Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8349/17.7T8VNF-B.G1
Relator: JOSÉ ALBERTO MOREIRA DIAS
Descritores: EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALTERAÇÃO DE REGIME
PRESSUPOSTOS
CIRCUNSTÂNCIAS SUPERVENIENTES
INEPTIDÃO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
ARQUIVAMENTO DO INCIDENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1- A alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais apenas se pode fundamentar: a) no incumprimento por ambos os progenitores ou por terceira pessoa a quem a criança tenha sido confiada do regime que se pretende alterar; ou b) a ocorrência de circunstâncias de facto supervenientes, em termos objetivos (factos ocorridos historicamente depois do regime que se pretende alterar) ou subjetivos (factos ocorridos antes daquele regime, mas em que este não assentou, por não terem sido alegados, por ignorância ou outro motivo ponderoso), que se projetam na causa de pedir, tornando necessária a alteração do mesmo, por ter deixado de ser adequado a promover o fim visado: a salvaguarda do interesse superior da criança.
2- Não tendo o requerente, no requerimento em que pediu a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, alegado quaisquer factos concretos integrativos da causa de pedir que elegeu e em que fundamentou aquele pedido, ocorre o vício da ineptidão, não suprível mediante convite ao aperfeiçoamento, impondo-se considerar o pedido infundado e ordenar o arquivamento dos autos, nos termos do n.º 4 do art. 42º do RGPTC.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- Relatório

Em 21/12/2017, o Ministério Público requereu que se homologasse o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais alcançado entre os progenitores relativo à criança AA, nascida em ../../2011, residente na Rua ..., ..., ..., filho de BB (com quem reside a criança) e de CC, residente na  Rua ..., ..., ..., em que acordaram (procede-se à transcrição ipsis verbis do acordo alcançado entre os progenitores):

Cláusula 1ª
1- A criança é filha de ambos os Pais – acordantes (Doc. 1) pelo que as responsabilidades relativas às questões de particular importância para a vida da mesma continuarão a ser exercidas em comum por ambos os progenitores.
2- O exercício das responsabilidades parentais relativamente aos atos da vida corrente da criança caberá ao Pai ou à Mãe com quem a mesma no momento se encontrar (não podendo, no entanto, o progenitor não residente ao exercer as suas responsabilidades, contrariar as orientações educativas mais relevantes tal como elas são definidas pela progenitora residente).
Cláusula 2ª
A Criança, filha dos acordantes, fica a residir habitualmente com a Mãe (tendo tal morada por domicílio), a quem caberá o exercício quotidiano das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente e a prestação de cuidados pessoais ao filho (por si ou por delegação do seu exercício) sendo a pessoa encarregada de edução do filho.
Cláusula 3ª
1- A Criança poderá estar com o Pai sempre que este desejar, sem prejuízo dos horários de vida dela (descanso, alimentação, escolares e atividades), contactando previamente a Mãe com 24 horas de antecedência, e indo buscá-lo e entregá-lo ao seu domicílio (ou estabelecimento escolar, conforme combinado entre os pais).
2- A Criança poderá conviver com o Pai:
- de quinze em quinze dias, desde as 9 horas de sábado até às 20 horas de domingo;
- no Dia do Pai, das 9 às 20 horas:
- no dia de aniversário da Criança e no dia de aniversário do Pai, almoçando ou jantando com ele (o mesmo se passando com a Mãe no Dia da Mãe e no dia de aniversário da Mãe);
- na véspera e dia de Natal e na passagem de ano e dia de ano novo (alternadamente com a Mãe), no horário das 9 às 20 horas;
- no Domingo de Páscoa, alternadamente entre pais, das 9 às 16 horas:
- nas férias escolares de Verão, 15 dias, divididos em períodos semanais (ou quinzenais), este período a combinar até ao fim de março de cada ano.
3- O Pais desde já se autorizam, reciprocamente, à deslocação para o estrangeiro com o filho, em regime de passeio/férias.
4- Os Pais, para efeitos de contacto com e sobre o filho, informações e comunicações de despesas indicam o n.º de telemóvel, mãe (…), e-mail (…), pai, (…), e-mail (…).
Cláusula 4ª
1- O Pai contribuirá, a título de alimentos devidos ao filho, abrangendo-se nesta prestação, o comer, o vestir, o calçar e os produtos de higiene, com a quantia de 150,00 euros, verba que o pai depositará para a conta bancária do Banco 1..., da qual a Mãe é titular, até ao dia 12 de cada mês, com início a dezembro de 2017.
2- O Pai também comparticipará na proporção de dois terços, em todas as despesas médicas e medicamentosas, bem como em todas as despesas escolares e extracurriculares (de preferência previamente combinadas ou de necessidade comprovada), a pagar no prazo de pagamento da prestação do mês seguinte após apresentação dos respetivos comprovativos.
3- O montante previsto no n.º 1 será atualizado anual e cumulativamente, no mês seguinte ao perfazer da anualidade da decisão homologatória do acordo, em quantia nunca inferior a 3%.
4- O recebimento das quantias relativas a subsídio familiar a crianças e jovens (antigo abono de família) ou outras a que o filho tenha direito compete à Mãe do mesmo.
 
Por sentença proferida em 09/01/2018, transitada em julgado, homologou-se o acordo acabado de transcrever.
Em 09/12/2024, o progenitor, CC, requereu a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais de AA, acabado de referir, alegando (procede-se à transcrição ipsis verbis):
“1- Os motivos para o progenitor requerer a alteração da regulação do poder paternal, para o regime de guarda partilhada, prendem-se no melhor interesse do seu filho, pois a guarda partilha permitirá que o AA mantenha uma relação estável e contínua com ambos os pais, promovendo o seu desenvolvimento emocional e psicológico.
2- Os pais, desta forma, estarão envolvidos nas decisões importantes e na educação do AA, garantindo uma partilha equilibrada das responsabilidades parentais.
3- Acresce que, a guarda partilhada promoverá um ambiente mais harmonioso, reduzindo possíveis tensões e conflitos entre os pais.
4- Com efeito, propõe a alteração da regulação das responsabilidades parentais nos seguintes termos: (…)”.

Citada a progenitora, BB, opôs-se à alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais de AA que se encontra em vigor e homologado por sentença transitada em julgado nos termos supra expostos.
