Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
275/21.1T8BRG.G2
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: DIREITO PROBATÓRIO MATERIAL
CONFISSÃO TÁCITA
PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS
INDEMNIZAÇÃO POR FALTA DE RESTITUIÇÃO DO IMÓVEL
INDEMNIZAÇÃO POR MORA NA RESTITUIÇÃO DO IMÓVEL
INDEVIDA DUPLICAÇÃO DE INDEMNIZAÇÕES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Em regra, a não impugnação especificada de um facto no articulado seguinte àquele em que foi alegado resulta em ter-se o dito facto por assente, falando-se então (nesta admissão de factos por acordo), em confissão tácita, presumida ou confessio ficta (resultante do efeito cominatório pleno ou semi-pleno, ou do incumprimento do ónus de impugnação especificada).

II. A indemnização por falta de restituição do locado, equivalente ao valor em singelo da anterior renda (prevista no n.º 1 do art.º 1045.º do CC) e a indemnização por mora nessa restituição, equivalente ao valor em dobro da mesma renda (prevista no n.º 2 do art.º 1045.º do CC), não são cumuláveis para um mesmo/coincidente período de tempo (podendo apenas ser arbitradas de forma sucessiva).

III. O princípio da proibição da reformatio in pejus (consagrado no art.º 635º, n.º 5, do CPC), estreitamente relacionado com o efeito de caso julgado formado sobre a decisão recorrida na parte não impugnada, impede que a decisão do tribunal de recurso possa ser mais desfavorável para o recorrente do que a decisão impugnada (e da qual a parte contrária também não recorreu).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade;
2.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias.
*
ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Decisão impugnada
1.1.1. AA, residente em ... ..., em ..., propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra EMP01..., E.M., com sede na Rua ..., ..., em ... - e em que foi depois interveniente principal BB -, pedindo que

· fosse declarado resolvido o contrato de arrendamento urbano que, como senhoria, celebrou com a Ré, esta como arrendatária (contrato que melhor identificou);

· a Ré fosse condenada a restituir o imóvel dele objecto, devoluto de pessoas e bens, e a pagar-lhe uma indemnização equivalente ao valor da renda, até que essa restituição se verificasse (conforme n.º 1 do art.º 1045.º do CC, que expressamente citou);

· a Ré fosse condenada, em caso de atraso na restituição do imóvel locado, no pagamento de indemnização elevada ao dobro até à efectiva restituição (conforme n.º 2 do art.º 1045.º do CC, que expressamente citou);

· a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 2.475,00 a título de rendas vencidas, acrescida de juros de mora, contados até efectivo e integral pagamento;

· e a Ré fosse a condenada no pagamento das rendas vincendas, acrescidas de juros de mora, contados até efectivo e integral pagamento.

Alegou para o efeito, em síntese, ter celebrado com a Ré (EMP01..., E.M.) um contrato de arrendamento para fins habitacionais, com o prazo de 5 anos, que se iniciou no dia 01 de Outubro de 2009, por uma renda mensal inicial de € 225,00.
Mais alegou que a Ré (EMP01..., E.M.) lhe deixou de pagar a renda devida desde Março de 2020, não obstante as diversas interpelações que lhe fez para o efeito, ascendendo o montante das rendas vencidas à data da propositura da acção a € 2.475,00.

1.1.2. Regularmente citada, a (EMP01..., E.M.)  contestou, pedindo que a acção fosse julgada totalmente improcedente, sendo ela própria absolvida de todos os pedidos.
Alegou para o efeito, em síntese, visar o contrato de arrendamento dos autos o subarrendamento do imóvel dele objecto a munícipes carenciados; e ter cessado os seus efeitos em 30 de Setembro de 2019, por meio de oposição à sua renovação comunicada pela Autora (AA).
Defendeu, por isso, não lhe poderem ser exigidas quaisquer rendas a partir de Outubro de 2019

1.1.3. Em 28 de Abril de 2021 a Autora (AA) veio simultaneamente: reduzir o pedido, excluindo do mesmo quer a resolução do contrato de arrendamento em causa (aceitando que o mesmo cessara em 30 de Setembro de 2019, por oposição à sua renovação), quer a condenação da Ré (EMP01..., E.M.) no pagamento da quantia de € 2.475,00 a título de rendas vencidas; e ampliar o pedido, pedindo que a Ré (EMP01..., E.M.) fosse condenada no pagamento de indemnização elevada ao dobro, por atraso na restituição do imóvel antes locado, desde 30 de Setembro de 2019 até à sua efectiva entrega.
Enunciou assim o seu pedido final:
«NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO REQUER-SE A V. EXª QUE SE DIGNE:
- EFETIVAR A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO COM EFEITOS A DIA 30 DE SETEMBRO DE 2019, E CONSEQUENTEMENTE CONDENAR A RÉ À RESTITUIÇÃO DA COISA LOCADA E AO PAGAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO EQUIVALENTE AO VALOR DA RENDA, ATÉ À RESTITUIÇÃO DO LOCADO, CFR., N.º 1, DO ARTIGO 1045.º DO CC;
- EM CASO DE ATRASO NA RESTITUIÇÃO DA COISA LOCADA, CONDENAR A RÉ, SOLIDARIAMENTE, AO PAGAMENTO DE INDMENIZAÇÃO ELEVADO AO DOBRO, ATÉ À EFETIVA RESTITUIÇÃO, CFR., N.º 2, DO ARTIGO 1045.º DO CC».

1.1.4. Em 27 de Setembro de 2021 foi proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando: a Autora (AA), a vir esclarecer se pretenderia a condenação solidária do subarrendatário e a fornecer a identidade de quem efectuara o pagamento das rendas após a cessação do contrato em 30 de Setembro de 2019; e a Ré (EMP01..., E.M.), a vir esclarecer se executara o despejo do seu munícipe subarrendatário.

1.1.5. Em 08 de Outubro de 2021 a Autora (AA) veio esclarecer que após 30 de Setembro de 2019 não foi efectuado qualquer pagamento de renda; e, permanecendo os subarrendatários no imóvel após aquela data, o mesmo não lhe foi restituído.
Requereu, por isso, a intervenção principal, como associado da Ré (EMP01..., E.M.), de CC.

1.1.6. A (EMP01..., E.M.) esclareceu não ter executado o despejo do subarrendatário.
Em 20 de Outubro de 2021 alegou ainda, exercendo o contraditório face ao prévio esclarecimento prestado pela Autora (AA), ter procedido ao pagamento das rendas até Julho de 2020 (conforme conta-corrente que então juntou); e nada ter a opor à intervenção principal provocada de CC.

1.1.7. Em 04 de Novembro de 2021 a Autora (AA) veio responder, alegando que o «último pagamento da Ré, a título de rendas (antes da cessação do contrato de arrendamento a 30 de setembro), foi a 31 de agosto de 2019»; e que a mesma «só voltou a efetuar pagamentos a 30 de abril de 2020» (conforme conta-corrente antes junta por aquela, que não impugnou).
 
1.1.8. Proferido despacho deferindo o incidente de intervenção principal provocada de BB, frustrada a sua citação pessoal, realizada a sua citação edital e permanecendo o mesmo inerte e silente, foi a sua defesa cometida ao Ministério Público, para o que foi citado nos autos.
O Ministério Público não apresentou contestação em nome do Interveniente Principal (BB).

