Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
342/23.7T8VNF-M.G1
Relator: MARIA JOÃO MATOS
Descritores: NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
SUPRIMENTO DA NULIDADE
DESPACHO SANEADOR
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DE CADUCIDADE
DECISÃO A RELEGAR PARA FINAL O CONHECIMENTO DA EXCEPÇÃO
IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO ADMISSÃO DA APELAÇÃO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Tendo a parte arguido expressamente, no seu articulado inicial, a excepção peremptória de caducidade do direito que se pretendia exercer contra si, e defendido reunirem os autos todos os elementos para o seu conhecimento em sede de despacho saneador, estava o julgador obrigado a pronunciar-se então sobre essa sua pretensão; e, não o tendo feito, cominou de nulo, nessa parte, o despacho saneador por si proferido, por omissão de pronúncia devida.

II. Tendo essa nulidade sido arguida no recurso de apelação interposto do despacho saneador, e tendo o julgador, no respectivo despacho de admissão, afirmado que teria a dita caducidade que ser objecto de prova, supriu desse modo a anterior omissão de pronúncia em que incorrera (já que o que então exarou nos autos passou a integrar a sua primitiva decisão, completando-a).

III. Não é admissível recurso de despacho saneador na parte em que o Tribunal decida não conhecer imediatamente de excepção peremptórida de caducidade, por alegadamente ser necessário produzir prova sobre ela (ficando apenas reservada à parte que entenda já estar assente a facticidade necessária para o efeito a sindicância da sua eventual e futura decisão a julgar improcedente a dita excepção).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência (após corridos os vistos legais) os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, sendo

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Gonçalo Oliveira Magalhães;
2.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade.
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ACÓRDÃO

I - RELATÓRIO

1.1. Despacho reclamado
1.1.1. Nos autos de insolvência pertinentes a EMP01..., S.A., com sede na Rua ..., ..., freguesia ..., em ..., instaurados em 17 de Janeiro de 2023  (tendo sido a respectiva insolvência declarada por sentença de 22 de Maio de 2023), o Administrador da Insolvência requereu a abertura do incidente de qualificação da insolvência, pedindo que fosse considerada culposa e afectados por essa qualificação AA e BB, administradores da Sociedade (conforme articulado respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

1.1.2. Regularmente citado, o 1.º Requerido (AA) deduziu oposição, pedindo que não fosse dado provimento ao parecer do Administrador da Insolvência, sendo a mesma qualificada como fortuita; e, subsidiariamente (prevenindo a hipótese da insolvência ser qualificada como culposa), pedindo para não ser ele próprio afectado por essa qualificação (conforme articulado respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).
Alegou para o efeito, em síntese e no que ora nos interessa, que, podendo apenas ser consideradas as condutas adoptadas nos três anos anteriores ao início do respectivo processo para a qualificar a insolvência como culposa, conforme art.º 186.º, n.º 1 e n.º 2 do CIRE (nos autos, actos posteriores a 18 de Janeiro de 2020), esse limite temporal não teria sido respeitado pelo Administrador da Insolvência no parecer que apresentou (que consideraria para este efeito factos alegadamente ocorridos nos anos de 2014 a 2019).
Mais alegou que, tendo ele próprio renunciado ao mandato de administrador da Insolvente (EMP01..., S.A.) em 07 de Julho de 2020, apenas poderiam ser considerados factos praticados entre Janeiro e Julho de 2020 para efeito de qualificação da insolvência como culposa, no que a ele próprio dissesse respeito.

1.1.3. Foi proferido despacho saneador, certificando tabelarmente a validade e a regularidade da instância, definindo o objecto do litígio, enunciando os temas da prova e apreciando os requerimentos probatórios apresentados, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Saneador - art. 593.º, 2, 595.º, 1 e 597.º, c) do CPC
O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
As Partes, dotadas de personalidade e capacidade judiciária, são legítimas.
Não há nulidades, ainda que não tenham por efeito anular todo o processo, nem excepções de que cumpra conhecer e obstem à decisão do fundo da causa.
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É objecto do litígio (art. 596.º, 1 e 597.º, al. e), do CPC) a qualificação como culposa da presente insolvência.

São temas de prova os elementos de facto alegados, enquadráveis nos art.ºs 186 CIRE, que permitam concluir que a situação de insolvência foi criada ou agravada, com dolo ou culpa grave, pelo devedor ou seus administradores.

