Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO TEIXEIRA | ||
Descritores: | CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ ESCOLHA DA PENA | ||
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Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 07/10/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROCEDENTE | ||
Indicações Eventuais: | SECÇÃO PENAL | ||
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Sumário: | I – Os bens jurídicos que o legislador pretendeu proteger com a incriminação a que alude o Artº 292º do Código Penal são a vida, a integridade física e o património de outrem, a par da segurança da circulação rodoviária, ali se estabelecendo uma presunção fundada numa observação empírica de que o exercício da condução em estado de embriaguez é perigoso em si mesmo, tendo em vista os bens jurídicos penalmente tutelados. II – O tribunal dever preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição. III - Determinar se as medidas não institucionais são «suficientes para promover a recuperação social do delinquente» e dar satisfação às «exigências de reprovação e de prevenção do crime» não é uma operação abstracta ou atitude puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta. Só caso a caso, processo a processo, mediante uma apreciação dos elementos de prova disponíveis, se legitimará uma escolha entre as penas detentivas e não detentivas. Pelo que competirá em última instância aos tribunais e selecção rigorosa dos delinquentes que hão-de ser sujeitos a uma e outras. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO 1. No âmbito do Processo Especial Sumário nº 1/25.6PFBRG, do Juízo Local Criminal de Braga, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, no dia 17/01/2025 foi submetido a julgamento o arguido: AA, solteiro, mecânico de automóveis, filho de BB e de CC, natural de ..., nascido em ../../1984, residente na Rua ...., .... * 1.1. Por sentença então proferida, e que consta da acta da audiência de discussão e julgamento, que se mostra junta a fls. 21 / 27 Vº, foi decidido, de acordo com o respectivo dispositivo (transcrição [1]):“Em conformidade com o exposto, decido julgo a acusação procedente, por provada e, em consequência: a) Condeno o arguido AA pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, suspensa pelo período de 1 (um) ano; b) Condeno o arguido AA, ao abrigo do disposto no artigo 69.º, n.º 1 al. a) do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 8 (oito) meses, advertindo-o de que tem o prazo de 10 (dez) dias, após o trânsito em julgado desta sentença para entregar a sua carta de condução e licença de condução, na secretaria deste Tribunal, ou em qualquer Posto Policial, a fim de cumprir a pena acessória, sob pena de não o fazendo incorrer na prática de um crime de desobediência, previsto e punível pelo artigo 348.º, n.º 1 alínea b) do Código Penal e, bem assim, de que caso não cumpra a pena acessória agora determinada, incorre na prática de um crime de violação de proibições previsto e punível pelo artigo 353.º do Código Penal; c) Condeno o arguido no pagamento das custas penais, fixam-se em 2 (duas) UC’s a taxa de justiça, reduzida a metade por força da confissão. (...)”. * 2. Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido interpor o presente recurso, nos termos da peça processual junta a fls. 31 / 36 Vº, cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição):“1)- Âmbito do presente Recurso. O recorrente circunscreve tematicamente o presente recurso, ao primeiro segmento da douta Decisão a quo, caracterizada pela condenação na pena de 3 meses de prisão, suspensa pelo período de 1 (um) ano. 2)- Fundamento do presente Recurso. No presente recorte fáctico, considera o ora Recorrente a adequada e suficiente concretização das finalidades da punição, por aplicação da (singela) pena de multa, sob pena de perversão dos Artigos 70º, 71º, nºs 1,2 e 292º, todos do CP. 3)- Da violação do Código Penal e Constituição da República Portuguesa. O ora recorrente requer a revogação da douta sentença, por insuficiência da matéria de facto, mormente, no conexo com o seu contexto socio-profissional. Impetrando, nesse sentido, a correta interpretação e aplicação dos Artigos 70º, 71º, nºs 1,2 e 292º, todos do CP, e 18º nº2, 19º nº1, 30º nº4, 58º nº1, da CRP. os quais resultaram indevidamente interpretado e aplicados na douta decisão recorrida. Impondo-se a revogação da Decisão condenatória, e correlativa determinação da: - aplicação ao agente do crime de uma pena de multa (em revogação da pena de prisão, suspensa na