O Ministério Público promoveu que se indeferisse o pedido de alteração, por manifestamente improcedente, dado que o requerente não alegou nenhum dos fundamentos de alteração do n.º 1 do art. 42º do RGPTC, designadamente, que tivessem ocorrido circunstâncias supervenientes que tornassem necessária a alteração do regime em vigor, “não passando o requerido, eventualmente (como salientado pela Requerida) de uma maneira encapotada de continuar a desejar não contribuir devidamente para o sustento do filho”.
Por decisão proferida em 06/02/2025, a 1ª Instância ordenou o arquivamento dos autos, nos termos do n.º 4 do art. 42º do RGPTC, por falta de fundamento do pedido de alteração, constando essa decisão do seguinte teor:
CC intentou contra BB ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais, em favor da criança AA.
Para tanto alegou, e no que ora interessa reproduzir, o seguinte: (…).
Citada a requerida, a mesma, em síntese, e em primeira linha, pugnou pelo indeferimento da pretensão do requerente.
O Ministério Público emitiu o seguinte parecer: “ser de indeferir liminarmente o peticionado por manifestamente improcedente (n.º 1, do art.º 590.º, CPC, ex vi n.º 1, do artº. 33.º, RGPTC), dado que (…).
Cumpre decidir.
(…).
Por conseguinte, para que seja possível a (excecional) alteração de uma decisão transitada em julgado, é necessário que determinados e precisos requisitos se verifiquem, legitimando o afastamento do caso julgado e a segurança que este deveria conferir.
Assim sendo, a lei exige expressamente a verificação de uma de duas situações: o incumprimento do acordado por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada; ou a ocorrência de circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o que estiver estabelecido.
A possibilidade de alteração é assegurada pela natureza de jurisdição voluntária dos procedimentos tutelares cíveis – artº 12º do RGPTC -, jurisdição que se caracteriza pela alterabilidade das resoluções – artº 988º, nº 1, do Código de Processo Civil.
A regulação do exercício das responsabilidades parentais é feita de harmonia com os interesses da criança – artigo 40º, nº 1, do RGPTC -, visando a promoção do desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos – artigo 1885º, nº 1, do Código Civil -, o qual pode exigir a modificação do estabelecido, nomeadamente quando as circunstâncias da criança se alterem.
A procedência do pedido de alteração decorre, pois, da prova de que o regime estabelecido deixou de ser adequado a promover os fins visados pelo exercício das responsabilidades parentais – cfr. Ac. da RG de 16.02.2023, www.dgsi.pt..
Cabem na solução prevista no artº 42º do RGPTC tanto a superveniência objetiva (factos ocorridos posteriormente à decisão), como a subjetiva (factos anteriores não alegados por ignorância ou outro motivo ponderoso) – cfr. Ac da RG de 13.10.2022, www.dgsi.pt..
In casu, não se mostram verificados os requisitos legais para que seja revista a regulação das responsabilidades parentais.
Concorda-se, in totum, com a posição veiculada pelo Ministério Público.
Dos escassos três artigos alegados pelo requerente não vislumbramos nenhum facto que permita sequer rever o regime instituído.
Não é invocado um único incumprimento da regulação das responsabilidades parentais por parte da requerida, nem tão pouco são alegadas circunstâncias em concreto que possamos considerar supervenientes ao acordo firmado.
São apenas alegadas considerações genéricas sobre o que deve ser uma guarda partilhada, o que melhor promove um clima harmonioso entre os pais, bem como o envolvimento destes nas decisões da criança.
Repete-se, nenhum facto foi relatado com vista à alteração da regulação das responsabilidades parentais. Apresentou-se apenas um projeto de acordo, sem qualquer suporte factual.
Nesta conformidade, não existe fundamento que possa permitir, tal como exigem os preceitos legais citados, a alteração da regulação das responsabilidades parentais, nos termos pretendidos pelo requerente.
*
Pelo exposto, decido determinar o arquivamento dos autos, nos termos do nº 4, do art. 42º, do RGPTC, por falta de fundamento do pedido de alteração.
Custas pela requerente.
Valor da causa: € 30.000,01”.

Inconformado com o decidido, o Requerente, CC, interpôs recurso, em que formulou as seguintes conclusões:

I. O Recorrente, por não se conformar com a douta sentença, entende, salvo o devido respeito por melhor opinião, que os fundamentos para alteração da regulação do poder paternal para o regime de guarda alternada, sujeita a exame pelo tribunal recorrido merece outra apreciação.
II. O julgador entendeu perfeitamente o pensamento do Recorrente.
III. O Tribunal, quando muito, sempre se poderia socorrer do convite legal para aperfeiçoar o articulado.
IV. Atenda-se à solução que julgue mais conveniente e oportuna, em obediência aos artigos 986.º e ss. do CPC e que se violaram frontalmente.
V. Vigora assim, no que respeita à forma, o princípio da adequação formal, do artigo 547.º do CPC.
VI. O Tribunal a quo devia ter convidado o Requerente a aperfeiçoar o requerimento ou ter designado dia para a realização de uma conferência e aí averiguar o que pretendia com tal requerimento.
VII. O indeferimento liminar de uma pretensão trazida a juízo, por “manifesta improcedência”, nos termos do disposto no art. 590º, n.º 1 do CPC, só deverá justificar-se, quando se não tiver na doutrina ou jurisprudência quem os defenda.
VIII. A jurisprudência colhe este entendimento e como tal a decisão de arquivamento dos autos, não pode proceder.
IX. No caso concreto requer-se a alteração das responsabilidades parentais para o regime da guarda partilhada, com vista ao superior interesse da criança.
X. A argumentação aduzida pelo Magistrado do Ministério Público com forte pendor para as alegações da Requerida e a concordância “in totum, com a posição veiculada pelo Ministério Público”, do juiz do processo privilegiam outros interesses que, não os do menor.
XI. O requerimento de alteração das responsabilidades parentais, para o regime de guarda partilhada (sublinhado nosso), não precisa de se basear em qualquer incumprimento do progenitor.
XII. O Requerente tem o propósito de acompanhar mais perto o crescimento do seu filho, passando mais tempo com ele, sendo que foi o Requerente que requereu, em 2017, a regulação das responsabilidades parentais.
XIII. O caso enquadra-se no regime previsto no art.º 1906º, n.ºs 6 e 9, introduzido pela Lei n.º 65/2020, de 4 de novembro, a desnecessidade de existência de mútuo acordo dos pais para fixação da residência alternada.