Admito a inquirição do Sr. AI e das testemunhas arroladas.
Admito a realização de perícia, singular, nos moldes requeridos, a incidir sobre a matéria indicada na oposição. Nomeio como perito o Sr. CC, que deverá apresentar o seu relatório em 15 dias, acompanhado de declaração escrita de compromisso de honra.
(…)»

1.1.4. Inconformado com o despacho saneador proferido, o 1.º Requerido (AA) dele interpôs recurso, pedindo que fosse «julgado procedente pelas razões de facto e de direito supra expostas e/ou ser reconhecida e declarada a invocada NULIDADE, por violação do disposto na alínea b), parte final, do nº 1, do artigo 595º e 195º, nº 1, do CPC, devendo determinar-se que o Tribunal a quo se pronuncie relativamente à matéria de exceção invocada em sede de Oposição à Qualificação da Insolvência Culposa».

Apresentou as seguintes conclusões (que aqui se reproduzem ipsis verbis):

I. Em sede de Oposição à Qualificação de Insolvência como Culposa, o Recorrente invocou e alegou factos que caracterizam Matéria de Exceção;

II. O Despacho proferido, contrariando a previsão contida no artigo 595.º, n.1, al. b) do Cód. Processo Civil, considerou, indevidamente, não existirem exceções de que cumprisse conhecer e, consequentemente, não se pronunciou, conforme lhe competia, sobre a matéria de exceção alegada pelo Oponente/Recorrente, e que configura uma exceção de carácter perentório;

III. Para além disso, a referida omissão de pronúncia relativamente à matéria de exceção invocada
acarreta a NULIDADE do Despacho proferido, nos termos do artigo 195, n.º 1 do Cód. Processo Civil;

IV. Para a decisão/pronúncia relativamente à matéria de exceção perentória invocada, dispunha já o Tribunal de todos os elementos que lhe permitem verificar e concluir que os factos alegados pelo Senhor Administrador de Insolvência se situam para além dos 3 anos anteriores ao início do processo de insolvência, o que decorre com clareza do parecer do Administrador Judicial relativo à qualificação da insolvência como culposa.

1.1.5. Foi proferido despacho, admitindo o recurso interposto, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Por legal e tempestivo, admito o recurso interposto, que subirá em separado, e tem efeito meramente devolutivo.
No despacho proferido diz-se que não existem exepções de que cumpra conhecer, quando se deveria ter dito que a exepção a que o recorrente faz referência, de caducidade, terá que ser objecto de prova, quanto à prática dos actos imputados, quer como administrador de direito ou de facto.
Assim, considero inverificada a aludida nulidade.
Indique o recorrente o valor que fixa à causa, para efeito de recurso.
(…)»


1.1.6. Tendo o Recorrente (AA) feito coincidir o valor do recurso com o valor do processo (€ 5.000,01), foi proferido despacho, fixando «em 5.000,01 o valor da causa para efeito de recurso».

1.1.7. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação de Guimarães, em 01 de Abril de 2025 foi proferido despacho pela Relatora, convidando as partes a pronunciarem-se sobre a eventual inadmissibilidade do recurso interposto, lendo-se nomeadamente no mesmo:
«(…)
Tendo sido arguida, no presente recurso de apelação, a nulidade do despacho saneador, por omissão de pronúncia quanto à exepção peremptória de caducidade deduzida na oposição à qualificação da insolvência, o Tribunal a quo, no despacho de admissão do dito recurso, pronunciou-se sobre ela, nos termos do art.º 617.º do CPC.
Com efeito, nele exarou:
“No despacho [saneador] proferido diz-se que não existem exepções de que cumpra conhecer, quando se deveria ter dito que a exepção a que o recorrente faz referência, de caducidade, terá que ser objecto de prova, quanto à pratica dos actos imputados, quer como administrador de direito ou de facto”.

Ora, e não obstante tenha igualmente declarado que considerava “inverificada a aludida nulidade”, certo é que supriu a sua omissão anterior, de não pronúncia quanto à dita excepção peremptória de caducidade, cujo conhecimento relegou, na prática, para a sentença final, por alegada necessidade de produção de prova sobre ela
Tendo-o feito, e independentemente da bondade (ou falta dela) dessa sua decisão, é a mesma irrecorrível por força do art.º 595.º, n.º 4, do CPC.