sua execução) -subsidiariamente, na eventualidade de manutenção da aplicação da pena de prisão: a sua redução para 1 mês, suspensa na sua execução, pelo período de 5 meses. Termos em que, nos melhores de Direito e com o sempre mui douto suprimento de Vªs.Exªs, deve a Decisão recorrida ser revogada e em consequência ser declarada: A)- aplicação ao agente do crime de uma pena de multa (em revogação da pena de prisão, suspensa na sua execução) suspensão da execução da pena acessória, objeto de aplicação, ou subsidiariamente B)- subsidiariamente, na eventualidade de manutenção da aplicação da pena de prisão: a sua redução para 1 mês, suspensa na sua execução, pelo período de 6 meses. Com o que se fará, sã e serena justiça.”. * 3. Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, nos termos constantes de fls. 38/46, pugnando pela sua improcedência, e pela manutenção da decisão recorrida, nos seus exactos termos.* 4. O Exmo. Procurador-Geral Ajunto junto deste tribunal da Relação emitiu o douto parecer que se mostra junto a fls. 49/54, pronunciando-se pela procedência parcial do recurso, concluindo nos seguintes termos (transcrição):“Termos em que sou de Parecer, que deverá ser julgado parcialmente procedente o recurso e, em consequência, ser revogada a condenação do Recorrente na pena de prisão de 3 (três) meses de prisão, suspensa pelo período de um ano, e substituída por pena de 90 (noventa) dias de multa, à razão diária de 5,50 € (cinco euros e cinquenta cêntimos), perfazendo o montante de 495,00 € (quatrocentos e noventa e cinco euros).”. * 5. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal [2], não foi apresentada qualquer resposta.* 6. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.* II. FUNDAMENTAÇÃO1. Como se sabe, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal [3]. Assim sendo, no caso vertente, as questões que basicamente importa decidir são as seguintes: - Saber se a sentença recorrida enferma de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; - Saber se o tribunal a quo deveria ter aplicado ao arguido uma pena de multa, em detrimento de uma pena de prisão; Caso assim se não entenda - Saber se é excessiva a pena de prisão aplicada, e se a mesma deve ser reduzida para um mês, suspensa na sua execução pelo período de cinco ou seis meses; e - Saber se deve ou não ser suspensa na sua execução a sanção acessória de inibição de conduzir. * 2. Mas, para uma melhor compreensão das questões suscitadas, e uma visão exacta do que está em causa, vejamos, antes de mais, quais os factos que o Tribunal a quo deu como provados, e bem assim a fundamentação acerca de tal factualidade.* 2.1. O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):“Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos: 1. No dia ../../2024 [4], pelas 03h05, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-VJ, na Rua ..., em ..., com uma taxa de álcool no sangue, deduzida a margem de erro admissível, de 2,898 g/l. 2. O arguido sabia que a quantidade de bebidas alcoólicas que tinha ingerido até momentos antes daquela intercepção lhe determinaria necessariamente uma taxa de álcool no sangue superior a 1,20 g/l e nem por isso se absteve de conduzir o aludido veículo em vias públicas. 3. O arguido agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. (...) 4. O arguido é mecânico de automóvel auferindo um vencimento mensal aproximado de € 860,00. 5. Reside com a progenitora, que se encontra em desempregada, em casa arrendada. 6. Suporta, mensalmente, o valor de € 475,00 a título de renda. 7. Contribui, ainda, mensalmente, com cerca de €25,00, para auxílio das despesas do sobredito agregado familiar. 8. Não tem filhos. 9. Não tem empréstimos. 10. Não tem antecedentes criminais. 11. Confessou integralmente e sem reservas os factos pelos quais vinha acusado.”. * 2.2. E motivou a essa decisão de facto nos seguintes moldes (transcrição):“A convicção do Tribunal fundou-se na valoração crítica e conjugada de todos os elementos de prova produzidos em sede de audiência de julgamento, aferidos à luz das regras da experiência e do senso comum, cumprindo, em obediência ao disposto no artigo 374.º, n.