Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2038/24.3T8VNF-B.G1
Relator: FRANCISCO SOUSA PEREIRA
Descritores: DEPOIMENTO DE PARTE
OBJECTO
CONFISSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
O depoimento de parte só pode ter por objecto factos relativos a direitos disponíveis, ou seja, factos susceptíveis de serem confessados.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

AA, com os sinais dos autos, requereu, no âmbito do presente processo especial emergente de trabalho, a abertura da fase contenciosa contra EMP01... - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A. e contra EMP02..., UNIPESSOAL, LDA., também nos autos melhor identificadas, alegando nomeadamente que foi vítima de um acidente de trabalho, que descreve, e que
(…) a Ré apenas aceitou a existência da apólice pelo salário indicado nesta peça e não aceitou o resultado da perícia médica nem qualquer responsabilidade pela reparação do acidente de trabalho por entender que este se ficou a dever a violação das normas de segurança por parte do sinistrado.”
terminando a pedir que a R. seguradora seja condenada a pagar-lhe as prestações infortunísticas que discrimina.

A ré contestou para, e nomeadamente, impugnar que o contrato de seguro cobrisse a integralidade da retribuição alegada (9. Perfazendo a retribuição anual de €12932,00 (…)) e bem assim os danos alegadamente advenientes do acidente (10. O acidente provocou uma lesão Membro superior esquerdo: no bordo radial do punho, presença de uma cicatriz rosada com 3 cm de comprimento, conforme consta dos exames e relatórios médicos juntos aos autos.), alegando por sua vez factos tendentes a demonstrar que o acidente ocorreu única e exclusivamente por culpa do autor e violação por este, sem causa justificativa, das condições de segurança previstas no manual de instruções da máquina e na lei.

Entre as provas que indicou a ré requereu “o depoimento de parte do A à matéria dos artigos 1.º, 5.º a 8.º, 16.º e 23.º da contestação, e assim que tal depoimento incidisse sobre os seguintes factos:
1.
O sinistro dos autos apenas se deu em virtude da violação de regras de segurança, por parte do Sinistrado que, apesar de convenientemente ter omitido em sede de petição inicial, é sócio-gerente
da Entidade Empregadora.
(…)
5.
Acontece que o Sinistrado segurava a máquina rebarbadora com a mão direita, a sua mão dominante, e a peça com a mão esquerda.
Ora,
6.
O procedimento adotado não corresponde, notoriamente, a uma forma segura de empregar uma máquina rebarbadora,
7.
Nem tal se coaduna com as regras de utilização da mesma.
8.
De facto, o Sinistrado empunhava a máquina com uma única mão e, ao mesmo tempo, com a outra segurava a peça, necessariamente, pois, junto à zona de corte.
(…)
16.
Ademais, o Sinistrado não utilizava o punho adicional disponibilizado de origem pelo fabricante, o qual os serviços técnicos da Entidade Responsável apuraram que existia, o que aliás, resulta da análise do já junto Documento n.º 1.
(…)
23.
Todas estas precauções foram inobservadas pelo Sinistrado, que tinha conhecimento das mesmas, pois que lhe foi ministrada formação sobre o manuseamento desta máquina, conforme certificado que ao diante se junta como Documento n.º 3.
(…)