Afigura-se-nos, assim, que o recurso interposto é, neste momento, inamissível, pelo que ordeno a notificação das partes para, querendo e em dez dias, se pronunciarem (conforme art.º 655.º, n.º 1, do CPC).
(…)»

1.1.8. Apenas o Recorrente (AA) veio fazê-lo, em 15 de Abril de 2025, defendendo que «o Tribunal a quo não decidiu, conforme lhe competia, a matéria de exceção (perentória) alegada pelo aqui Recorrente na sua oposição, apesar de já se encontrar na posse de todos os elementos necessários para que tal decisão venha a ser proferida»; e, por isso, pedindo que «o Recurso interposto» prosseguisse «os seus trâmites, para decisão que confirme que o Tribunal a quo se encontra na posse de todos os elementos e como tal não existe qualquer justificação para a sua relegação para a audiência final» (conforme articulado respectivo, que aqui se dá por integralmente reproduzido).

1.1.9. Em 12 de Maio de 2025 foi proferida decisão singular pela Relatora, não admitindo o recurso interposto pelo 1.º Requerido (AA), por ter por objecto uma decisão irrecorrível, lendo-se nomeadamente na mesma:
«(…)
V - DECISÃO
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, não admito o recurso de apelação pretendido interpor pelo 1.º Requerido (AA), do despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo, na parte em que relegou para a sentença final (a proferir no incidente de qualificação da insolvência) o conhecimento da excepção peremptória de caducidade arguida pelo Recorrente na oposição que deduzira ao mesmo.
(…)»
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1.2. Reclamação para a Conferência
1.2.1. Fundamentos
Inconformado com esta decisão, o 1.º Requerido (AA) veio reclamar para a conferência [1], pedindo que a decisão singular da Relatora fosse substituída por acórdão a admitir o recurso por si interposto.
Alegou para o efeito, em síntese, dar «aqui integralmente por reproduzido, para os devidos efeitos legais, tudo quanto alegou no seu anterior requerimento de 15/04/2025 – Refª ...81».
Mais alegou que «a matéria objeto do presente recurso não colide com o disposto no artigo 595º, nº 4 do CPC, uma vez que na situação em apreço não existe falta de elementos que justifique a relegação da exceção da caducidade deduzida pelo Recorrente para momento posterior», não sendo, nomeadamente, necessário produzir qualquer prova (ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, no despacho em que admitiu o seu recurso).
Defendeu, por isso, «que o presente recurso, não apenas deverá ser admitido como julgado inteiramente procedente, uma vez que o motivo pelo qual o Tribunal relegou para final a apreciação da exceção da caducidade em causa, foi por outros motivos que não a falta de elementos, conforme disposto no artigo 595º, nº 4, do CPC».
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1.2.2. Resposta
Não foi apresentada qualquer resposta.
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II - QUESTÕES QUE IMPORTA DECIDIR

Constitui objecto da presente reclamação para a conferência saber se:

i) o despacho saneador que inicialmente não se pronunciou sobre excepção peremptória de caducidade arguida é, ou não, nulo, por omissão de pronúncia;

ii) o despacho saneador em que depois o Tribunal a quo relegou para final o conhecimento da excepção peremptória de caducidade arguida, por alegadamente ser necessário produzir prova sobre a mesma, é, ou não, recorrível (nomeadamente quando os autos reúnam já todos os elementos necessários para o conhecimento da dita excepção).
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III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a decisão das questões enunciadas (nomeadamente, da admissibilidade, ou não admissibilidade, do recurso de apelação - por recorribilidade, ou irrecorribilidade, da decisão dele objecto), encontram-se assentes (mercê do conteúdo dos próprios autos) os factos já discriminados em «I - RELATÓRIO», que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
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IV - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1. Recorribilidade da decisão
4.1.1. Despacho saneador
Lê-se no art.º 595.º, n.º 1, als. a) e b), respectivamente, do CPC que o «despacho saneador destina-se a» conhecer «das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente» e/ou conhecer «imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória».
Recorda-se que se lê no art.º 576.º do CPC que as «exceções são dilatórias ou perentórias» (n.º 1), sendo que as «exceções dilatórias obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal» (n.º 2), enquanto que as «exceções perentórias importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor» (n.º 3).
Entre estas últimas conta-se a caducidade do exercício de determinado direito ou faculdade, que deverá ser conhecida oficiosamente, ou por ter sido devidamente invocada pela parte beneficiada quando se esteja perante direitos disponíveis (art.º 333.º do CC).

Mais se lê, no n.º 3 do art.º 595.º citado, que, no «caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas», enquanto que «na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença».
Recorda-se que se lê: no art.º 620.º, n.º 1, do CPC, que as «sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo»; e no art.º 619.º, n.º 1, do CPC, que transitada «em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele».