º2, do Código de Processo Penal, indicar de forma mais concreta as provas que serviram para fundar a convicção do tribunal. Assim revelou, no essencial, a confissão integral e sem reservas do arguido a qual se afigurou credível e consentânea com os restantes elementos probatórios produzidos nos autos, nomeadamente, o teor do auto de notícia junto a fls. 4 e 5, o talão do aparelho alcoolímetro de fls. 8 e o certificado de verificação desse mesmo aparelho de fls. 9. A ausência de antecedentes criminais por parte do arguido resulta do teor do certificado de registo criminal junto a fls. 15. As condições pessoais, familiares, profissionais e económicas do arguido provaram-se, igualmente, com base nas suas declarações, que surgiram como sinceras e por isso, credíveis, não tendo sido contrariadas por qualquer outro meio de prova.“. * 3. Posto isto, passemos, então, à análise das concretas questões suscitadas pelo arguido no seu recurso.* 3.1. Da insuficiência para a decisão da matéria de facto provadaComo emerge das suas conclusões recursórias, nesta sede pugna o recorrente, singelamente, pela “(...) revogação da douta sentença, por insuficiência da matéria de facto, mormente, no conexo com o seu contexto socio-profissional.”. Vejamos. Uma das formas de sindicar a matéria de facto é através da arguição dos vícios decisórios previstos no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal, cuja indagação tem de resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo, por isso, admissível o recurso a elementos àquela estranhos para a fundamentar, ainda que se trate de elementos existentes nos autos e até mesmo provenientes do próprio julgamento. O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no citado Artº 410º, nº 2, al. a), ocorre quando a decisão proferida não cabe, não se ajusta aos factos (àqueles factos) dados como provados, ou, num sentido mais amplo, quando ocorre um vício de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que torna impossível uma decisão logicamente correcta, justa e conforme à lei e, assim, na justa medida em que a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correcta, legal e justa. Como se expendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/10/2011, proferido no âmbito do Proc. nº 88/09.9PESNT.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt, “A insuficiência da matéria de facto para a decisão (art. 410º, nº 2, al. a), do CPP), implica a falta de factos provados que autorizam a ilação jurídica tirada; é uma lacuna de factos que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, mas não se confunde com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados.” Exige-se, então, uma omissão de pronúncia, pelo tribunal, relativamente a factos alegados por algum dos sujeitos processuais ou resultantes da discussão da causa, que sejam relevantes para a decisão, como será dizer, ainda, o tribunal não dá como “provado” nem como “não provado” algum facto necessário para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição, tornando-se necessário que a matéria de facto tida por provada não permite uma decisão de direito, por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para tal. Consiste numa carência de factos que suportem uma decisão de direito dentro do quadro das soluções plausíveis da causa, conduzindo à impossibilidade de ser proferida uma decisão segura de direito sobre a mesma. É algo que falta para uma decisão de direito que se entenda ser a adequada ao âmbito da causa, seja a proferida efectivamente, seja outra, em sentido diferente. Nesse conspecto, impõe-se, pois, ao recorrente que invoque este vício convencer o tribunal de recurso que faltam factos (os quais deve identificar), necessários (fundamentando esta necessidade) para a decisão e que não foi levada a cabo a indagação a respeito deles (fundamentando). Ora, na situação em apreço, que factos é que faltam, segundo o recorrente? Quais são os factos sobre os quais o tribunal omitiu um juízo de censura de provado ou não provado e que seriam necessários para se proferir uma decisão de direito adequada ao âmbito da causa? Que factos é que o tribunal não indagou e conheceu e que podia e devia tendo em vista uma decisão justa a proferir de harmonia com o objecto do processo? Salvo o devido respeito, o recorrente não os revelou, nem este tribunal os vislumbra. Na verdade, no caso vertente, o recorrente, pese embora traga à liça o vício em apreço, não alegou que factos concretos é que fazendo parte do objecto de processo - vertidos na acusação, ou resultantes da discussão da causa - não foram indagados nem conhecidos pelo tribunal a quo e, consequentemente, em que medida é que os vertidos na sentença recorrida são insuficientes para a sua condenação. Antes se limitando, como se disse, a pugnar pela “(...) revogação da douta sentença, por insuficiência da matéria de facto, mormente, no conexo com o seu contexto socio-profissional.”