Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1479/20.0T8BRG-D.G1
Relator: CARLA SOUSA OLIVEIRA
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
REVISÃO DA MEDIDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/16/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A Lei nº 147/99, de 1.09, que aprovou o regime jurídico de protecção de crianças e jovens em perigo (LPCJP) tem como objectivo a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral.
II - A aplicação das medidas de promoção e protecção previstas no art.º 35º da LPCJP visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado pelos pais, pelo representante legal ou por quem tenha a sua guarda de facto e encontra-se sujeita aos princípios orientadores constantes do art.º 4º da LPCJP, dos quais ressalta em primeiro lugar a defesa prioritária do superior interesse da criança.
III - O tribunal, na concretização do interesse da criança deve apoiar-se em factos concretos e em razões de conformação e justificação racional que, na sua livre apreciação, fundamentam a decisão, fazendo uma apreciação global de todas as circunstâncias pertinentes a um consenso que determine uma solução justa e adequada a cada caso; sendo que os direitos da criança prevalecem sempre sobre os direitos dos pais e a decisão tomada em favor daquela, conforme o seu interesse e não contra os pais.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

No presente processo de promoção e protecção instaurado pelo Ministério Público relativamente à criança:
AA, nascida a ../../2018 filha de BB e de CC, foi proferido despacho, em 29.07.2025, ao abrigo do disposto no art.º 62º, da Lei nº 147/99, de 1.09, com o seguinte teor:

“I - Nos presentes autos de promoção e proteção instaurados relativamente à criança AA, nascida em ../../2018 (16 anos), filha de CC e de BB, devidamente identificada nos autos, foi aplicada, em 17-05-2023, a medida de promoção e proteção apoio junto de outro familiar, os avós maternos, DD e EE.

Tal medida foi sucessivamente prorrogada.
II - Em sede de revisão da medida, veio a Equipa da Segurança Social apresentar relatório social, pugnando pela prorrogação da medida aplicada de apoio junto de outro familiar, os referidos avós maternos, por mais 6 meses.

Aí se refere ainda que «(…) da análise da perícia realizada à criança, que não vem confirmar a existência de uma situação de abuso sexual, e o facto de o processo-crime ter sido arquivado, caso seja entendimento do douto tribunal, propõe esta equipa que o pai possa ir buscar e levar a AA a casa dos avós maternos e da mãe de forma autónoma sem se fazer acompanhar da sua mãe (avó paterna) e irmã (tia paterna). Concordando-se com a proposta sugerida pelo pai quanto ao alargamento do regime convivial, o que já tinha sido também sugerido por esta equipa de ATT, por se considerar ser mais benéfico para a criança.
Uma vez que esta equipa de ATT apenas teve acesso à informação Clínica de Psicologia, da Dra FF, que acompanha a AA no Hospital ..., facultada pela mãe. Considera-se importante e pertinente sugerir ao douto tribunal que seja solicitada Informação Clínica junto da Pedopsiquiatra, Dra. GG do Hospital ..., que acompanha a AA, de modo a aferir-se a evolução deste acompanhamento médico e na eventualidade de existir algum diagnóstico, qual a intervenção que melhor se adequa (…)».
Os progenitores e os avós maternos foram notificados para se pronunciarem sobre a revisão da medida e o parecer da Segurança Social e não se opuseram à prorrogação da medida.
O Ministério Público promoveu que se mantivesse a medida já aplicada, nos termos sugeridos.
Face ao exposto, a medida aplicada deve continuar a ser cumprida, nos termos indicados pela Segurança Social.

III - Decisão
Assim, nos termos do disposto no artigo 62º, nºs 1, 2 e 3, al. c), da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro) decido:
1. Manter a medida de promoção e de proteção aplicada à criança AA, nascida em ../../2018, de apoio junto de outro familiar, os avós maternos, DD e EE, por um período de 6 meses;
2. Solicite ao Hospital ..., ao cuidado da Srª Drª GG, pedopsiquiatra que acompanha a menor, que informe da evolução do acompanhamento de que a criança tem beneficiado e, na eventualidade de existir algum diagnóstico, qual a intervenção que tem por mais adequada, nos termos promovidos.
3. Que se deve prosseguir o alargamento dos convívios paterno-filiais, já determinados no despacho de 12-07-2024, podendo o pai recolher e entregar a filha na casa dos avós maternos e da mãe, sem ter de se fazer acompanhar pela sua mãe ou irmã.
4. Na sequência desse alargamento dos convívio paterno-filiais, o pai estará com a menor à quarta-feira, entre as 19,00h e as 20,30h, recolhendo e entregando a menor na casa da mãe. Além disso, o pai estará com a menor aos fins de semana, de 15 em 15 dias, desde as 10,00h de sábado às 19,00h de domingo, com pernoita, incumbindo ao pai a recolha e entrega da menor.”.
Notificada, veio a progenitora interpor recurso desta decisão, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
“I - É do entendimento da aqui recorrente que o Tribunal “ a quo” errou na aplicação das normas do artigo nº 3, artigo 4º, artigo 7, e 13º da LPCJP e errou ao não aplicar artigo 1819º Código Civil ex vi artigo 4º da LPCJP, pelo que a decisão não se mostra devidamente fundamentada o que se sempre comportaria a sua nulidade relativamente à parte : “4. Na sequência desse alargamento dos convívio paterno-filiais, o pai estará com a menor à quarta-feira, entre as 19,00h e as 20,30h, recolhendo e entregando a menor na casa da mãe. Além disso, o pai estará com a menor aos fins de semana, de 15 em 15 dias, desde as 10,00h de sábado às 19,00h de domingo, com pernoita, incumbindo ao pai a recolha e entrega da menor.” Sublinhado e negrito nosso, o que, nos termos e para efeito do artigo 154º e alínea b), nº1 do artigo 615º do CPC, esta é nula por falta de fundamentação nesta parte.
II- Da análise crítica das provas, mormente do último relatório social junto aos autos no pretérito dia 02 de Julho de 2025, consta que a senhora relatora não conseguiu contactar a Dra. FF, nem como se conseguiu obter os relatórios médicos da pedopsiquiatra Dra. GG, do Hospital ....
II- Ora, tais relatórios, apesar da queixa-crime não se ter dado como provada para efeitos de acusação, não se pode nem deve concluir que o perigo esteja afastado.
III- Na verdade, nunca o pai progenitor alguma vez reclamou do relatório social, pelo que o despacho decisório da revisão da medida mostra-se pouco ou nada fundamentado.”.
Terminou pedindo que:
“1º- Seja revogada a decisão recorrida, por violação dos artigos 3º,4º, 7º. 11º e 13º da LPCJP e dos artigos 154º e alínea b), nº1, artº 615º do CPC.
2º- A baixa dos autos ao Tribunal a quo, com a consequente repetição ou se assim entenderem, ampliação da matéria de factos na aferição dos relatórios médicos, ordenando-se, previamente, a realização de diligências periciais e exames psicológicos sugeridos pela equipa de segurança social e médicas especialistas, de modo, a permitir uma decisão plenamente esclarecedora e esclarecida.
O progenitor da menor e o Ministério Público apresentaram contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da decisão proferida em 1ª Instância.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal).
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As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pela recorrente, são as seguintes:
- da nulidade da decisão recorrida, mormente, no que concerne ao ponto 4, nos termos da al. b) do nº 1 do art.º 615º do NCPC;
- da necessidade de realização de realização de diligências periciais e exames psicológicos alegadamente sugeridos pela equipa de segurança social e médicas especialistas, e respectivas consequências;
- da colisão do decidido com o disposto nos art.ºs 3º, 4º, 7º e 13º da LPCJP e art.º 1918º, do CC, ex vi art.º 4º, da LPCJP [ a referência nas conclusões ao art.º 1819º, do CC trata-se claramente de lapso de escrita].
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III. Fundamentação

3.1. Fundamentação de facto
A factualidade a ponderar é a que decorre do iter processual supra exposto.
Nos termos dos nºs 3 e 4, do art.º 607º, ex vi do nº 2, do art.º 663º, ambos do NCPC, tendo por base a prova documental e a consulta dos processos apensos – mormente, o processo de regulação das responsabilidades parentais [processo principal]; o processo de promoção e protecção [apenso A] e o processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais [apenso B] -, consideram-se ainda provados os seguintes factos:

a) Conforme assento de nascimento nº ...69, do ano de 2018, datado de 29.12.2018, emitido pela Conservatória do Registo Civil ..., no dia ../../2018, na freguesia ... (...), concelho ..., nasceu AA, filha de CC e de BB;
b) Consta como Averbamento nº 1, de 2020-08-11, a tal assento de nascimento, ter sido “[h]omologado acordo do exercício das responsabilidades parentais, nos termos da sentença de 08 de junho de 2020, proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca de Braga, Juízo de Família e Menores de Braga, Juiz ..., ficando a registada a residir habitualmente com a mãe, sendo as responsabilidades parentais exercidas por ambos os pais”;
c) Também ficou estipulado no referido acordo, para além do mais, o seguinte:
“O pai poderá privar com a criança, sempre que quiser, em casa da mãe ou na escola que a mesma frequente, sem prejuízo do respeito pelas suas atividades lúdicas, pré-escolares, escolares, descanso, alimentação, amamentação e demais rotinas da mesma e da família;

O pai, atentos os 17 meses da filha, ao que acresce o facto de a mesma depender da mãe para a competente amamentação, poderá estar com a mesma aos fins de semana de quinze em quinze dias, indo buscá-la, para o efeito, a casa da mãe, aos Sábados e aos Domingos, pelas 11.30h, entregando-a pelas 19h00, a fim de continuar a permitir a amamentação da AA.