Por fim, lê-se no n.º 4 da mesma disposição legal que não «cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer». Bastar-lhe-á então, e para o efeito, «fazer uma breve referência a tal circunstância, concluindo o despacho [saneador] com a declaração expressa dessa impossibilidade» (Paulo Pimenta, Processo Declarativo Civil, 2014, Almedina, Junho de 2014, pág. 260).
Logo, «não é admissível recorrer da decisão que o juiz tome de não conhecer imediatamente de excepção dilatória ou pedido, com fundamento em que, não sendo necessárias mais provas, esse conhecimento era já possível» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 662).
Compreende-se que assim seja, porque esse diferimento da apreciação do Tribunal não tem virtualidade para definir, ainda que provisória ou perfunctoriamente, os direitos e/ou interesses em disputa. Será, sim, em momento ulterior, «de sentença final, com a base fáctica que o julgador julgou ser necessária apurar (independentemente da posição da apelante sobre a necessidade ou desnecessidade dessa facticidade julgada necessária ser apurada pelo julgador)», que o mesmo «terá de apreciar» as «exceções (…) invocadas, cujo conhecimento relegara previamente para esse preciso momento»; e, sendo só então decidido o conflito das partes, assistir nesta altura às mesmas «o direito ao recurso caso não se conforme[m] com o que então venha a ser decidido» (Ac. da RG, de 22.06.2023, José Alberto Martins Moreira Dias, Processo n.º 3731/21.8T8BRG-A.G1, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).
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4.1.2. Nulidade de decisão judicial
4.1.2.1. Nulidade por omissão de pronúncia
Lê-se no art.º 615.º, n.º 1, al. d), I parte, do CPC, e no que ora nos interessa, que «é nula a sentença quando» o «juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar» (regime que o n.º 3 do art.º 613.º do CPC torna extensível aos próprios despachos).

