, é pautada pelas garantias de processo criminal plasmadas no art 32º da CRP, designadamente o seu nº8, o qual preceitua que as provas obtidas mediante coação, tortura, ofensa à integridade física ou moral da pessoa, ou abusiva intromissão na vida privada, são nulas. 9. Ora, todo o processo elegido para a obtenção de prova foi completamente atropelado, de forma injustificada e irremediável, de tal forma que o inquérito que foi aberto no seguimento das “diligências” da ASAE foi completamente contaminado e votado ao insucesso. 10. Os inspetores intercetaram o arguido, privaram-no da sua liberdade, para de seguida procederam à sua revista. Assim foi mantido desde as 16:00h do dia 20, de forma injustificada e completamente arbitrária, por um longo período de tempo, durante o qual ficou impedido de se movimentar, enquanto os Inspetores atuavam sem qualquer limite. Deste modo, o arguido estava também impossibilitado de contactar com outras pessoas, nomeadamente com o seu advogado. 11. Apenas à 02:00h do dia 21/01/2020, ou seja, quase 10 horas depois da sua detenção, o arguido foi entregue pelos Inspetores da ASAE a Inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), e foi então formalmente detido no âmbito do processo nº 4/20.7ZRBRG do Juízo Local Criminal de Barcelos – Juiz ..., por se encontrar indocumentado, tendo sido restituído à liberdade pelas 16:30h do dia 21.01.2020. 12. Os inspetores da ASAE atuaram de forma contrária ao previsto na lei, detendo o cidadão antes mesmo de verificarem a prática de qualquer delito, o que configura uma violação do artigo 256.º do CPP 13. Não há qualquer prova nos autos de que o arguido tenha sido sujeito a interrogatório judicial ou de que as formalidades previstas nos artigos 255.º, 256.º e 259.º do CPP tenham sido cumpridas relativamente à detenção realizada pelos inspetores da ASAE. Assim, a decisão do Tribunal a quo continua a ser infundada, pois persiste em considerar legal uma detenção baseada na suspeita de posse de material contrafeito, sustentando-se apenas na alegação de permanência ilegal no território nacional, o que configura uma interpretação que não encontra sustento na lei! 14. Tendo esta interpretação sido, por duas vezes, censurada pelos Venerandos Desembargadores do Tribunal ad quem nos Acórdão de 8 de março e 6 de dezembro de 2021. 15. Face ao exposto, torna-se inaceitável e profundamente incompreensível a conclusão que o Tribunal a quo alcançou, sendo impossível acompanhar o raciocínio quer lógico quer jurídico de que a Mmª Juiz a quo se socorreu, nomeadamente quando tenta alicerçar a legalidade da detenção discutida nos presentes autos em diligências levadas a cabo por outra entidade, no âmbito de outro processo, que não incide sobre os factos aqui discutidos. 16. No seguimento da detenção ilegal, seguiu-se uma revista onde os inspetores da ASAE ordenaram que o mesmo retirasse tudo aquilo que detinha nos bolsos, designadamente as chaves do carro, chaves de acesso ao armazém, telemóveis e carteira. Tendo os inspetores se apoderado destes bens durante todo o tempo que o arguido esteve detido pela ASAE. 17. Após a revista, os inspetores ordenaram através de gestos que o arguido que não compreende, não fala, não escreve, não lê, não interpreta absolutamente nada da língua portuguesa, abrisse a porta do armazém. Já dentro do mesmo os Inspetores constatando a existências de camaras de filmar, desligaram as mesmas. Dentro do armazém os inspetores encetaram diligencias de apreensão de todo o material que lá se encontrava depositado. 18. Para além de tudo isto, os Inspetores da ASAE tiveram acesso indevido, ilegal e abusivo ao telefone do arguido, tendo lhes sido possível constatar através do mesmo que, na aplicação que controlava as camaras de videovigilância, existira um outro armazém que teria ainda mais mercadoria depositada. 19. Assim, os Inspetores da ASAE transportaram o arguido sob detenção a um outro armazém sito em ..., totalmente fechado, e aí, também com o recurso às chaves que os Inspetores detinham na sua posse, deram instruções – ainda que por linguagem gestual - ao arguido para que ele abrisse a porta e desta forma também conseguiram introduzir-se dentro deste armazém. Tudo isto foi comprovado pelas declarações prestadas pelo arguido no dia 31 de outubro de 2024. 20. Confrontando as declarações do arguido com o despacho ora recorrido, é possível aferir a fundamentação do mesmo não só se encontra em contradição com as declarações do mesmo, como é completamente omisso em relação a particularidades que assumem especial relevo, nomeadamente, a descrição que este faz da forma como foi abordado, coagido a abrir o portão do armazém, algemado, que foi alvo de uma intromissão na sua vida privada quando acederam de forma abusiva e ilegal ao conteúdo do seu telefone através das suas impressões digitais, que foi privado da sua liberdade, que esteve impedido de contactar com familiares ou com o seu advogado, entre outros. 21. Atenta essa omissão, torna-se relevante proceder à análise critica do auto de notícia e confrontá-lo com os depoimentos das testemunhas inspetores da ASAE, tendo por pano de fundo o que o arguido declarou. 22. A partir dos depoimentos das testemunhas, neste caso dos vários inspetores da ASAE, foi possível evidenciar várias dissonâncias entre estes e o auto de notícia. No que respeita ao (des)conhecimento da língua portuguesa por parte do arguido, a leitura do auto dá a entender que o arguido falava/entendia português, mas que, no entanto, não comunicava com os inspetores da ASAE quase que por capricho, e ia colaborando ou não com os inspetores mediante aquilo que lhe apetecesse. Porém, através do depoimento da Inspetora BB prestado no dia 31 de outubro de 2024, foi possível constatar que o arguido “compreendia” aquilo que lhe era comunicado quando o discurso dos inspetores era acompanhado por alguma linguagem gestual que coadjuvasse o discurso verbal. 23. É falso que o arguido tivesse conhecimento da língua portuguesa e por isso seria virtualmente impossível que o mesmo fosse capaz de prestar um consentimento livre e informado para que as apreensões fossem feitas. Aliás, tal desconhecimento foi demonstrado em sede de interrogatório de arguido, no âmbito do processo nº 4/20.7ZRBRG, do Juízo Local Criminal de Barcelos – Juiz ... (relativo às suspeitas de imigração ilegal). 24. Assim sendo, mostra-se respondida uma das questões que o doutro Tribunal ad quem pretendeu que fosse indagada: Se o arguido compreendia ou não a língua portuguesa e se deu ou não consentimento para as buscas que foram levadas a cabo? A resposta é não, não conhecia a língua portuguesa e não deu consentimento. 25. A segunda questão que o Tribunal pretendeu que fosse esclarecida foi se “entre o momento em que foi abordado e revistado - pouco depois das 16h30min do dia 20.01.2020 e aquele em que foi entregue ao SEF pelas 1h30min do dia 21.02.2020, se o suspeito se podia movimentar livremente, nomeadamente abandonar o local e em caso negativo porquê”. A este respeito, é relevante atender à transcrição do depoimento do inspetor autuante, Inspetor CC. 26. Decorre, inequívoca e incontornavelmente, do depoimento desta testemunha que o arguido foi algemado, esteve privado da sua liberdade e que tinham ainda sido privado do acesso aos seus bens pessoais nomeadamente telefone, carteira e chaves do carro. Tal conclusão também é asseverada pelo depoimento da Inspetora BB que afirmou que o arguido foi mantido no armazém de forma que impedisse que ele pudesse fugir. 27. Nesta senda, a resposta à questão colocada pelo douto Tribunal ad quem é afirmativa, o arguido esteve detido desde as 16h30min do dia 20.01.2020 até às 02h00min do dia 21.01.2020, tendo sido impedido de abandonar o local. 28. Nos termos do disposto do artigo 32º, n.º 8 da CRP, “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral de pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.”. Desta feita, a falta de consentimento acarreta também a proibição de prova resultante da violação da intimidade da vida privada, consagrado no n.º 1 do art.º 26.º CRP, sendo por isso a prova nula. 29. Neste caso em concreto, não pode haver a menor sombra de dúvida de que os direitos fundamentais do recorrente terão de prevalecer sobre os fins da invasão, tratando-se por isso de uma abusiva intromissão na vida privada, culminando na nulidade da prova. 30. Acresce ainda a tudo isto, o facto de que a mera ausência de interrogatório de arguido que tivesse em vista a validação da detenção, e sendo as buscas, revistas e apreensões decorrentes desta (ilegal), são as mesmas nulas, bem como todas as apreensões que delas decorrem, nos termos do disposto do art.122ºnº1 do CPP. É manifesto, atendendo à prova carreada para os autos, que inexiste qualquer interrogatório de arguido que incidisse sobre os factos aqui em causa. 31. A detenção não pode ser considerada em flagrante delito, conforme os artigos 255.º e 251.º, n.º 1, alínea a) do CPP, pois os armazéns estavam sob monitorização há pelo menos uma semana e a investigação decorria há um ano. Qualquer medida cautelar poderia ter sido adotada de forma legal e respeitando os Direitos Humanos. Além disso, o inspetor coordenador sabia que os detidos eram cidadãos estrangeiros e deveria ter previsto as dificuldades de comunicação. Assim, deveria ter garantido a presença de um intérprete e obtido previamente os mandados necessários para buscas e detenções, assegurando a legalidade do processo. 