Em sede de despacho saneador a Mm.ª Juiz a quo elencou, entre outros, os seguintes temas de prova:
4. A violação pelo Autor das condições de segurança previstas na lei e o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente:
4.1. No dia referido em D., o Autor encontrava-se a cortar um cabo de dois centímetros de diâmetro de cobre eléctrico, com revestimento em plástico;
4.2. O Autor segurava a máquina rebarbadora com a mão direita, a sua mão dominante, e a peça com a mão esquerda, junto à zona de corte.
4.3. Para o uso de uma máquina rebarbadora, o Autor devia ter segurado firmemente a mesma e posicionar o seu corpo e os braços de modo que possa resistir às forças de um efeito de coice;
4.4. O que não é possível fazer se só segurar a máquina com uma mão.
4.5. Estando o braço esquerdo do Autor demasiado próximo do disco de corte – pelo facto de segurar a peça com a mão esquerda – aquele coloca-se na posição de ser atingido pelo efeito de coice, o qual, tipicamente, força a ferramenta eléctrica no sentido contrário ao movimento do disco abrasivo no local do bloqueio.
4.6. O Autor não se encontrava protegido, nem a peça trabalhada se encontrava fixa.
4.7. O Autor não utilizava o punho adicional disponibilizado de origem pelo fabricante.
4.8. Se o Autor tivesse mantido a peça numa posição estável e segurado firmemente a rebarbadora com ambas as mãos, o sinistro não se teria verificado.
4.9. Do Manual de Instruções de máquina resultam as seguintes indicações:
“Efeito de coice e indicações relacionadas
O efeito de coice é uma reaçäo sibita a um disco rotativo, prato de apoio, escova ou outro acessório entalado ou bloqueado. O entalamento ou bloqueio provoca uma paragem rápida do acessório rotativo que, por sua vez, faz com que a ferramenta elétrica descontrolada seja impelida na direçäo oposta à rotação do acessório no ponto do bloqueio.
Por exemplo, se um disco abrasivo ficar bloqueado ou for entalado pela peça de trabalho, a extremidade do disco que estiver em contacto com o ponto de bloqueio pode penetrar a superfície do material. fazendo com que o disco suba ou salte. O disco poderá então saltar na direçäo do utilizador ou para longe deste, dependendo da direçäo do movimento do disco no ponto de entalamento. Os discos abrasivos também podem partir-se nestas condiçöes.
O efeito de coice é o resultado de uma utilização abusiva e/ ou condiçöes ou procedimentos incorretos de utilização da ferramenta elétrica e pode ser evitado tomando as precauçöes indicadas abaixo.
»Segure a ferramenta eléctrica com firmeza e posicione o seu corpo e braço de forma a poder resistir ao efeito de coice. Utilize sempre o punho auxiliar, se fornecido, para obter o máximo controlo sobre o efeito de coice ou reacção do binário durante o arranque. O utilizador poderá controlar as reacções do binário ou o efeito de coice caso tome as devidas precauções.
» Nunca coloque a sua mão junto do acessório rotativo.
O acessório pode ressaltar para cima da sua mão.
» Não posicione o seu corpo na área para a qual a ferramenta elétrica poderá saltar caso ocorra o efeito de coice. O efeito de coice irá impelir a ferramenta na direcção oposta ao movimento do disco no ponto de bloqueio.
(…)
» Fixar a peça a ser trabalhada. Uma peça a ser trabalhada fixa com dispositivos de aperto ou com torno de bancada está mais firme do que segurada com a mão.
(…)
Punho adicional
» Utilize a ferramenta elétrica apenas com o punho adicional.
Dependendo do modo de operação. enrosque o punho adicional (7) à direita ou à esquerda na do mecanismo de acionamento.”
4.10.    Foi ministrada ao Autor formação sobre o manuseamento da máquina.”

E proferiu o seguinte despacho:
» Prova por confissão
O depoimento de parte constitui meio processual que visa provocar a confissão judicial, pelo que só é admissível quando recair sobre factos desfavoráveis ao depoente, tendo por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento. (cfr. artigos 453.º e 454.º, ambos do Código de Processo Civil).
A confissão de tais factos só é eficaz se for feita por pessoa com poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira (artigo 353.º n.º 1 do Código Civil), pelo que, sendo os direitos a prestações e créditos infortunísticos inalienáveis e irrenunciáveis (cfr. artigo 78.º do RJAT), e a matéria factual cujo depoimento é requerido pela Ré desfavorável à Autora, não se admite o depoimento de parte.

Inconformada com esta decisão de indeferimento do requerido depoimento de parte, dela veio a ré interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões (transcrição):
“1.
No âmbito dos presentes autos de acidente de trabalho, em que a Recorrente alega a descaracterização do sinistro, por violação, sem causa justificativa, de regras de segurança, por parte do Recorrido, foi requerido o depoimento de parte deste último.
2.
O Tribunal a quo indeferiu esse requerimento probatório, à luz do n.º 1 do art. 353.º do Código Civil, por estarem em causa direitos indisponíveis, definindo, assim, o desfecho deste processo a favor do Recorrido.
3.
Acontece que, ao abrigo do disposto no art. 361.º do Código Civil e conforme vem sendo entendido pela jurisprudência, a natureza dos direitos em apreço não obsta à admissibilidade do depoimento de parte, desde que salvaguardada a circunstância de não haver lugar à confissão.
4.
De facto, o depoimento que o Recorrido prestar, não valendo como prova plena, deverá ser livremente valorado pelo Tribunal, pelo que o Tribunal a quo não podia, sem mais, indeferir aquele meio probatório.
5.
Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto no n.º 2 do art. 452.º do CPC, bem como o preceituado no art. 361.º do Código Civil.
Termos em que, revogando o despacho proferido e admitindo-se o depoimento de parte do Recorrido farão V. Exas. a tão sã e costumeira JUSTIÇA!”
O recorrido não apresentou contra-alegações.