Em coerência, e de forma prévia, lê-se no art.º 608.º, n.º 2, do CPC, que «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras».
Há, porém, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, Coimbra Editora, pág.143, com bold apócrifo).
Ora, as questões postas, a resolver, «suscitadas pelas partes só podem ser devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos), qual o objecto dela (pedido), mas também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)» (Alberto dos Reis, op. cit., pág. 54). Logo, «as “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou direito em que as partes fundamentam as suas pretensões» (Ac. do STJ, de 16.04.2013, António Joaquim Piçarra, Processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1); e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o Tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que directamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Por outras palavras, as «partes, quando se apresentam a demandar ou a contradizer, invocam direitos ou reclamam a verificação de certos deveres jurídicos, uns e outros com influência na decisão do litígio; isto quer dizer que a «questão» da procedência ou improcedência do pedido não é geralmente uma questão singular, no sentido de que possa ser decidida pela formulação de um único juízo, estando normalmente condicionada à apreciação e julgamento de outras situações jurídicas, de cuja decisão resultará o reconhecimento do mérito ou do demérito da causa. Se se exige, por exemplo, o cumprimento de uma obrigação, e o devedor invoca a nulidade do título, ou a prescrição da dívida, ou o pagamento, qualquer destas questões tem necessariamente de ser apreciada e decidida porque a procedência do pedido dependa da solução que lhes for dada; mas já não terá o juiz de, em relação a cada uma delas, apreciar todos os argumentos ou razões aduzidas pelos litigantes, na defesa dos seus pontos de vista, embora seja conveniente que o faça, para que a sentença vença e convença as partes, como se dizia na antiga prática forense» (Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume III, Almedina, Lisboa, pág. 228, com bold apócrifo).
Logo, a omissão de pronúncia circunscreve-se às questões de que o tribunal tenha o dever de conhecer para a decisão da causa e de que não haja conhecido, realidade distinta da invocação de um facto ou invocação de um argumento pela parte sobre os quais o tribunal não se tenha pronunciado [2].
Esta nulidade só ocorrerá, então, quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as excepções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das «razões» ou dos «argumentos» invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão (Ac. do STJ, de 21.12.2005, Pereira da Silva, Processo n.º 05B2287, com bold apócrifo).
Já, porém, não ocorrerá a dita nulidade da sentença por omissão de pronúncia quando nela não se conhece de questão cuja decisão se mostra prejudicada pela solução dada anteriormente a outra (Ac. do STJ, de 03.10.2002, Araújo de Barros, Processo n.º 02B1844). Compreende-se que assim seja, uma vez que o conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui (Ac. do STJ, de 08.03.2001, Ferreira Ramos, Processo n.º 00A3277).
Igualmente «não se verifica a nulidade de uma decisão judicial - que se afere pelo disposto nos arts. 615.º (sentença) e 666.º (acórdãos) - quando esta não aprecia uma questão de conhecimento oficioso que lhe não foi colocada e que o tribunal, por sua iniciativa, não suscitou» (Ac. do STJ, de 20.03.2014, Maria dos Prazeres Beleza, Processo n.º 1052/08.0TVPRT.P1.S1).
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4.1.2.2. Suprimento da nulidade
Lê-se no art.º 617.º do CPC que se «a questão da nulidade da sentença (…) for suscitada no âmbito de recurso dela interposto, compete ao juiz apreciá-la no próprio despacho em que se pronuncia sobre a admissibilidade do recurso, não cabendo recurso da decisão de indeferimento» (n.º 1); e, se «o juiz suprir a nulidade (…), considera-se o despacho proferido como complemento e parte integrante» da sentença, «ficando o recurso interposto a ter como objeto a nova decisão» (n.º 2).
Compreende-se que assim seja, dado que o natural objecto de qualquer recurso é o erro na decisão do juiz, com reflexo na decisão de mérito. Logo, existindo essa possibilidade (de recurso para um tribunal superior), a sindicância pretendida (v.g. arguição de nulidade), deve ficar reservada para a sede própria.
Contudo, e tendo ainda assim o Tribunal a quo que se pronunciar previamente sobre a alegada nulidade que afectará a decisão por si proferida, compreende-se igualmente que se «o incidente for deferido, essa decisão não» assuma «autonomia, valendo como complemento e parte integrante da sentença recorrida, cujo recurso subirá em termos de incluir no seu objeto o que resultou da decisão do incidente» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina, Setembro de 2018, pág. 740).
Só não será assim se, nos termos do n.º 3 do art.º 617.º citado, «o recorrente, no prazo de 10 dias, desistir do recurso interposto, alargar ou restringir o respetivo âmbito, em conformidade com a alteração sofrida pela sentença», mas podendo então «o recorrido responder a tal alteração, no mesmo prazo»; e, se «o recorrente, por ter obtido o suprimento pretendido, desistir do recurso, pode o recorrido, no mesmo prazo, requerer a subida dos autos para decidir da admissibilidade da alteração introduzida na sentença, assumindo, a partir desse momento, a posição de recorrente», conforme n.º 4 do mesmo preceito.
Compatibilizam-se, assim, os princípios da economia e da utilidade dos actos processuais (não fazendo sentido que se obrigue o recorrente a manter um recurso quando o mesmo deixou supervenientemente de fazer sentido para si próprio, pela alteração verificada na decisão inicialmente recorrida), com os princípios da igualdade das partes e do contraditório (permitindo ao inicial recorrido sustentar supervenientemente a bondade da primeira versão da decisão recorrida).
Compreende-se, por isso, que se afirme que, deferido, «pelo juiz da 1.ª instância, o pedido de declaração de nulidade, (…) a nova decisão integra-se na sentença, que completa ou altera (n.º 2), ficando em função dela definido o objeto do recurso, sem prejuízo da desistência do recorrente ou do alargamento ou restrição daquele objeto (n.ºs 3 e 4)» (José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, Almedina, Março de 2018, pág. 745).
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4.1.3. Recurso de apelação
Lê-se no art.º 644.º do CPC, e no que ora nos interessa, que cabe «recurso de apelação» do «despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o réu ou algum dos réus quanto a algum ou alguns dos pedidos» (al. b) do n.º 1); e das «decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil» (al. h) do n.º 2).
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Precisando, decide sobre o mérito a causa o despacho saneador que «julga procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou algum dos interessados; outrossim quando, independentemente da solução dada ou da posterior evolução processual, nele se apreciem excepções peremptórias, como a caducidade, a prescrição, a compensação, a nulidade ou a anulabilidade. Em qualquer dos casos, ainda que a decisão não determine a extinção total da instância, prosseguindo esta para apreciação de outras questões, está sujeita a recurso imediato» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil. Novo Regime, 2.ª edição, Almedina, págs. 152-153) [3].
Inversamente, não conhece do mérito da causa o despacho saneador que tenha apreciado uma excepção dilatória ou qualquer outro aspecto de natureza puramente formal ou adjectiva. Contudo, desde que tenha ocorrido uma absolvição da instância do réu ou de algum dos réus, quanto a algum ou alguns dos pedidos, será também imediatamente recorrível.
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Precisando novamente, e relativamente ao disposto na al. h) do n.º 2 do art.º 644.º citado («decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil»), dir-se-á que a inutilidade que a lei aqui pretende evitar é a do próprio recurso, e não de actos do processo.
Com efeito, o «advérbio (“absolutamente”) assinala bem o nível de exigência imposto pelo legislador (…). Deste modo, não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso decretado em momento ulterior não passará de uma “vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado» (António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, págs. 159-160, com bold apócrifo).
Logo, o «recurso cuja retenção o tornaria absolutamente inútil é apenas aquele cujo resultado, seja ele qual for, devido à retenção já não pode ter qualquer eficácia dentro do processo, mas não aquele cujo provimento possibilite a anulação de alguns actos, incluindo o do julgamento, por ser isso um risco próprio ou normal dos recursos diferidos» (Ac. do STA, de 17.12.1974, in Acórdãos Doutrinais Do STA, 160º-557, com bold apócrifo).
Compreende-se, por isso, que se afirme que a inutilidade prevista na al. h) do n.º 2 do art.º 644.º do CPC «verifica-se sempre que o despacho recorrido produza um resultado irreversível (cfr. Ac. RC - 5/5/1981, BMJ 310, 345), de tal modo que, seja qual for a decisão do tribunal ad quem, ela será completamente inútil (cfr. Ac. RL – 29/11/1994, BMJ 441, 390), mas não quando a procedência do recurso possa conduzir à eventual anulação do processado posterior à sua interposição (Ac. RL – 30/6/1992, CJ 92/3, 254)» (Ac. da RC, de 12.01.2010, Artur Dias, Processo n.º 102/08.5TBCDN-A.C1) [4].
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4.1.4. Conhecimento e consequências da irrecorribilidade da decisão objecto de recurso
Lê-se no art.º 641.º do CPC que, findo «os prazos concedidos às partes» para alegarem e contra-alegarem, «o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso, se a tal nada obstar» (n.º 1); e o «requerimento [de interposição de recurso] é indeferido quando» se «entenda que a decisão não admite recurso» (n.º 2).
Logo, compete ao juiz a quo emitir despacho sobre o requerimento de interposição de recurso, nomeadamente conhecendo, ainda que de forma oficiosa, as questões ligadas à sua admissibilidade, onde se inclui a recorribilidade da decisão impugnada.