A partir de 1 de setembro aos fins de semana de quinze em quinze dias, o pai vai buscar a AA a casa da mãe, aos Sábados e aos Domingos, pelas 10.00h, entregando-a pelas 19h00, a fim de continuar a permitir a amamentação da AA.
Quando a criança deixar de ser amamentada, o pai passará com a mesma os fins de semana de 15 em 15 dias, indo buscá-la, para o efeito, a casa da mãe, pelas 10.00h de Sábado, entregando-a às 19h00 do Domingo.”.
d) No dia 2.12.2022, por denúncia telefónica anónima, foi comunicado à CPCJ ..., que no fim de semana antes do ... a criança esteve com o pai e quando regressou a casa terá verbalizado que sentia dor na zona genital e que o pai “mexe no pipi”.
e) Tais factos foram comunicados ao DIAP de Braga.
f) A CPCJ ... deliberou por unanimidade em sede de reunião extraordinária, a remessa do processo de promoção e protecção para o Tribunal de Família e Menores, ao abrigo do art.º 11º, nº1, al. b), da LPCJP.
g) Dos registos clínicos do Hospital ... juntos aquele processo resulta que, em 31.10.2022, às 00:25, a menor “recorre ao SU acompanhada pela mãe - referindo rubor vulvar desde ontem. Mãe refere que notou alteração após estadia da menina com o progenitor. Exame limitado por falta de colaboração própria da idade. Genitália externa sem alterações, sem escoriações, sem fissuras, sem exsudados patológicos. Hímen aparentemente integro. P/ Alta com conselhos adequados. Tranquiliza-se a mãe.”.
h) No dia 17.05.2023 foi obtido acordo para aplicação de medida protectiva à menor, tendo sido aplicada a medida de apoio junto de outro familiar, a executar na pessoa dos avós maternos, DD e EE, nos termos do disposto no art.º 35º, nº 1, al. b), da LPCJP, pelo prazo de seis meses.
j) Nesse âmbito, ficou ainda estabelecido que a menor AA estaria com o pai todos os fins de semana, ao domingo, das 10:00 horas às 19:00 horas, sempre com a presença da avó paterna ou da tia paterna (nunca ficando o progenitor só com a filha) e que os feriados seriam alternados e a gerir pela ATT.
l) Ainda no âmbito do referido acordo, os avós maternos e os progenitores da menor comprometeram-se a cumprir as obrigações constantes do plano de intervenção para a execução da medida elaborado pela técnica da ATT, gestora do processo, e a progenitora aceitou ser submetida a uma avaliação psicológica forense, a realizar na APSI da Universidade ....
m) Entretanto, em 6.12.2022, no apenso de alteração das responsabilidades parentais – apenso B -, foi homologado, por sentença, o acordo celebrado entre os progenitores da menor, AA, no sentido de manter o regime que se encontrava em vigor relativamente às visitas da menor AA, mas sem pernoitas, sendo que o requerente devia encontrar-se sempre acompanhado pela sua mãe ou irmã quando fosse buscar a filha menor à casa da progenitora.
n) No dia 16.04.2024 foi junto aos autos de promoção e protecção relatório social de acompanhamento da medida, do qual consta o seguinte parecer técnico:  
“Decorrente do acompanhamento da execução da medida, de Apoio junto de Outro Familiar, consubstanciada aos Avós Maternos, aplicada à menor AA, conclui esta equipa que, em relação a BB, ainda se verifica a presença de fragilidades (e.g. instabilidade profissional, emocional, social, e a nível das competências parentais, destacando-se dificuldade em exercer autoridade sobre a criança, em momentos de maior desafio).
Atendendo que a mãe reside no mesmo agregado familiar materno, constata-se que os avós, de alguma forma, também se revelam algumas fragilidades (e.g. comunicação frágil e empobrecida com a filha, sendo a comunicação considerada a base para o entendimento e resolução dos problemas, podendo estar a ser um constrangimento no exercício da parentalidade, enquanto responsáveis pela neta. Parecem existir algumas incongruências, quer nos relatos da mãe, quer no dos avós, adotando estes uma atitude passiva e, de certa forma, protetora em relação à filha, evitando, assim, confrontá-la com as situações.
Nas narrativas de BB, é percetível que ainda se apresenta muito focada no acontecimento que despoletou o presente processo de promoção e proteção, adotando uma postura hipervigilante em relação aos comportamentos da filha.
Da análise da perícia psicológica, resulta que a BB, apresentou valores clínicos na ideação paranoide, o que de resto vai ao acordo do funcionamento da avaliada, no qual é percetível a atribuição de intenções e significados a certos comportamentos e desenhos da filha”(…)” não obstante, destaca-se a sua elevada preocupação e hipervigilância em relação à filha e aos comportamentos desta, os quais se podem assumir com um fator de risco” (Transc. Perícia realizada a 04/12/2023).
Perante o explanado no presente relatório, e atenta ao resultado da perícia, é entendimento desta equipa que as narrativas da mãe podem, de algum modo, estar a fragilizar o bem-estar emocional da criança, constituindo-se como fator de risco.
Não é do conhecimento desta equipa se a BB, efetivamente, recebeu alta clínica das consultas de psiquiatria, contudo, é entendimento desta equipa de ATT que a BB precisa de acompanhamento especializado, no sentido de se restabelecer emocionalmente, considerando-se que estas consultas poderiam ser uma mais valia para a sua estabilidade e, simultaneamente, para o bem-estar da AA.
Mais se refere que é de extrema importância ter conhecimento do resultado das perícias efetuadas à criança e ao pai, para que esta equipa possa analisar/avaliar a necessidade de reajustar a intervenção em curso.
Assim, e caso seja entendimento do douto tribunal, somos a propor a prorrogação da medida de Apoio junto de Outro Familiar, na pessoa dos Avós Maternos por mais seis meses.”.
o) No dia 22.04.2024, foi junto aos autos de promoção e protecção certidão da perícia realizada no âmbito do processo de inquérito nº 5720/22.6T9BRG e do respectivo despacho de arquivamento.
p) Do Relatório de Perícia Psicológica Forense realizado à criança consta:
“Importante será referir também que é claramente notória a conflitualidade existente entre os progenitores. O facto da menor ter demonstrado instabilidade após visita ao pai, poderá estar associada a outros fatores como a conflitualidade entre os pais e não com uma situação de abuso sexual. No entanto, será importante ainda referir que na ausência de sintomatologia ou evidências de abuso, não significa que esses abusos não possam acontecer.
Devido à conflitualidade existente entre os progenitores a menor vê-se permanentemente a ter que fazer opções entre um e outro e a tentar a agradar cada um deles.
Quando está com o pai tem um discurso para tentar agradá-lo e ter a sua atenção, quando está com a mãe tem comportamento idêntico.
A menor está confusa e instável devida à situação de conflito familiar permanente.
Da análise da avaliação efetuada constata-se que nenhum dos atuais relatos da menor se afiguram suspeitos de uma situação de abuso sexual.
Não se verificam indicadores ou sintomatologia específica associada a situações de abuso sexual ou outra sintomatologia com significado clínico. Não se apresentaram evidências consistentes de abuso sexual, a partir do brincar e de outros comportamentos não verbais.
No contacto com a menor não foi identificada sintomatologia clinicamente valorável de abuso, embora seja importante referir que tal não subentenda que não possa ter sucedido, pelo que não constitui per si evidência da validação ou invalidação de alegado abuso.”
q) E pode ler-se no despacho de arquivamento o seguinte:
“Ninguém assistiu aos factos denunciados. A menor relatou factos à progenitora e após, ouvida à psicóloga já imputou os factos ao Mateus, uma criança da escola.
Do exame psicológico à menor resulta que não se verificam indicadores ou sintomatologia específica associada a situações de abuso sexual ou outra sintomatologia com significado clínico.