. Sucede que, da simples leitura da decisão recorrida não resulta uma insuficiência da matéria de facto dada como assente, sendo os factos dados como provados bastantes para se poder decidir a questão da culpabilidade do arguido e da determinação da(s) pena(s) a aplicar-lhe. Aliás, convém não olvidar que o arguido confessou os factos que lhe eram imputados, o que fez de forma livre, integral e sem reservas, como resulta da respectiva acta da audiência de discussão e julgamento, tendo ainda relatado ao tribunal as suas condições familiares, profissionais e económicas, nos termos que foram dados como assentes nos pontos 4. a 10., factos esses que se reputam de suficientes para uma decisão justa da causa, maxime no que tange à determinação da(s) pena(s) a aplicar-lhe, como se disse. Em suma, não resultando da leitura da decisão recorrida a verificação do invocado vício, previsto no Artº 410º, nº 2, al. a), improcede o recurso interposto, neste segmento. * 3.2. Da pena aplicadaSem questionar o respectivo enquadramento jurídico, quanto aos elementos objectivos e subjectivos do ilícito cometido [os quais se têm por inteiramente verificados, nos termos devidamente explicitados na sentença recorrida], neste âmbito insurge-se desde logo o arguido quanto à natureza da pena [principal] que lhe foi cominada, defendendo dever ser-lhe aplicada uma pena de multa, suficiente para “concretizar” as finalidades da punição. Vejamos, pois. O crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo Artº 292º, nº 1, do Código Penal, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, bem como com a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos, nos termos do Artº 69º, nº 1, al. a), do mesmo diploma legal. Como bem elucida a Prof. Paula Ribeiro de Faria, in “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II”, Coimbra Editora, 1999, págs. 1093/1094, os bens jurídicos que o legislador pretendeu proteger com esta incriminação são a vida, a integridade física e o património de outrem, a par da segurança da circulação rodoviária, ali se estabelecendo uma presunção fundada numa observação empírica de que o exercício da condução em estado de embriaguez é perigoso em si mesmo, tendo em vista os bens jurídicos penalmente tutelados. Trata-se, como sublinha a mesma Autora, de um crime de perigo abstracto, que não pressupõe a demonstração da existência de um perigo concreto para os bens jurídicos protegidos. O que significa que o perigo não faz parte dos elementos típicos, existindo apenas uma presunção por parte do legislador, as mais das vezes fundada numa observação empírica, de que a situação é perigosa em si mesma, ou seja, que na maioria dos casos em que essa conduta teve lugar demonstrou ser perigosa sob o ponto de vista dos bens jurídicos penalmente tutelados. Como regra, em sede da determinação da pena a aplicar, o tribunal deve atender, num primeiro momento, à escolha da pena entre as penas principais enunciadas no tipo penal, sendo certo que, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Artº 70º do Código Penal). De acordo com o disposto no Artº 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados. Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa). As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime. No caso concreto, a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados. Por seu turno, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades. Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização deverá ser encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do Artº 40º, nº 2, do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena. Como se sabe, a questão das finalidades das penas e do regime consagrado no Código Penal sobre a opção entre a aplicação da pena de prisão ou multa reflecte o pensamento do Prof. Figueiredo Dias, segundo o qual “(...) o tribunal dever preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição (...). O que vale por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa (…)” – cfr. “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, pág. 331. Ademais, na esteira da posição do Exmo. Conselheiro Adelino Robalo Cordeiro, in “Escolha e Medida da Pena”, Jornadas de Direito Criminal, Fase I, CEJ, 1983, pág. 239, também entendemos que “(...) determinar se as medidas não institucionais são «suficientes para promover a recuperação social do delinquente» e dar satisfação às «exigências de reprovação e de prevenção do crime» não é uma operação abstracta ou atitude puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta. Só caso a caso, processo a processo, mediante uma apreciação dos elementos de prova disponíveis, se legitimará uma escolha entre as penas detentivas e não detentivas. Pelo que competirá em última instância aos tribunais e selecção rigorosa dos delinquentes que hão-de ser sujeitos a uma e outras (...)”