1.1.9. Sob prévio convite do Tribunal, a (EMP01..., E.M.) veio esclarecer que, apenas aceitando «que o contrato de arrendamento cessou em 30.09.2019 por oposição à renovação comunicada pelo procurador a Autora», «manifesta a sua concordância quanto à redução dos pedidos, mas opõe-se à ampliação do pedido por carecer de fundamento factual e estar em contradição com a documentação junta aos autos pela própria Autora».

Exercendo o seu contraditório, a Autora (AA) defendeu ser de admitir a ampliação do pedido, nos termos do art.º 265.º, n.º 2, do CPC, por a mesma ser o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

1.1.10. Em 12 de Janeiro de 2024 foi proferido despacho: fixando o valor da acção em € 17.550,00; admitindo a alteração dos pedidos; e julgando a petição inicial inepta, por se entender que conteria pedidos substancialmente incompatíveis (por pretensa cumulação de indemnização por atraso na restituição da coisa, em singelo e em dobro, não tendo ainda sido especificado em que momento teria ocorrido a mora no cumprimento da obrigação de restituição do imóvel), absolvendo a Ré (EMP01..., E.M.) do pedido, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
O valor da renda de 2,5 anos (30 meses) é de €6750,00, ao qual acresce o valor peticionado a título de indemnização, vencidos até à data em que conhecemos do mérito da causa, o qual se computa em €10.800,00 (arts 297º e 298º do Cód de Proc Civil).
Termos em que se fixa à causa o valor de €17.550,00.
(…)
Em primeiro lugar, na medida em que a ré, através do seu requerimento com refª ...27 (26/04/2023), admite expressamente que o contrato de arrendamento cessou em 30/09/2019 por oposição à renovação comunicada pelo procurador da autora, tendo ainda manifestado expressamente a sua concordância quanto à redução dos pedidos (mas não quanto à ampliação), existe aqui uma alteração dos pedidos (parcialmente) por acordo, pelo que a mesma deverá ser admitida, ao abrigo do disposto no art 264º do Cód Civil.
(…)
Em segundo lugar, da maneira como os pedidos se encontram formulados, a autora pretende a condenação da ré a reconhecer que o contrato cessou por oposição em 30/09/2019 e simultaneamente obter o pagamento do valor devido a título de rendas, pela ocupação do imóvel desde essa data e de uma indemnização desde a data do atraso da entrega do imóvel.
Ora importa começar por salientar que não se retira da p.i, nem do pedido, a partir de que momento é que a autora entende que o arrendatário se constituiu em mora, pelo que teremos que recorrer às regras gerais; por outro lado, na medida em que pretende que seja judicialmente declarado que o contrato cessou em 30/09/2019, o arrendatário estará logicamente constituído em mora desde essa data, pois foi aí que se gerou a sua obrigação de restituição do imóvel (art 805º, n.º 2, al.a) e 1045º, n.º 1 do Cód Civil).
Em terceiro lugar, na sequência do exposto, o Tribunal entende que a autora deduziu dois pedidos contraditórios/substancialmente incompatíveis entre si, o que gera, a nosso ver, gera a nulidade de todo o processo por ineptidão da p.i, nos termos previstos no art 186º, n.º 2, al.b) e c) do Cód de Proc Civil.
Com efeito, conforme decorre do Douto Acórdão do TRG de 16/01/2020 (5533/18.0T8GMR.G1), verifica-se incompatibilidade substancial de pedidos, geradora de ineptidão da petição inicial, quando as pretensões se excluem mutuamente, sejam contrárias entre si de tal forma que uma impede o exercício da outra, que o juiz se veja impossibilitado de decidir face à ininteligibilidade do pensamento do autor.
Por decorrência lógica, da maneira como os pedidos se encontram formulados, a autora pretende receber duas indemnizações pela ocupação do imóvel: uma pela ocupação indevida do imóvel em consequência da verificação da validade da oposição à renovação e outra pelo atraso na entrega do imóvel (que é devida, na sequência da exposição das partes, a partir do momento do reconhecimento da oposição à renovação).
Termos em que o Tribunal decide absolver a ré da instância, por ineptidão da pi, em virtude de ter deduzido pedidos substancialmente incompatíveis, nos termos supra-expostos, constituindo uma excepção dilatória de conhecimento oficioso (art 186º, n.º 2, al.b) e c) e 577º, al.b) do Cód de Proc Civil).
*
Custas a cargo da autora (art 527º, n.º 2 do Cód de Proc Civil).
(…)»

1.1.11. Tendo a Autora (AA) interposto recurso de apelação desta última decisão, onde a Ré (EMP01..., E.M.) e o Interveniente Principal (representado pelo Ministério Público) contra-alegaram (pedindo que fosse mantida a decisão recorrida), em 27 de Junho de 2024 foi proferido acórdão por este Tribunal da Relação de Guimarães, julgando procedente o recurso e ordenando o prosseguimento dos autos, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Mercê da alteração do pedido apresentada pela autora - que veio a ser admitida no despacho proferido em 12.1.2024 (ref. Citius 188537558), o qual, nesta parte, não foi objeto de recurso - os pedidos formulados são os seguintes:
“a) efectivar a cessação do contrato de arrendamento com efeitos a 30/09/2019 e consequentemente condenar a ré a restituir a coisa locada e ao pagamento de uma indemnização equivalente ao valor da renda, até à restituição do locado, nos termos previstos no art 1045º, n.º 1 do Cód Civil;
(b) em caso de atraso na restituição da coisa locada, condenar a ré, solidariamente, ao pagamento de uma indemnização elevada ao dobro, até efectiva restituição, nos termos do art 1045º, n.º 2 do Cód Civil”.

(…)
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revogam a sentença recorrida na parte em que absolveu a ré da instância, por ineptidão da petição inicial, em virtude de ter deduzido pedidos substancialmente incompatíveis e contraditórios com a causa de pedir, determinando o prosseguimento dos autos.
Custas da apelação pela recorrida, visto que o Ministério Público se encontra isento do seu pagamento (arts 527º do CPC e 4º, nº 1, al. a) do RCP).
(…)»

1.1.12. Devolvidos os autos à 1.ª instância, foi proferido despacho, identificando o objecto do litígio e enunciando os temas da prova; apreciando os requerimentos provatórios das partes; e designando dia para a audiência final.

1.1.13. Realizada a audiência final foi proferida sentença, julgando a acção parcialmente procedente, lendo-se nomeadamente na mesma:

 «(…)
IV. Dispositivo
Termos em que o Tribunal julga a presente acção parcialmente procedente e:
a) Condena a ré a reconhecer a cessação do contrato de arrendamento que vinculava as partes em 30/09/2019 e a restituir o imóvel locado; 
b) Condena a ré e o chamado, solidariamente, a pagar à autora uma indemnização equivalente ao valor da renda, entre 30/09/2019 e 15/12/2022. 
c) Condena a ré a pagar à autora uma indemnização equivalente ao valor da renda entre 15/12/2022 e 06/12/2023. 
d) Condena a ré e o chamado, solidariamente, a pagar à autora uma indemnização equivalente ao dobro do valor da renda, entre 01/07/2021 e 15/12/2022. 
e) Condena a ré a pagar à autora uma indemnização equivalente ao dobro do valor da renda entre 15/12/2022 e 06/12/2023. 
*
Custas a cargo da autora e ré na proporção do decaimento (art 527º, n.º 2 do Cód de Proc Civil).
*
Registe e notifique. 
(…)»
*
1.2. Recurso
1.2.1. Fundamentos
Inconformada com a sentença proferida, a (EMP01..., E.M.) interpôs o presente recurso de apelação, pedindo que fosse julgado procedente, por forma a que fosse «condenada no pagamento de indemnização de valor igual ao da renda entre 01.08.2020 e 06.12.2023 e absolvida do pagamento de uma indemnização equivalente ao dobro do valor da renda».