XIV. O art.º 42º, n.º 1, do RGPTC conjuga-se com o art. 988.º do CPC.
XV. As circunstâncias excecionais, para Clara Pinto Sottomayor são as que vão de encontro à necessidade da criança relativamente à estabilidade do ambiente em que vive e à continuidade nas suas relações pessoais.
XVI. Os pais têm responsabilidades, obrigações de velarem pela segurança e saúde, promover o sustento, dirigir a educação, representação e administração dos bens dos seus filhos (art.º 1878º do Código Civil).
XVII. E o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, numa relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles (n.º 8 do art.º 1906º do Código Civil).
XVIII. No Acórdão da Relação do Porto, Proc. 5235/12.9TBVFR-A.P1, in www.dgsi.pt., onde se reconheceu nada impedir a “residência alternada”, no sentido da determinação de duas residências à criança.
XIX. Não haverá uma alteração acentuada nas rotinas do menor e a sua relação com os colegas não sairá afetada.
XX. O menor está habituado ao ambiente familiar da casa do pai com o seu próprio quarto, com todos os seus pertences (vestuário, brinquedos, fotografias, etc.).
XXI. O artigo 1906.º, n.º 6 do Código Civil preconiza que o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.
XXII. A proximidade geográfica, as condições económicas e de habitabilidade, a ligação afetiva da criança com ambos os progenitores, a capacidade de diálogo entre os progenitores e ainda o superior interesse da criança imperam no caso presente.
XXIII. A guarda alternada é o regime regra, mesmo não havendo acordo.
XXIV. Que potencia a relação afetiva entre a criança e ambos os progenitores.
XXV. Não tem fundamento que o Recorrente pretenda não pagar uma pensão (tese da mãe), ou que “não se vislumbram motivos para alterar ou afastar a situação em que a criança se encontra desde a separação dos progenitores (tese da decisão recorrida).
XXVI. Qual é o melhor para a criança? a sua guarda atribuída em exclusivo à sua mãe ou, pelo contrário, ser partilhada com o pai? Foi o menor questionado?
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa mui doutamente suprirão, concedendo provimento ao presente recurso e, em consequência, revogando a douta decisão de arquivamento dos autos, devendo o tribunal a quo conhecer dos argumentos invocados, substituindo por outra em conformidade com as presentes conclusões, farão, como sempre, boa e sã justiça.
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O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
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A 1ª Instância admitiu o recurso como sendo de apelação, com subida nos próprios autos do apenso de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais e com efeito devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido, ou devesse ser, objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido, ou devessem ser, nelas apreciadas, visando obter a anulação da decisão recorrida (quando padeça de vício determinativo da sua nulidade) ou a sua revogação ou alteração (quando padeça de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito), nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo material sobre as quais não tenha recaído, ou devesse recair, a decisão recorrida[1].
No seguimento desta orientação cumpre ao tribunal ad quem apreciar se a decisão recorrida (ao indeferir o pedido do recorrente para que se alterasse o regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais de AA, acordado entre os progenitores e homologado por sentença transitada em julgado, com fundamento na manifesta improcedência desse pedido, por não terem sido alegados pelo recorrente quaisquer factos que demandem essa alteração, e ao ter ordenado o arquivamento do processo de alteração) padece de erro de direito, impondo-se a sua revogação e ordenar o prosseguimento dos autos ou, se tal se justificar, convidar o recorrente a aperfeiçoar o requerimento inicial, concretizando a facticidade que aí alegou como fundamento (causa de pedir) da alteração pretendida.
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III- DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para conhecer do objeto do presente recurso são os que constam do «I-RELATÓRIO» supra exarado, que aqui se dão por reproduzidos.
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IV- DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

Por sentença proferida, em 09/01/2018, transitada em julgado, homologou-se o acordo alcançado entre BB e CC (recorrente) relativo ao filho de ambos, AA, nascido a ../../2011.
Em 09/12/2024, o recorrente requereu que se alterasse aquela regulação “para o regime de guarda partilhada”, alegando ser o que melhor “salvaguarda o interesse do seu filho, pois permitirá que o AA mantenha uma relação estável e contínua com ambos os pais, promovendo o seu desenvolvimento emocional e psicológico” e promoverá um maior envolvimento dos pais “nas decisões mais importantes e na educação do AA, garantindo uma partilha equilibrada das responsabilidade parentais” e “um ambiente mais harmonioso, reduzindo possíveis tensões e conflitos entre os pais”.
A 1ª instância, após citação da progenitora, que se opôs à alteração do regime em vigor, e promoção do Ministério Público, que promoveu o indeferimento do pedido de alteração e o arquivamento dos autos, com fundamente de que o requerente não tinha alegado quaisquer factos concretos que, nos termos do art. 42º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), pudessem fundamentar a alteração pretendida, na decisão sob sindicância, concordando “in totum, com a posição veiculada pelo Ministério Público”, dado que “dos escassos três artigos” por ele alegados não se vislumbra “nenhum facto que permita sequer rever o regime instituído”, onde não foi alegado “um único incumprimento da regulação das responsabilidades parentais por parte da requerida, nem tão pouco são alegadas circunstâncias em concreto que possamos considerar supervenientes ao acordo firmado”, mas apenas “considerações genéricas sobre o que deve ser uma guarda partilhada”, indeferiu o pedido de alteração e ordenou o arquivamento do processo, nos termos do n.º 4, do art. 42º do RGPT, por falta de fundamento do pedido de alteração.
É da decisão que se acaba de referir que o recorrente interpõe recurso, em que imputa ao decidido erro de direito, pretendendo, por um lado, ter alegado factos suficientes para fundamentar o pedido de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais que se encontra em vigor quanto ao filho e, por outro lado, que, ainda que assim não fosse, impunha-se que a 1ª Instância o tivesse convidado a concretizar a facticidade que alegou ou convocasse a conferência de progenitores para nela proceder a essa concretização.
Deste modo, as questões sobre que versa o presente recurso resumem-se a determinar quais os requisitos legais de que depende a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais e a indagar se o requerente cumpriu com essas exigências e, no caso de não as ter cumprido de forma perfeita, se se impunha que a 1ª Instância o tivesse convidado a suprir as falhas alegatórias em que incorreu.

Estabelece o art. 42º do RGPTC que:
“1- Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.