Admitido o recurso na espécie própria e com o adequado regime de subida, foram os autos remetidos a este Tribunal da Relação e pela Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.

Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do n.º 2 do artigo 657.º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II OBJECTO DO RECURSO

Delimitado que é o âmbito do recurso pelas conclusões da recorrente, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas (artigos 608.º n.º 2, 635.º, n.º 4, 639.º, n.ºs 1 e 2 e 640.º, todos do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 87.º n.º 1 do CPT), enuncia-se então a questão que cumpre apreciar:
a) Se é admissível o depoimento de parte requerido pela ré, a prestar pelo autor/sinistrado.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes para a decisão da causa são os que resultam do relatório supra.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO
           
Como se diz, e concorda-se (seguindo-se de perto a orientação sufragada no acórdão proferido no Proc. N.º 5924/22.1T8GMR-B.G1, com os mesmos Relator e Adjuntos), no despacho recorrido, “O depoimento de parte constitui meio processual que visa provocar a confissão judicial, pelo que só é admissível quando recair sobre factos desfavoráveis ao depoente, tendo por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento. (cfr. artigos 453.º e 454.º, ambos do Código de Processo Civil).
A confissão de tais factos só é eficaz se for feita por pessoa com poder para dispor do direito a que o facto confessado se refira (artigo 353.º n.º 1 do Código Civil) (…)

Ora, o art. 354.º do Código Civil, cuja epígrafe é Inadmissibilidade da confissão, dispõe:
A confissão não faz prova contra o confitente:
a) Se for declarada insuficiente por lei ou recair sobre facto cujo reconhecimento ou investigação a lei proíba;
b) Se recair sobre factos relativos a direitos indisponíveis;
c) Se o facto confessado for impossível ou notoriamente inexistente.”

Conjugando o regime prescrito nas normas referidas, parece evidente a conclusão de que no caso presente o requerido depoimento de parte é inadmissível.
Com efeito, os direitos emergentes de acidente de trabalho têm natureza indisponível, como claramente decorre do art. 78.º da LAT (Lei nº 98/2009, de 04.9) – “Os créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis (…)” - e os processos de acidente de trabalho correm oficiosamente, sem necessidade do impulso das partes, como resulta do n.º 1 do art. 26.º do CPT.

Donde, como se defende em Ac. RL de 03-12-2014, “(…) sendo os direitos à prestações e créditos infortunísticos, inalienáveis e irrenunciáveis (art. 78º da LAT/2009), não devia o sinistrado ter sido, sequer, admitido a prestar depoimento de parte para “confessar” qualquer factualidade que lhe fosse desfavorável.[1]

Entendimento de há muito sufragado, aliás, trazendo-se à colação, a título de ex., o Ac. do STJ de 12-12-1990, em cujo sumário se escreveu:
I - Em processos por acidentes de trabalho ou doenças profissionais, em que se pretende fazer valer direito a uma pensão ou indemnização, sendo esses direitos indispensaveis e mesmo irrenunciaveis, o depoimento de parte não pode recair sobre factos relativos a esses direitos.
II - A confissão assim obtida seria ineficaz, por falta de legitimidade de parte em dispor de direito a que os factos se referem.”[2]
Este é também o entendimento perfilhado no Ac. da RL de 10-01-2019, e em cuja fundamentação designadamente se escreveu: “É certo que sempre existe a possibilidade de o depoimento de parte ser livremente apreciado quando não tenha carácter confessório, pois tal decorre do artigo 361.º do CC. Mas a questão em apreço não é a da apreciação do valor probatório de um depoimento prestado, mas a da admissibilidade da sua prestação. Ora a admissibilidade pressupõe a possibilidade de confissão decorrente da natureza dos factos sobre que incide, nada tem a ver com a força probatória de depoimento de que a confissão (possível ab initio) não decorra ( neste sentido Ac. da RL supra aludido ).
Aliás, a prestação de declarações pelas partes fora do regime da confissão está expressamente prevista no artigo 466.º, do CPC, embora apenas a requerimento da própria parte, e no artigo 452.º, n.º 1, do CPC, que, estabelecendo embora a iniciativa do juiz, não obsta a que o requerimento lhe seja endereçado pelas partes.
(…)
Referem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (in CPC Anotado Vol 2º, pag.s. 464/465), que relativamente à proposta formulada pela Ordem dos Advogados no sentido de se consagrar, quando da revisão de 1995-1996, a figura do testemunho de parte, livremente valorável em todo o seu conteúdo, esta não veio a ser perfilhada, consagrando-se apenas a possibilidade do juiz poder oficiosamente determinar a prestação de depoimento de qualquer das partes (art. 552º, n.º1, do CPC).
Logo, tem sido entendido que admitir-se que as partes pudessem ser chamadas a depor sobre factos relativos a direitos indisponíveis, tal traduziria, na prática, a consagração legal da figura do testemunho de parte que a comissão revisora do CPC rejeitou, concluindo-se pela não admissibilidade do depoimento de parte quando estejam em causa direitos indisponíveis (neste sentido Lebre de Freitas, ob. cit. Pag. 473; e Ac da RL de 31/05/2011 in www.dgsi.pt/jtrl).”[3]
Este acórdão tem Comentário concordante de Miguel Teixeira de Sousa nos seguintes termos: “O acórdão esclarece, de forma bastante didáctica, a admissibilidade da prova por confissão. Só o desconhecimento desta admissibilidade pode ter levado a recorrente a gastar tempo e dinheiro (e a fazer gastar tempo e dinheiro).
Lembre-se que, em coerência com a indisponibilidade do objecto do processo, a não impugnação não tem efeito cominatório (art. 574.º, n.º 2, CPC) e a revelia não é operante (art. 568.º, al. c), CPC).”[4]