Mais se lê, no n.º 5 do art.º 641º citado, que a «decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior».
Compreende-se, por isso, que se leia, no art.º 652.º, n.º 1, al. b), do CPC, que o juiz [do tribunal ad quem] a quem o processo for distribuído fica a ser o relator, incumbindo-lhe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente verificar «se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso».
Logo, a «decisão de admissão do recurso não é definitiva, tal como não são definitivas as decisões a fixar a espécie do recurso e a determinar o efeito que lhe compete. Tais decisões não são susceptíveis de impugnação por recurso, mas o tribunal ad quem pode decidir não conhecer do recurso, (…) ou alterar o efeito, uma vez que não esta vinculado pela decisão do tribunal a quo» (José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, Tomo I, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, pág. 69).
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4.2. Caso concreto (subsunção ao Direito aplicável)
4.2.1. Despacho saneador - Omissão de pronúncia (excepção peremptória de caducidade)
Concretizando, verifica-se que o 1.º Requerido (AA), na oposição que deduziu ao incidente de qualificação da insolvência,  invocou em seu benefício a excepção peremptória da caducidade de alegação de todos os factos anteriores a 18 de Janeiro de 2020 (ditos como tendo sido invocados pelo Administrador da Insolvência no respectivo  parecer para aquele preciso efeito); e defendeu inexistirem outros posteriores que lhe pudessem ser imputados para o mesmo fim, já que teria renunciado à administração da Insolvente (EMP01..., S.A.) em Julho de 2020.
Verifica-se ainda que, no despacho saneador que proferiu, o Tribunal a quo afirmou singelamente, e no que ora nos interessa, que não «há nulidades, ainda que não tenham por efeito anular todo o processo, nem excepções de que cumpra conhecer e obstem à decisão do fundo da causa» (bold apócrifo).