2- O requerente deve expor sucintamente os fundamentos do pedido e:
a) Se o regime tiver sido estabelecido por acordo extrajudicial, juntar ao requerimento:
i) Certidão do acordo, e do parecer do Ministério Público e da decisão a que se referem, respetivamente, os n.ºs 4 e 3 do artigo 14º do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 324/2007, de 28 de setembro, pela Lei n.º 61/2008, de 31 de outubro, e pelo Decreto-Lei n.º 122/2013, de 26 de agosto; ou
ii) Certidão do acordo e da sentença homologatória.
b) Se o regime tiver sido fixado pelo tribunal, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão final, para o que será requisitado ao respetivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro tribunal competente para conhecer da nova ação.
3- O requerido é citado, para no prazo de 10 dias, alegar o que tiver por conveniente.
4- Junta a alegação ou findo o prazo para a sua apresentação, o juiz, se considerar o pedido infundado, ou desnecessária a alteração, manda arquivar o processo, condenando em custas o requerente.
5- Caso contrário, o juiz ordena o prosseguimento dos autos, observando-se, na parte aplicável, o disposto nos artigos 35º a 40º.
6- Antes de mandar arquivar os autos ou de ordenar o seu prosseguimento, pode o juiz determinar a realização das diligências que considere necessárias”.
Prevê o regime jurídico que se acaba de transcrever que o acordo ou a decisão final, transitada em julgado, relativos à regulação do exercício das responsabilidades parentais podem ser sempre alterados, a requerimento de qualquer um dos progenitores, de pessoa a quem a criança tiver sido confiada ou do Ministério Público, com um dos seguintes fundamentos: a) incumprimento por ambos os pais ou pela terceira pessoa a quem a criança tenha sido confiada do acordo ou da decisão final, transitada em julgado, que se encontre em vigor e que se pretende ver alterado; e/ou b) a ocorrência de circunstâncias supervenientes que tornem necessário alterar o regime em vigor.
A admissibilidade legal da alteração do acordo ou da decisão final, transitada em julgado, relativamente ao exercício das responsabilidades parentais admitida pelo n.º 1 do art. 42º do RGPTC, encontra-se em plena concordância com a circunstância dos processos tutelares cíveis, em que se insere o processo especial de regulação do exercício das responsabilidades parentais (regulado nos arts. 34º a 40º da RGPTC) e o de alteração daquele regime (regulado no  art. 42º do mesmo diploma) terem natureza de jurisdição voluntária (art. 12º do RGPTC) e, por isso, as decisões neles proferidas poderem ser revistas, desde que ocorram factos supervenientes que justifiquem ou tornem necessária a alteração (art. 988º, n.º 1 do CPC).
Com efeito, nos processos de jurisdição voluntária, ao invés do que acontece nos outros tipos de processo, a sentença neles proferida não é, após o seu trânsito, definitiva e imutável. Ela é alterável sempre que se alterem as circunstâncias de facto em que se fundamentou a decisão proferida. O caso julgado que cobre as decisões proferidas no âmbito dos processos de jurisdição voluntária fica submetida à cláusula “rebus sic standibus”, nos termos da qual a autoridade e eficácia do caso julgado deixa de valer quando se alterem os condicionalismos de facto em que a decisão transitada em julgado assentou, pelo que, sempre que seja alegada pelo requerente como fundamento de modificação do decidido, a alteração dessas circunstâncias de facto, quer estas sejam objetivamente supervenientes (factos ocorridos historicamente posteriormente à decisão antes proferida, transitada em julgado), quer sejam subjetivamente supervenientes (factos ocorridos historicamente antes da decisão proferida, transitada em julgado, mas que não foram alegados no respetivo processo por ignorância ou outro motivo ponderoso – art. 988º, n.º 1 do CPC), e esses novos factos alterem os pressupostos fácticos em que assentou a anterior decisão, transitada em julgado, reclamando a sua modificação, é admitida nova discussão e nova decisão[2].
Nos processos de jurisdição voluntária em geral, a modificação da decisão neles proferida, transitada em julgado, implica, assim, que o requerente da alteração alegue factos, objetiva ou subjetivamente supervenientes, que, na sua perspetiva, justificam ou reclamam a alteração da decisão proferida.
Nem todos os factos objetiva ou subjetivamente supervenientes que tenham sido alegados pelo requerente, pelos requeridos ou que venham a ser apurados pelo tribunal no exercício dos seus poderes inquisitoriais justificam, porém, a alteração da decisão antes proferida, transitada em julgado, posto que, conforme expressamente estabelece o n.º 1 do art. 988º é necessário que aqueles “justifiquem a alteração” ou, como diz o n.º 1 do art. 42º do RGPTC, “tornem necessário alterar o que estiver estabelecido”, pelo que os novos factos têm de implicar uma alteração ou modificação do substrato fáctico em que se ancorou a decisão que se pretende alterar, com reflexo substancial na causa de pedir, demandando uma decisão distinta da antes proferida[3].
Conforme sustentam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, “a modificação da decisão anterior implica que o requerente indique a factualidade que sustenta a alteração das circunstâncias, após o que o tribunal efetua uma análise comparativa entre o estado atual das coisas e o que existia aquando da prolação da decisão vigente (RG, de 19/03/2013, Proc. 6558/05). Os factos alegados devem ser concludentes e inteligíveis, “sob pena de manifesta inviabilidade, na exata medida da análise comparativa entre o estado atual das coisas e aquele que existia aquando da decisão que se pretende alterar (António J. Fialho, Conteúdo e Limites, p. 94). As circunstâncias supervenientes hão-de reconduzir-se aos factos em si mesmos, a realidades sobrevindas, com reflexo na alteração substancial da causa de pedir, nada tendo a ver com a eventual posterior invocação de uma diversa qualificação atribuída ou com uma diferente interpretação das situações de facto, sendo a publicitação dum acórdão uniformizador de jurisprudência insuscetível de constituir alteração da situação de facto existente no momento da decisão inicial (STJ., de 13/09/2016, Proc. 671/12)” (sublinhado nosso)[4].
O que se acaba de dizer para os processos de jurisdição voluntária é totalmente aplicável, e dizemos mesmo, de forma mais vincada, ao processo de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais.