Neste sentido também, conquanto reportando-se a uma acção de impugnação de paternidade, Ac. RG de 13-06-2019, no qual pode ler-se: “A lei processual não fornece um conceito de depoimento de parte. Limita-se a dispor sobre quem pode prestá-lo e de quem pode ser exigido – artigo 453.º do CPC - e sobre que factos pode recair do ponto de vista da sua relação com a pessoa do depoente – artigo 454.º do CPC. Estabelece, ainda, a forma como deve ser requerido – artigo 452.º, n.º 2 do CPC – e como e quando deve ser prestado – artigos 456.º a 463.º do CPC.
Este meio de prova “depoimento de parte” encontra-se previsto no artigo 452.º do CPC, norma que se integra na secção epigrafada “prova por confissão das partes”
A confissão, meio de prova, define-a a lei substantiva como «o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária» - artigo 352.º C. Civil.
Daqui decorre, conjugando regimes, que o depoimento de parte é o meio processual que a lei adjectiva põe ao serviço do direito probatório substantivo para provocar a confissão judicial, como expressamente previsto no artigo 356.º, n.º 2 do C. Civil.
Ora, se depoimento de parte se destina a provocar a confissão da parte e se esta, pelo seu objecto, implica o reconhecimento de factos desfavoráveis ao depoente e que favorecem a posição da parte contrária, então bem se compreende que o depoimento só possa ser exigido quando esteja em causa o reconhecimento pelo depoente de factos "cujas consequência jurídicas lhe são prejudiciais e cuja prova competiria, portanto, à parte contrária, nos termos do artigo 342.º do Código Civil» (M. ANDRADE, "Noções Elementares e Processo Civil", 1976, pg. 240, citado no Acórdão do STJ de 27/01/2004 (Alves Velho) 03A3530).
Mas isto só é assim quanto aos factos relativos a direitos disponíveis, ou seja, factos susceptíveis de serem confessados.”[5] (sublinhamos)

Também, não obstante estarmos aí no âmbito de uma acção de divórcio, a pertinência mantém-se, Ac. RP de 22-04-2024, de cujo sumário consta:
I - O depoimento de parte, solicitado pela parte contrária, só pode ter por objeto factos pessoais ou do conhecimento da parte e visa a obtenção da confissão sobre uma realidade desfavorável à parte que depõe.
II - Ainda que se admita que o depoimento de parte, no segmento em que não importe confissão, possa ser apreciado livremente pelo tribunal (art. 361.º CC), isso não autoriza a parte contrária a requerer o depoimento da outra parte para dela obter informações diferentes das confessórias.
III - A própria parte pode requerer as suas próprias declarações e o tribunal pode suscitá-las oficiosamente sobre quaisquer factos que interessem à decisão da causa, valendo estas declarações, em concatenação com a demais prova, não como meio confessório, mas como prova livremente valorada pelo tribunal.[6]

Este parece ser também o entendimento de António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, quando no seu Código de Processo Civil Anotado escrevem “Visto que o depoimento de parte se destina a obter a confissão do depoente, é natural que o seu âmbito se restrinja aos factos que admitam confissão, estando, assim, excluídos aqueles a que se refere o art. 354.º do CC, o que, todavia, não obsta a que o juiz, oficiosamente, solicite a qualquer das partes a prestação de declarações, mesmo no âmbito de ações que incidam, sobre direitos indisponíveis (v.g. […]), sendo legítimo extrair daí elementos que influam na formação da convicção da matéria de facto controvertida. (…)[7]. (sublinhamos)
Também o de José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, quando no seu Código de Processo Civil Anotado afirmam: “Tão-pouco podem ser objeto de depoimento de parte, por não poderem, em geral, ser objecto de confissão, os factos abrangidos pelo art. 354 CC.[8].