Concluiu as suas alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1.ª - No facto 8 deu-se por provado que a Recorrente não procedeu ao pagamento de rendas entre 30.09.2019 e 06.12.2023, mas através do seu requerimento de 20.10.2021 (ref.ª ...79) juntou aos autos a conta-corrente com os montantes pagos a título de rendas à Recorrida e que prova que em abril de 2020 realizou uma transferência no valor de € 1.800,00 para pagamento das rendas respeitantes ao período de setembro de 2019 a abril de 2020 e que na data de vencimento das rendas de maio a julho a 2020 foram efetuados os seus pagamentos.
 
2.ª - A conta-corrente não foi impugnada pela Recorrida, tendo esta inclusive confessado expressamente o recebimento das quantias em causa nos artigos 9 e 10 do seu requerimento de 04.11.2021 (ref.ª ...25).
 
3.ª - A confissão expressa da Recorrida é irretratável por força do disposto no artigo 465º/nº 1 do CPC e não pode ser ignorada.
 
4.ª - Tendo por fundamento a prova documental e a confissão da Recorrida requer-se, ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC, a alteração do facto provado 8 de modo a passar a ter a seguinte redação: “A ré não procedeu ao pagamento de rendas entre 01/08/2020 e 06/12/2023, tendo realizado o pagamento das rendas de setembro de 2019 a abril de 2020 após o seu vencimento e das rendas de maio de 2020 a julho de 2020 na data do respetivo vencimento.”
 
5.ª - No âmbito dos presentes autos foi proferido o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27.06.2024 que decidiu que os pedidos de pagamento das duas indemnizações previstas no artigo 1045º do Código Civil não eram incompatíveis, mas estes pedidos “não podiam proceder de forma cumulativa”.
 
6.ª - De acordo com o decidido naquele acórdão a Recorrente apenas podia ser condenada no pagamento de uma das indemnizações, pelo que ao condenar no pagamento de ambas as indemnizações a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, violando a autoridade de caso julgado estabelecida nos artigos 619º/nº 1, 620º e 625º do CPC. 
 
7.ª - Da alteração da matéria de facto resulta que a Recorrente cumpriu com o pagamento da indemnização até 31.07.2020, o que terá implicações na aplicação do Direito concretamente quanto ao disposto no artigo 1045º/nº 1 do Código Civil.
 
8.ª - Como a Recorrente procedeu ao pagamento da indemnização correspondente ao valor da renda até 31.07.2020, não podia ter sido condenada a pagar à Recorrida uma indemnização correspondente ao valor da renda entre 30.09.2019 e 06.12.2023, sob pena da Recorrida receber a indemnização pela segunda vez.
 
9.ª - A Recorrente só podia ter sido condenada no pagamento, a título de indemnização, no valor da renda (€ 225,00) entre 01.08.2020 a 06.12.2023 e ao decidir em sentido contrário a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, violando o disposto no artigo 1045º/nº 1 do Código Civil.
 
10.ª - Tal como é explicado no acórdão de TRL de 22.10.2024 e mencionado na página 8 da sentença recorrida, a indemnização elevada ao dobro prevista no artigo 1045º/nº 2 do Código Civil só é devida quando o inquilino se constitui em mora por interpelação do senhorio para proceder à entrega do imóvel arrendado.
 
11.ª - Na página 9 da sentença recorrida é defendido que, apesar da Recorrente não ter sido interpelada pela Recorrida para proceder à restituição do locado sob pena de uma indemnização elevada ao dobro, com a instauração dos presentes autos passou a ser aplicado o nº 2 do artigo 1045º do Código Civil.
 
12.ª - A Recorrente não pode concordar com aquele entendimento por duas razões, sendo que a primeira prende-se com o facto da ação ter sido instaurada para obter a declaração de resolução do contrato de arrendamento e a condenação da Recorrente na restituição do locado; e a segunda razão prende-se com o facto do pedido de condenação no pagamento de indemnização correspondente ao dobro da renda ter sido deduzido para o caso da Ré não cumprir com a condenação de restituição do locado.
 
13.ª - Se no momento da instauração da ação a Recorrida entendia que a Recorrente não se encontrava em mora, não se pode considerar que a instauração da ação constitui uma forma de interpelação.   
 
14.ª - A alteração dos pedidos também não constitui uma forma de interpelação da Recorrente por o pedido de condenação nos termos do disposto no artigo 1045º/nº 2 do Código Civil estar dependente do cumprimento da condenação de restituição do locado, o que não sucedeu in casu por tal ter ocorrido na pendência do processo.
 
15.ª - Como a Recorrente restituiu o locado antes da prolação da sentença o pedido de condenação no pagamento de indemnização em dobro ficou prejudicado na medida em que não houve interpelação por parte da Recorrida e a condenação já tinha sido cumprida antes da prolação da decisão.
 
16.ª - Ao decidir em sentido contrário a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de Direito, concretamente do artigo 1045º/nº 2 do Código Civil.
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1.2.1.2. Contra-alegações

O Interveniente Principal (representado pelo Ministério Público) contra-alegou.

Concluiu as suas contra-alegações da seguinte forma (aqui se reproduzindo as respectivas conclusões ipsis verbis, com excepção da concreta grafia utilizada e de manifestos e involuntários erros e/ou gralhas de redacção):

1) O Ministério Público foi citado, em 10.10.2022, em representação do Chamado ausente, CC, para contestar os presentes autos, nos termos do artigo 21.º do Código de Processo Civil.

2) Não foram invocadas nulidades o que mereceria, por vocação estatutária, a nossa especial atenção.

3) O n.º 1 do artigo 465º do Código de Processo Civil, refere, de facto, “a confissão é irretratável”.

4) E é inegável a autoridade do caso julgado do doutíssimo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27.06.2024, proferido no âmbito destes autos, na designada “função positiva” do caso julgado material, que pressupõe que a decisão de determinada questão não possa voltar a ser discutida.
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1.2.3. Processamento ulterior do recurso
Tendo sido proferido despacho pelo Tribunal a quo a admitir o recurso da Ré (EMP01..., E.M.) - como «de apelação», subida «nos próprios autos, com efeito devolutivo» -, foi o mesmo recebido por este Tribunal ad quem, sem alteração.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

2.1. Objecto do recurso - EM GERAL
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente (art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (art.º 608.º, n.º 2, in fine, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC) [1].
Não pode igualmente este Tribunal conhecer de questões novas (que não tenham sido objecto de apreciação na decisão recorrida) [2], uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de prévias decisões judiciais (destinando-se, por natureza, à sua reapreciação/reponderação e consequente alteração e/ou revogação, e não a um novo reexame da causa).
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2.2. QUESTÕES CONCRETAS a apreciar

Mercê do exposto, e do recurso de apelação interposto pela Ré (EMP01..., E.M.), 02 questões foram submetidas à apreciação deste Tribunal ad quem:

1.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e valoração da prova produzida, nomeadamente porque 

. não permitia que se desse como demonstrado o facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 8 («A Ré não procedeu ao pagamento de rendas entre 30/09/2019 e 06/12/2023») tal como o foi, devendo ser alterada a sua redacção («A Ré não procedeu ao pagamento de rendas entre 01/08/2020 e 06/12/2023, tendo realizado o pagamento das rendas de Setembro de 2019 a Abril de 2020 após o seu vencimento e das rendas respeitantes ao período de Maio de 2020 a Julho de 2020 na data do respetivo vencimento»)?