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, tendo o 1.º Requerido (AA) arguido expressamente a excepção peremptória de caducidade da possibilidade de ser afectado pela qualificação como culposa da insolvência de EMP01..., S.A., e defendido ainda reunirem os autos todos os elementos para o seu conhecimento em sede de despacho saneador (já que bastaria considerar para o efeito o teor do parecer do Administrador da Insolvência e conjugá-lo com o limite temporal consagrado no art.º 186.º, n.º 1 e n.º 2 do CIRE), estava o Tribunal a quo obrigado a pronunciar-se sobre essa sua pretensão.
Dizê-lo, porém, não equivale a afirmar, como o 1.º Requerido (AA) defende no recurso que interpôs, que teria de conhecer nesse momento do mérito da dita excepção peremptória de caducidade (julgando-a procedente, ou improcedente), uma vez que, ao invés, poderia simplesmente relegar o seu conhecimento para final, por entender que não dispunha então de todos os elementos necessários para o efeito.
Ora, nada tendo o Tribunal a quo dito a esse respeito (embora com o âmbito alternativo referido supra), omitiu, de facto, uma pronúncia que lhe era imposta por lei; e, em consequência, cominou de nulo, nessa parte, o despacho saneador por si proferido.
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4.2.2. Suprimento da nulidade (por omissão de pronúncia)
Concretizando novamente, verifica-se que, tendo essa precisa nulidade sido arguida pelo 1.º Requerido (AA) no recurso de apelação que interpôs do dito despacho saneador, veio o Tribunal a quo a pronunciar-se sobre ela, no respectivo despacho de admissão.
Com efeito, e de forma expressa, afirmou então que, no «despacho proferido diz-se que não existem excepções de que cumpra conhecer, quando se deveria ter dito que a excepção a que o recorrente faz referência, de caducidade, terá que ser objecto de prova, quanto à prática dos actos imputados, quer como administrador de direito ou de facto» (bold apócrifo).

Ora, e salvo o devido respeito por opinião contrária, ao fazê-lo supriu efectivamente a nulidade em que antes incorrera, no despacho saneador que proferira: o que então exarou nos autos passou a integrar a sua primitiva decisão, completando-a; e, nessa exacta medida, ficou suprida a sua anterior omissão de pronúncia.

Dir-se-á, ainda, que para este efeito é irrelevante a sua posterior afirmação (no mesmo despacho de admissão do recurso de apelação interposto) que, assim, «considero inverificada a aludida nulidade», já que a mesma: pode ser lida como, após o efectivo suprimento da nulidade denunciada no recurso, deixou aquela de se verificar; ou, pretendendo significar que a nulidade em causa nunca chegou sequer a existir,  consubstanciaria então o reiterar de um errado juízo do Tribunal a quo, que naturalmente não vincula este Tribunal ad quem.
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4.2.3. Irrecorribilidade da decisão a relegar para final o conhecimento da excepção peremptória de caducidade
Concretizando uma vez mais, lendo-se agora no despacho saneador proferido nos autos que «a excepção a que o recorrente faz referência, de caducidade, terá que ser objecto de prova, quanto à prática dos actos imputados, quer como administrador de direito ou de facto», não só inexiste neste momento qualquer omissão de pronúncia a respeito desta concreta excepção peremptória, como aquela decisão (de relegar o seu conhecimento para a sentença final a proferir) é irrecorrível.

Dito por outras palavas, ainda que o 1.º Requerido (AA) continue a entender que o estado dos autos permitia, e permite, o conhecimento imediato da dita excepção peremptória de caducidade (que ele próprio arguiu), não sendo necessária a produção de quaisquer outras provas para a sua demonstração, a lei não autoriza a sindicância do contrário juízo do Tribunal a quo (reservando-lhe apenas a sindicância da sua eventual e futura decisão a julgar improcedente a dita excepção).
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4.2.4. Consequência processual (não admissão do recurso)
Concretizando uma derradeira vez, sendo irrecorrível a parte do despacho saneador que o 1.º Requerido (AA) pretenderia sindicar no recurso de apelação que interpôs, e não obstante o Tribunal a quo o tenha admitido, teria sempre o mesmo quer ser rejeitado por este Tribunal da Relação, na competência deferida por lei ao Juiz Relator a quem o processo foi distribuído; e, reclamando o 1.º Requerido (AA) dessa sua decisão para a Conferência de Juízes Desembargadores, terá neste momento a mesma que confirmar aquele juízo da relatora.
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Deverá, assim, decidir-se em conformidade, não admitindo, por se reportar a decisão irrecorrível, o recurso de apelação interposto pelo 1.º Requerido (AA).
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V - DECISÃO

Pelo exposto, nos termos das disposições legais citadas e do art.º 643.º, n.º 4, do CPC, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar totalmente improcedente a reclamação apresentada pelo 1.º Requerido (AA) e, em consequência,

· Confirmam o despacho reclamado, que não admitiu o recurso de apelação por ele pretendido interpor do despacho saneador proferido pelo Tribunal a quo, na parte em que relegou para a sentença final (a proferir no incidente de qualificação da insolvência) o conhecimento da excepção peremptória de caducidade arguida pelo Recorrente na oposição que deduzira ao mesmo.
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Custas a cargo do Reclamante (art.º 527.º, n.º 1, do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 10.07.2025.