Na verdade, conforme acima já referido, a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, além de se encontrar submetida ao princípio do pedido (como todos os processos cíveis em geral, incluindo os de jurisdição voluntária – art. 3º, n.º 1 do CPC), e de apenas disporem de legitimidade para requerer essa alteração os progenitores, terceira pessoa a quem a criança tenha sido confiada ou o Ministério Público, tem os seguintes pressupostos: 1) o incumprimento por ambos os pais ou pela terceira pessoa a quem a criança tenha sido confiada do regime que se pretende ver alterado; e/ou 2) a ocorrência de circunstâncias de facto, objetiva ou subjetivamente supervenientes, que justifiquem a alteração pretendida.
Para além de, no requerimento de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais que se encontra em vigor, ter de formular pedido nesse sentido, o requerente tem de nele expor/alegar sucintamente os fundamentos do pedido (n.º 3 do art. 42º do RGPTC), ou seja, os factos concretos que integram a causa de pedir em que fundamenta o pedido de alteração. Esses fundamentos, relembra-se, apenas se podem reconduzir ou ao incumprimento por ambos os progenitores ou pela terceira pessoa a quem a criança tenha sido confiada do regime que se pretende ver alterado ou à verificação de circunstâncias de facto, objetiva ou subjetivamente supervenientes, que, no entender do requerente, justificam ou impõem a alteração pretendida[5].
 As exigências alegatórias que se acabam de referir e, bem assim, os pressupostos legais em que a lei admite a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais são, na nossa perspetiva, mais vincados que nos processos cíveis em geral e mostram-se plenamente compreensíveis quando se pondera nos princípios orientadores que presidem aos processos tutelares cíveis (art. 4º do RGPTC), que acolhe o disposto no art. 4º da LPCJP, e ao interesse primacial e orientador que neles se impõe acautelar: o interesse superior da criança e do jovem.
Na verdade, os processos tutelares cíveis (e, portanto, o processo de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais) têm como princípios orientadores os princípios da(o):
- privacidade – os processos tutelares cíveis devem ser conduzidos de forma a respeitar a intimidade, o direito à imagem e à reserva da vida privada da criança, bem como da sua família;
- intervenção precoce – o interesse superior da criança reclama que sejam proferidas decisões atempadas e céleres, por forma a garantir a sua eficácia, demandando que os processos tutelares cíveis tenham uma tramitação simplificada;
- intervenção mínima - a intervenção do Estado na vida da criança e do seu agregado familiar deve ser a estritamente necessária e adequada à efetiva proteção da criança e à salvaguarda dos seus direitos e legítimos intesses;
- proporcionalidade e atualidade – as providências aplicadas no âmbito dos processos tutelares cíveis devem ser necessárias e adequadas à situação da criança, no momento da decisão, e apenas devem interferir na sua vida e da sua família na medida do estritamente necessário à salvaguarda do seu interesse;
- primado da continuidade das relações psicológicas profundas – as medidas tutelares cíveis devem garantir o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e referência para o seu saudável e harmonioso desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação secundarizante;
- prevalência da família – devem ser preferencialmente aplicadas providências que mantenham a integração da criança na sua família biológica ou, quando tal não salvaguarde o seu interesse, que promovam a sua adoção ou outras formas de integração familiar estável;
-  obrigatoriedade de informação – a criança, os pais, os seus representantes legais ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informadas dos direitos que lhes assistem, dos motivos que justificam a propositura do processo, a forma como este se processa e dos fundamentos que presidiram à medida aplicada;
- audição dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto e da criança – os pais, representante legal ou a pessoa que tenha a guarda de facto da criança têm direito a se pronunciarem quanto à providência requerida, assim como a criança tem o direito a ser ouvida, sempre que possível e a sua idade e maturidade o aconselhem, contribuindo todos para a decisão a ser proferida, influenciando-a[6].
Na verdade, se o requerente da alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais que se encontra em vigor não tivesse, no requerimento em que formula o pedido de alteração, de fundamentar/indicar as razões que presidem a esse pedido, alegando nele os factos concretos em que assenta a sua pretensão, seriam frontalmente violados os princípios da audição e da informação que assistem aos pais, representante legais ou pessoa que tenha a guarda da facto da criança (que mais não são do que concretizações do princípio do contraditório que vale em geral, como princípio estruturante do processo civil – art. 3º, n.ºs 1 e 3 do CPC-, embora com natureza  reforçada no âmbito dos processos tutelares cíveis atentos os identificados princípios orientadores e o superior interesse superior da criança neles a ser salvaguardado), da privacidade e da intervenção mínima. Dar-se-ia, assim, seguimento a um processo de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor, coberto por uma decisão transitada em julgado e, por isso, dotada de força vinculativa e indiscutível, desconhecendo-se os concretos fundamentos de facto que presidem ao pedido de alteração, nomeadamente, se integram (ou não) os únicos fundamentos em que, nos termos do n.º 1 do art. 42º do RGPT, é legalmente consentida a alteração e, consequentemente, se existe (ou não) fundamento legal para o Estado colocar em andamento o processo de alteração e para se imiscuir na vida da criança e do seu agregado familiar, e sem que as pessoas a quem assiste o direito de se pronunciarem sobre a pretensão (isto é, ao contraditório) tivessem qualquer possibilidade de se defenderem contra as razões que levaram o requerente a formular essa pretensão. E se, uma vez alegados pelos requerente os referidos fundamentos de facto e, no caso de se integrarem na previsão do n.º 1 do art. 42º, caso fossem provados, se qualquer incumprimento por ambos os progenitores ou pela terceira pessoa a quem a criança foi confiada do regime que se pretende ver alterado, ou qualquer circunstância de facto, objetiva ou subjetivamente superveniente, justificasse a alteração do regime em vigor, violar-se-iam frontalmente os princípios da privacidade, da intervenção mínima, da proporcionalidade e do primado da continuidade das relações psicológicas profundas, ao alterar um regime que se encontra em vigor sem que os pressupostos de facto em que assentou esse regime se tivessem modificado de modo a projetarem-se na decisão proferida, demandando uma decisão distinta.
Destarte, os princípios orientadores que presidem aos processos tutelares cíveis impõem que o requerente, no requerimento em que pede a aplicação de uma medida tutelar cível, tenha de alegar os factos concretos essenciais que integram a causa de pedir em que fundamenta o pedido. Ou seja, o recorrente, no requerimento inicial em que pediu a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor, acordado entre ele e a progenitora, homologado por sentença transitada em julgado, tem de alegar os fundamentos de facto concretos em que fundamenta aquele pedido, isto é, que integram a causa de pedir, conforme, aliás, o determina expressamente o n.º 2 do art. 42º do RGPTC.