2.ª - Fez o Tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do Direito, devendo ser alterada a decisão de mérito proferida (nomeadamente, face ao prévio sucesso da impugnação de facto feita mas também de forma independente dele), por forma a que se limite a condenação da Ré e do Interveniente Principal (nomeadamente, ao pagamento de indemnização de valor igual ao da renda em singelo, entre 01 de Agosto de 2020 e 6 de Dezembro de 2023, excluindo-se a respectiva condenação no pedido de pagamento de uma indemnização equivalente ao dobro da dita renda)?
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1. Decisão de facto do Tribunal a quo
3.1.1. Factos provados
Realizada a audiência de julgamento no Tribunal de 1.ª Instância, resultaram provados os seguintes factos (aqui apenas completados nos termos do art.º 607.º, n.º 2, II parte, aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, ambos do CPC):
           
1 - Encontra-se registado em nome de AA (aqui Autora) a titularidade do direito de propriedade sobre a fracção tipo T2 do prédio sito na Quinta ..., na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob ...98 e Fracção ..., para a qual foi emitida a licença de utilização n.º ...12, de 01-08-1996. 

2 - Em 23 de Setembro de 2009, entre a Autora (AA), representada por DD e designado por «primeiro outorgante», e EMP01..., E.M. (aqui Ré), designada por «segundo outorgante», foi celebrado um acordo escrito designado «CONTRATO DE ARRENDAMENTO» (junto com a petição inicial e que aqui se dá por integralmente reproduzido), lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
1.º - O primeiro outorgante na qualidade e procurador de AA, (…) proprietária da fracção - tipo T2 do prédio sito na Quinta ..., na freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob ...98 e Fracção ..., para a qual foi emitida a licença de utilização n.º ...12 de 01-08-1996tendo por objecto o imóvel referido em 1), pelo prazo de cinco anos, com início em 01/10/2009, dá de arrendamento o prédio indicado à EMP01....
2.º - O primeiro outorgante concede autorização para o segundo outorgante subarrendar no seu todo, com dispensa de comunicação, a terceiro, sem necessidade de escritura pública, o fogo objecto deste arrendamento.
3.º - A renda mensal é no primeiro ano do contrato da quantia de 225,00 Euros (Duzentos e vinte e cinco euros) no regime de renda condicionada, sujeita a actualização anual de acordo com a legislação em vigor.
4.º - A renda será paga nos primeiros oito dias de cada mês por depósito na conta n.º  ...00 da Banco 1..., indicada pelo primeiro outorgante.
5.º - O presente contrato de arrendamento é celebrado por prazo certo, sendo o mesmo por cinco anos, nos termos dos art.ºs 1094, 1095 e seguintes, do novo Regime do Arrendamento Urbano, aproado pela Lei n.º 6 de 27 de Fevereiro de 2006, com início no dia 01 de Outubro de 2009.
(…)
12.º - Na parte não especialmente prevista, este contrato regular-se-á pelas disposições do Código Civil. 
(…)»
 
3 - Mediante acordo escrito designado «CONTRATO DE ARRENDAMENTO», a Ré (EMP01..., E.M.) subarrendou o imóvel referido nos factos anteriores a CC (aqui Interveniente Principal), pelo prazo de cinco anos, com início em 01 de Outubro de 2009, mediante o pagamento de uma renda mensal de € 64,00. 

4 - A Autora (AA) enviou à Ré (EMP01..., E.M.), que a recebeu, uma carta registada com aviso de recepção, datada de 21 de Junho de 2018 (que é documento n.º 3 junto com a contestação e que aqui se dá por integralmente reproduzido), comunicando-lhe a sua intenção de se opor à renovação automática do acordo escrito reproduzido no facto provado enunciado sob o número 2, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
DD, (…) na qualidade de Procurador, (da qual junto cópia), de AA (…), proprietária do Imóvel tipo T2, fração ... do prédio urbano, em regime de propriedade horizontal sito na Rua ... drt, ..., ... (…), venho por este meio comunicar que não pretendo permitir a renovação automática do contrato de arrendamento existente com a EMP01... celebrado a 23 de setembro de 2009 e que teve o seu início a 1 de outubro de 2009.
Assim, deverá a EMP01..., proceder à entrega do locado, livre de pessoas e bens, no exato estado em que se encontrava na época, até ao dia 30 de setembro de 2019.
  (…)»

5 - O acordo escrito referido no facto provado enunciado sob o número 3 cessou os seus efeitos em 19 de Junho de 2019, por falta de pagamento de rendas.

6 - O imóvel referido nos factos anteriores continuou ocupado até 15 de Dezembro de 2022. 

7 - O imóvel referido nos factos anteriores foi restituído à Autora (AA) em 06 de Dezembro de 2023. 

8 - A Ré (EMP01..., E.M.) não procedeu ao pagamento de rendas entre 30 de Setembro de 2019 e 06 de Dezembro de 2023. 

9 - O acordo escrito reproduzido no facto provado enunciado sob o número 2 cessou os seus efeitos em 30 de Setembro de 2019. 
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3.1.2. Factos não provados
Na mesma decisão, o Tribunal de 1.ª Instância considerou não terem ficado por provar quaisquer factos «com relevância para a causa».
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3.2. Modificabilidade da decisão de facto
3.2.1.1. Incorrecta apreciação da prova legal - Poder (oficioso) do Tribunal da Relação
Lê-se no art.º 607.º, n.º 5, do CPC, que o «juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», de forma consentânea com o disposto no CC, nos seus art.º 389.º (para a prova pericial), art.º 391.º (para a prova por inspecção) e art.º 396.º (para a prova testemunhal).
Contudo, a «livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes» (II parte do n.º 5 do art.º 607.º do CPC citado).