32. Dos depoimentos dos inspetores, conjugados com o teor do auto de notícia, resulta credibilizado o depoimento do arguido no sentido de que esteve sempre detido, andou de um lado para o outro às ordens dos agentes, foi algemado, foi obrigado a colaborar, foram feitas buscas sem mandado e usando abusivamente as chaves do arguido de que o inspetor autuante se apropriou ilegitimamente, foi ingerida a intimidade dos seus telemóveis pessoais, tudo sem que ocorresse a subsequente validação por autoridade judicial, em momento algum. 33. Ao decidir como decidiu, violou a Mmª Juiz a quo o disposto nos art. 126º, nº1, nº2, al. a) e art. 127º do CPP, art. 255º e 256º, art. 259º, todos os CPP e bem assim o art. 32º, nº8 da CRP. NESTES TERMOS e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, Fazendo-se, assim, JUSTIÇA! 3. A Exma. Senhora Procuradora da República, na primeira instância, respondeu ao recurso, tendo apresentado as seguintes conclusões (transcrição): I. O tribunal ad quo valorou e ponderou adequadamente a prova existente nos autos, nomeadamente na fase de inquérito, que justificou a decisão de legalidade da detenção, da revista, das buscas e das apreensões realizadas pela ASAE. II. Não assiste, pois, razão ao arguido recorrente, tendo a decisão proferida pelo tribunal ad quo sido adequada, justa, necessária e legal. III. Pelo exposto, entende o MºPº que falecem de razão os argumentos invocados pelo o recorrentes, não merecendo censura a decisão proferida pelo tribunal ad quo, que, por isso, deverá ser mantida e, consequentemente, improceder o recurso. Nestes termos, farão Vªs. Exªs. farão a costumada JUSTIÇA 4. Nesta instância, a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá ser julgado improcedente, transcrevendo-se o seguinte extrato relativo à apreciação das concretas questões colocadas pelo recorrente (transcrição):. “(….)1-Da alegada ilegalidade da detenção: Segundo o recorrente, o despacho aqui em crise tenta de forma incompreensível justificar os comportamentos abusivos, desproporcionais, desnecessários, desumanos e violadores dos mais elementares direitos do homem, consagrados não só na Constituição da República Portuguesa, mas também na Convenção Europeia dos Direitos dos Homens, afirmando que: -A detenção que foi feita pelos inspetores da ASAE, no dia anterior ( dia 20/1/2020), configurou uma limitação de um direito fundamental, consagrado no artigo 27º da CRP, bem como em instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos (como, por exemplo, o artigo 5° da Convenção Europeia de Direitos do Homem) já que, ainda que por um período de algumas horas, essa privação sempre estaria sujeita a exigentes condições; - Não foram preenchidos os pressupostos exigidos nos artigos 255º e seguintes do CPP para a detenção legal do arguido (quer se considere a detenção em flagrante delito, ou fora de flagrante delito), como também não resulta dos autos o cumprimento de tais formalidades. - O Tribunal a quo, pela terceira vez, e em contradição com os dois acórdãos proferidos no Tribunal ad quem, continua a considerar, no despacho de que ora se recorre que “o arguido foi ouvido pela autoridade judiciária dentro de 48 horas, conforme o disposto no artº 255º do CPP, tendolhe sido aplicadas medidas de coação para além do TIR. Foi fortemente indiciado que permanecia em território nacional de forma ilegal, concluindo que inexiste qualquer ilegalidade da detenção, que foi efetuada por facto que a lei permite, tendo sido cumpridas todas as formalidades na detenção e o Recurso Penal arguido foi presente a autoridade judiciária dentro do prazo que a lei processual penal prevê para o efeito.” Analisemos: Urge sublinhar, em primeiro lugar, que, ao invés do alegado, o despacho ora escrutinado não se mostra em contradição com os dois arestos deste TRG, porquanto, como assinalado, o douto acórdão de 8 de Março de 2021 apenas decidiu anular o despacho de 21 de Setembro de 2020 por o considerar omissivo, ordenando a sua substituição por outro que procedesse à concreta apreciação das questões suscitadas pelo arguido, decidindo-se no aresto de 6 de Dezembro de 2021, a revogação do despacho de 19 de Maio de 2021 e ordenando-se a realização das referidas diligências e a prolação de nova decisão, a tudo obedecendo a Mmª J.I.C., pronunciando-se, já no despacho escrutinado, sobre todas as questões suscitadas pelo recorrente. Por outro lado, da simples leitura do auto de noticia levantado pela ASAE acima referido impõe-se concluir, também, que ante os acontecimentos descritos na fiscalização da ASAE de 20 de Janeiro de 2020, o recorrente, para além do facto de não se encontrar devidamente acompanhado por documento de identificação, o que legitimaria que pudesse ser privado da liberdade e compelido a deslocar-se ao posto policial mais próximo por um período máximo de seis horas, nos termos e ao abrigo dos art.ºs 15.º do Decreto-Lei n.º 194/2012, de 23 de Agosto e 250.º n.ºs 1 e 6 do CPP, foi, tal como prevê o art.º 256.º do CPP, encontrado em flagrante delito no cometimento, pelo menos, do crime de contrafação, imitação e uso ilegal de marca, p. e p. no art.º 320.º 1 segundo o qual “ é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa até 360 dias quem, sem consentimento do titular do direito: ... d) Importar, exportar, distribuir, colocar no mercado ou armazenar com essas finalidades, produtos com marcas contrafeitas ou imitadas”. De facto, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritas no mencionado auto de noticia, o recorrente, após sair do armazém ( onde já se suspeitava existirem essas mercadorias) com uma caixa suspeita de conter artigos contrafeitos, foi abordado pelos inspectores da ASAE que já procediam à investigação, precisamente, dos crimes de contrafação, imitação ou uso ilegal de marca e de venda, circulação ou ocultação de produtos contrafeitos p. e p. respectivamente, pelos art.ºs 323º e 324º do CPI, de fraude sobre mercadorias, p. e p. nos termos do art. 23.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro e de branqueamento, p. e p. nos termos do art. 368.º-A do Código Penal, confirmando-se, desde logo, que os artigos existentes na caixa tinham aquelas características. Para além disso, ante a falta de documento de identificação pessoal na posse do suspeito e o seu modo de actuação, surgiram também fundadas suspeitas, entretanto confirmadas, da sua permanência ilegal em Portugal, pelo que existiam fundamentos para o recorrente ser detido e apresentado a 1.º interrogatório judicial nos termos e ao abrigo do art.º 146.º 1 da Lei 23/07, de 4/7, como, entretanto, viria a acontecer. Pelo que, não obstante o recorrente invocar que, aquando da sua detenção, foi sujeito a todas as violações dos mais elementares direitos humanos, os factos demonstram que se verificavam, desde logo, duas situações que, legalmente, legitimavam essa mesma detenção. Relativamente à sua versão dos acontecimentos, como o próprio recorrente reconhece – e é, de resto, patente do despacho – a Mmª J.I.C. não lhe conferiu credibilidade e, quanto a nós, muito bem, não se avistando elementos probatórios ou fundamentos atendíveis para inverter a situação, isto é, para desacreditar os senhores inspectores da ASAE, designadamente, aquele que dirigiu as operações, DD, e atribuir crédito ao recorrente que, além de ser suspeito dos vários ilícitos descritos nos autos, não se acompanhava, na altura, de qualquer documento identificativo ( sequer, de titulo de condução que o habilitasse à condução do veículo automóvel que conduzia ou documentos deste) e que, tão pouco, se identificou perante os agentes da ASAE ( o que não seria difícil, mesmo sem o domínio da língua portuguesa!), vindo a fazê-lo indevidamente, depois, como supra se anotou, aos elementos do SEF e no inicio do interrogatório judicial a que foi sujeito. Ora, todos concordamos que o direito à liberdade pessoal - liberdade ambulatória- é um direito fundamental, preconizado não só na Constituição da República Portuguesa ( art.º 27º, n.º 1 ) e Código de Processo Penal ( art.º 261.º do CPP), como em instrumentos legislativos internacionais, designadamente, os invocados no recurso, sendo pacifico, de igual modo, que esse direito pode, por vezes, ser legitimamente comprimido. É igualmente consensual que “ detenção" é toda e qualquer privação de facto da liberdade física de locomoção de cidadão à ordem de qualquer autoridade judiciária ou entidade policial subsequente a flagrante delito (tal como previsto no artigo 256.º do CPP), por crime punível com pena de prisão, nos termos do artigo 255.º, n.º 1, alínea a), do CPP, ou fora de flagrante delito por mandado do juiz ou, nos casos em que for admissível prisão preventiva, do Ministério Público ou das autoridades de polícia criminal, por iniciativa própria, nos termos e condições do artigo 257.º do CPP, ou ainda em flagrante delito, nos termos e condições do artigo 255.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do CPP. Destinando-se detenção: a) A, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coacção; b) A assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual, como é estabelecido pelo artigo 254.