Vertendo ao caso ora em apreço, verificamos que não avultam sinais suficientes, por banda do denunciado, da prática dos factos investigados, razão pela qual o mesmo não foi constituído arguido (nos termos do artigo 58.º, a contrario, do Código de Processo Penal).”
r) Na sequência foi ordenado que fosse remetida cópia da aludida certidão à ATT a fim da técnica gestora do processo informar se mantinha o teor do relatório social.
s) Em resposta, foi junto aos autos em 7.07.2024 novo relatório do qual consta como conclusão/parecer técnico:
“É entendimento desta equipa ATT, que os convívios paterno filiais, deverão ser alargados, por se considerar ser mais proporcional para a criança, permitindo-lhe desta forma fortalecer os laços afetivos com o progenitor e família alargada paterna.”
t) No referido relatório sugere-se que o regime dos convívios se processasse nos seguintes termos:
“- Fins de semana quinzenais, ao sábado e domingo, das 10 h às 19h, numa primeira fase;
- jantar com a filha ao meio da semana, quarta-feira ou quinta-feira, das 19h às 21h;
- Fins de semana quinzenais, das 10h às 21h, numa segunda fase, a partir do mês de agosto;
- Férias na primeira quinzena de agosto (05 a 16 de agosto) das 10h às 21h;
- Posteriormente começar por incluir uma pernoita.”.
u) Entretanto, em 2.05.2024, a progenitora, notificada do relatório da técnica do ATT, veio requerer que se procedesse a perícia psíquica ao progenitor, a uma audição da relação parental para perceber o tipo de relação existente entre a criança e os pais e que a menor fosse sujeita a nova avaliação clínica.
v) Notificada a técnica gestora do processo para se pronunciar sobre o assim requerido, veio a mesma dizer o seguinte:
“Na sequência do vosso ofício nº190958766, com a data 2024-05-31, relativo ao processo nº 1479/20.0T8BRG-A, que mereceu a nossa melhor atenção, cumpre-nos informar V. Exª que relativamente ao solicitado, é de entendimento desta equipa ATT, que atendendo ao resultado da avaliação diagnóstica efectudada, no âmbito do processo de Promoção e Proteção e do acompanhamento da execução da medida protetiva, que tem vindo a ser desenvolvido, não nos afigura necessário que o progenitor seja submetido a perícia psicológica forense, e dado que, a ser relevante a sua execução, considera-se que a referida perícia teria sido solicitada no âmbito do processo crime. Assim como, solicitada a audição da relação paternal, para perceber os tipos de relação existentes entre a criança, ambos os pais, e seus descendentes, e a criança apresentar aversão ao sexo masculino, informa esta equipa, que estas questões foram analisadas aquando a avaliação diagnóstica e no decurso do acompanhamento da medida. Considerando-se o superior interesse da criança, a mesma deve ser protegida e não exposta a uma multiplicidade de técnicos/profissionais de saúde, permitindo desta forma minimizar danos emocionais na AA. Pese embora, deixa-se à consideração do douto tribunal quanto ao pretendido.”.
x) No dia 12.07.2024, foi proferido despacho de revisão dos pressupostos da medida protectiva do seguinte teor:
“São os presentes autos relativos a AA, nascida em ../../2018, a favor de quem foi aplicada, em 17 de Maio de 2023, a medida de promoção e protecção de apoio junto de outro familiar, a executar na pessoa dos avós maternos, DD e EE, nos termos do disposto no art.º 35.º 1, al. b), da LPCJP.
Conforme resulta do relatório da ATT e do parecer da Digna Procuradora da República mantêm-se «…os pressupostos que determinaram aplicação da medida protetiva à criança AA, nascida a ../../2018 e da necessidade de intervenção em sede protetiva necessidade essa agora reforçada com a junção da certidão do DIAP e do teor do relatório da perícia realizada à criança onde se fez constar “Importante será referir também que é claramente notória a conflitualidade existente entre os progenitores. O facto da menor ter demonstrado instabilidade após visita ao pai, poderá estar associada a outros fatores como a conflitualidade entre os pais e não com uma situação de abuso sexual...
…Devido à conflitualidade existente entre os progenitores a menor vê-se permanentemente a ter que fazer opções entre um e outro e a tentar a agradar cada um deles. Quando está com o pai tem um discurso para tentar agradá-lo e ter a sua atenção, quando está com a mãe tem comportamento idêntico.
A menor está confusa e instável devida à situação de conflito familiar permanente.”».
Perante tal factualidade é indiscutível que a jovem continua exposta a uma situação de perigo - cfr. art.º 3.º, n.º 1 e n.º 2, al. f) da LPCJ.
Em consequência determina-se a prorrogação da execução da medida de apoio junto de outro familiar, pelo período de seis meses, nos termos dos art.ºs 35.º, n.º 1, al. b), 39.º e 62.º, n.ºs 1 e 3, al. c), da LPCJP, mantendo-se todas as obrigações constantes do acordo de promoção e protecção e do plano de intervenção para a execução da medida.
Por se concordar com a posição da ATT e o parecer da Digna Procuradora da República, face à certidão remetida pelo DIAP de Braga de onde resulta que o processo crime foi arquivado determina-se que os convívios paterno-filiais, deverão ser alargados, para permitir fortalecer os laços afectivos da criança com o progenitor e família alargada paterna, nos termos já definidos no relatório.”.
z) Notificados, nenhum dos intervenientes processuais impugnou tal decisão.
aa) Em 2.07.2025, foi junto aos autos novo relatório social de acompanhamento da execução da medida, no qual se pode ler o seguinte:
“No âmbito do acompanhamento da execução da medida de Promoção e Proteção de Apoio junto de outro familiar, consubstanciada aos avós maternos, resulta o seguinte:
Em termos escolares, AA frequenta a sala dos 5 anos de idade, no Jardim de Infância ..., sendo que, este ano letivo, houve alteração de educadora, e passou a ser a Ed. HH. Da reunião estabelecida, a educadora informou que a criança, a nível de aquisição de conhecimentos e acompanhamento, encontra-se muito bem e vai concluir o ensino pré-escolar e transitar para o 1º ano de escolaridade.
A nível de higiene, apresenta-se bem, com vestuário adequado, come bem, na refeição do almoço pede para repetir, e não é seletiva em relação aos alimentos.
Em termos comportamentais, refere que a AA integrou bem a sala, apresenta uma boa interação com os pares e adultos, é uma criança que revela uma atitude protetora em relação às crianças, sendo evidente em relação às que entraram mais tarde, fazendo-se sempre acompanhar das mesmas. Considera que a criança está bem emocionalmente, diz nunca ter revelado sinais de instabilidade, assim como, verbaliza que a AA nunca apresentou indícios de existência de um ambiente familiar disfuncional.
Informa ainda que AA, habitualmente leva desenhos de casa para a educadora e para a auxiliar.
Quanto à relação Escola/Família, verbaliza que a mãe e a avó materna têm participado nas reuniões de pais, questionando sobre a situação escolar da AA. Refere ainda que são os avós e a mãe que habitualmente vão levar e buscar a criança.
Relativamente ao pai, refere que este solicitou uma reunião com a educadora em dezembro. Colocou questões sobre a evolução escolar da AA, e informou a educadora sobre o que a AA faz em sua casa aos fins de semana.
Tendo demonstrado interesse em ter acesso à plataforma para se inteirar sobre todos os assuntos relacionados com o contexto escolar. Do contacto estabelecido com o pai, a educadora diz, ter adotado uma postura de interesse e preocupação em relação à filha. Informa que este ano o jardim de infância não celebrou o dia do Pai, no entanto, teve conhecimento que a AA privou com o mesmo.
Da entrevista realizada aos avós maternos, os mesmos referem que está tudo bem. Consideram que a AA está melhor, mais desenvolvida. Abordadas as rotinas da AA, sobretudo quanto à necessidade de promover autonomia quanto a dormir sozinha, uma vez que ainda se mantém a dormir com a mãe. Deram nota que vão aproveitar o período de verão para fazer esta adaptação, fazendo algumas alterações no quarto.
Informam que a neta, no próximo ano letivo, integrará o 1º ano de escolaridade, tendo efetuado inscrição em cinco escolas, EB1 por área de preferência, pese embora, os avós tivessem preferência pelo ensino privado, que a neta frequentasse o Colégio ..., por ter sido o colégio onde a mãe estudou, contudo, o pai não se mostrou recetivo.
Demonstrando os avós o seu desagrado, apesar de referirem que se disponibilizavam para assumir o pagamento total da mensalidade do colégio.
Referem ainda que continua a existir comunicação com o pai, informando-o sobre todos os assuntos relacionados com a filha.
Abordou-se como têm decorrido os contactos por videochamada entre a criança e o pai, informam os avós que a neta recusa falar com o pai ao telefone "grita, a dizer que não gosta dele"(sic), no entanto, referem que a AA também não quis falar com o tio-avô materno ao telefone. Acrescentam que nunca inviabilizaram os contactos paterno filiais, demonstrando recetividade para que o pai entre em casa, para levar a AA, situação que dizem o pai não ter demonstrado recetividade.
Foi referido junto dos avós maternos, uma vez que o processo-crime contra o pai foi arquivado, o regime de convívio paterno filial deverá ser alargado, incluindo pernoitas. Sendo perctével a resistência apresentada, sendo mais evidente por parte do avô, referindo não concordar, acrescentando " vai pôr a criança na boca do lobo"(sic). Verbalizou ainda o avô "o processo só foi arquivado, porque apesar de existir uma prova, não foi considerada"(sic). Foi esclarecido junto dos avós que as pernoitas deverão ocorrer de forma gradual, tendo sido sensibilizados para a importância de adotar uma atitude facilitadora.
Em relação à mãe, os avós consideram que o facto de BB se encontrar no momento a trabalhar, consideram positivo, apesar de não ser o ideal, no entanto, continua a desenvolver esforços, enviando currículos e concorrendo a alguns concursos, no sentido de encontrar uma proposta relacionada com a sua área de formação (Comunicação Social), "pelo menos está ocupada e convive com outras pessoas" (sic).
Quanto à relação da mãe com a AA, verbalizam que continua a demonstrar uma relação afetuosa e protetora com a filha, continuando a desenvolver atividades em conjunto, participando em todos os contextos, escolar, saúde e familiar.
Da entrevista com a mãe, informa que, em termos laborais, se encontra a trabalhar como Estafeta na GLOVO, desde dezembro de 2024. Sendo que oficialmente a partir de finais de fevereiro de 2025, na modalidade de Trabalhadora Independente, e com regime de flexibilidade de horário, dando-lhe oportunidade de escolher os dias de folga.