. Na situação em apreço, o tribunal a quo, fazendo apelo às necessidades de prevenção geral, que reputou de “elevadíssimas”, e considerando a TAS detida pelo arguido, de 2,898 g/l, optou por aplicar-lhe uma pena de prisão, em detrimento da pena de multa. Ora, mau grado as fortes necessidade de prevenção geral sentidas, e não obstante ser elevada a TAS evidenciada pelo arguido, o certo é que o mesmo é primário e encontra-se inserido em termos sociais e profissionais. Por isso, afigura-se-nos que, em consonância com a preferência normativa nesse sentido, a pena de multa não deixa de satisfazer as exigências de prevenção (geral e especial) que se fazem sentir. Consequentemente, e porque, na nossa perspectiva, essa pena, pela sua própria natureza, será ainda susceptível de fazer compreender ao arguido a censurabilidade da sua conduta, e de contribuir para a sua ressocialização, opta-se pela aplicação deste tipo de pena, como defende o recorrente no seu recurso. A operação de determinação da(s) pena(s), dentro dos apontados limites, faz-se, segundo o Artº 71º, nº 1, do Código Penal, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Atendendo-se, conforme prescreve o nº 2 do mesmo preceito legal, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente: - Ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente – al. a); - À intensidade do dolo ou da negligência – al. b); - Aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram- al. c); - Às condições pessoais do agente e a sua situação económica – al. d); - À conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime – al. e); e - À falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – al. f). Ora, no caso vertente, há que salientar desde logo o acentuado grau de ilicitude, pois ficou provado que o arguido, no dia ../../2025, pelas 03H05, conduziu o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula ..-..-VJ, na Rua ..., em ..., apresentando uma taxa de álcool no sangue, deduzida a margem de erro admissível, de 2,898 g/l, mais do dobro do valor que confere significado criminal à conduta. Depois, temos de relevar que a culpa do arguido se mostra bastante elevada, a merecer acentuada censura ética jurídica, sendo que agiu com dolo intenso, na sua forma mais grave, o dolo direto. Não sendo despiciendo afirmar que o arguido denota uma personalidade mal conformada, indiferente a bens ou valores jurídicos por cujo respeito se pugna, por ser muito frequente a sua ofensa, o que densifica o dolo com que atuou. No que concerne ao perigo inerente à conduta do recorrente o mesmo não ultrapassou o abstrato, já valorado no tipo legal. Noutra perspectiva, cumpre referir que o arguido assumiu a prática dos factos que lhe vinham imputados, confessando-os integralmente e sem reservas. Confissão essa que, porém, neste âmbito assume escassa relevância, dada a situação de fragrante delito em que foi detectado, quando foi interceptado pela autoridade policial no exercício da condução, sendo que o teste realizado não deixa dúvidas quanto à ingestão de bebidas alcoólicas e quanto ao grau de álcool que apresentava no sangue. Porém, e em benefício do arguido, evidenciam-se as suas condições sócio-económicas, bem como o seu enquadramento laboral. Também o factor da prevenção geral não pode ser descurado. Na realidade, são muito elevadas as necessidades de prevenção geral, pela frequência com que são praticados crimes de natureza rodoviária. Crimes esses que, tantas vezes, estão associados a graves acidentes de viação, que representam uma das maiores causas de morbidade e de mortalidade, especialmente entre os jovens, com gravíssimas consequências para os próprios, para terceiros, e para o conjunto da sociedade. Pelo que, sopesando todos os enunciados factos e considerações, em especial as atinentes à intensidade da culpa e, sobretudo, à necessidade das penas, e sem que se possa perder de vista o que nesta sede vem sendo decidido pela jurisprudência, julga-se adequado condenar o arguido na pena de 100 (cem) dias de multa pelo crime cometido. Resta determinar, neste âmbito, o quantum diário da multa. De acordo com o disposto no Artigo 47º, nº 2, do Código Penal “Cada dia de multa corresponde a uma quantia entre (euro) 5 e (euro) 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.”