º do CPP. Por outro lado, tal como dispõe o art.º 146.º n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, “ O cidadão estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente em território nacional é detido por autoridade policial, devendo ser presente, no prazo máximo de 48 horas a contar da detenção, ao juiz do juízo de pequena instância criminal, na respetiva área de jurisdição, ou do tribunal de comarca, nas restantes áreas do País, para validação e eventual aplicação de medidas de coação “. Tendo como pano de fundo estes normativos e passando à análise dos elementos do caso concreto, constata-se que, nas declarações dos inspectores da ASAE e, concretamente, nas prestadas pelo responsável pela operação, o já citado Inspector CC ( a cuja audição se procedeu através do sistema áudio do CITIUS), na diligência de 31 de Outubro de 2024 e ao descrever os acontecimentos do dia 20 de Janeiro, para além de confirmar todo o teor do auto de noticia, concretizou alguns pormenores, dos quais destacamos o seguinte: -Que se identificaram, na altura, como inspectores da ASAE, exibindo ao recorrente os respectivos crachás, posto o que lhe perguntaram se falava português, conseguindo perceber que o mesmo entendia o que lhe diziam ( “Podia não dominar a língua portuguesa, mas percebia-a “).Que ele só dizia “... Não percebe, não compreende.. “ - Que só conseguiram identificar o recorrente no dia seguinte quando a Sr.ª Dr.ª EE se dirigiu ao armazém onde se iniciou a operação; - Que no âmbito da fiscalização, esgotadas todas as possibilidades de o identificar ( o mesmo anuía a alguns pedidos que lhe faziam a não a outros ), no final da tarde, pelas 19 horas ( hora que confirmou, quando o ilustre mandatário do recorrente se referiu a esse horário) contactaram elementos do SEF de ..., que informaram que se deslocariam ao local, chegando a equacionar a hipótese de o recorrente ser vítima/refém de algum crime de imigração ilegal pois é frequente “ os cabecilhas desse tipo de crime reterem os documentos de reféns”: - Nesse momento, como tinham de aguardar a chegada do SEF e não sabiam quem era a pessoa, dada a agitação do suspeito e por uma questão de segurança, algemaram-no, tendo o recorrente ali permanecido até à chegada do SEF ( não obstante, facultaram-lhe comida e o acesso à casa de banho ). - Após a chamada efectuada para o SEF, foram ao 2.º armazém; - Nunca exerceram força física contra o cidadão, tendo sido o próprio que abriu os portões com o molho de chaves e desbloqueou o telemóvel. Solicitou-lhe que pusesse o dedo no telemóvel para aceder às câmaras, ao que ele anuiu. - O SEF chegou mas não o conseguiu identificar ( o cartão multibanco que detinha era de uma senhora) e levaram-no para o Posto da GNR de .... - O recorrente não podia movimentar-se porque estava em flagrante delito, com produtos contrafeitos e tinham de o identificar... - Disse-lhe que se ele quisesse ligar para alguém o podia fazer e o mesmo recusou. - Já tinham referências do que se encontraria naquele armazém. - Até ser entregue ao SEF, esteve à ordem da ASAE. Por sua vez, a testemunha FF, também inspector da ASAE, confirmou, no essencial, as declarações prestadas por DD, descrevendo as demais testemunhas a sua participação nas operações mais relacionadas com a apreensão e identificação dos artigos contrafeitos. Como realçado, não vislumbramos razões para pôr em causa o depoimento do Inspector DD, o qual, relativamente à questão da compreensão da língua portuguesa pelo recorrente, foi sustentado na sua experiência profissional em casos similares, sendo um facto objectivo e das regras da experiência comum, que se o recorrente já se encontrava em Portugal há cerca de um ano ( por referência à data da ocorrência), durante o qual foi executando trabalhos ocasionais, tendo-se já colectado junto da AT e inscrito no ISS, era perfeitamente normal que fosse compreendendo parte do lhe foram perguntando e transmitindo na abordagem da ASAE ( v.g., como sublinhado, o nome ) tanto mais que, como afirmado pelas testemunhas GG e FF, os agentes iam interagindo com ele através de sinais gestuais. Assim, dos esclarecimentos do Sr. Inspector HH, parece-nos poder concluir-se que, pese embora não chegasse a ser formalizada a detenção do recorrente em flagrante delito,- o que se deveu, segundo aquele referiu, inicialmente, à circunstância de o recorrente se encontrar indocumentado e não se ter identificado - , o recorrente foi, materialmente, privado da liberdade, impedido de exercer o seu jus ambulandi, a partir do momento em que os elementos da ASAE confirmaram que detinha artigos contrafeitos, presumivelmente retirados do armazém, permanecendo nessa situação à ordem da ASAE, sem os seus pertences pessoais ( telemóveis, chaves, carteira), para o que se mostravam preenchidos os fundamentos de tal detenção em flagrante delito, pela suspeita da prática dos crimes contra a propriedade industrial indiciados ( crimes de contrafação, imitação ou uso ilegal de marca e de venda, circulação ou ocultação de produtos contrafeitos p. e p. respectivamente, pelos art.ºs 321 º e 324º do CPI, de fraude sobre mercadorias, p. e p. nos termos do art. 23.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro e de branqueamento, p. e p. nos termos do art. 368.º-A do Código Penal (C.P.)- artigo 256.º do CPP. Mais se concluindo que, dadas as tentativas infrutíferas de o identificar ( só no dia seguinte foi possível tal identificação e a constituição do recorrente como arguido), após o contacto com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, a detenção formal do recorrente viria entretanto a acontecer já ao abrigo da Lei 23/07, de 4/7. Daí, a falta de comunicação da ASAE ao Ministério Público, prevista na al. b) do art.º 259.º do CPP. Por conseguinte, como sublinhado, apesar de se verificavam duas circunstâncias que, legalmente, legitimavam a excepção ao direito fundamental à liberdade do recorrente, o recorrente foi inicialmente detido por motivos criminais, vindo a ser, após, formalizada a sua detenção, pela permanência ilegal em território nacional. Não corresponde assim à verdade que, como alegado, o recorrente tenha estado, injustificadamente, privado da sua liberdade e a sua autodeterminação limitada de forma ilegal. A tal não obstava a falta de domínio total da língua portuguesa, naquele momento, porquanto o recorrente só viria a assumir o estatuto de arguido no dia seguinte, dia 21 de Janeiro de 2020, após o conhecimento da sua verdadeira identidade. Como se refere no Acórdão da Relação de Évora de 9 de Abril de 2024, no Processo n.º230/21.1PAOLH.E2, “ Não são confundíveis, para efeitos da necessidade de nomeação de defensor oficioso e da exigência de nomeação de intérprete, o momento da detenção (material) de um cidadão e o momento da sua constituição como arguido “. Dúvidas não restam, por outro lado, que ao ser presente ao Mmº Juiz para interrogatório judicial às 11h 50m do dia 21 de Janeiro de 2020, nos termos e ao abrigo do art.º 146.º n.º 1 da Lei 23/07, de 4/7 ( sem necessidade de ser previamente presente ao Ministério Público), ainda não tinham decorrido 48 horas após a sua detenção ( art. 255.º do CPP), devendo, nesta conformidade, improceder a suscitada ilegalidade de tal detenção. *** 2-Da arguida nulidade da revista, buscas e apreensão: Como se realçou supra, a Mmª J.I.C. atribuiu credibilidade ao relato dos acontecimentos dos Sr.s Inspectores da ASAE, em detrimento da versão apresentada pelo arguido, mormente, quanto à circunstância de o mesmo compreender o que lhe foi sendo transmitido e ter sido o próprio a abrir os portões dos armazéns, assim como de, com o seu próprio dedo, desbloquear o telemóvel e permitir o acesso ao seu conteúdo para se desligarem as câmaras dos armazéns. Ora, afigura-se-nos indubitável que, perante a situação de flagrante delito em que o arguido foi encontrado aquando do cometimento do crime assinalado, a circunstância de não se ter vindo a formalizar a detenção ao abrigo do art.º 256.º do CPP, não invalida qualquer das diligências policiais realizadas ora questionadas, as quais foram levadas a cabo para acautelar os meios de prova, mercê da prática desse mesmo crime. De facto, como é sabido, as revistas e buscas são meios de obtenção da prova, ocorrendo a primeira situação quando existem indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, havendo lugar a busca quando existem indícios de que objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público (artº 174, n°s 1 e 2, do C. Processo Penal). E se, em regra, ao abrigo do artº 174, n°3, do C. Processo Penal, as revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas pela autoridade judiciária competente, os órgãos de polícia criminal podem também efectuá-las sem essa autorização ou ordem, nos casos previstos no n° 5 do artº 174º, do C. Processo Penal. Por outro lado, no âmbito das medidas cautelares - que não são actos processuais mas de policia, embora possam ser anteriores ou contemporâneos do processo (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, 2a Ed., 63 e ss.) - aos órgãos de policia criminal compete, mesmo antes de qualquer ordem da autoridade judiciária, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova designadamente, compete-lhes proceder a exames dos vestígios do crime e assegurar a sua manutenção, colher as informações que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, e proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas (artº 249, nºs 1 e 2, do C. Processo Penal). Assim, de acordo com o disposto no art.