Diz ser remunerada por número de pedidos e Kms que efetua, informa que em sensivelmente duas semanas recebeu 200€.
BB diz estar satisfeita com este trabalho, principalmente por lhe permitir organizar-se de acordo com as rotinas da AA, podendo acompanhá-la à escola, consultas´, etc. No entanto, refere que continua a tentar encontrar um trabalho na sua área de formação.
Em termos de saúde, BB informa que se encontra em acompanhamento na especialidade de Psiquiatria, com com o Dr. II, referindo que lhe foi prescrita medicação para dormir só pelo período de um mês, e fluoxetina para ajudar na parte emocional. Informa que teve consulta em fevereiro/25 e que tem agendamento de nova consulta para 22 de maio/25.
Em relação ao acompanhamento a nível Psicológico com a Dra JJ, informa que teve uma consulta em março/25 e outra em abril/25, ambas as consultas de Psicologia e Psiquiatria, decorrem no Hospital ....
Foi solicitado à mãe que nos informasse que alterações perceciona na AA atualmente. BB considera que, a nível comportamental, têm existido melhorias "já não atira com o calçado ou outros objetos"(sic), é do seu entendimento que esta evolução resulta do acompanhamento psicológico semanal que a filha se encontra a beneficiar com a Dra. FF no Hospital .... Diz que a AA está a saber gerir melhor as emoções, referindo que a filha gosta da psicóloga.
AA encontra-se em acompanhamento na especialidade de Pedopsiquiatria, com a Dra. GG, no Hospital ..., desconhecendo-se o resultado destas consultas, não tendo sido referidas pela família. Esta equipa estabeleceu contacto com a Técnica de Serviço social de Pedopsiquiatria, que informa que a criança desde o início do acompanhamento teve consultas nas seguintes datas, a 01.03.2024; 04.06.2024; 24.10.2024 e 21.03.2025.
No contexto familiar, a mãe, verbaliza que AA está a cumprir melhor as regras definidas, obedecendo à mãe e aos avós maternos.
Quanto ao padrão alimentar, diz que AA não apresenta problemas, apenas não gosta muito de legumes, mas por norma introduz na sopa. Em relação ao padrão de sono, refere que AA tem medo do escuro, diz que este relato da filha se acentuou há dois, três meses a esta parte, tendo colocado uma luz de presença no quarto, dormindo toda a noite na sua companhia.
BB foi sensibilizada para a importância de a filha passar a dormir no seu próprio quarto, promovendo a sua autonomia a este nível. Relatou que a AA tem manifestado esta vontade, dizendo que quer dormir sozinha, dá nota que está a pôr o quarto ao gosto da menina, para que se sinta mais confortável.
Em termos escolares, confirma que tem estado presente com a sua mãe, nas reuniões de encarregados de educação agendadas pela educadora, demonstrando satisfação com os progressos da filha neste contexto, e o facto de transitar para o 1º ano de escolaridade. Fez referência ao facto de o pai, não concordar com o ensino privado, entende que o motivo possa estar relacionado com o nível de exigência, e a pressão que possa existir com os alunos nesta tipologia de ensino.
Refere ainda que AA se encontra a praticar a modalidade de Ballet e dança contemporânea, às 4ªs feiras, das 18h às 18h:45m/19horas, "gosta por ser mais calmo, faz bem"(sic).
Quanto aos contactos paterno filiais, por videochamada BB confirma o relatado pelos avós, "a AA não quer falar com ele, não gosta dele, pega no telemóvel atira-o para debaixo do sofá, da passadeira, ou mete-o dentro da gaveta" (sic).
Informa que, às 15h-16h, os pais estabelecem contacto com o progenitor e a AA não quer falar. Acrescenta que o pai habitualmente faz a ligação com 10 minutos de atraso e que tira tempo.
Relativamente aos contactos presenciais com o pai ao fim de semana, refere " quando chega a casa sinto-a mais leve". BB foi informada sobre a importância de AA iniciar as pernoitas em casa do pai, uma vez que o processo-crime foi arquivado, tendo a mãe referido "tenho dúvidas quanto ao arquivamento do processo-crime", não tendo especificado em concreto quais as suas dúvidas.
Da entrevista com a AA, constata-se que a criança se apresenta mais comunicativa, e colaborante, descreveu as rotinas em cada um dos contextos materno e paterno. Foi percetível, neste contacto presencial, que AA, nas suas narrativas, em momento algum, fez referências negativas à figura paterna, descrevendo as atividades que realiza em conjunto com o pai, demonstrando satisfação com estes momentos. Informou que a tia paterna está grávida, manifestando entusiasmo com o nascimento da prima " vou ter uma prima, vai-se chamar Iris, nasce em junho" (sic), refere que gosta do KK (namorado da Tia Paterna), " o KK é meu amigo". Continuando a fazer referência à confeção das refeições pela avó paterna, esboçando um sorriso.
Tendo também descrito as atividades que realiza no contexto materno, sendo mais evidente em conjunto com a figura materna.
Da entrevista com o pai, este informa que a situação laboral mantém-se inalterada. Refere que a nível de agregado familiar a irmã se autonomizou, encontrando-se a viver com o namorado, no interior do mesmo espaço, embora na sua casa. Confirma que a irmã se encontra grávida, estando o nascimento previsto para meados do mês de junho. Refere que a AA quando teve conhecimento que a tia estava grávida, ficou contente.
Relativamente à comunicação com os avós maternos e a mãe de AA, informa que continua a comunicar com os avós, existindo cordialidade de ambas as partes, com a BB esporadicamente. Diz ter existido necessidade de fazer um ajuste no horário dos convívios, passando ao sábado a ser das 10h às 21h e ao domingo das 09h:30 às 20h:30, não tendo existido nenhuma oposição por parte dos avós maternos. Relativamente ao facto de os avós o convidarem a entrar em casa quando vai buscar a AA, confirma não ter aceitado, por motivo de não se sentir muito confortável, parecendo ser uma situação de alguma forma constrangedora para o pai.
Quanto às pernoitas, ainda não tiveram início, apesar de o pai ter sugerido que pudessem começar na primavera, contudo, não veio acontecer. Refere que os avós o informaram que não foram notificados pelo tribunal. Quanto às videochamadas, ocorrendo estas diariamente, o pai confirma que a AA, nem sempre quer falar, e diz não insistir. Informa ainda que quando a AA se encontra na sua companhia aos fins de semana, e quando os avós contactam, também nem sempre a AA apresenta disponibilidade para conversar.
Ainda em relação aos convívios de fim de semana, refere continuar a promover atividades em conjunto com a filha (e.g. ir ao parque, andar de bicicleta, correr, fazer visita à quinta pedagógica). Refere que a AA em termos de alimentação, faz a refeição de almoço e jantar, com normalidade, apresentando satisfação por ser confecionada pela avó paterna. Mantém convívios com a família alargada paterna.
Relativamente ao equipamento educativo a frequentar pela AA no próximo ano letivo, se público ou privado, o pai diz não concordar com o ensino privado, por considerar que no ensino público, também há exigência por parte dos professores, e entende que os alunos empenhando-se e sendo acompanhados podem obter bons resultados. Também refere que pese embora os avós maternos se disponibilizassem para assegurar o pagamento da mensalidade, no entanto, diz que não se iria sentir confortável com essa situação, considerando que seria sua obrigação contribuir com metade da mensalidade, compreende que os avós não ficaram muito agradados com esta sua posição.
Foi realizada visita domiciliária a casa do progenitor, podendo apenas ser realizada excecionalmente ao domingo, uma vez que só é possível aferir a interação paterno filial, aquando os convívios ao fim de semana.
O pai continua a fazer-se acompanhar pela sua mãe ou pela irmã, quando vai buscar e entregar a AA de acordo com o definido pelo tribunal.
Perspetiva dos intervenientes
- Perspetiva da criança/jovem
Aquando a realização da visita domiciliária a casa do progenitor, AA apresentou-se bem-disposta, conversadora, falou sobre a festa de finalista do ensino pré-escolar, entusiasmada por ter recebido um diploma, contou que ambos os progenitores e os avós maternos estiveram presentes. Diz ainda desconhecer qual a escola que vai frequentar no próximo ano letivo. Fez questão de mostrar o quarto, fazendo referência aos brinquedos, aí existentes. Fez pinturas e um desenho, disse gostar de estar nesta casa, fazendo também referência aos animais (e.g. cães, gatos, patos, galinhas, entre outros).
Enquanto a permanência da técnica, AA esteve sempre muito próxima do progenitor, ao seu colo, abraçando-o, fazendo-lhe carícias na face, e no cabelo. Enquanto fez o desenho, AA, demonstrou gestos de cumplicidade com o pai, (e.g. colocou a mão na perna do progenitor, tendo o mesmo dado a mão à filha, e aquando a finalização do desenho, voltou ao seu colo), sempre com uma atitude apelativa, e quando o pai se deslocava no interior da casa, AA acompanhava-o. O progenitor referiu à AA que tinha de ir ao quarto fazer a barba ao avô, AA, no imediato referiu "também quero ir" tendo o mesmo referido que o poderia acompanhar.
Pediu-lhe que queria ir ver a prima, que se encontra a residir no mesmo espaço, numa casa independente contígua à casa dos avós paternos.