Mais se lê, no art.º 662.º, n.º 1, do CPC, que a «Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Logo, quando os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas, a dita modificação da matéria de facto - que a ela conduza - constitui um dever do Tribunal de Recurso, e não uma faculdade do mesmo (o que, de algum modo, também já se retiraria do art.º 607.º, n.º 4, do CPC, aqui aplicável ex vi do art.º 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Estarão, nomeadamente, aqui em causa, situações de aplicação de regras vinculativas extraídas do direito probatório material (regulado, grosso modo, no CC), onde se inserem as regras relativas ao ónus de prova, à admissibilidade dos meios de prova, e à força probatória de cada um deles, sendo que qualquer um destes aspectos não respeita apenas às provas a produzir em juízo.
Quando tais normas sejam ignoradas (deixadas de aplicar), ou violadas (mal aplicadas), pelo Tribunal a quo, deverá o Tribunal da Relação, em sede de recurso, sanar esse vício; e de forma oficiosa. Será, nomeadamente, o caso em que, para prova de determinado facto tenha sido apresentado documento autêntico - com força probatória plena - cuja falsidade não tenha sido suscitada (art.ºs 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1, ambos do CC), ou quando exista acordo das partes (art.º 574.º, n.º 2, do CPC), ou quando tenha ocorrido confissão relevante cuja força vinculada tenha sido desrespeitada (art.º 358.º, do CC, e art.º 484.º, n.º 1 e 463.º, ambos do CPC), ou quando tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (vg. presunção judicial ou depoimentos de testemunhas, nos termos dos art.ºs. 351.º e 393.º, ambos do CC).
Ao fazê-lo, tanto poderá afirmar novos factos, como desconsiderar outros (que antes tinham sido afirmados).
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3.2.1.2. Admissão - Confissão
Lê-se no art.º 574.º do CPC que, ao «contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor» (n.º 1), considerando-se «admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou só puderem ser provados por documento escrito» (n.º 2).
Mais se lê, no art.º 587.º, n.º 1 do CPC, que «a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no artigo 574º».
Logo, a regra é a que a não impugnação especificada de um facto no articulado seguinte àquele em que foi alegado resulta em ter-se o dito facto por assente.
Esta cominação «é consequência da inobservância dum ónus intimamente ligado ao princípio dispositivo, no seu aspecto de adução material de facto a utilizar na decisão do litígio», considerando ser este «o incentivo mais poderoso para [as partes] coadjuvarem a descoberta da verdade sobre a matéria de facto, não porque possam dispor a bel-talante do matéria fáctica do processo, mas de acordo com a noção de auto-responsabilidade inerente ao seu poder de iniciativa» (José Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, págs. 468 e 469).
Fala-se então, nesta admissão dos factos por acordo, em confissão tácita, presumida, ou confessio ficta, resultante do efeito cominatório pleno ou semi-pleno, ou do incumprimento do ónus de impugnação especificada.
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Lê-se ainda no art.º 352.º do CC que confissão «é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a pate contrária».
A confissão é tida como «uma declaração representativa (sobre a realidade dum facto)» (José Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, pág. 472). Consubstancia, assim, um acto jurídico (uma declaração de ciência), que a lei sujeita a um regime próprio (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, pág. 313).
Mais se lê, no art.º 355.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 4 do CC que, podendo a confissão ser judicial ou extrajudicial, a primeira será a realizada em juízo, e a segundo será realizada por algum modo diferente daquela. Sendo realizada de forma espontânea em articulado, «segundo as restrições da lei processual», «tem força probatória plena contra o confitente» (art.ºs 356.º, n.º 1 e 358.º, n.º 1, ambos do CC).
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Procurando distinguir o comportamento omissivo da parte, quando não impugna os factos alegados pela contrária, da verdadeira confissão, há quem apelide aquele primeiro de «admissão», assim as distinguindo, «de acordo com o puro dualismo declaração expressa/silêncio»: confissão será «uma declaração representativa (sobre a realidade dum facto)» e admissão será «a omissão duma declaração desse tipo» (José Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, pág. 472).
Contudo, precisa-se que «a declaração de que se quer conceder ou de que não se quer impugnar um facto, tal como a de que não se impugna um facto, sendo neutra do ponto de vista da realidade, não tem qualquer valor autónomo ou sequer relevância no nosso sistema jurídico, pelo que, se for acompanhada da declaração de que o facto é verdadeiro, equivale a uma confissão e, se não for acompanhada de qualquer outra declaração, resulta numa admissão (por omissão); e, perante o critério de distinção adoptado, a declaração de que se concede certo facto que, porém, se afirma não ser verdadeiro não constitui uma admissão, ainda que ineficaz, uma vez que não estamos perante a omissão duma declaração sobre a realidade» (José Lebre de Freitas, A Confissão no Direito Probatório, Coimbra Editora, 1991, págs. 473-4).
Dir-se-á, ainda, que «a admissão constitui mesmo uma prova pleníssima (e não apenas plena) porquanto os factos em causa ficam definitivamente provados no processo, não podendo o réu vir posteriormente negá-los. A admissão identifica-se, assim, com uma presunção inilidível» (José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, .2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, págs. 292 e 293).
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3.2.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
Concretizando, veio a Ré (EMP01..., E.M.), no seu recurso sobre a matéria de facto, impugnar o facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 8, por se afirmar no mesmo que não procedeu ao pagamento de rendas desde 30 de Setembro de 2019 (data em que cessou o contrato de arrendamento urbano em causa nos autos, por oposição da Autora, respectiva senhoria, à sua renovação automática) e 06 de Dezembro de 2023 (data em que o imóvel dele objecto lhe foi restituído pela Ré, antes arrendatária), o que violaria confissão expressa feita pela Autora no processo.
Compulsados os autos, afirma-se desde já que lhe assiste razão.

Com efeito, em 20 de Outubro de 2021 a Ré (EMP01..., E.M.) juntou um requerimento, afirmando ter procedido «ao pagamento das rendas até Julho de 2020» (bold apócrifo); e na mesma ocasião juntou um documento conta-corrente, do qual resulta que em Abril de 2020 realizou uma transferência a favor da Autora (AA) no valor de € 1.800,00, para pagamento das rendas respeitantes ao período de Setembro de 2019 a Abril de 2020, e bem assim que lhe pagou oportunamente (na data dos respectivos vencimentos) as rendas relativas ao período de Maio a Julho de 2020.
Notificada, a Autora (AA) veio, em 4 de Novembro de 2021, reconhecer que, tendo o «último pagamento da Ré, a título de rendas (antes da cessação do contrato de arrendamento a 30 de setembro)» sido realizado a 31 de Agosto de 2019, aquela «voltou a efetuar pagamentos a 30 de abril de 2020» (bold apócrifo), de forma conforme com o já referido documento conta-corrente junto pela Ré (EMP01..., E.M.), que não impugnou.
Logo, ficaram tais pagamentos desde então assentes definitivamente nos autos, justificando que se altere a redacção do facto provado enunciado sob o número 8,  por forma a que do mesmo fique a constar que a Ré (EMP01..., E.M.) procedeu ao pagamento das rendas de Setembro de 2019 a Abril de 2020 após o seu vencimento e das rendas respeitantes ao período de Maio de 2020 a Julho de 2020 na data do respectivo vencimento; e não procedeu ao pagamento de quaisquer rendas entre 01 de Agosto de 2020 e 06 de Dezembro de 2023.
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Mostra-se, assim, totalmente procedente o recurso sobre a matéria de facto apresentado pela Ré (EMP01..., E.M.); e, por isso, o facto provado enunciado na sentença recorrida sob o número 8 passará a constar da mesma com a seguinte redacção:

«8 - A Ré procedeu ao pagamento das rendas de Setembro de 2019 a Abril de 2020 após o seu vencimento e das rendas respeitantes ao período de Maio de 2020 a Julho de 2020 na data do respectivo vencimento; e não procedeu ao pagamento de quaisquer rendas entre 01 de Agosto de 2020 e 06 de Dezembro de 2023».
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Incumprimento da obrigação de restituição do imóvel (antes locado) 
4.1.1. Indemnização por falta de restituição do imóvel (antes locado) 
Lê-se no art.º 1081.º, n.º 1, do CC que a «cessação o contrato torna imediatamente exigível, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do locado e a sua entrega, com as reparações que incumbam ao arrendatário».
Mais se lê, no art.º 1045.º, n.º 1, do CC, que se «a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento a restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida».
Logo, e na prática, a lei faz equivaler a falta de entrega da coisa no fim do prazo contratual acordado para o seu gozo remunerado ao prolongamento da relação locatícia: se, findo o contrato, o antes locatário continuar no gozo da coisa que deveria restituir, continuará obrigado a pagar a correspondente contrapartida antes acordada para essa utilização.
Compreende-se, por isso, que se afirme que o «Código Civil consagra uma presunção de existência de prejuízo do locador, com a consequente obrigação de indemnizar, pelo atraso na restituição da coisa depois de findo o arrendamento. Assim, nem o locador tem de alegar e provar que poderia ter obtido rendimento do imóvel no período de tempo em causa, nem o arrendatário pode alegar a inexistência do prejuízo» (Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeia Jorge, Arrendamento Urbano, 3.ª edição, Quid Juris, 2009, pág. 223, com bold pócrifo) [3].
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4.1.2. Indemnização por mora na restituição do imóvel (antes locado) 
Lê-se no n.º 2 do art.º 1045.º citado que, logo «que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro».
«É, assim, estabelecida uma indemnização equivalente ao montante da renda devida, que se presume ser a compensação adequada para o atraso na restituição da coisa, salvo incorrendo o arrendatário em mora, em que a indemnização passa a ser o dobro desta» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 3.ª edição, Almedina, Novembro de 2007, pág. 68). Trata-se de uma compensação pecuniária específica, que afasta a disciplina geral do enriquecimento sem causa; e a duplicação dessa compensação em caso de mora é que constitui uma sanção para o atraso na restituição [4].

Recorda-se que, nos termos do art.º 804.º, n.º 2, do CC, o «devedor considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efectada no tempo devido».
Recorda-se ainda que, nos termos do art.º 805.º, n.º 1 do CC, o «devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir». Estão aqui em causa obrigações puras, isto é, sem termo convencional, legal ou judicial; e a interpelação para cumprir que o respectivo devedor mereça tanto pode ser judicial (v.g. notificação judicial avulsa ou própria citação para a acção de condenação), como extrajudicial (por qualquer dos meio admitidos para uma declaração negocial, expressa ou tácita).
Contudo, e nos termos da al. a) do n.º 2 do art.º 805.º citado, se a «obrigação tiver prazo certo», haverá «mora do devedor, independentemente de interpelação. Estão aqui em causa obrigações com prazo de cumprimento pré-fixado, seja ele expressa e individualmente indicado, seja por referência a um facto do necessário conhecimento do devedor (v.g. x dias após o recebimento de mercadoria).

Precisa-se que, usando a lei, no art.º 1081.º, n.º 1 do CC, a expressão «imediatamente exigível», dela «resulta que a obrigação de restituição não se vence automaticamente no fim do contrato de arrendamento urbano, (…) dado que o decurso» desse prazo «apenas torna exigível essa restituição, cujo vencimento depende, nos termos gerais, de interpelação à outra parte (art. 777.º, n.º 1). Consequentemente, é apenas a partir dessa interpelação que o arrendatário entra em mora quanto à restituição (art. 805.º, nº 1), com as respectivas consequências legais em termos de indemnização (art.º 804.º, n.º 1) e inversão do risco pela perda ou deterioração da coisa (art. 807.º)» (Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 3.ª edição, Almedina, Novembro de 2007, pág. 68, com bold apócrifo) [5].
Compreende-se, por isso, que se afirme que, em «rigor, o arrendatário está em mora, num contrato sujeito a prazo, mal o prazo seja atingido, nos termos do art. 805.º, n.º 2-a). Contudo, se fosse esse o pensamento da lei, considerando mora relevante para efeitos de aplicação do n.º 2 todas as situações em que o prazo é alcançado sem que a coisa seja devolvida, poucos ou nenhuns seriam os casos de aplicação do n.º 1 do artigo em anotação, pois este preceito prevê precisamente a existência de uma situação de mora. A mora referida no n.º 2 deve ser, portanto, apenas a que é provocada pela interpelação do locador no sentido da restituição da coisa locada. Sendo o locatário interpelado, e continuando no gozo da coisa, fica obrigado ao pagamento do dobro da renda, ou aluguer convencionado até à entrega da coisa, e o recebimento desta indemnização não priva, naturalmente, o locador de continuar a exigir a entrega, judicialmente se necessário» (Elsa Sequeira Santos, Código Civil Anotado, coordenação de Ana Prata, Volume I, Almedina, Outubro de 2021, pág. 1309, com bold apócrifo).
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1. Indemnização por falta de restituição do imóvel (antes locado) 
Concretizando, resulta dos autos que, tendo o contrato de arrendamento urbano celebrado entre a Autora (AA) e a Ré (EMP01..., E.M.) cessado a sua vigência em 30 de Setembro de 2019, por oposição oportuna e eficaz daquela primeira à sua renovação automática, o imóvel dele objecto apenas foi restituído em 06 de Dezembro de 2023.

Mais resulta agora dos mesmos que a Ré (EMP01..., E.M.) pagou à Autora (AA) quantitativo equivalente ao montante antes acordado para a respectiva renda mensal até Julho de 2020, inclusive; e que o deixou de fazer desde 01 de Agosto de 2020 até 06 de Dezembro de 2023.

Resulta ainda da sentença recorrida que, mercê das medidas excepcionais e temporárias adoptadas na situação epidemiológica provocada pelo SARS-COV-22, nomeadamente pela Lei n.º 1-A/2000, de 10 de Março, que o arrendatário se poderia manter no  arrendado até 30 de Junho de 2021, inclusive (não, podendo, por isso, falar-se em qualquer mora sua na restituição do imóvel).
Com efeito, lê-se na mesma:
«(…)
Por outro lado, conforme decorre do Douto acórdão do TRE de 26/10/2023 (n.º 879/21.2T8TMR.E1), por força do regime extraordinário e transitório de protecção dos arrendatários previsto na art 8.º, al.a) e d) da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, que aprovou diversas medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-22, durante a vigência deste normativo, o arrendatário poderia manter-se no arrendado até 30 de Junho de 2021, a não ser que, voluntariamente, desocupasse e entregasse o local arrendado; este preceito possibilitou, mediante uma ficção legal, que o arrendatário permanecesse no local até 30/06/2021, a não ser que voluntariamente, desocupasse e entregasse o prédio arrendado; até 31/06/2021, a restituição do imóvel poderia não ser operacionalizada e assim até àquele momento as rendas só deveriam ser cobradas em singelo, uma vez que não existia um quadro de mora do arrendatário, antes se verificava uma possibilidade ex vi legis que permitia a não restituição voluntária do imóvel.
(…)»

Por fim, resulta da mesma sentença não ter existido qualquer prévia interpelação da Autora (AA) à Ré (EMP01..., E.M) para que esta procedesse à restituição do imóvel antes da entrada em juízo da presente acção, que coincidiu com o dia 14 de Janeiro de 2021, tendo a Ré sido citada no dia 18 de Janeiro de 2021.

Considerou, por isso, que, após o termo do contrato de arrendamento em causa e o dia 30 de Junho de 2021 (data de cessação das medidas temporárias e excepcionais de protecção do arrendatário editadas no âmbito da pandemia de SARS-COV-2), a falta de restituição do imóvel antes dele objecto só poderia ser indemnizada com o pagamento de uma quantia equivalente ao valor (em singelo) da renda antes acordada para remunerar o seu gozo, isto é, € 225,00 por cada mês.
Ora, não tendo nesta parte a sua decisão sido objecto de recurso, e independentemente do bem ou mal fundado da mesma, transitou em julgado; e, por força do art.º 635.º, n.º 5, do CPC [6], que consagra a proibição da reformatio in pejus, não pode mais ser aqui alterada [7].