º 174.º do CPP, 1 - Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer animais, coisas ou objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista. 2 - Quando houver indícios de que os animais, as coisas ou os objetos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca. 3 - As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência. 4 - O despacho previsto no número anterior tem um prazo de validade máxima de 30 dias, sob pena de nulidade. 5 - Ressalvam-se das exigências contidas no n.º 3 as revistas e as buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos: a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa; b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado; ou c) Aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão. 6 - Sendo a pessoa coletiva ou entidade equiparada a visada pela diligência, o consentimento para o efeito só pode ser colhido junto do representante. 7 - Nos casos referidos na alínea a) do n.º 5, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem à sua validação. Na situação descrita nos autos, a ASAE actuou a coberto do disposto nos n ºs 1 e 5 al. c) deste normativo, pelo que não só não era necessário o consentimento do recorrente como, do mesmo modo, não seria necessária a comunicação prevista no art.º 176.º do CPP, como alegado, face à ressalva aí constante relativamente às situações previstas no n.º 5 do art.º 174.º do CPP, como foi o caso. Por outro lado, as apreensões foram efectuadas por quem tinha competência para as efectuar ( art. 2.º n.º 2 al. i), 13.º n.º 3 e 15.º do Decreto-Lei n.º 194/2012, de 23 de Agosto ) tomando a ASAE as necessárias e legais providências cautelares quanto aos meios de prova nos termos do art.ºs 249.º 2 al. c) do CPP e 360.º 1 e 2 do Código da Propriedade Industrial. É por demais evidente que, não sendo então realizadas as referidas diligências, correr- se-ia o sério risco de não se lograr a associação do suspeito/recorrente aos referidos meios de prova e aos crimes em investigação, com evidente prejuízo para esta e para a realização da justiça. Por fim, a circunstância de o recorrente, alegadamente, não dominar a língua portuguesa não obrigava, no momento da revista, buscas e apreensão, à nomeação de intérprete, porquanto, face ao disposto no artº. 92º nº 2 do CPP, só se exige a nomeação de intérprete quando o arguido, desconhecedor da língua portuguesa, houver de intervir no processo, sendo certo que na realização das sobreditas medidas cautelares e de policia, as buscas realizaram-se independentemente da vontade ou intervenção do suspeito, pelo que não era, também nesse momento, obrigatória a nomeação de qualquer intérprete. Como se refere no douto Acórdão da Relação de Coimbra, de 24/4/2024, no Processo n.º 20/20.9GAIDN.C1 que, com as devidas adaptações, tem interesse pra o caso, “I. A realização de busca nos termos do art. 251º, n.º 1, al. a), do C.P.P. tem uma natureza eminentemente cautelar, voltada para situações de urgência em que a suspeita de existência de prova de um crime não se compadece com demoras, sob pena de desaparecerem, bastandose com a suspeita, seja ela anterior ou concomitante à intervenção da autoridade judiciária, desde que suportada em fundamento razoável e que, pela natureza das coisas, nem sequer carece de ser isenta de toda a dúvida. II. No caso, a realização da diligência probatória em apreço, no momento em que ocorreu, permitiu recolher elementos de prova de que o suspeito se dedicava à atividade de tráfico, elementos probatórios esses que poderiam ter-se perdido, caso a autoridade policial não tivesse optado por atuar de imediato nos termos em que atuou, ou seja, procedendo à busca e apreensão sem prévia autorização da autoridade judiciária. III. A lei processual penal não exige a assistência de defensor e de intérprete a arguido estrangeiro que não domine a língua portuguesa no decurso de busca realizada por iniciativa de órgão de polícia criminal, nem na constituição do arguido e na prestação de TIR ocorrida na sequência da detenção do arguido, por estar na posse de substância suspeita de ser estupefaciente e de existirem fundadas suspeitas da prática de ilícito criminal “ Nenhuma censura merece, assim, o douto despacho recorrido ao considerar válidas a revista, buscas e apreensões cuja nulidade foi questionada no recurso. *** Pelo exposto, o nosso parecer é no sentido do recurso do arguido não obter provimento.” 5. Cumprido que foi o disposto no artigo 417º nº2 do CPP não foi produzida qualquer resposta. 6. Após ter sido efetuado exame preliminar, foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência. Cumpre apreciar e decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Objeto do recurso O âmbito do recurso, conforme jurisprudência corrente, é delimitado pelas suas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo naturalmente das questões de conhecimento oficioso[1] do tribunal, cfr. artigos 402º, 403º, e 412º, nº 1 do Código de Processo Penal. Assim, vistas as conclusões do recurso interposto, as questões a decidir são: - Da legalidade da detenção; e - Da nulidade da revista e das buscas e apreensões efetuadas. 2. Incidências dos autos 2.1- Por forma a melhor compreender o objeto do recurso, evidenciam os autos as seguintes incidências processuais: 1- Os presentes autos de inquérito tiveram o seu início através de auto de notícia onde se noticiou que, no dia 08/01/2019, pelas 11.20 horas, foram apreendidas sapatilhas que ostentavam os sinais distintivos das marcas ... e ..., aparentemente contrafeitas, que se encontravam no interior do armazém sito na Rua ..., freguesia ..., em ...; 2-Nessa sequência, através do despacho proferido pelo Ministério Público em 30 de Janeiro de 2019, foi deferida à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica ( ASAE) a investigação relativamente à prática de factos suscetíveis de integrar os crimes de contrafação/fraude mercadorias, relacionados com tal noticia; 3-Já no âmbito de tal investigação, a ASAE procedeu à monitorização de dois armazéns suspeitos de serem utilizados por uma cidadã de nacionalidade ..., que se apresentava como “ EE”, para armazenar artigos ( calçado e vestuário), com suspeitas de se tratarem de artigos contrafeitos, sitos na R. do ... e na R. das ..., ..., ...; 4- Em 20 de Janeiro de 2020, por volta das 16h 30m, no âmbito dessa monitorização, elementos da ASAE que se encontravam na missão de fiscalização, verificaram a chegada de um indivíduo a conduzir o veículo ..., de matricula ..-..-ME, junto ao armazém de ..., o qual, após estacionar a viatura, dirigiu-se ao interior do armazém, de lá saindo com uma caixa de cartão, que colocou no banco traseiro do veículo, sendo, então, abordado pelos referidos agentes da ASAE; 5-Em virtude de tal abordagem, viria a ser elaborado o auto de noticia cuja cópia se mostra junta a fls. 144 a 150 deste traslado onde se documentou a ação dos elementos da ASAE que tiveram como desfecho a revista do suspeito, as buscas e a apreensão cujo auto se encontra junto a fls. 177 e segs, constando do mesmo auto de noticia, no que interessa para a situação a analisar, o seguinte: - Na abordagem realizada ao suspeito pelos elementos da ASAE, o mesmo mostrou sinais de nervosismo e inquietação; -Quando questionado se conhecia a língua portuguesa e quando solicitados os documentos de identificação, o individuo não proferiu qualquer palavra e somente abanou a cabeça, em sinal negativo; - Atento o comportamento do suspeito, foi sujeito a revista por questões de segurança, por forma a apurar se tinha alguma arma ou algum objeto contundente, que pudesse ser utilizado contra os agentes; - Apurou-se que o mesmo tinha consigo 2 telemóveis ( um ... e um ...), uma carteira ... com 408,04€, um cartão multibanco em nome de II; -Foi solicitado ao suspeito que abrisse a caixa de cartão, tendo o mesmo abanado a cabeça; -Não tendo o mesmo cooperado, os agentes da ASAE abriram-na constando que, no interior da caixa, se encontravam 25 pares de sapatilhas, ostentando a marca “ ...” vindo a ser encontrados 2 outros pares, na bagageira do veículo ostentando as marcas “ ... “ e “ ... “, todas suspeitas de serem contrafeitas; -Posto isso, solicitou-se ao suspeito que abrisse a porta de acesso ao armazém, o qual com recurso às chaves, anuiu, abrindo-o; -Neste ato, verificou-se que o mesmo compreendia a língua portuguesa, contudo, não queria colaborar; -Após a abertura da porta do armazém, verificou-se que o mesmo se encontrava repleto de caixas de cartão; -No exterior do armazém existia uma câmara de vídeo vigilância assim como outra no interior, esta rotativa, as quais foram desligadas por se constatar serem as mesmas acedidas remotamente, via telemóvel; -Foi o suspeito indagado se era ele o responsável pelo armazém e mercadoria ali existente, ao que o mesmo, com a cabeça, acenou negativamente; -Por se tratar de um indivíduo de nacionalidade estrangeira e se encontrar em território nacional indocumentado, foi contactado o SEF, com o intuito de apurar a sua identidade. Não sendo possível apurar a sua identidade, uma vez que não existiam quaisquer dados, foi a ASAE informada de que uma brigada do SEF se deslocaria ao local; -Enquanto se aguardava a chegada do SEF, procedeu-se à abertura das caixas ali existentes, tendo-se verificado a existência de artigos de vestuário e calçado ostentando marcas registadas e de prestígio mundial com suspeita de se tratar de artigos contrafeitos : “ ... “, “ ...”, “ ... “, “ ...”, “... “, “ ... “;~ -Após a chegada de novos elementos da ASAE, foi solicitado ao indivíduo que acompanhasse uma brigada até ao 2.