No decurso da visita aproximou-se uma senhora que AA de forma entusiasta, disse " vem ali a LL" questionada quem era a LL, AA respondeu "é a senhora que vem buscar os ovos às galinhas", tendo a senhora saudado a AA de forma carinhosa, apresentando a criança satisfação, entendendo-se ser uma figura presente e por quem a AA nutre carinho.
Aquando a saída da técnica, AA quis acompanhar, de mão dada com o progenitor, dirigindo-se à casa da tia para fazer uma visita à Iris.
- Perspetiva da família
Os avós maternos, entendem a importância de promover convívios mais alargados entre a neta e o progenitor, referindo não ser seu propósito obstaculizar os mesmos, contudo, é percetível alguma resistência sendo mais evidente em relação ao avô, que diz não concordar, o que revela insegurança, demonstrando emotividade, acrescentando "vai pôr a criança na boca do lobo".
Relativamente à mãe, por um lado considera que a filha quando regressa dos convívios de fim de semana, que a sente "mais leve", por outro lado diz ter dúvidas quanto ao arquivamento do processo crime.
A avó paterna refere que a AA, nos momentos de convívio que se encontra lá em casa, está sempre bem-disposta, e muito conversadora. Na relação paterno filial a avó informa " nunca larga o pai, anda sempre atrás dele, e não gosta que se afaste dela, dá-lhe abraços, quer estar ao colo dele, o que viu agora" (sic).
O progenitor, considera que estão reunidas as condições para que os convívios com a filha possam ser alargados, à 4ª feira irá buscar a casa da mãe às 19 h e entrega às 20h:30m, aos fins de semana quinzenalmente vai buscar ao sábado às 10 h e entrega no domingo às 19 horas, compreende que as pernoitas deverão ocorrer progressivamente, referindo que não é sua intenção causar sofrimento na AA.
Após o contacto estabelecido com BB, abordou-se o pai, relativamente ao atraso de 10 minutos aquando as videochamadas como referido pela mãe, tendo o mesmo confirmado que por vezes acontece esse atraso. Ainda em relação a estes contactos, o facto de AA nem sempre estar disposta a falar com ele, diz compreender que possam existir estímulos distrativos que a façam desviar atenção. Referiu que no dia anterior sábado, a AA estava a ver um video do ..., e quando os avós ligaram, refere que ao pegar no telemóvel, percebeu que a AA tinha rejeitado a chamada, tendo direcionado a sua atenção para o vídeo, considerando esta situação como sendo normal, atendendo à idade da criança.
Mais acrescenta, que atendendo ao arquivamento do processo crime, considera que já não se justifica a presença da mãe ou da irmã na recolha e entrega da AA a casa da mãe, podendo fazê-lo autonomamente. Aquando a realização da visita domiciliária, o pai informou que a própria AA o questionou o motivo porque não vai sozinho buscá-la.
- Perspetiva da rede social de apoio formal e informal
Mencionada no presente relatório.
Parecer técnico
No âmbito do acompanhamento da execução da medida, de Apoio junto de Outro Familiar, consubstanciada nos Avós Maternos, aplicada à criança AA, conclui esta equipa:
Relativamente à mãe, em termos laborais encontra-se a trabalhar, apesar de não estar a exercer funções na sua área de formação, mas o facto de ocupar o tempo, ter uma rotina e alguma independência económica, considera-se um fator positivo.
Quanto à estabilidade emocional, considera-se importante que BB mantenha o acompanhamento nas consultas de Psiquiatria e Psicologia, permitindo-lhe encontrar estratégias para a ajudar na autorregulação das suas emoções e a gerir os comportamentos da AA sempre que se depare com alguma situação de maior dificuldade.
Quanto ao relacionamento entre mãe e filha, verifica-se a existência de vínculo afetivo e uma relação de cumplicidade entre ambas. Porém, é percetível, nas narrativas de BB, que o foco ainda continua a ser o acontecimento que precipitou a existência do presente processo, continuando a adotar uma postura hipervigilante no que respeita aos comportamentos da filha, sendo evidente a dificuldade em ultrapassar esta situação, manifestando insegurança e dúvidas quanto ao arquivamento do processo - crime, sendo sensibilizada para a importância da existência de um processo de mudança, devendo adotar uma atitude facilitadora, permitindo que a AA possa fortalecer os vínculos afetivos com o pai, promovendo a sua estabilidade emocional, e não se podendo descurar que se trata de um direito da criança privar com ambos os pais, por quem nutre afeto.
Constata-se que AA se apresenta mais comunicativa, colaborante, com um discurso mais fluído, verifica-se na interação paterno filial, que AA não manifesta qualquer atitude de evitamento ou rejeição à figura paterna, sendo evidente a existência de gestos de carinho e cumplicidade com o pai, sendo estes recíprocos, sentindo-se segura na presença do mesmo.
Da análise da perícia realizada à criança, que não vem confirmar a existência de uma situação de abuso sexual, e o facto de o processo - crime ter sido arquivado, caso seja entendimento do douto tribunal, propõe esta equipa que o pai possa ir buscar e levar a AA a casa dos avós maternos e da mãe de forma autónoma sem se fazer acompanhar da sua mãe (avó paterna) e irmã (tia paterna). Concordando-se com a proposta sugerida pelo pai quanto ao alargamento do regime convivial, o que já tinha sido também sugerido por esta equipa de ATT, por se considerar ser mais benéfico para a criança.
Uma vez que esta equipa de ATT apenas teve acesso à informação Clínica de Psicologia, da Dra FF, que acompanha a AA no Hospital ..., facultada pela mãe. Considera-se importante e pertinente sugerir ao douto tribunal que seja solicitada Informação Clínica junto da Pedopsiquiatra, Dra. GG do Hospital ..., que acompanha a AA, de modo a aferir-se a evolução deste acompanhamento médico e na eventualidade de existir algum diagnóstico, qual a intervenção que melhor se adequa.
É parecer desta equipa que se prorrogue, por seis meses, a medida em vigor, de Apoio junto de Outro Familiar, consubstanciada nas pessoas dos Avós Maternos.”.
bb) Cumprido o disposto no art.º 85º, da LPCJP, os progenitores e os avós maternos nada vieram dizer ou requerer.
cc) De seguida, foi proferida a decisão objecto do presente recurso.
dd) Após ter sido proferida a decisão recorrida e ter sido interposto o presente recurso, no dia 20.08.2025, foi junto aos autos relatório da pedopsiquiatra que acompanha a menor AA, Dra. GG, do qual resulta o seguinte:
“6 anos acompanhada em consulta de pedopsiquiatria, dinâmica disfuncional, mãe com aparentes traços paranoides, conflitualidade relacional por parte materna, relativamente ao pai, em consulta menina sem episódios de desregulação emocional ou comportamentos observáveis. Pede-se a presença do pai na próxima consulta…”.
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3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. Da nulidade da decisão recorrida
Conforme supra delimitamos é objecto primordial do presente recurso aferir da nulidade da decisão recorrida, com fundamento na al. b) do nº 1 do art.º 615º do NCPC.
Antes de mais, importa dizer que o tribunal a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, mas não se pronunciou sobre a arguida nulidade, como se lhe impunha, atento o disposto nos art.ºs 641º, nº 1 e 617º, nº 1 do NCPC.
Porém, a omissão de despacho do tribunal a quo sobre as nulidades arguidas não determina necessariamente a remessa dos autos à 1ª instância para tal efeito (cfr. nº 5, do referido art.º 617º), cabendo ao relator apreciar se essa intervenção se mostra ou não indispensável – cfr., neste sentido Abrantes Geraldes, in Recursos no Processo Civil, 6º edição, p. 149.
Tendo presente a natureza da questão suscitada e o enquadramento que deve merecer, não se justifica a baixa do processo para a pronúncia em falta, passando-se desde já ao conhecimento da suscitada nulidade.
Sustenta a recorrente que a decisão recorrida é nula, por violação do disposto nos art.ºs 154º e 615º, nº 1, al. b), do NCPC.
Vejamos.
De acordo com o estatuído no art.º 126º da LPCJP ao processo de promoção e protecção são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, na fase de debate judicial e de recurso, as normas relativas ao processo civil declarativo comum.
Neste conspecto, importa trazer à colação o disposto no nº 1 do art.º 615º do NCPC, de acordo com o qual:
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido”.

Tal normativo aplica-se aos despachos, com as necessárias adaptações – cfr. art.º 613º, do NCPC.
Começaremos por precisar que as decisões judiciais se podem encontrar viciadas por causas distintas, sendo a respectiva consequência também diversa: se existe erro no julgamento dos factos e do direito, a respectiva consequência é a revogação, se foram violadas regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou que respeitam ao conteúdo e limites do poder à sombra do qual são decretadas, são nulas nos termos do referido art.º 615º.
As causas de nulidade taxativamente enumeradas no citado normativo legal não visam o chamado erro de julgamento e nem a injustiça da decisão, ou tão pouco a não conformidade dela com o direito aplicável, sendo coisas distintas, mas muitas vezes confundidas pelas partes, a nulidade da sentença e o erro de julgamento, traduzindo-se este numa apreciação da questão em desconformidade com a lei.
Não deve, por isso, confundir-se o erro de julgamento e muito menos o inconformismo quanto ao teor da decisão com os vícios que determinam as nulidades em causa.