Logo, e neste exactos pressupostos, procede nesta parte o recurso da Ré (EMP01..., E.M.), devendo alterar-se a sentença recorrida, por forma a que da mesma fique a constar que a indemnização devida pela falta de restituição do imóvel antes locado, um vez cessado o contrato de arrendamento em 30 de Setembro de 2019, correspondente ao valor da renda mensal antes acordada (em singelo), é devida entre 01 de Agosto de 2020 (data em que a Ré deixou definitivamente de pagar qualquer quantia à Autora) e 30 de Junho de 2021 (data do termo das medidas temporárias e excepcionais de protecção do arrendatário editadas no âmbito da pandemia de SARS-COV-2).
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4.2.2. Indemnização por mora na restituição do imóvel (antes locado) 
Concretizando novamente, considerou a sentença recorrida que a Ré (EMP01..., E.M.) teria sido interpelada pela Autora (AA) para restituir o imóvel objecto do contrato de arrendamento cuja vigência cessara em 30 de Setembro de 2019 com a citação para a presente acção, ocorrida em 18 de Janeiro de 2021.
Com efeito, lê-se a propósito na mesma:
«In casu, não resulta dos factos provados que a ré tenha sido interpelada antes da entrada da acção para proceder à entrega do imóvel sob pena de pagar uma indemnização em dobro pelo que só com a entrada na acção seria devida, por força da jurisprudência acima referida. 
Por outro lado, na medida em que, à data da entrada dos autos, vigorava o regime especial de proteção de arrendatários, só será devida entre 01/07/2021 e 06/12/2023».

Contudo, e salvo o devido respeito por opinião contrária, não lhe assiste razão, uma vez que já antes da entrada em juízo da presente acção a Ré (EMP01..., E.M.) interpelara a Autora (AA) para proceder à pretendida restituição logo que o arrendamento cessasse em 30 de Setembro de 2019, conforme expressamente resulta da carta em que se opôs à sua renovação automática.
Por outras palavras, nessa comunicação escrita a Autora (AA) não se limitou a manifestar a sua vontade de oposição à dita renovação contratual, tendo ainda interpelado a Ré (EMP01..., E.M.) a restituir-lhe o imóvel até 30 de Setembro de 2019.
Logo, tendo efectivamente existido essa interpelação, e não tenho a Ré (EMP01..., E.M.) procedido à restituição a que estava obrigada, constitui-se em mora desde o dia 1 de Outubro de 2019.

Assim, estaria obrigada a indemnizar a Autora (AA), desde então e até 06 de Dezembro de 2023 (data em que efectivamente lhe entregou o imóvel), com quantia equivalente ao dobro do valor da renda mensal antes acordada, salvaguardando-se, porém, os períodos consagrados em quaisquer leis temporárias e excepcionais de protecção do arrendatário, editadas mercê da pandemia de SARS-COV-2.

Contudo, tendo-o a sentença recorrida entendido de outra forma (isto é, considerando que a Ré (EMP01..., E.M.) só se teria constituído em mora com a citação para os presentes autos), e tendo a mora que se lhe reconheceu ocorrido quando o art.º 8.º, als. a) e d), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, permitia a não restituição voluntária dos arrendados, o que apenas cessou em 30 de Junho de 2021, não pode este Tribunal ad quem, pela proibição de reformatio em pejus já referida, alterar essa sua decisão em desfavor da Ré.

Dir-se-á ainda que, entendendo-se que a carta de oposição à renovação automática do contrato de arrendamento não poderia consubstanciar idónea interpelação da Ré (EMP01..., E.M.) para a restituição do imóvel dele objecto (findo o dito contrato), então assistiria razão ao Tribunal a quo, quando fez coincidir aquela interpelação com a sua citação no âmbito dos presentes autos.
Com efeito, a Autora (AA) deixou claramente expresso na petição inicial que pretendia que a entrega ocorresse logo que findo o contrato (invocando, inclusivamente, o art.º 1045.º n.º 2 do CC); e foi a própria Ré (EMP01..., E.M.) quem, na sua contestação, veio denunciar já ter ocorrido aquela cessação de vigência do acordo celebrado entre ambas. Assim, só por inadmissível retórica argumentativa e artificialismo jurídico poderia exigir que a respectiva mora ficasse dependente da concreta e correcta indicação da causa de cessação do contrato, e não apenas do conhecimento do seu fim e da vontade da Autora (AA) reaver imediatamente o imóvel de sua propriedade.
           
Logo, e nestes exactos pressupostos, improcede nesta parte o recurso da Ré (EMP01..., E.M.), quando nele defendeu nunca se ter constituído em mora na restituição do imóvel antes arrendado, por nunca ter sido interpelada pela Autora (AA) para o restituir.
*
4.2.3. Indevida duplicação de indemnizações
Concretizando uma derradeira vez, verifica-se que, tal como a Ré (Empresa Municipal de Habitação de Braga, E.M.) o denunciou no seu recurso e o Interveniente Principal (BB) o reiterou nas respectivas contra-alegações, o Tribunal a quo, para o mesmo período de tempo, condenou-os no pagamento da indemnização devida pela falta de restituição do imóvel antes arrendado (correspondente ao valor em singelo da renda antes acordada) e, simultaneamente para o mesmo período de tempo considerado, no pagamento da indemnização devida pela mora nessa restituição (correspondente ao dobro daquela renda).
Com efeito, e relativamente à Ré (EMP01..., E.M.), essa duplicação ocorre no período de 01 de Julho de 2021 a 06 de Dezembro de 2023 (data em que restituiu o imóvel); e relativamente ao Interveniente Principal (BB) ocorre no período de 01 de Julho de 2021 a 15 de Dezembro de 2022 (data em que ele próprio abandonou o imóvel).
Ora, tal como resulta do explicitado supra, bem como do já decidido no anterior acórdão aqui proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, os «pedidos de pagamento de indemnização equivalente ao valor da renda, até à restituição do locado, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 1045.º do CC, e do pagamento de uma indemnização elevada ao dobro, ao abrigo do disposto no n.º 2 do art.º 1043.º do CC, para o caso de atraso na restituição da coisa locada», «não podem proceder de forma cumulativa, sendo necessário aferir se há, ou não, mora na entrega do locado e, na afirmativa, determinar o momento temporal em que a mesma se verificou».
           
Assim, e apelando a quanto se deixou já dito, face à falta de oportuna restituição do imóvel antes arrendado, quando o contrato que o tinha por objecto cessou em 30 de Setembro de 2019, e ao trânsito em julgado de anteriores decisões proferidas nos autos, a Autora (AA) terá direito a ser indemnizada:

i) no período compreendido entre 01 de Agosto de 2020 (por já o ter sido até Julho de 2020, com o pagamento de quantia mensal equivalente à renda) e 30 de Junho de 2021 (data do termo das medidas temporárias e excepcionais de protecção do arrendatário, editadas no âmbito da pandemia de SARS-COV-2) com o valor correspondente à renda mensal em singelo, isto é, € 225,00.

ii) e no período compreendido entre 01 de Julho de 2021 e 06 de Dezembro de 2023 (data em que o imóvel lhe foi entregue) com o valor correspondente ao dobro da renda mensal, isto é, € 450,00.
           