º armazém e, uma vez no local, após a entrega do molho de chaves ao indivíduo e tal lhe ser solicitado, o mesmo abriu-o; -Constatando-se que ali existia um telemóvel a ser utilizado como câmara de vídeo vigilância, pelas mesmas razões de segurança, foi desligada a câmara; -Percorridas as instalações, constatou-se a existência de centenas de caixas que, depois de abertas, se verificou conterem perfumes ostentando as marcas “ ... “, “ ... “, “ ...”, “...”, “ ... “, “ ... “, “...”, com suspeitas de serem falsificados; -Regressados ao 1.º armazém e após a chegada do SEF, foram efetuadas novas tentativas para identificar o indivíduo, suspeitando-se que o mesmo podia ser vítima de tráfico de seres humanos ou de auxílio à imigração ilegal, os mesmos elementos do SEF informaram que iriam proceder à sua detenção e apresenta-lo ao JIC; - No dia 21 de janeiro, no inicio da tarde, compareceu no 2º armazém a Sr.ª Dr.ª EE, procurando por indivíduo de nacionalidade ..., sendo informada da referida detenção e das diligências realizadas, vindo a mesma a apresentar os documentos daquele, com o que foi possível apurar tratar-se de JJ. - Nessa altura, os inspetores da ASAE informaram a causídica que, agora que conheciam a sua identidade, iriam deslocar-se ao Tribunal de Barcelos a fim de o constituir arguido; -Ao abrigo do artigo 249.º do CPP conjugado com o 360.º do CPI, procedeu-se à apreensão de todos os referidos artigos, assim como dos 3 telemóveis, carteira e cartão multibanco mencionados; 6-Os artigos contrafeitos e dinheiro apreendidos foram estimados em 4 752 823,04€ ( quatro milhões setecentos e cinquenta e dois mil e oitocentos e vinte e três euros e quatro cêntimos), tendo sido necessários 7 camiões TIR para os transportar para as instalações da ASAE, sitas em ...; 7-Em 21 de Janeiro de 2020, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, dando nota da comunicação da ASAE de que o referido suspeito, de nacionalidade ..., se encontrava indocumentado, alegando então chamar-se KK, após confirmação que não se encontrava devidamente habilitado a viver, residir ou trabalhar em Portugal, lavrou auto de detenção, certificando a detenção às 2h00, pela permanência irregular em território nacional, nos termos do art.º 181.º 2 da Lei 23/07, de 4/7; 8-Presente ao Mmº Juiz para interrogatório judicial, nos termos e ao abrigo do art.º 146.º 1 da Lei 23/2007, de 4/7, às 11h 50m do dia 21 de Janeiro de 2020 ( e não no dia 21 de Janeiro de 2019 como, por lapso, consta do auto – cfr. informação de 29/11/2024), o mesmo identificou-se como sendo LL, solicitando, através da intérprete que lhe foi nomeada, um contacto telefónico porquanto pretendia constituir mandatária; 9-Reiniciada a diligência pelas 15h 38m, já na presença da ilustre mandatária, Sr.ª Dr.ª EE, o recorrente foi interrogado, sendo-lhe aplicada, ao abrigo do art.º 142.º 1 a) da Lei 23/07, de 4/7, a medida de obrigação de apresentação semanal junto dos serviços do SEF ..., 10- Consignando-se no auto de interrogatório que, segundo o próprio declarou e documentos que apresentou, o recorrente entrou em Portugal em Dezembro de 2018 com um visto que o autorizava a permanecer durante um mês, que até à data da sua detenção prestou trabalhos ocasionais, tendo-se coletado na AT em Junho de 2019 e inscrito no ISS em Julho de 2019, passando a residir, em Agosto de 2019, na R. de ..., ..., ...; 11- No âmbito de tal diligência, o recorrente não questionou a legalidade da sua detenção, a qual foi considerada válida; 12-Em 23 de Janeiro de 2020, identificando-se como JJ, o recorrente dirigiu requerimento ao inquérito, onde suscitou a intervenção do Mmº J.I.C a fim de declarar: - A ilegalidade da detenção no período de tempo em que o arguido esteve detido pela ASAE; - A nulidade da revista, da busca e por conseguinte da apreensão das mercadorias; - A ilegalidade da apreensão de documentos e bens pessoais do arguido, ordenando-se consequentemente a imediata devolução dos mesmos. 13-Em 21 de Setembro de 2020, em apreciação do requerimento, foi proferido despacho pelo Mmº JIC, indeferindo o requerido; 14-Interposto recurso desse despacho pelo recorrente, este Tribunal da Relação, em 8 de março de 2021, proferiu acórdão nos termos do qual decidiu anular o despacho recorrido, ordenando a sua substituição por outro que procedesse à concreta apreciação das questões suscitadas pelo arguido ( Cfr. Acórdão junto ao Apenso A); 15-Em 19 de maio de 2021, o Mmº J.I.C proferiu novo despacho mantendo a decisão de indeferimento das reclamadas ilegalidades concernentes à detenção, revista, buscas e apreensões; 16-Interposto novo recurso pelo recorrente, através do douto acórdão desta Relação de Guimarães, de 6 de Dezembro de 2021 ( Apenso B), considerou-se (resumo): -O despacho recorrido não deu integral cumprimento ao que lhe fora ordenado superiormente uma vez que não se pronunciou sobre a totalidade das questões suscitadas pelo recorrente; -Não apreciou a validade dos procedimentos questionados; -O despacho recorrido incorre numa manifesta contradição porquanto pese embora a referência à situação de detenção de flagrante delito, esta não tem correspondência no auto de noticia; 17- Nessa sequência, anulando o despacho de 19 de maio de 2021, ordenou este Tribunal ad quem que o Tribunal proferisse novo despacho, procedendo previamente às diligências que entendesse necessárias, nomeadamente: -à requisição das certidões necessárias do processo n.º ...0 do Juízo Local Criminal de Barcelos ( auto de detenção, despacho do Ministério Público e do Juiz de Instrução); -à inquirição do autuante e das testemunhas indicadas no auto de noticia, os quais deverão ser expressamente confrontados com a versão do arguido; -ao interrogatório do arguido; -a eventual acareação entre uns e outro: 18- Baixados os autos, após a realização das diligências ordenadas, foi proferido o despacho recorrido, que infra se irá reproduzir. 19- No inquérito prosseguem as investigações para apuramento dos crimes de contrafação, imitação ou uso ilegal de marca e de venda, circulação ou ocultação de produtos contrafeitos p. e p. respetivamente, pelos art.ºs 323º e 324º do CPI, de fraude sobre mercadorias, p. e p. nos termos do art. 23.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro e de branqueamento, p. e p. nos termos do art. 368.º-A do Código Penal (C.P.), estando identificados outros suspeitos. 2.2- A Exma. Senhora juíza, com data de 15.01.2015, proferiu o seguinte despacho (despacho recorrido): “Em obediência ao ordenado pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães (cf. apenso B), o Tribunal de Instrução procedeu à audição das testemunhas indicadas no auto de notícia a fls. 144, nomeadamente: - MM, inspetor da ASAE que esteve presente no dia das buscas (20.01.2020), tendo chegado ao local apenas para proceder à contagem do material contrafeito, o eu ocorreu por volta das 19:00 horas. Viu o arguido algemado a dirigir-se com o inspetor responsável pela operação, para um outro armazém. Referiu, de modo imparcial e desprendido que não voltou a ver o arguido pois esteve sempre a contar material. - NN, inspetor da ASAE que também esteve no local, concretamente no armazém sito em ..., declarou, de forma isenta e imparcial que não viu o arguido, tendo chegado ao armazém de ... para contagem do material contrafeito por volta das 20:00 horas; - GG, inspetora da ASAE que foi chamada ao local por volta das 17:00 horas e esteve com o colega CC, responsável por toda a operação. Esta testemunha foi clara ao referir existiu alguma dificuldade no diálogo com o arguido e que o colega falava para aquele em português, sendo certo que não tem ideia de o ver algemado; o certo é que depois o arguido foi entregue ao SEF; - CC, Inspetor da ASAE, responsável pela investigação que se iniciou em 2019; referiu de forma clara e assertiva que se identificaram imediatamente quando se aproximaram do arguido e que pese embora o arguido dizer que não falava português, percebia tudo o que lhe era dito. Tirou dos bolsos o que tinha assim que lhe foi pedido e abriu o armazém quando lhe foi solicitado. Mais explicou esta testemunha, de forma absolutamente credível, que as câmaras do armazém foram desligadas por si por razões de segurança, uma vez que desconheciam quem se encontrava a realizar a vigilância daquele local, sendo por isso, para segurança dos agentes e de toda a operação. Mais explicou que tiveram que contactar o SEF uma vez que o arguido não possuía nenhum elemento que o identificasse sendo que ele próprio não se identificou. Após o contacto com o SEF, foi referido que o iam buscar e então aí, o inspetor algemou o arguido até à chegada do SEF que depois o transportou para a GNR .... Negou categoricamente que tivesse