Segundo alega a recorrente está em causa a nulidade prevista na al. b) do referido preceito.
Atento já supra exposto, afigura-se-nos ser de linear clareza que não lhe assiste razão.
O dever de fundamentação insere-se no dever constitucional e infraconstitucional de fundamentação de decisões judiciais, consagrado no art.º 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e no art.º 154º do NCPC, respectivamente.
Tal dever impõe que a decisão contenha uma fundamentação material ou activa, consistente na invocação própria de fundamentos que, ainda que coincidentes com os invocados pela parte, sejam expostos num discurso próprio, capaz de demonstrar que ocorreu uma verdadeira reflexão autónoma (vide, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1º, Coimbra Editora, 1999, p. 281; Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 2018, p. 188 e ac. do STJ de 06.07.2017, relatado por Nunes Ribeiro, disponível em www.dgsi.pt).
Cremos, pois, ser absolutamente consensual que o dever de fundamentação apenas se encontra dispensado no caso de decisões de mero expediente, sendo ainda certo que a decisão deve ser fundamentada nos termos que sejam justificados pelo caso em questão, designadamente, em função da maior ou menor complexidade das questões em causa ou do maior ou menor nível de discussão na jurisprudência ou na doutrina em torno das mesmas.
Não deve, contudo, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a primeira constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do art.º 615º citado.
A insuficiência ou mediocridade da motivação, como ensinava já Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Volume V, p. 140) afecta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade.
No mesmo sentido se pronuncia o Supremo Tribunal de Justiça no ac. de 03.03.2021 (processo nº 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) “[S]ó a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil.”.
O vício de fundamentação deficiente constitui, por isso, uma irregularidade da sentença ou despacho, mas não gera a sua nulidade.
Não podemos ainda deixar de lembrar que nos encontramos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária – por força do disposto no art.º 100º da LPCJP -, ao qual se aplica, por isso, o regime previsto nos art.ºs 986º a 988º do NCPC.
Muito embora os processos de jurisdição voluntária se caracterizem pela não sujeição a critérios de legalidade estrita, e antes de conveniência e oportunidade, tal não significa que deixem de estar sujeitos, nas decisões a proferir, ao dever de fundamentação a que nos referimos; é o que decorre com clareza do art.º 295º, aplicável ex vi do art.º 986º nº 1, e que remete expressamente para o art.º 607º, todos do NCPC.
O julgador não fica, por isso, eximido do dever de fundamentação: de fundamentar a sua decisão e de explicar os motivos que a determinaram.
Isto posto, no caso, não podem subsistir dúvidas que o tribunal a quo tinha a obrigação de fundamentar a decisão após prévia verificação das condições de execução da medida, em coerência com o projecto de vida da criança, visto tratar-se de decisão proferida em processo de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo, com medida já aplicada, no âmbito do qual podia aquele tribunal determinar a cessação da medida, a substituição da medida por outra mais adequada, a continuação ou a prorrogação da execução da medida, tal como prevê o disposto no art.º 62º da LPCJP.
Porém, na situação em apreço, importa igualmente ter presente a natureza transitória da decisão recorrida, bem como o contexto específico em que foi proferida e o limitado objecto sobre a qual incidiu, posto que a fundamentação deve ser, como vimos, adequada às circunstâncias e exigências do caso.
E, assim sendo, facilmente se verifica que o tribunal recorrido enunciou suficientemente os fundamentos que determinaram o sentido e alcance da decisão impugnada, tomando por referência concretas incidências resultantes dos autos.
Com efeito, pode ler-se na decisão ora posta em crise:
“Em sede de revisão da medida, veio a Equipa da Segurança Social apresentar relatório social, pugnando pela prorrogação da medida aplicada de apoio junto de outro familiar, os referidos avós maternos, por mais 6 meses.
Aí se refere ainda que «(…) da análise da perícia realizada à criança, que não vem confirmar a existência de uma situação de abuso sexual, e o facto de o processo-crime ter sido arquivado, caso seja entendimento do douto tribunal, propõe esta equipa que o pai possa ir buscar e levar a AA a casa dos avós maternos e da mãe de forma autónoma sem se fazer acompanhar da sua mãe (avó paterna) e irmã (tia paterna). Concordando-se com a proposta sugerida pelo pai quanto ao alargamento do regime convivial, o que já tinha sido também sugerido por esta equipa de ATT, por se considerar ser mais benéfico para a criança.»”.
A decisão recorrida apresenta de forma expressa, ainda que sucinta, os fundamentos que determinaram o sentido e o âmbito da decisão tendencialmente transitória proferida no âmbito da revisão da medida de promoção e protecção já aplicada nos autos. Medida essa, aliás, que foi fixada após ter sido obtido o acordo dos progenitores e dos avós maternos.
Como tal, a análise da decisão recorrida permite compreender, não só as circunstâncias que considerou relevantes para prorrogação do prazo de duração da medida de promoção e protecção anteriormente aplicada, por mais seis meses, mas também as razões justificativas do alargamento do regime de convívios da criança, aderindo aos termos propostos no relatório social elaborado pela técnica da ATT, que acompanha o processo.
Assim, ao contrário do que pretende a recorrente, entendemos ter sido suficientemente cumprido o dever de fundamentação enunciado no art.º 154º do NCPC, nem sequer se verificando os pressupostos necessários à anulação da decisão para a necessidade de fundamentação da matéria de facto ao abrigo do disposto no art.º 662º, nº 2 al. d) do NCPC, como melhor explicaremos infra.
Por conseguinte, não se verifica a invocada nulidade da decisão por falta de fundamentação, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 615º, nº 1, al. b), do NCPC, improcedendo, nesta parte, a apelação.

3.2.2. Da preterição de
diligências de instrução
Veio a recorrente argumentar que não podia o tribunal recorrido ter proferido decisão a alterar o regime de convívios entre o pai e a menor sem que previamente tivessem sido realizadas as diligências periciais e os exames psicológicos sugeridos pela segurança social.
A questão que se coloca consiste em apurar se foram omitidas diligências de instrução que possam interferir com a apreciação da revisão da medida aplicada à criança, cuja consequência é a nulidade do processado.
Não prevendo a Lei de Promoção de Crianças e Jovens em Perigo um regime de nulidades de actos processuais na fase de debate judicial aplica-se também nesta sede subsidiariamente o regime do Código de Processo Civil, como decorre do já citado art.º 126º, da LPCJP.
As nulidades processuais “[…] são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspectos processuais” [vide, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1993, p. 156].
Atento o disposto nos art.ºs 195º e seguintes do NCPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um acto proibido, omissão de um acto prescrito na lei ou realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, como referia Alberto dos Reis há nulidades principais e nulidades secundárias, que presentemente a lei qualifica como “irregularidades“, sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos [in, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 357].
As nulidades principais estão previstas, taxativamente, nos art.ºs 186º a 194º e 196º a 198º do NCPC e por sua vez as irregularidades estão incluídas na previsão geral do art.º 195º, do NCPC e cujo regime de arguição está sujeito ao disposto no art.º 199º do mesmo compêndio legal.
Contudo, no caso, porque alegadamente a decisão recorrida sancionou a omissão, na medida em que decidiu sem se pronunciar sobre os meios de prova referidos pela apelante, o conhecimento da nulidade pode-se fazer através deste meio de recurso. É que a nulidade estará coberta por uma decisão judicial que a sancionou ou confirmou, pelo que o meio próprio de a arguir, será precisamente o recurso.
Ora, a omissão de um acto de instrução não constitui uma nulidade principal, pois não consta do elenco das nulidades previstas nos art.ºs 186º a 194º e 196º a 198º do NCPC, nem está prevista como tal na LPCJP.
Representa, pois, a omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreve, que cai na previsão do art.º 195º do NCPC e por isso, configura uma irregularidade que só determina a nulidade do processado subsequente àquela omissão se influir no exame e decisão da causa, estando o seu conhecimento dependente da arguição, nos termos previsto no art.º 199º, do NCPC.
Revertendo ao caso que ora nos ocupa, e salvo o devido respeito, lido e relido o relatório social de acompanhamento de execução da medida aplicada [que acima transcrevemos na íntegra], não se vislumbra que se possa concluir pela necessidade de realização de qualquer diligência probatória prévia à prolação da decisão de revisão e muito menos que tenha sido sugerida a realização de quaisquer outros exames periciais e ou psicológicos. O que a técnica da ATT sugeriu foi apenas e tão que fosse solicitada informação sobre o acompanhamento médico que vem sido realizado à menor com vista a ajustar o acompanhamento que a própria técnica vem fazendo da medida aplicada.
Aliás, aquando da anterior revisão da medida aplicada, a técnica da ATT, após ter tido conhecimento do resultado das perícias realizadas à menor e ao progenitor no âmbito do processo de inquérito, pronunciou-se no sentido da desnecessidade de submeter o pai e/ou a criança a quaisquer exames periciais, mais afirmando que o tipo de relacionamento existente entre a criança e os progenitores, em particular com o pai já tinham sido analisados aquando da avaliação diagnóstica efectuada no decurso do acompanhamento da medida e que, tendo em conta o superior interesse da criança, esta deveria “ser protegida e não exposta a uma multiplicidade de técnicos/profissionais de saúde, permitindo desta forma minimizar os danos emocionais na AA”.