A referida exigência é também imposta pelo interesse primacial a acautelar nos processos tutelares cíveis e que, por isso, é a bússola que informa o formalismo processual e as decisões neles a proferir: o superior interesse da criança (arts. 4º, n.º 1, al. a) do RGPTC e 3º, n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança).
Com efeito, nos processos tutelares cíveis o interesse fundamental e primeiro a salvaguardar é o interesse superior da criança, sem prejuízo de neles se dever igualmente considerar outros direitos e interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses que se façam sentir no caso concreto, nomeadamente, os direitos dos pais, a quem a Constituição e o Código Civil reconhecem caber os poderes-deveres de, no interesse dos filhos, velar pela sua segurança e saúde, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, administrar os seus bens e, de acordo com as suas possibilidades, promover o seu desenvolvimento físico, intelectual e moral (arts. 36º, n.ºs 5 e 6, 67º, n.º 1 e 68º, n.º s 1, 2 e 4 da CRP e 1878º, n.º 1 e 1885º, n.º 1 do CC), mas apenas na estrita medida em que esses direitos e interesses dos pais não conflituem com o interesse superior da criança.
Na verdade, os direitos que a Constituição e a lei infraconstitucional reconhecem aos pais sobre os filhos menores são-lhe reconhecidos “no interesse” dos últimos, tratando-se de poderes-deveres ou direitos funcionalizados que são obrigados a exercer, não para a satisfação dos seus interesses egoísticos, mas em benefício e em prol da satisfação dos interesses superiores dos filhos menores. E o interesse superior dos filhos apenas será respeitado  e salvaguardado quando lhes seja garantido o exercício dos seus direitos, em condições de liberdade e de dignidade, isto é, quando os pais lhes garantam um “desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”[7], respeitando-os enquanto ser humanos,  com identidade pessoal e seres autónomos, com direitos e interesses próprios, promovendo a sua paulatina inserção na sociedade e habilitando-os a assumir plenamente o seu papel naquela.
Ora, o interesse superior da criança exige, por um lado, que o requerente da alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais que se encontra em vigor alegue não só os factos concretos integrativos dos pressupostos do pedido de alteração enunciados no n.º 1 do art. 42º do RGPTC, como impõe que apenas se altere o regime em vigor quando os factos que se venham a apurar justifiquem ou exijam essa alteração, por o regime que se encontra em vigor ter deixado de salvaguardar o interesse superior da criança. Apenas perante a alegação dos factos concretos que, na perspetiva do requerente, justificam a alteração, se pode, por um lado, aquilatar se estão (ou não) reunidos os pressupostos de facto de que depende a possibilidade do Estado se imiscuir na vida da criança e do seu agregado familiar e, por outro, se salvaguardar o direito ao contraditório.
Assentes as premissas que se acabam de enunciar, compulsado o requerimento inicial em que o recorrente pede a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais fixado por acordo celebrado entre ele e a progenitora em relação ao filho, menor de idade, homologado por sentença proferida em 09/01/2018, transitada em julgado, não se pode deixar de sufragar inteiramente o entendimento do Ministério Público e que foi transposto pela 1ª Instância para a decisão sob sindicância.
Com efeito, naquele requerimento, o recorrente não alegou quaisquer factos concretos suscetíveis de preencherem os pressupostos de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais relativo ao filho enunciados no n.º 1 do art. 42º do RGPTC, na medida em que não alegou qualquer facticidade que permita concluir que aquele e a progenitora (ambos os progenitores) estejam a incumprir o regime de exercício das responsabilidades parentais em vigor e que o mesmo pretende ver alterado, nem alega quaisquer factos concretos, objetiva e/ou subjetivamente supervenientes, que demandem ou justifiquem a alteração daquele regime, por implicarem um modificação do substrato fáctico em que assentou o regime em vigor, impondo a sua alteração/modificação. O recorrente limitou-se a tecer considerações genéricas sobre o regime da guarda partilhada e das vantagens que, na sua perspetiva, resultariam para os interesses do filho, olvidando ou desconsiderando que, aquando do acordo celebrado com a progenitora, homologado por sentença transitada em julgado, proferida em 09/01/2018, não obstante essas pretensas vantagens que resultariam para o AA, não foi essa opção que o mesmo e a progenitora fizeram, nem que o próprio tribunal fez ao homologar o acordo por eles alcançado, apesar de todos, conforme legalmente lhes era imposto, terem prosseguido o interesse superior do AA.
Acresce que o recorrente desconsidera que, volvidos mais de sete anos com o regime que acordou com a progenitora quanto ao exercício das responsabilidades parentais relativo ao seu filho AA e da homologação desse acordo, por sentença transitada em julgado, a ser aplicado apenas a prova de factos que demonstrassem um incumprimento relevante por parte de ambos os progenitores do regime que se encontra em vigor ou de circunstâncias de facto, objetiva e/ou subjetivamente supervenientes, em que não assentou aquele acordo e a respetiva sentença homologatória que, pela sua relevância na vida do AA e na afetação do interesse superior deste, podiam justificar a alteração pretendida. É que essa alteração demanda uma intervenção significativa na vida do AA, da sua progenitora e das restantes pessoas com quem ele se relacionam no dia-a-dia e com quem estabeleceu relações afetivas significativas.
Ora, não tendo o recorrente, no requerimento inicial, alegado quaisquer factos concretos que, nos termos do art. 42º, n.º 1 do RGPTC, justifiquem/fundamentem o pedido de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais que se encontra em vigor, homologado por sentença transitada em julgado, tal como decidido pela 1ª Instância, não existe fundamento legal para se dar seguimento ao presente processo de alteração daquele regime, impondo-se o seu arquivamento, nos termos do n.º 4 do art. 42º do RGPTC.
Advoga o recorrente que se impunha que tivesse sido convidado a aperfeiçoar o requerimento inicial, concretizando a pretensa matéria de facto que nele alegou ou que se designasse conferência de progenitores em que lhe fosse facultada a possibilidade de realizar essa concretização e cita vária doutrina e múltipla jurisprudência que pretende suportar esse seu entendimento.

Sem razão.
É pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o convite ao aperfeiçoamento dos articulados supõe que neles tenha sido alegado um mínimo de substrato fáctico que torne percetível a causa de pedir em que o requerente baseia/fundamenta a pretensão que formula (pedido), ou em que os requeridos baseiam as exceções que invocam. É, portanto, necessário que as partes não tenham alegados todos os factos que integram a causa de pedir em que fundamentaram o pedido ou que tenham alegado esses factos em termos pouco precisos. Um requerimento inicial em que o requerente omita os factos essenciais integrativos da causa de pedir que serve de fundamento ao pedido, ou em que essa alegação se apresente  ininteligível, é insuscetível de ser objeto de convite ao aperfeiçoamento, na medida em que não é possível completar ou corrigir aquilo que não existe, ou seja, uma causa de pedir omissa, por não alegada, ou que se mostra impercetível/ininteligível[8].
O requerimento inicial em que o recorrente formulou o pedido de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais quanto ao seu filho menor, AA, é totalmente destituído de alegação de factos concretos quanto a um eventual incumprimento do regime que aquele pretende ver alterado por ambos os progenitores ou quanto a circunstâncias de facto, objetiva ou subjetivamente supervenientes, que, em seu entender, justificam ou impõem a alteração pretendida. Por isso, está-se perante um caso de total falta de alegação de causa de pedir em que o recorrente faz assentar a sua pretensão em ver alterado o regime relativo ao exercício das responsabilidades parentais quanto ao filho, reconduzindo-se essa falta de alegação ao vício da ineptidão do requerimento inicial, por falta de alegação da causa de pedir, o qual é insuscetível de ser sanado mediante convite ao aperfeiçoamento.
Enfatize-se que, contrariamente ao pretendido pelo recorrente, o que se acaba de concluir em nada é contrariado pela circunstância de se estar na presença de um processo de jurisdição voluntária.
Com efeito, apesar dos processos de jurisdição voluntária se caracterizarem pelo predomínio do princípio do inquisitório sobre o princípio do dispositivo (assistindo ao tribunal a possibilidade de neles investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar inquéritos e recolher as informações que considere convenientes e devendo apenas admitir as provas que considere necessárias – n.º 2 do art. 986º do CPC) e, bem assim, pelo predomínio da equidade na decisão a proferir sobre o critério da legalidade (que lhe confere o poder de adotar a solução que julgue mais adequada e oportuna ao caso concreto – art. 987º do CPC), tal não afasta o ónus alegatório que impende sobre o requerente de, no requerimento inicial, ter de formular o pedido – no caso, o pedido de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais que se encontra em vigor - e de nele alegar os factos concretos e essenciais em que fundamenta esse pedido e que constituem a causa de pedir que elegeu para ancorar a sua pretensão. É que nos processos de jurisdição voluntária, tal como nos restantes processos cíveis, o impulso processual continua a impender sobre as partes (no caso de alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais, relembra-se, esse impulso processual compete exclusivamente aos progenitores, a terceira pessoa a quem a criança tenha sido confiada ou ao Ministério Público). Esse impulso processual apenas será concretizando se, por um lado, o requerente der a conhecer ao tribunal e à parte contrária o que pretende, isto é, qual o pedido que almeja lhe seja reconhecido e, por outro lado, der a conhecer, alegando-os, os fundamentos de facto em que fundamenta esse pedido, ou seja, a respetiva causa de pedir.
O poder do inquisitório que assiste ao tribunal nos processos de jurisdição voluntária assume, portanto e necessariamente, uma função meramente complementar em relação ao ónus alegatório que impende sobre o requerente, apenas significando que o juiz não fica sujeito aos factos alegados pelo requerente, no requerimento inicial, e pelos requeridos, na contestação, na fundamentação da decisão a proferir, podendo nela utilizar factos que ele próprio capte e/ou descubra[9].
Acresce que, embora nos processos de jurisdição voluntária não se imponha ao tribunal critérios de legalidade estrita, tal não significa, nem pode significar, que seja lícito àquele abstrair em absoluto do direito positivo vigente, nomeadamente, do disposto no art. 42º, n.º 2 do RGPTC, que impõe ao requerente de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais o ónus de expor sucintamente, no requerimento inicial em que formula esse pedido, os fundamentos de facto do pedido, “como se ele não existisse e como se, acima das normas legais, estivesse o critério subjetivo do julgador ou os interesses individuais das partes”[10].
Finalmente, impõe-se referir que o que se vem dizendo em nada é contrariado pelas referências doutrinais e múltiplas referências jurisprudenciais citadas pelo recorrente.
A propósito da posição doutrinária defendida por Clara Pinto Sottomayor, sustenta o recorrente que a dita autora postula que as circunstâncias em que é admitida a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais “devem ser excecionais a fim de não ser prejudicada a necessidade da criança relativamente à estabilidade do ambiente em que vive e à continuidade nas suas relações pessoais. Aquela norma deve ser interpretada restritivamente, no sentido de que só alterações de circunstâncias que tenham uma repercussão grave na saúde, segurança, educação ou vida da criança servirão de fundamento para alterar a regulação inicial. A discricionariedade judicial para modificar a guarda está substancialmente limitada, desempenhando a defesa da estabilidade do ambiente e das relações afetivas da criança, um fator decisivo a favor do progenitor com quem a criança tem vivido até ao momento”. Adere-se e aplaude-se integralmente o mencionado entendimento, na medida em que, conforme acima se escreveu, os princípios orientadores dos processos tutelares cíveis e o superior interesse da criança demandam que as exigências alegatórias que impendem sobre o requerente quanto aos factos integrativos da causa de pedir em que fundamenta a sua pretensão (pedido) tenham de ser mais vincadas, ou seja, mais exigentes que nos processos cíveis em geral e apenas incumprimentos relevantes por ambos os progenitores do regime que está a ser aplicado, ou factos objetiva ou subjetivamente supervenientes, também eles relevantes podem justificar uma alteração do regime que está a ser aplicado.
Finalmente, no que respeita às referências jurisprudência citadas pelo recorrente, lidos os acórdãos que enuncia que se encontram disponíveis na base de dados da DGSI, concorda-se integralmente com o que neles foi decidido. Acontece que, no caso em análise, não se está perante qualquer situação de erro na forma de processo, nem perante qualquer situação em que o recorrente tivesse alegado a facticidade integrativa da causa de pedir que elegeu para fundamentar o pedido de alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais de modo deficiente (como acontece nos casos sobre os quais que se debruçaram os Acs. RC., de 02/02/2010, Proc. 1108/08.0TBCNT.C1, e de 25/10/2024, Proc. 752/13.8TMCBR-V.C1, este proferido no âmbito de incidente de incumprimento da prestação de alimentos), mas perante uma total falta de alegação pelo recorrente dos factos essenciais integrativos da causa de pedir que elegeu para suportar o pedido de alteração, a propósito do que não existe na doutrina e na jurisprudência qualquer divergência quanto à consequência jurídica decorrente dessa falta de alegação: ineptidão da petição inicial por falta de alegação da causa de pedir.