sido feito uso de força, referiu que transmitia ao arguido e ele anuía, o que o fez crer que o mesmo percebia tudo o que lhe era dito tanto assim é, que foi ele que voluntariamente tirou os seus pertences dos bolsos, abriu o portão com as suas chaves. O inspetor mais referiu que o contacto para o SEF foi efetuado por volta das 19:00 horas. - FF, inspetor da ASAE, responsável pela vigilância do armazém de onde saiu o arguido com uma caixa na mão, foi quem primeiro abordou o arguido e se identificou como inspetor da ASAE, tendo confirmado o testemunho de CC ao ter referido que o arguido não obstante ter dito que não percebia português, percebia tudo o que lhe era dito pois obedecia ao que lhe pediam, tendo dado como exemplo o facto de lhe ter sido perguntado quem controlava as câmaras e o mesmo ter apontado para o telemóvel, em sinal que era ele. Mais confirmou, de modo isento e seguro que não foi possível identificar o arguido e, por isso foi chamado o SEF ao local. - BB, inspetora da ASAE, admitiu que tendo sido a primeira a intercetar o arguido lhe fez uma revista de segurança a fim de detetar alguma arma escondida; - OO, inspetor da ASAE, atestou que quando chegou ao armazém já o arguido se encontrava sentado na entrada, sendo que não o viu algemado, sendo que a única interação que teve com este foi oferecer-lhe uma garrafa de água. - PP, inspetora da ASAE do ..., declarou o mesmo que a testemunha OO. De igual modo e conforme o ordenado, procedeu-se à audição do arguido que declarou, entre o mais, o seguinte: - o arguido JJ prestou declarações, tendo confirmado que os agentes que o abordaram se identificaram com crachás, que, no entanto, este desconhecia o que eram. Mais referiu que foi obrigado a abrir o portão (entrando em contradição com o declarado pelos três inspetores). Referiu que um dos inspetores terá ligado para uma pessoa que falava chinês, mas o arguido nada disse pois desconhecia de quem se tratava. - Não se levou a cabo qualquer diligência de acareação por se mostrar desnecessária nos termos que se vão infra expor. Cumpre, pois, decidir dos invocados vícios apontados pela defesa do arguido. *** Da invocada ilegalidade da detenção do arguido pela ASAE por falta de conhecimento da língua portuguesa por parte deste, da falta de sujeição do mesmo a primeiro interrogatório judicial, da nulidade da revista, da busca e consequentemente da apreensão de mercadorias, e da ilegalidade da apreensão de documentos e bens pessoais.No que respeita à ilegalidade da detenção, vejamos pois. O conceito constitucional e processual penal de "detenção" deve ser entendido como toda e qualquer privação de facto da liberdade física de locomoção da pessoa humana à ordem de qualquer autoridade judiciária ou entidade policial subsequente a flagrante delito (tal como este é definido pelo artigo 256.º do CPP), por crime punível com pena de prisão, nos termos do artigo 255.º, n.º 1, alínea a), do CPP, detenção que é, portanto, efetuada: “a) Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coação; ou b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a autoridade judiciária em acto processual”, como é estabelecido, enquanto suas finalidades, pelo artigo 254.º do CPP. Pois bem. No caso em apreço, constatou-se que o detido nenhuma identificação deu aos inspetores do SEF tendo-se recusado a falar com uma pessoa que falava chinês ao telefone. Não podemos esquecer que o arguido não tinha qualquer documento que o identificasse e que foi surpreendido a sair de um armazém contendo milhares de material contrafeito. Contactado o SEF, o mesmo não tinha qualquer registo desde cidadão, verificando-se assim que permanecia, em território nacional, de forma ilegal. A ASAE aguardou pela chegada ao local do SEF que o levou detido e o apresentou para primeiro interrogatório no dia 21 de janeiro de 2020, onde lhe foi nomeada uma intérprete e lido todos os seus direitos na língua nacional (cf. auto de interrogatório de arguido detido constante dos autos a fls. 2316 e ss). Veja-se que o arguido se identificou aos inspetores do SEF como sendo KK (sendo que se veio a confirmar que a sua identificação era AA, cf. info de fls. 2321) e do auto de detenção consta precisamente que o mesmo foi detido por se encontrar em situação irregular no nosso país, nos termos do disposto no art.º 146º da Lei 23/07, de 04/07 (cf. informação do SEF de fls. 2311 verso e, de igual modo, foi constituído arguido e lhe foi tomado TIR com a devida tradução para a língua ... – cf. decorre de fls. 2313 a 2315. O arguido foi ouvido por autoridade judiciária dentro das 48 horas, conforme impõe o disposto no art.º 255º do CPP, tendo-lhe sido aplicadas medidas de coação para além do TIR. Foi fortemente indiciado que permanecia em território nacional de forma ilegal. Termos em que se conclui que, inexiste qualquer ilegalidade da detenção, que foi efetuada por facto que a lei permite, tendo sido cumpridas todas as formalidades na detenção e o arguido foi presente perante a autoridade judiciária dentro do prazo que a lei processual penal prevê para o efeito. * Vejamos agora no que respeita à invocada ilegalidade da revista e da busca realizada ao armazém.No que respeita à revista, é duvidoso que a mesma tenha sucedido sem o consentimento do visado pois, foi referido pelos inspetores da ASAE que abordaram o arguido de que este não falava português, mas percebia tudo o que lhe era transmitido, sendo que anuía sempre ao que lhe era pedido. Mas, ainda que não se tenha como certo que o mesmo não percebia a língua portuguesa, não podemos esquecer que esta era uma situação de flagrante delito, sem necessidade de prévia autorização por parte da autoridade judiciária, conforme prevê o art.º 251º, n.º 1 al. a) do CPP. O mesmo sucede com a busca realizada pelos inspetores da ASAE. Leia-se a este propósito o que se escreveu no recente Acórdão da Relação de Coimbra de 24.04.2023, proferido no processo n.º 20/20.9GAIDN.C1, disponível em www.dgsi.pt. “A realização de busca nos termos do art. 251º, n.º 1, al. a), do C.P.P. tem uma natureza eminentemente cautelar, voltada para situações de urgência em que a suspeita de existência de prova de um crime não se compadece com demoras, sob pena de desaparecerem, bastando-se com a suspeita, seja ela anterior ou concomitante à intervenção da autoridade judiciária, desde que suportada em fundamento razoável e que, pela natureza das coisas, nem sequer carece de ser isenta de toda a dúvida.” No caso, a realização da diligência probatória em apreço, no momento em que ocorreu, permitiu recolher elementos de prova de que o suspeito eventualmente se dedicaria à atividade de venda/comércio de material contrafeito (veja-se o auto de notícia constante dos autos a fls. 144 e ss), elementos probatórios esses que poderiam ter-se perdido, caso a autoridade policial não tivesse optado por atuar de imediato nos termos em que atuou, ou seja, procedendo à busca e apreensão sem prévia autorização da autoridade judiciária. Mais se pode ler neste aresto que “A lei processual penal não exige a assistência de defensor e de intérprete a arguido estrangeiro que não domine a língua portuguesa no decurso de busca realizada por iniciativa de órgão de polícia criminal, nem na constituição do arguido e na prestação de TIR ocorrida na sequência da detenção do arguido”, posição com a qual se concorda na integra, caso contrário, estaria descoberto o segredo para se obstaculizar a busca e apreensões em flagrante delito, bastaria aparecer um cidadão estrangeiro e jamais se conseguiria efetuar a dita diligência em tempo útil, perdendo-se assim, toda a prova e o factor sempre primordial nestes casos, a surpresa. Em suma, a detenção do arguido foi legal por que efectuada em flagrante delito de permanência ilegal ao abrigo do disposto no art.º 146º,n.ºs 1 e 7 da Lei 23/2007, de 4/07. A revista, buscas e apreensões ocorreram ao abrigo do disposto nos art.º 255º e 251º, n.º 1 al. a) do CPP. As apreensões foram de material contrafeito por suspeita de fraude sobre mercadorias, conforme art.º 23º da Lei n.º 28/84, de 20/01 e art.ºs 323 e 324º do Código da Propriedade Industrial e conforme prevê a alínea c) do n.º 1 do art.º 249º do Cód. processo penal, não se surpreendendo, assim, qualquer ilegalidade na atuação das forças policiais. Termos em que se indeferem as invocadas ilegalidades, devendo os autos prosseguir os termos até final.” 