No caso, a decisão impugnada foi proferida no âmbito da revisão da medida de promoção e proteção já aplicada nos autos, surgindo na sequência de uma decisão anterior, homologatória do acordo de promoção e protecção e, por isso, não concretamente impugnada pelos progenitores.
Tal como prevê o art.º 62º, nº 1 da LPCJP, as medidas aplicadas são obrigatoriamente revistas findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses.
Por outro lado, de acordo com o preceituado no nº 3 do art.º 62º da LPCJP, a decisão de revisão determina a verificação das condições de execução da medida e pode determinar, ainda: a) a cessação da medida; b) a substituição da medida por outra mais adequada; c) a continuação ou a prorrogação da execução da medida.
Como se viu, o despacho recorrido manteve e prorrogou, por mais seis meses, a medida de promoção e protecção anteriormente aplicada nos autos, com definição do regime de convívios da criança, nos termos propostos pela ATT, apreciando a verificação dos requisitos atinentes à necessidade de manutenção da medida de promoção e protecção aplicada em benefício da criança, enquanto questões que se suscitam em sede de revisão de medida, o que não se confunde com a ponderação da pertinência ou necessidade da realização de determinados procedimentos probatórios relativos a meios de prova propostos pelos intervenientes no processo.
Saliente-se novamente que estamos no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, no qual pode o Tribunal investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes, de forma a adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, sem sujeição a critérios de legalidade estrita, nos termos que resultam do disposto nos art.ºs 100º, da LPCJP e 986º a 988º, do NCPC.
Nas palavras Alberto dos Reis (in, Processos Especiais, Vol. II, Coimbra, 1982, p. 399), na jurisdição voluntária o princípio da actividade inquisitória do juiz prevalece sobre o princípio da actividade dispositiva das partes: «[a]o passo que na jurisdição contenciosa o juiz só pode, em regra, servir-se dos factos fornecidos pelas partes (…), na jurisdição voluntária pode utilizar factos que ele próprio capte e descubra. (…). E se, na colheita dos factos, o juiz dispõe de largo poder de iniciativa, o mesmo sucede quanto aos meios de prova e de informação.
(…) na jurisdição contenciosa os poderes oficiosos do juiz em matéria de instrução do processo têm carácter subsidiário, em confronto com os poderes das partes, ao passo que na jurisdição voluntária não se verifica tal subordinação
».
A flexibilidade própria do caso concreto apela ao bom senso do julgador, para os critérios de razoabilidade das pessoas, para a capacidade inventiva ou para o talento improvisado do homem demandando uma plasticidade decisória, assente em critérios de adequação e de proporcionalidade (vide, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2020, p. 437).
E bem se compreende que assim seja, atentos os desígnios subjacentes à intervenção ao abrigo da LPCJP, na qual cabe primordialmente ao tribunal a função de gerir o modo como deve ser satisfeito o interesse fundamental que é tutelado pelo direito e que visa garantir o bem-estar e desenvolvimento integral das crianças e dos jovens em perigo (art.º 1º da LPCJP).
Neste contexto, os procedimentos probatórios relativos a meios de prova propostos pelos intervenientes no processo não constituem pressupostos processuais e/ou substantivos do despacho de revisão da medida, ainda que dependam de um juízo do tribunal sobre a respectiva pertinência, necessidade e oportunidade, como sucede com as perícias psicológicas ora questionadas pela recorrente/ progenitora.
Ademais, tratando-se da prorrogação de uma medida que já vinha sendo executada - estando já previsto anteriormente o progressivo alargamento dos convívios entre a criança e o progenitor - e resultando do relatório social de acompanhamento da execução da medida junto aos autos a 2.07.2025, que se mantinham os pressupostos da aplicação da mesma (o que, por si só pressupõe, ao contrário do que parece entender a recorrente, que foi tomada em consideração a existência de uma situação de perigo para o desenvolvimento saudável da menor), circunstância que a própria recorrente não contestou, não se vislumbra que dos autos decorressem motivos decisivos que impusessem a prévia realização de exames periciais com vista à revisão da medida de promoção em referência.
De todo o modo, e conforme decorre da factualidade adquirida nos autos, na decisão recorrida foi ordenada que fosse junta ao processo de promoção e protecção informação sobre a evolução do acompanhamento de que a criança tem beneficiado (consultas de pedopsiquiatria) e tal já foi concretizado.
Como tal, também aqui não se evidencia qualquer irregularidade ou omissão de formalidade que importe a anulação da decisão recorrida, improcedendo assim, nesta parte, as conclusões apresentadas pela apelante.

3.2.3. Da colisão do decidido com o disposto nos art.ºs 3º, 4º, 7º, 13º, da LPCJP e art.º 1918º, do CC, ex vi art.º 4º, da LPCJP
Aqui chegados, importa, pois, que o presente tribunal ad quem se pronuncie sobre a argumentação da recorrente que discorda com a decisão proferida essencialmente no que concerne ao estabelecido quanto aos convívios entre a menor e o progenitor. 
Na verdade, e conforme decorre do objecto recursório interposto, constata-se que a recorrente não questiona o juízo de prorrogação da medida de promoção e protecção aplicada, ou seja, não questiona a sua manutenção nos termos que haviam sido acordados e homologados, mas antes, e tão-só, que neste momento estejam reunidas as condições para a menor poder pernoitar em casa do progenitor.
Pelo que, na sindicância que ora se opera cumpre aferir se se justificava tal “alteração” na execução da medida de promoção e protecção aplicada, ou seja, se os elementos existentes nos autos justificavam tal alteração na execução, no sentido de permitir a pernoita da menor na casa do progenitor, sendo que tal alargamento do regime de visitas/convívios – a realizar de forma progressiva - já se encontrava previamente previsto na decisão de revisão anterior, atento o resultado dos exames realizados à menor e ao progenitor no âmbito do processo de inquérito iniciado por suspeitas de abuso sexual.
Analisemos.
Encontra-se constitucionalmente consagrado (cfr. art.º 69º nº 1 da Constituição da República Portuguesa) de que “as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”.
As crianças, sujeitos de direitos fundamentais, têm, pois, direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, designadamente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.
Tendo em vista a criação de medidas destinadas a assegurar essa protecção surgiu, entre outros diplomas legais, a Lei de Protecção de Crianças e Jovens e Perigo (LPCJP), que tem por objecto a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (art.º 1º).
Nela se consagra como primeiro princípio pelo qual se deve orientar, e a que deve obedecer a intervenção do Estado, o interesse superior da criança, prescrevendo o art.º 4º, al. a), que “a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.”
Na mesma linha de orientação, o art.º 3º, nº 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança, subscrita em Nova Iorque em 26.01.1990, e ratificada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90 (publicada no DR nº 211/90, Série I, 1º Suplemento, de 12.09.1990), determina que “[T]odas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”
Por interesse superior da criança deve entender-se “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (Almiro Rodrigues, “Interesse do menor, contributo para uma definição”, Revista Infância e Juventude, n.º 1, 1985, p. 18 e 19, citado por Tomé d`Almeida Ramião, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, 7ª Edição, Quid Iuris, p. 34).
Tal conceito, insusceptível de definição em abstracto só adquire eficácia quando referido ao interesse de cada criança, pois há tantos interesses da criança como crianças (ac. do STJ de 16.03.2017, relatado por Maria dos Prazeres Beleza, disponível em www.dgsi.pt), servindo o núcleo do conceito “de factor primordial na escolha da medida de promoção e protecção a aplicar, incumbindo ao julgador optar pela que melhor satisfaça o direito da criança a um desenvolvimento integral, no plano físico, intelectual e moral, devendo a difícil tarefa de assegurar a tutela efetiva dos direitos dos pais em confronto com os direitos da criança ser orientada e, em última análise, determinada pela necessária prevalência dos interesses desta última” (ac. do STJ de 05.04.2018, relatado por Rosa Ribeiro Coelho, também disponível em www.dgsi.pt).
Por outro lado, o referido art.º 4º estabelece também como princípios orientadores o da “Proporcionalidade e actualidade” [al. e)] segundo o qual a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade e o da “Responsabilidade parental” [al. f)]: a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem.
Note-se que o poder paternal, como efeito da filiação é, nos termos do art.º 1877.º e seguintes do CC, definido como um conjunto de poderes-deveres funcionalmente afectados à prossecução do bem-estar moral e material do filho e que competem aos pais relativamente à pessoa e bens dos filhos menores não emancipados, na actual terminologia designado por “responsabilidade parental”.
Com efeito, o poder paternal não se trata de um puro direito subjectivo, visto que o seu exercício não está dependente da livre vontade do seu titular, sendo antes um poder funcional, um poder-dever [cfr. Armando Leandro, in Poder Paternal, Temas de Direito da Família, p. 119].
O poder paternal, como observa Armando Leandro [in ob. e local citado] constitui “um conjunto de faculdades de conteúdo altruísta que tem de ser exercido de forma vinculada, de harmonia com a função do direito, consubstanciada no objetivo primacial de proteção e promoção dos interesses do filho, com vista ao seu desenvolvimento integral”.
Constituindo nítido exemplo de direito pessoal familiar, o poder paternal não é, porém, um direito a que se ajuste a noção tradicional de direito subjectivo, trata-se antes, de um poder-dever, um poder funcional, nos termos do qual incumbe, a cada um dos pais, no interesse exclusivo do filho, guardar a sua pessoa, manter com ele relações pessoais, assegurar a sua educação, sustento, representação legal e administração dos seus bens - art.ºs 1878º, nº 1, 1881º e 1885º, todos do CC.