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora - Maria João Marques Pinto de Matos;
1.º Adjunto - Gonçalo Oliveira Magalhães;
2.ª Adjunta - Lígia Paula Ferreira de Sousa Santos Venade.


[1] Recorda-se que se lê no art.º 652.º, n.º 3, do CPC que, «quando a parte se considere prejudicada por qualquer despacho do relator, que não seja de mero expediente, pode requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão; o relator deve submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária».
Contudo, não é necessário que o reclamante apresente «motivação, já que a lei prevê simplesmente que a parte prejudicada por algum despacho do relator requeira que sobre o mesmo “recaia um acórdão”, sem exigir expressis verbis (mas também sem vedar) qualquer justificação para essa iniciativa ou sequer a motivação que a leva a sustentar uma posição diversa». Dir-se-á mesmo que «o facto de ter sido proferido despacho sobre qualquer questão delimita suficientemente o objeto do posterior acórdão, dispensando outros desenvolvimentos» (António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código e Processo Civil Anotado, Volume I, Almedina 2018, págs. 789).
Pondera-se, para o efeito, que, se a «natureza colegial dos tribunais superiores implica que, em regra, a formação de julgamento integre, no mínimo, três juízes e a tomada de decisão exija, também no mínimo, dois votos conformes», o facto de «a lei, por óbvias razões de economia e celeridade processuais», admitir que «certas decisões sejam tomadas individualmente pelo relator», «não podia», porém, esta possibilidade «deixar de ser acompanhada pela outorga à parte que se sinta prejudicada com tais decisões da faculdade de as fazer reexaminar pela conferência, de composição colegial. Assim sendo, a circunstância de o reclamante não ter explicitado as razões pelas quais discorda do despacho reclamado não conduz inexoravelmente ao indeferimento da reclamação (e muito menos ao seu não conhecimento), antes se impõe que a conferência repondere a questão, bem podendo acontecer que, mesmo na ausência de críticas do reclamante ao despacho reclamado, no colectivo de juízes acabe por prevalecer entendimento diverso do inicialmente assumido pelo relator» (Acórdão n.º 514/2003, de 28 de Outubro de 2003, Mário Torres, Processo n.º 474/03, in https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20030514.html).
[2] Neste sentido: Ac. do STJ, de 07.07.1994, Miranda Gusmão, BMJ, n.º 439, pág. 526; Ac. do STJ, de 22.06.1999, Ferreira Ramos, CJ, 1999, Tomo II, pág. 161; Ac. da RL, de 10.02.2004, Ana Grácio, CJ, 2004, Tomo I, pág. 105; ou Ac. da RL, de 04.10.2007, Fernanda Isabel Pereira.
[3] Neste sentido, Ac. da RG, de 06.11.2014, Jorge Teixeira, Processo n.º 2777/13.4TBBCL.G1.
[4] No mesmo sentido:
. Ac. da RP, de 07.01.2016, Miguel Baldaia de Morais, Processo n.º 2754/13.5TBBCL-A.G1, onde se lê que as «decisões “cuja impugnação com o recurso da decisão final é absolutamente inútil”, de acordo com o disposto na al. h) do nº 2 do artº 644º do Código de Processo Civil, são apenas aquelas cuja retenção poderia ter um efeito material irreversível sobre o conteúdo do decidido, e não as que acarretem a mera inutilização de atos processuais»;
. Ac. do STJ, de 07.12.2023, João Cura Mariano, Processo n.º 801/21.6T8CSC-A.L1.S1 onde se lê que a «inutilidade, significativamente adjetivada de absoluta, enquanto requisito da dedução autónoma do recurso de apelação, ocorre quando um desfecho favorável da impugnação de um determinado despacho, quando obtido apenas com o resultado do recurso da decisão final, já não consegue reverter o resultado do despacho recorrido, não se revelando eficaz a inutilização dos atos entretanto praticados».