3. Apreciação do recurso O despacho recorrido, como do seu teor resulta, foi proferido em obediência ao acórdão deste Tribunal da Relação de 06.12.2021, que constitui o apenso B. Neste aresto, para além do mais, por se ter entendido que o arguido tinha posto em causa o conteúdo do auto de notícia elaborado pela ASAE constante de fls.144 e segs, foi ordenado que fossem efetuadas diligências de prova, as quais se indicaram, em ordem ao seguinte: “(…)apurar, desde logo, se houve ou não uma detenção levada a cabo pela ASAE, em que circunstâncias a mesma ocorreu (em flagrante ou fora de flagrante delito) se o arguido foi ou não algemado. Para o efeito importará, desde logo apurar se entre o momento em que foi abordado e revistado – pouco depois das 16.30 h do dia 20.01.2020 (segundo o auto de notícia) e aquele em que foi entregue ao SEF, pelas 1.30 h do dia 21.01.2020 (cfr. termos de entrega junto a fls. 72 dos autos), o suspeito se podia movimentar livremente, nomeadamente abandonar o local e em caso negativo porquê. Importa igualmente apurar se o arguido compreendia ou não a língua portuguesa e se deu ou não o seu consentimento para as buscas levadas a cabo aos armazéns”. Uma vez efetuadas as referidas diligências de prova, o tribunal recorrido apreciou as suscitadas ilegalidades da detenção do arguido, bem assim as nulidades da revista e das apreensões realizadas, indeferindo a sua verificação. Não obstante, o recorrente, discordando do assim decidido, interpôs o presente recurso, defendendo, nomeadamente, que: “(…) o douto despacho fundamenta a legalidade da detenção feita pela ASAE, tendo por base diligências de um outro processo, dirigido pelo SEF, e que incide sobre factos que se relacionam com a suspeita de permanência ilegal em território nacional.” “A isto acresce ainda o facto de que Tribunal a quo desconsidera completamente os atos desumanos a que o arguido foi sujeito, nomeadamente coação e restrição física, que permitiram a realização das aludidas buscas e revista” ; “ O despacho, ora recorrido, tenta de forma incompreensível justificar os comportamentos abusivos, desproporcionais, desnecessários, desumanos e violadores dos mais elementares direitos humanos consagrados não só na Constituição da República Portuguesa, mas também na Convenção Europeia dos Direitos dos Homens.” “Os inspetores da ASAE atuaram de forma contrária ao previsto na lei, detendo o cidadão antes mesmo de verificarem a prática de qualquer delito, o que configura uma violação do artigo 256.º do CPP”. “Não há qualquer prova nos autos de que o arguido tenha sido sujeito a interrogatório judicial ou de que as formalidades previstas nos artigos 255.º, 256.º e 259.º do CPP tenham sido cumpridas relativamente à detenção realizada pelos inspetores da ASAE. Assim, a decisão do Tribunal a quo continua a ser infundada, pois persiste em considerar legal uma detenção baseada na suspeita de posse de material contrafeito, sustentando-se apenas na alegação de permanência ilegal no território nacional, o que configura uma interpretação que não encontra sustento na lei!” “Tendo esta interpretação sido, por duas vezes, censurada pelos Venerandos Desembargadores do Tribunal ad quem nos Acórdão de 8 de março e 6 de dezembro de 2021.” “Dos depoimentos dos inspetores, conjugados com o teor do auto de notícia, resulta credibilizado o depoimento do arguido no sentido de que esteve sempre detido, andou de um lado para o outro às ordens dos agentes, foi algemado, foi obrigado a colaborar, foram feitas buscas sem mandado e usando abusivamente as chaves do arguido de que o inspetor autuante se apropriou ilegitimamente, foi ingerida a intimidade dos seus telemóveis pessoais, tudo sem que ocorresse a subsequente validação por autoridade judicial, em momento algum.” Vejamos. Importa, desde já, clarificar que nos arestos desta Relação, proferidos nos autos, invocados pelo recorrente e ao contrário do por ele referido, não foi efetuada qualquer censura acerca da legalidade / ilegalidade dos atos processuais praticados, ou seja, da detenção, da revista e das apreensões efetuadas. De facto, no primeiro daqueles arestos foi ordenado que o tribunal recorrido se pronunciasse, em concreto, sobre tais questões; e, no segundo, em síntese, foi determinada a realização de uma averiguação sobre o realmente ocorrido face às ilegalidades suscitadas pelo arguido, tendo, nomeadamente, em conta os factos por ele alegados, após o que deveria pronunciar-se sobre as referidas ilegalidades, o que o despacho recorrido fez. Ora, pese embora o sentido das declarações do arguido, inexistem motivos para censurar a base factual em que se baseou o despacho recorrido. Ou seja, sobre o que realmente se passou desde o momento em que, no dia 20.01.2020, pelas 16.30 h, o recorrente foi abordado pelos inspetores da ASAE, e posteriormente foi por eles entregue aos inspetores do SEF. A prova documental junta aos autos, nomeadamente, os dois autos de noticia juntos (auto de notícia de fls. 144 e segs, elaborado pela ASAE e o auto de notícia de fls. 132, elaborado pelo SEF); o termo de entrega de arguido; e os depoimentos prestados pelos elementos da ASAE na sequência do ordenado por este Tribunal da Relação são claramente elucidativos. Não se vislumbram quaisquer motivos para questionar a credibilidade conferida no despacho recorrido aos depoimentos efetuados pelos senhores inspetores da ASAE, no essencial coincidentes, designadamente, o depoimento do inspetor que dirigiu as operações, ou seja, o inspetor CC. Assim, este inspetor, na diligência de 31.10.2024 ao descrever os acontecimentos do dia 20.01.2020, para além de confirmar o teor do auto de noticia, concretizou alguns pormenores, dos quais se salienta o seguinte: - Identificaram-se, na altura, como inspetores da ASAE, exibindo ao arguido os respetivos crachás, posto o que lhe perguntaram se falava português, conseguindo perceber que o mesmo entendia o que lhe diziam ( “Podia não dominar a língua portuguesa, mas percebia-a “).Que ele só dizia “... Não percebe, não compreende.. “; - Só conseguiram identificar o arguido no dia seguinte quando a Sr.ª Dr.ª EE se dirigiu ao armazém onde se iniciou a operação; - No âmbito da fiscalização, esgotadas todas as possibilidades de o identificar ( o mesmo anuía a alguns pedidos que lhe faziam a não a outros ), no final da tarde, pelas 19 horas contactaram elementos do SEF de ..., que informaram que se deslocariam ao local, chegando a equacionar a hipótese de o recorrente ser vítima/refém de algum crime de imigração ilegal pois é frequente “ os cabecilhas desse tipo de crime reterem os documentos de reféns”: - Nesse momento, como tinham de aguardar a chegada do SEF e não sabiam quem era a pessoa, dada a agitação do suspeito e por uma questão de segurança, algemaram-no, tendo o recorrente ali permanecido até à chegada do SEF ( não obstante, facultaram-lhe comida e o acesso à casa de banho ); - Após a chamada efetuada para o SEF, foram ao 2.º armazém; - Nunca exerceram força física contra o cidadão, tendo sido o próprio que abriu os portões com o molho de chaves e desbloqueou o telemóvel. Solicitou-lhe que pusesse o dedo no telemóvel para aceder às câmaras, ao que ele anuiu; - O SEF chegou mas não o conseguiu identificar ( o cartão multibanco que detinha era de uma senhora) e levaram-no para o Posto da GNR de .... - O recorrente não podia movimentar-se porque estava em flagrante delito, com produtos contrafeitos e tinham de o identificar... - Disse-lhe que se ele quisesse ligar para alguém o podia fazer e o mesmo recusou; - Já tinham referências do que se encontraria naquele armazém; e até ser entregue ao SEF, esteve à ordem da ASAE. Posto isto, vejamos então as concretas questões colocadas. 1. Da alegada ilegalidade da detenção Após a abordagem do recorrente, o que foi efetuado na sequência de investigação em curso, logo se verificaram concomitantemente duas situações que permitiam a sua detenção, tendo, porém, apenas uma delas conduzido à sua detenção formal. Efetivamente, ao ser abordado pelos inspetores da ASAE, em 20.01.2020, pelas 16.30 h, o arguido, não era portador de qualquer documento de identificação (nem de carta de condução que o habilitasse a conduzir o veículo automóvel que conduzida), o que permitiria que pudesse ser privado da liberdade e compelido a deslocar-se ao posto policial mais próximo por um período máximo de seis horas, nos termos e ao abrigo dos artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 194/2012, de 23 de agosto e artigo 250.º n.ºs 1 e 6 do CPP. Mas não só, em face da falta de documento de identificação pessoal na posse do recorrente e o seu modo de atuação, surgiram também fundadas suspeitas, entretanto confirmadas, da sua permanência ilegal em Portugal, pelo que existiam fundamentos para o recorrente ser detido e apresentado a 1.º interrogatório judicial, nos termos e ao abrigo do artigo 146.º 1 da Lei 23/07, de 4 de julho, como, entretanto, veio a acontecer. Para além disso - tendo, aliás, sido este o motivo da abordagem pelos inspetores da ASAE - o arguido foi surpreendido na posse de um caixote com sapatilhas contrafeitas a sair de um armazém contendo milhares de material contrafeito, ou seja, foi encontrado em flagrante delito no cometimento de crimes de contrafação, imitação ou uso ilegal de marca previsto e punido pelo artigo 320º do CPI, de fraude sobre mercadorias, previsto e punido nos termos do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de janeiro, e de branqueamento, previsto e punido nos termos do artigo 368.º-A do Código Penal, cfr. artigo 256.º do CPP, o qual estabelece que: “1 - É flagrante delito todo o crime que se está cometendo ou se acabou de cometer.2 - Reputa-se também flagrante delito o caso em que o agente for, logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objetos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar.3 - Em caso de crime permanente, o estado de flagrante delito só persiste enquanto se mantiverem sinais que mostrem claramente que o crime está a ser cometido e o agente está nele a participar.” Como bem se refere no despacho recorrido, “O conceito constitucional e processual penal de "detenção" deve ser entendido como toda e qualquer privação de facto da liberdade física de locomoção da pessoa humana à ordem de qualquer autoridade judiciária ou entidade policial subsequente a flagrante delito (tal como este é definido pelo artigo 256.