Não se desconhece a existência de vozes discordantes[9] - propugnando designadamente que ainda que estejam em causa direitos indisponíveis, insusceptíveis de confissão, não se justifica a proibição de um depoimento de parte, sem prejuízo de não estar sujeito à força probatória vinculada, ficando antes sujeito à livre apreciação do julgador -, mas que em nosso entendimento não traduzem a melhor leitura dos preceitos legais aplicáveis, acima mencionados.
O processo versa direitos indisponíveis, sendo certo, aliás, que com o requerido depoimento de parte pretende a ré fazer a prova de factos com os quais pretende demonstrar que acidente ocorreu única e exclusivamente por culpa do autor/sinistrado, e da violação por este das normas de segurança no trabalho que trouxe à colação, isto é, factos que visam a descaracterização do acidente como acidente de trabalho.
A confissão requer o poder de disposição do direito a que se refere o facto confessado, não bastando que o confitente seja titular do direito a que se refere o facto confessado.

Como escreveu Anselmo de Castro, citando Vaz Serra, “a confissão é susceptível de ter aquilo a que pode chamar-se eficácia negocial indirecta, pois embora recaia sobre factos, destes depende ou pode depender o direito, podendo portanto, ser adoptada, para indirectamente, o confitente dispor do seu direito. Daí que, não obstante não ser um negócio jurídico lhe serem exigidos requisitos destinados a evitar que a declaração confessória não dê garantias de veracidade e ponderação. Estes requisitos parece deverem dizer respeito, sobretudo, à capacidade e à legitimação e ao objecto da confissão.”[10]
Por outro lado, e ainda que se congemine que o autor tem conhecimento «privilegiado» dos factos em questão, não se pode olvidar que o artigo 452.º/ do CPC permite ao juiz, em qualquer estado do processo, determinar a comparência pessoal das partes (também) para a prestação informações ou esclarecimentos sobre factos que interessem à decisão da causa, e que embora no n.º 1 do art. 452.º do CPC se estabeleça para tanto a iniciativa do juiz, tal não obsta a que o requerimento para esse efeito lhe seja endereçado pelas partes.           

V - DECISÃONestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação a cargo da recorrente.
Notifique.
Guimarães, 10 de Julho de 2025

Francisco Sousa Pereira (relator)
Vera Maria Sottomayor
Antero Veiga


[1] Proc. 58/12.0TTVFX.L1-4, Duro Mateus Cardoso, www.dgsi.pt
[2] Proc. 002645, Prazeres Pais, www.dgsi.pt
[3] Proc. 41/18.1T8CSC-B.L1-6, Gabriela Marques, www.dgsi.pt
[4] in Blogue do IPPC (https://blogippc.blogspot.com/), Publicação do dia 10.04.2019 – no mesmo sentido, mesmo Blogue e do mesmo autor, pode ver-se , Blog do IPPC, anotação 13 ao art. 452.º do CPC
https://drive.google.com/file/d/12k1RNRnh9H-MIsT7i2t7t1s_SRJKJSGb/view.
[5] Proc. 5077/18.0T8BRG-A.G1, Ana Cristina Duarte, www.dgsi.pt
[6] Proc. 3221/23.4T8AVR-F.P1, Fernanda Almeida, www.dgsi.pt
[7] Código de Processo Civil Anotado, Almedina, Vol. I, 2.ª Edição, pág. 542.
[8] Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 4.ª Ed., Almedina, pág. 292, Anotação 4 ao art. 454.º do CPC.
[9] A título de ex., Agravo/Apelação nº 905/08 – 4ª Sec. Data – 26/05/2008 Paula Leal de Carvalho, Sumários de Acórdãos, Boletim n.º 31, pág. 52 (https://977c7f27-ba08-45d2-bd7f-becadee04474.filesusr.com/ugd/489f11_991e6f79bf6447f4a2304629b99dedd3.pdf , Ac. RP de 26-11-2019, Proc. 1502/18.8T8VCD-A.P1, José Igreja Matos, www.dgsi.pt, Ac. RG de 12-11-2020, Proc. 1139/19.4T8FAF-A.G1, José Cravo, www.dgsi.pt
[10] Direito Processual Civil, Vol. III, Almedina, págs. 324/325.