Logo, e nestes exactos pressupostos, procede nesta parte o recurso da Ré (EMP01..., E.M.), quando nele se defendeu não poderem ser cumuladas, para o mesmo período de tempo, ambas as indemnizações (isto é, uma correspondente à renda mensal em singelo e outra, simultânea e cumulativamente, correspondente ao dobro dessa mesma renda).
*
Mostra-se, assim, parcialmente procedente e parcialmente improcedente o recurso interposto pela Ré (EMP01..., E.M.), devendo decidir-se em conformidade.
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V - DECISÃO

Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente e parcialmente improcedente o recurso de apelação da Ré (EMP01..., E.M.), e, em consequência, em

i. Alterar a redacção do facto provado enunciado sob o número 8 na sentença recorrida, que dela passará a constar com a seguinte redacção - «A Ré procedeu ao pagamento das rendas de Setembro de 2019 a Abril de 2020 após o seu vencimento e das rendas respeitantes ao período de Maio de 2020 a Julho de 2020 na data do respectivo vencimento; e não procedeu ao pagamento de quaisquer rendas entre 01 de Agosto de 2020 e 06 de Dezembro de 2023».

ii. Alterar a al. b) do dispositivo final da sentença recorrida, passando a ler-se na mesma - «Condena a Ré e o Interveniente Principal, solidariamente, a pagarem à Autora uma indemnização mensal por falta de restituição do imóvel antes arrendado, equivalente ao valor em singelo da anterior renda (isto é, € 225,00), no período compreendido entre 01 de Agosto de 2020 e 30 de Junho de 2021»;

iii. Alterar a al. c) do dispositivo final da sentença recorrida, passando a ler-se na mesma - «Condena a Ré e o Interveniente Principal, solidariamente, a pagarem à Autora uma indemnização mensal por falta de restituição do imóvel antes arrendado, equivalente ao valor em dobro da anterior renda (isto é, € 450,00), no período compreendido entre 01 de Julho de 2021 e 15 de Dezembro de 2022»;

iv. Alterar a al. d) do dispositivo final da sentença recorrida, passando a ler-se na mesma - «Condena a Ré a pagar à Autora uma indemnização mensal por falta de restituição do imóvel antes arrendado, equivalente ao valor em dobro da anterior renda (isto é, € 450,00), no período compreendido entre 16 de Dezembro de 2022 e 06 de Dezembro de 2023»;

v. Eliminar a al. e) do dispositivo final da sentença recorrida;

vi. Confirmar o remanescente da sentença recorrida.
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Custas da apelação pela Ré recorrente, segundo o critério do decaimento, numa parte, e do proveito, na outra, por não ter sido deduzida oposição ao seu recurso (art.º 527.º, n.º 1 e n.º 2, do CPC).
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Guimarães, 10 de Julho de 2025.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Susa Santos Venade;
2.º Adjunto - José Alberto Martins Moreira Dias.


[1] «Trata-se, aliás, de um entendimento sedimentado no nosso direito processual civil e, mesmo na ausência de lei expressa, defendido, durante a vigência do Código de Seabra, pelo Prof. Alberto dos Reis (in Código do Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 359) e, mais tarde, perante a redação do art. 690º, do CPC de 1961, pelo Cons. Rodrigues Bastos, in Notas ao Código de Processo Civil, Vol. III, 1972, pág. 299» (Ac. do STJ, de 08.02.2018, Maria do Rosário Morgado, Processo n.º 765/13.0TBESP.L1.S1, nota 1 - in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem). 
[2] Neste sentido, numa jurisprudência constante, Ac. da RG, de 07.10.2021, Vera Sottomayor, Processo n.º 886/19.5T8BRG.G1, onde se lê que questão nova, «apenas suscitada em sede de recurso, não pode ser conhecida por este Tribunal de 2ª instância, já que os recursos destinam-se à apreciação de questões já levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que não foram nem submetidas ao contraditório nem decididas pelo tribunal recorrido».
[3] No mesmo sentido, Ac. do STJ, de 12.12.2023, Ricardo Costa, Processo n.º 7895/20.0T8LSB.L1.S1, onde se lê que o «critério legal da indemnização (“pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado”), sendo a renda resultante da auto-regulação das partes, constitui o critério justo de aferição do lucro cessante derivado da indisponibilidade da coisa locada».
[4] Neste sentido, Olinda Garcia, Arrendamentos para comércio, Coimbra Editora, 2006, pág. 59.
[5] No mesmo sentido, Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeia Jorge, Arrendamento Urbano, 3.ª edição, Quid Juris, 2009, pág. 223, onde se lê que a mora prevista no n.º 2 do art.º 1045.º do CC «depende da interpelação que o senhorio faça para a restituição do locado, interpelação que, em princípio, poderá efectuar logo que o contrato cesse».
Na jurisprudência, Ac. da RL, de 22.10.2024, Carlos Oliveira, Processo n.º 171/24.0YLPRT.L1-7, onde se lê que a «indemnização pelo atraso na restituição da coisa locada, prevista no n.º 2 do Art.º 1045.º do C.C., é apenas devida a partir do momento em que o inquilino foi constituído em mora por interpelação do senhorio para proceder à entrega do imóvel arrendado, assente que ficou que o contrato de arrendamento havia chegado ao fim do seu termo objetivo, nos termos do Art.º 1051.º al. a) do C.C.)».
Contudo, aparentemente em sentido contrário, Ac. do STJ, de 20.11.2012, Garcia Calejo, Processo n.º 1587/11.8TBCSC.L1.S1, onde se lê que, tendo «o negócio prazo fixo e porque à arrendatária incumbia a restituição do locado findo o contrato (art. 1038.º, al. i)), a mora ocorreu no dia 01-01-2010, de harmonia com o disposto no art. 805.º, n.º 2, al. a), do CC»; e, assim, não «seria necessária a interpelação da arrendatária para a entrega da coisa locada, dado que este art. 805.º, n.º 2, al. a), exclui a necessidade de interpelação a que alude o n.º 1 deste artigo (todos os arts. do CC)».
[6] Recorda-se que se lê no art.º 635.º, n.º 5, do CPC que os «efeitos do julgado, na parte não recorrida, não podem ser prejudicados pela decisão do recurso nem pela anulação do processo».
[7] Neste sentido:
. Ac. do STJ, de 03.03.2021, Manuel Capelo, Processo n.º 1310/11.7TBALQ.L2.S1 - onde se lê que a «decisão do tribunal não pode ser mais desfavorável para o recorrente que a decisão impugnada, e da qual a parte contrária não recorreu, atento o princípio da proibição da “reformatio in pejus” (art.º 635º, n.º 5, do CPC)».
. Ac. do STJ, de 21.03.2023, Nuno Pinto de Oliveira, Processo n.º 1069/09.8TVLSB.S1 - onde se lê que o «princípio da proibição da reformatio in pejus consagrado no art. 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil está estreitamente relacionado com o efeito de caso julgado formado sobre a decisão recorrida, na parte não impugnada»; e a «expressão efeitos do julgado do art. 635.º, n.º 5, do Código de Processo Civil deve interpretar-se como reportada à parte decisória da sentença».