º do CPP), por crime punível com pena de prisão, nos termos do artigo 255.º, n.º 1, alínea a), do CPP, detenção que é, portanto, efetuada: “a) Para, no prazo máximo de quarenta e oito horas, o detido ser apresentado a julgamento sob forma sumária ou ser presente ao juiz competente para primeiro interrogatório judicial ou para aplicação ou execução de uma medida de coação; ou b) Para assegurar a presença imediata ou, não sendo possível, no mais curto prazo, mas sem nunca exceder vinte e quatro horas, do detido perante a autoridade judiciária em ato processual”, como é estabelecido, enquanto suas finalidades, pelo artigo 254.º do CPP.” No caso importava ainda considerar, como de facto foi o disposto no artigo 146.º n.º 1 da Lei n.º 23/2007, de 04 de Julho, segundo o qual “ O cidadão estrangeiro que entre ou permaneça ilegalmente em território nacional é detido por autoridade policial, devendo ser presente, no prazo máximo de 48 horas a contar da detenção, ao juiz do juízo de pequena instância criminal, na respetiva área de jurisdição, ou do tribunal de comarca, nas restantes áreas do País, para validação e eventual aplicação de medidas de coação “. Mas, a verdade é que não chegou a ser formalizada a detenção do recorrente com fundamento no flagrante delito, tendo o mesmo, é certo, sido materialmente privado da liberdade, e impedido de exercer o seu jus ambulandi, a partir do momento em que os elementos da ASAE confirmaram que detinha artigos contrafeitos, presumivelmente retirados do armazém, permanecendo nessa situação à ordem da ASAE, sem os seus pertences pessoais ( telemóveis, chaves, carteira). Porém, isso apenas sucedeu, dadas as dificuldades em o identificar ( só no dia seguinte foi possível tal identificação e a constituição do recorrente como arguido), após o contacto com o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, sendo que a detenção formal do recorrente viria entretanto a acontecer ao abrigo da Lei 23/07, de 4 de julho. Repare-se que o arguido identificou-se aos inspetores do SEF como sendo KK, sendo que se veio a confirmar, através da sua advogada, que a sua verdadeira identificação era AA. Acresce que para a elaboração do auto de detenção, era necessária também a identificação do detido, cfr. artigo 99º do CPP. Neste contexto, fica explicada a falta de comunicação da ASAE ao Ministério Público, prevista na al. b) do art.º 259.º do CPP. A circunstância de o arguido não dominar a língua portuguesa evidentemente não constituía impedimento à sua detenção, à sua revista e subsequentes apreensões realizadas. Na verdade, o artigo 92º, nº 2, do CPP estabelece que, quando houver de intervir no processo pessoa que não conhecer ou não dominar a língua portuguesa, é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao ato ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada. Por outro lado, o artigo 6º, nº 3 - als. c) e e) da Convenção Europeia dos Direitos Humanos assegura ao acusado o direito de ser informado em língua que entenda e de forma minuciosa da natureza e da causa contra ele formulada e o direito de se fazer assistir gratuitamente por interprete se não compreender ou não falar a língua usada no processo. No caso vertente, como dissemos, o recorrente foi encontrado pelos inspetores da ASAE em flagrante delito relativamente aos tipos legais de crime acima indicados. E, nesta circunstância, para além de não ser obrigatória a nomeação de intérprete, por não estar prevista na lei tal obrigatoriedade, não era viável no imediato (atenta a urgência em proceder à realização da revista, buscas e subsequentes apreensões realizadas), nem necessária em face do tipo de atos a praticar, sendo que o recorrente compreendia o que lhe foi transmitido pelos inspetores da ASAE. Neste sentido, vide, v.g. Ac. RC de 24.04.2024, processo 20/20.9GAIDN.C1; e Ac. RP de 24.10.2012, processo 314/12.7JAPRT-A.P2, disponíveis em www.dgsi.pt, este último com o seguinte sumário: “Não é obrigatória a nomeação de intérprete para uma revista em que a pessoa visada desconheça ou não fale a língua portuguesa”. Como se refere neste aresto, a nomeação de intérprete “(..) só é necessário, porque só então se justifica, a nomeação de intérprete quando o ato processual em causa suponha alguma forma de comunicação verbal e escrita com a pessoa (suspeito, arguido, testemunha ou outra) que desconhece a língua portuguesas e que, por isso mesmo, deve compreender o que lhe é transmitido nessa comunicação e deve fazer-se compreender quanto ao que transmite nessa comunicação.”. O arguido foi presente ao Senhor Juiz para interrogatório judicial às 11h 50m do dia 21.01. 2020, ou seja, quando ainda não tinham decorrido 48 horas após a sua detenção, nos termos e ao abrigo do artigo 146.º n.º 1 da Lei 23/07, de 4/7e no artigo 255.º do CPP. Assim, ao contrário do sustentado pelo recorrente, não é verdade que o arguido tenha estado, injustificadamente, privado da sua liberdade e a sua autodeterminação limitada de forma ilegal. 2. Da alegada nulidade da revista, busca e apreensões efetuadas Não obstante a alegação do recorrente, o que realmente se verificou foi que ele compreendeu o que lhe foi sendo transmitido pelos inspetores da ASAE, tendo, voluntariamente e sem qualquer tipo de coação, aberto os portões dos armazéns, assim como, com o seu próprio dedo, desbloqueou o telemóvel e permitiu o acesso ao seu conteúdo para se desligarem as câmaras dos armazéns. Outrossim, como foi salientado pela Exma. Senhora PGA no seu parecer, o facto de a detenção, não ter sido formalizada não invalida as diligências de prova que se lhe seguiram. Na verdade, face ao flagrante deito, aos inspetores da ASAE competia, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente, praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova, nomeadamente proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas, cfr. artigo 249º do CPP. Efetivamente, porque se trata de meios de obtenção de prova intrusivos, a regra é a de que as revistas, as buscas e apreensões são autorizadas ou ordenadas por despacho da autoridade judiciária competente, cfr. nº 3 do artigo 174º e nº 3 do artigo 178º, ambos do CPP. Mas trata-se de uma regra que admite exceções, nomeadamente aquando da detenção em flagrante delito por crime a que corresponda pena de prisão, cfr. nºs 1 e 5 al. c) do artigo 174º, nº 4 do artigo 178, e artigo 251º, nº 1 al. a), todos CPP. Como se refere no acima citado Ac. RC de 24.04.2024, processo 20/20.9GAIDN.C1, “A realização de busca nos termos do art. 251º, n.º 1, al. a), do C.P.P. tem uma natureza eminentemente cautelar, voltada para situações de urgência em que a suspeita de existência de prova de um crime não se compadece com demoras, sob pena de desaparecerem, bastando-se com a suspeita, seja ela anterior ou concomitante à intervenção da autoridade judiciária, desde que suportada em fundamento razoável e que, pela natureza das coisas, nem sequer carece de ser isenta de toda a dúvida.” Por conseguinte, não era necessário o consentimento do recorrente para que os inspetores da ASAE procedessem à realização das referidas diligências de prova, sendo, pois, desprovida de sentido a alegação pelo recorrente da falta do seu consentimento, nomeadamente até por não dominar a língua portuguesa. Acresce que as apreensões foram efetuadas por quem tinha competência para as efetuar, em conformidade com o disposto nos artigos 2.º n.º 2 al. i), 13.º n.º 3 e 15.º do Decreto-Lei n.º 194/2012, de 23.08, tendo os inspetores da ASAE diligenciado pela realização das necessárias providências cautelares quanto aos meios de prova nos termos do artigo 249.º 2 al. c) do CPP e dos artigos 360.º 1 e 2 do CPI.. Caso não procedessem do modo como atuaram, os inspetores da ASAE incumpririam os seus deveres, com prejuízo para a descoberta da verdade material e a realização da justiça, não tendo sido violados quaisquer direitos do recorrente, bem assim quaisquer normas, designadamente as por ele invocadas. Nesta conformidade, nenhum reparo nos merece o despacho recorrido que assim se confirma, improcedendo, pois, o presente recurso. III- DISPOSITIVO Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que integram a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido, assim confirmando o despacho recorrido. Custas pelo arguido / recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 3 Ucs – artigos 513º do C.P.P. e artigo 8º, nº 9 do R.C.P. e tabela III anexa a este último diploma legal. Notifique. Guimarães, 25 de junho 2025 Texto integralmente elaborado pelo seu relator e revisto pelos seus signatários – artigo 94º, nº 2 do CPP, encontrando-se assinado eletronicamente na 1ª página, nos termos do disposto no artigo 19º da Portaria nº 280/2013, de 26.08, revista pela Portaria nº 267/2018, de 20.09. Os Juízes Desembargadores Armando Azevedo – Relator Cristina Xavier da Fonseca – 1ª Adjunta Anabela Varizo Martins – 2ª Adjunta [1] Entre as questões de conhecimento oficioso do tribunal, no que para o caso poderia relevar, estão, as irregularidades no caso no nº 2 do artigo 123º do CPP e as nulidades insanáveis do artigo 119º do C.P.P.. |