O menor não é, porém, apenas um sujeito protegido pelo direito, é ele próprio, titular de direitos reconhecidos juridicamente, designadamente o direito à proteção especial da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral - art.ºs 64º, nº 2, 67º, 68º e 69º da Constituição da República Portuguesa.
Como se observa no ac. da RP de 23.02.2016 (processo nº 249/15.1T8SJM.P1, in www.dgsi.pt): “[a] criança apresenta um conjunto de necessidades cuja satisfação é necessária ao seu bem-estar psicológico e cuja não realização compromete o seu desenvolvimento posterior e o seu ajustamento social. Entre essas necessidades avultam, os cuidados físicos e de proteção; afeto e aprovação, estimulação e ensino, disciplina e controlo consistente e apropriados, oportunidade e encorajamento da autonomização gradual. O conceito de necessidades e o imperativo da sua satisfação cria as condições para o reconhecimento do direito que assiste à criança de as ver realizadas. As necessidades da criança convertem-se, assim, em direitos subjetivos extensivos que constituem normas educativas relativamente às quais se afere a qualidade, competência e adequação dos pais. Ora, a dignidade da pessoa do filho e o papel dos pais - que exercem poderes funcionais para desempenharem deveres no interesse do primeiro – impõem que o exercício das responsabilidades parentais seja colocado ao serviço do desenvolvimento, são e harmonioso, da personalidade da criança e do seu bem-estar moral e material. E o reconhecimento dos direitos da criança exige o estabelecimento de um equilíbrio com os dos seus responsáveis legais, contudo, a vida, a saúde e a educação do filho, como atributos fundamentais da pessoa humana, colocam-se, na escala axiológica dos valores sociais, acima do poder jurídico dos pais sobre os filhos”.
Deste modo, a tutela da família e da paternidade e maternidade sofrem uma importante limitação, em sede de direitos fundamentais, quando está em causa a protecção da criança.
Neste domínio se compreende o alcance do art.º 1918º do CC, citado pela recorrente nas suas alegações, ao consagrar, designadamente, a possibilidade de confiança judicial da criança a terceira pessoa, sempre que se verifiquem os respetivos requisitos.
Por outro lado, a norma do referido art.º 4º da LPCJP está ainda em sintonia com o art.º 34º do mesmo diploma legal, onde que se consagra que a finalidade das medidas de promoção e protecção é a de afastar o perigo em que as crianças ou os jovens se encontram, proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica das crianças ou jovens que sejam vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.

Assim, dispõe o art.º 3º, nº 2, da LPCJ que:

“Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:
a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;
b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;
c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;
d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;
e) É obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;
f) Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional;
g) Assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação.
h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional”.

O perigo a que se reporta o presente normativo “traduz a existência de uma situação de facto que ameace a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem, não se exigindo a verificação da efectiva lesão da segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento. Basta, por isso, a criação de um real ou muito provável perigo, ainda longe de dano sério”, sendo que a situação de perigo deve ser actual e persistente à data da decisão, conforme decorre dos art.ºs 4º, al. e) e 111º, do diploma em equação [vide, Tomé d’Almeida Ramião, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Anotada e Comentada, 7ª edição, p. 25].
Ainda de acordo com esta norma, entre os casos em que se verifica perigo contam-se aqueles em que os pais sujeitam a criança a comportamentos que afectem o seu equilíbrio emocional.
Podemos assim concluir que a aplicação das medidas de promoção e protecção enunciadas no art.º 35º da LPCJP visa afastar o perigo para a segurança, saúde, formação educação ou desenvolvimento da criança, gerado designadamente (e no que aqui releva) pelos pais e que a aplicação de qualquer uma dessas medidas se encontra sujeita aos princípios orientadores constantes do art.º 4º do mesmo diploma, dos quais ressalta em primeiro lugar a defesa prioritária do superior interesse da criança.
Tendo por base tais considerandos, e entrando-se na análise estrita do objecto do recurso, resulta, com evidência, que a recorrente apenas discorda do decidido quanto à possibilidade da menor passar a pernoitar na casa do progenitor, alegando que tal não assegura devidamente a situação de perigo e o interesse da menor.
Ora, a decisão apelada, no que se reporta ao alargamento do regime de visitas/convívios entre o menor e o progenitor pai, fundou-se no teor do parecer técnico constante do Relatório Social de Acompanhamento da Execução da Medida, elaborado pela equipa da ATT, o qual, aliás, não foi objecto de qualquer oposição por parte dos demais intervenientes processuais.
Do referido parecer técnico resulta, em face de ocorrências relatadas do que foi observado e avaliado, em momentos diversos e em contextos diversificados, que a menor “não manifesta qualquer atitude de evitamento ou rejeição à figura paterna, sendo evidente a existência de gestos de carinho e cumplicidade com o pai, sendo estes recíprocos, sentindo-se segura na presença do mesmo” e propõe, face à inexistência de evidências de ter ocorrido o imputado abuso sexual ao progenitor, que fosse concretizado o alargamento do regime convivial e que este pudesse ir buscar a menor sem estar acompanhado, por considerar tal mais benéfico para a criança.
Observa-se, assim, que na decisão recorrida, o tribunal a quo atendeu aos mais recentes elementos disponíveis nos autos, tomando em consideração as informações constantes do relatório social trazido ao processo pela competente equipa de assessoria técnica da segurança social, sobre matéria que indiscutivelmente releva para o juízo a efectuar sobre a manutenção/alteração da medida de promoção e proteção aplicada em benefício da criança, bem como sobre todos os restantes aspectos relevantes para a verificação das condições de execução da medida, nos quais se inclui o regime de convívios da criança com os progenitores.
Ora, como se disse, o referido relatório/informação social, elaborado pela equipa de assessoria técnica da segurança social não foi relevantemente impugnado por qualquer dos intervenientes no processo, constituindo um elemento probatório de ordem objectiva e com indiscutível relevo já que incorpora diversos elementos, informações e conclusões recolhidos e trazidos ao processo pela entidade designada pelo Tribunal e com competência para proceder à completa averiguação e ao integral esclarecimento de todas as circunstâncias que possam contribuir para a tomada de medidas que permitam garantir a satisfação das necessidades afetivas e de desenvolvimento global da criança.
Para esse efeito, estabelece a LPCJP que a execução da medida de promoção e proteção aplicada em processo judicial é dirigida e controlada pelo tribunal que a aplicou, designando este para o efeito equipas específicas, com a composição e competências previstas na lei, ou entidade que considere mais adequada (art.º 59º, da LPCJ), prevendo o art.º 108º, da LPCJP expressamente a possibilidade de o juiz utilizar, como meios de obtenção da prova, a informação ou o relatório social sobre a situação da criança e do jovem e do seu agregado familiar, sendo que, em caso de acompanhamento da execução das medidas, a informação e o relatório social são solicitados pelo juiz às equipas ou entidades a que alude o nº 3 do art.º 59º, como sucedeu no caso em apreço.
E, tal como sublinha Paulo Guerra [in, Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada, 2ª edição, p. 22], o tribunal, na concretização do interesse da criança “apoia-se em factos concretos e em razões de conformação e justificação racional que, na sua livre apreciação, fundamentam a decisão, fazendo uma apreciação global de todas as circunstâncias pertinentes a um consenso que determine uma solução justa e adequada a cada caso. Os direitos da criança prevalecem sempre sobre os direitos dos pais, sendo a decisão sempre tomada em favor daquela, conforme o seu interesse e não contra os pais.”.
Neste quadro, e não obstante seja compreensível que para a progenitora, ora recorrente, seja difícil ultrapassar a situação que precipitou a existência do presente processo, tal sentimento de dúvida e insegurança (que não se mostra fundado em qualquer circunstância concreta) não pode servir de obstáculo ao progressivo e desejável restabelecimento do convívio normal entre a criança e o seu progenitor, sobretudo quando a menor não apresenta qualquer sintomatologia reveladora de ter sofrido qualquer tipo de abuso, evidenciando antes sentir-se segura na presença do progenitor.
Consideramos, pois, que o tribunal a quo procurou adoptar a solução mais benéfica para o salutar desenvolvimento da menor à luz dos elementos disponíveis nos autos, visto que é a que promove uma equilibrada relação com todos os familiares de referência da criança, bem como visa garantir e preservar a continuidade da permanência do pai na vida da criança em condições de proximidade e vinculação segura.
Tudo ponderado à luz de todos os elementos disponíveis no processo, não vemos razões para revogar o despacho que, em sede de revisão de medida, alargou o regime de convívios da criança com o pai, nem que tenham sido violadas, no caso, as normas invocadas pela recorrente.
Daí que improcedam integralmente as conclusões do recurso.
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Pelo exposto, cumpre julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
As custas do recurso ficam a cargo da recorrente.
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SUMÁRIO (art.º 663º nº 7 do NCPC):
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
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Guimarães, 16.10.2025
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Juíza Desembargadora Relatora: Dra. Carla Maria da Silva Sousa Oliveira
1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Alcides Rodrigues
2ª Adjunta: Juíza Desembargadora: Dra. Maria Luísa Duarte Ramos