. Como adverte o Prof. Figueiredo Dias [5], o silêncio da lei quanto a critérios mais precisos para a fixação da taxa diária da multa este silêncio “só pode significar … o desejo do legislador de oferecer ao juiz o maior campo possível de eleição de factores relevantes. É seguro que deverá atender-se … à totalidade dos rendimentos próprios do condenado, qualquer que seja a sua fonte … Como é seguro, por outro lado, que àqueles rendimentos hão-de ser deduzidos os gastos com impostos, prémios de seguro (...) e encargos análogos. Como igualmente parece legítimo tomar em conta (...) rendimentos e encargos futuros, mas já previsíveis no momento da condenação (...)”. Por outro lado, já em 1993 o mesmo Mestre alertava na sua citada obra que uma observação atenta da jurisprudência publicada conduz à convicção de que a média do número de dias de multa e o quantitativo diário se traduz em “(...) valores muito baixos – se não por vezes risíveis – por relação com os limites mínimos e máximos fixados na lei; e não terem assim correspondência com o sofrimento que implicaria a privação da liberdade pelo número de dias (mesmo que só normativamente) correspondente.” [6]. Logo acrescentando: “Se esta convicção for exacta, contrariam-se deste modo as finalidades da prevenção e de adequação à culpa necessariamente presentes em qualquer pena criminal; e que deveriam ser prezadas de forma particular, na pena pecuniária, quando não se queira transformá-la em uma espécie encapotada de coima.”. Em consonância com esta doutrina, que subscrevemos, está a jurisprudência dos nossos tribunais superiores, que desde há muito, e reiteradamente, vem afirmando que, sendo a pena de multa uma verdadeira pena, a mesma deverá representar uma censura suficiente do facto e, simultaneamente, uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, sendo certo que do seu cumprimento deverá resultar um efectivo sacrífico para o condenado. Podendo citar-se, nesse sentido, e a título meramente exemplificativo, o acórdão da Relação de Coimbra, de 19/02/2003, proferido no âmbito do Proc. nº 4266/02, cujo sumário se encontra disponível in www.dgsi.pt, o acórdão da Relação de Évora de 03/11/2015, proferido no âmbito do Proc. nº 104/13.0TAFAR.E1, e o acórdão deste TRG, de 18/10/2010, proferido no âmbito do Proc. nº 22709.6TABCL.G1 [7], os dois últimos também disponíveis in www.dgsi.pt. E também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/06/2004, proferido no âmbito do Proc. nº 04P1266, in www.dgsi.pt, no qual lapidarmente se expendeu que “A pena de multa, se não quer ser um andrajoso simulacro de punição, tem de ter como efeito o causar ao arguido, pelo menos, algum desconforto se não, mesmo, um sacrifício económico palpável”. Ora, transpondo para o caso vertente as normas e princípios jurídicos supra sumariamente expostos, e revisitando a factualidade que a esse propósito se provou, constata-se que o arguido: - É mecânico de automóvel, auferindo um vencimento mensal aproximado de € 860,00; - Reside com a progenitora, que se encontra em desempregada, em casa arrendada; - Suporta, mensalmente, o valor de € 475,00 a título de renda; - Contribui, ainda, mensalmente, com cerca de € 25,00, para auxílio das despesas do sobredito agregado familiar; - Não tem filhos; e - Não tem empréstimos. Assim sendo, perante este circunstancialismo, tudo analisado e ponderado, e face às considerações jurídicas supra efectuadas, afigura-se-nos justo, certo e adequado fixar em € 6,00 (seis euros) o valor para cada dia de multa, o que perfaz um montante global de € 600,00 (seiscentos euros). * 3.3. Da suspensão da pena acessória de inibição de conduzirSem questionar o período [de oito meses] fixado na sentença recorrida a título de pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, defende, porém, o arguido que tal sanção deve ser suspensa na sua execução. Ora, adiantando a nossa resposta, cremos que esta pretensão do recorrente está inexoravelmente votada ao insucesso. Vejamos. A pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor constitui uma verdadeira pena, indissoluvelmente ligada ao facto praticado e à culpa do agente que, como a generalidade das penas acessórias no nosso ordenamento jurídico-penal, constitui uma sanção adjuvante ou acessória da função da pena principal, que permite o reforço e diversificação do conteúdo penal da condenação - cfr., neste sentido, o Prof. Figueiredo Dias, ibidem, pág. 181. E enquanto decorrência da prática do crime de condução em estado de embriaguez, não se confunde tal pena acessória com a inibição de conduzir decorrente da prática de uma contra-ordenação (grave ou muito grave) prevista