Deste modo, não tendo o recorrente alegado, no requerimento inicial, quaisquer factos concretos em que fundamenta a pretensão em ver alterado o regime de exercício das responsabilidades parentais relativo ao seu filho menor, estabelecido por acordo celebrado entre ele e a progenitora, homologado por sentença transitada em julgado, em face da total ausência de alegação por aquele dessa causa de pedir, não existe qualquer fundamento para o Estado, através dos Tribunais, se intrometer na vida do AA, nada mais restando à 1ª Instância que não fosse, determinar o arquivamento do processo de alteração, nos termos do n.º 4 do art. 42º do RGPTC. Ao assim decidir, aquela não incorreu em nenhum dos erros de direito que são assacados pelo recorrente à decisão recorrida.
Decorre do exposto, improceder o recurso, impondo-se confirmar a decisão recorrida.

Das custas
Nos termos do disposto no art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC, a decisão que julgue o recurso condena em custas a parte que a elas houver dado causa, ou não havendo vencimento, quem do recurso tirou proveito. Entende-se que dá causa às custas do recurso a parte vencida, na proporção em que o for.
Tendo o presente recurso improcedido e tendo, por isso, o recorrente ficado nele integralmente “vencido”, as custas do recurso ficam a seu cargo.
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V- Decisão

Nesta conformidade, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.
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Custas do recurso pelo recorrente (art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Guimarães, 10 de julho de 2025

José Alberto Moreira Dias – Relator
Rosália Cunha – 1ª Adjunta
Pedro Maurício – 2º Adjunto


[1] Ferreira de Almeida, “Direito Processual Civil”, vol. II, 2015, Almedina, págs. 395 e 396.
[2] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, Almedina, pág. 438; Ac. RE., 16/03/2006, Proc. 150/06-3, in base de dados da DGSI, onde constam todos os acórdãos que se venham a citar sem referência em contrário, onde se expende que: “Nos processos de jurisdição voluntária, as decisões, ao invés do que sucede nos outros tipos de processo, não são, após o seu trânsito em julgado, definitivas e imutáveis. Elas são alteráveis sempre que se alterem as circunstâncias em que se fundaram. Trata-se duma espécie de caso julgado, sujeito a uma cláusula “rebus sic standibus” ou seja, um caso julgado com efeitos temporalmente limitados. Mas desta especificidade da alterabilidade das resoluções nos processos de jurisdição voluntária, não decorre, porém, um menor valor, uma menor força ou menor eficácia da decisão. Na verdade, enquanto não for alterada nos termos e pela forma processualmente adequada, pelo tribunal competente, a decisão impõe-se tanto às partes, como a terceiros afetados pela mesma e até ao próprio tribunal – caso julgado material e formal – na medida em que proferida a decisão fica esgotado o poder jurisdicional, só podendo ser alterada nos termos prescritos na lei. Enquanto isso não suceder a decisão tem plena força do caso julgado material”.
[3] Tomé d`Almeida Ramião, “Regime Geral do Processo Tutelar Cível”, 2ª ed., Quid Iuris, pág. 168, em que, após concluir que nem todos os factos supervenientes justificam a alteração do regime de exercício das responsabilidades parentais, adianta que: Daí a redação do n.º 4 (do art. 42º do RGPTC), permitindo ao juiz que se considerar infundado o pedido, ou desnecessária a alteração, face aos factos alegados, indefere-o e manda arquivar o processo, evitando mais delongas, sempre inúteis”.
No mesmo sentido Ac. RG., de 16/02/2023, Proc. 2039/22.6T8VCT-A.G1: “A providência tutelar cível de alteração do regime do exercício das responsabilidades parentais pressupõe o incumprimento por ambos os pais, ou de terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, do acordo ou decisão final relativa ao regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais ou a ocorrência de factos supervenientes que justifiquem essa alteração. É de considerar infundado o pedido de alteração quando não se mostra concretamente alegada factualidade superveniente e relevante, suscetível de consubstanciar ou justificar essa alteração”.
Ainda Ac., RL., de 07/10/2021, proc. 19384/16.2T8LSB-A.L1-7: “A alteração da regulação das responsabilidades parentais pressupõe a verificação de um incumprimento ou a ocorrência de circunstâncias supervenientes que demonstrem que o regime estabelecido deixou de ser adequado a promover o fim visado. A rejeição pela criança do convívio com o companheiro da mãe e o seu temor quanto à interação com ele são circunstâncias da criança, supervenientes ao acordo, a atender na ponderação da manutenção da regulação anterior ou da sua alteração”.
[4] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit., pág. 438, nota 2.
[5] Ac. R.G., de 08/06/2017, Proc. 7380/03.4TBGMR-C.G1, que consta do sumário seguinte: “Para que uma obrigação parental seja modificável, com base na alteração das circunstâncias, aquele que pretende a alteração deve alegar as circunstâncias existentes no momento em que aquela obrigação foi contraída e as circunstâncias presentes no momento em que requer a modificação dessa mesma obrigação. Se o juízo de relação mostrar uma variação de contexto, então deve autorizar-se a alteração da obrigação. No caso contrário, a alteração deve, naturalmente, recusar-se”.
[6] Tomé d`Almeida Ramião, ob. cit., pág. 25.
[7] Almiro Rodrigues, “Interesse do Menor, Contributo para uma definição”, Revista Infância e Juventude, n.º 1, 1985, págs. 18 e 19.
[8] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. I, 2ª ed., Almedina, págs. 704 e 705.
[9] Acs. R.L., de 19/10/1999, CJ., t. 4º, pág. 129; RC., de 01/02/2000, CJ, t. 1º, pág. 16; de 02/12/2008, CJ., t. 5º, pág. 28; R.P., de 12/04/2011, Proc. 941/07.4TMPRT-B.P1.
[10] Ac. R.L., de 01/02/2000, CJ, t. 1º, pág. 16.