no Código da Estrada, em cujo Artº 141º se prevê a possibilidade de suspensão da sanção acessória para as contra-ordenações graves, verificados os demais pressupostos referidos, pois que se trata de realidades diferentes, que assentam em pressupostos diferentes: aquela constitui uma verdadeira pena acessória, e deriva da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art. 292º, do Código Penal, ao passo que a segunda tem natureza administrativa e deriva apenas da prática de uma contra-ordenação grave ou muito grave (cfr. Artº Artigo 147º do Código da Estrada). Ora, sendo a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor uma sanção de natureza penal sujeita ao regime decorrente do Código Penal, há que atentar no específico regime jurídico que em tal diploma se prevê para este tipo de penas, o qual está especialmente regulado nos Artºs. 65º a 69º daquele diploma legal. E, contrariamente ao que sucede relativamente ao regime jurídico atinente às penas de prisão, a que aludem os Artºs. 50º e sgts. do Código Penal, ali não se prevê a possibilidade da suspensão da sua execução com ou sem caução, ou da sua substituição por prestação de trabalho a favor da comunidade. Assim sendo, suspender a execução de tal pena, ou substituí-la por uma pena alternativa, seria “criar”, contra a Constituição e contra legem [Artº 29º da Constituição da República Portuguesa, e Artº 2º do Código Penal, respectivamente], uma sanção inexistente no nosso sistema jurídico, com violação grosseira e flagrante do princípio básico e fundamental da legalidade das penas. Tanto basta para se concluir, como se concluiu, pela falência deste segmento do recurso do arguido. * III. DISPOSITIVOPor tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA e, consequentemente, revogando em parte a sentença recorrida: A) Condenam o mesmo pela prática, em autoria material, e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo Artº 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), no montante global de € 600,00 (seiscentos euros); B) Determinam a rectificação da mesma sentença, no sentido de, no ponto 1. da factualidade considerada provada, onde consta “No dia ../../2024...”, passe a constar “No dia ../../2025...”; e B) Mantêm a decisão recorrida quanto ao demais. Sem custas (Artº 513º, nº 1, a contrario sensu, do C.P.Penal). (Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos, contendo na primeira página as assinaturas electrónicas certificadas dos signatários – Artºs. 94º, nº 2, do C.P.Penal, e 19º, da Portaria nº 280/2013, de 26 de Agosto). * Guimarães, 10 de Julho de 2025 Os Juízes Desembargadores: António Teixeira (Relator) Cristina Xavier da Fonseca (1ª Adjunta) Paulo Correia Serafim (2º Adjunto) [1] Todas as transcrições a seguir efectuadas estão em conformidade com o texto original, ressalvando-se a correcção de erros ou lapsos de escrita manifestos, da formatação do texto e da ortografia utilizada, da responsabilidade do relator. [2] Diploma ao qual pertencem todas as disposições legais a seguir citadas, sem menção da respectiva origem. [3] Cfr., neste sentido, o Prof. Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo) ”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e sgts., e o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade. [4] Salvo o devido respeito, este ponto da matéria de facto enferma de manifesto erro de escrita quanto a esta data [../../2024]. Com efeito, compulsando os autos, e mau grado no auto de notícia, constante de fls. 4/5, e na acusação pública proferida, constante de fls. 17/18, se fazer menção ao dia ../../2024, o certo é que todos os demais elementos processuais atestam que os factos em causa ocorrerem no dia ../../2025, e não no mencionado dia ../../2024. Trata-se de manifesto erro de escrita, o qual é oficiosamente rectificável, mesmo em sede de recurso, nos termos das disposições conjugadas dos Artºs. 249º do Código Civil, e 380º, nºs. 1, al. b) e 2, do C.P.Penal, rectificação essa que, por uma questão de rigor, se determinará na parte final do presente acórdão. [5] Ibidem, pág. 129. [6] Ibidem, pág. 152. [7] Em cujo sumário lapidarmente se afirma: “I) Na fixação do montante da multa ter-se-á em consideração, para além do mais, que esta não é uma pena «menor», devendo, antes, representar para o delinquente um sofrimento análogo ao da prisão correspondente, embora dentro de condições mais humanas. II) Ponderando os critérios estabelecidos no artº 47º do CP, o montante de € 5,00 apenas deverá ser aplicável às pessoas que vivam no mínimo existencial, ou abaixo dele. (…). |