Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
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| Relator: | CARLA SOUSA OLIVEIRA | ||
| Descritores: | EMBARGOS DE EXECUTADO INEXISTÊNCIA OU INEXEQUIBILIDADE DO TÍTULO INCERTEZA DA OBRIGAÇÃO EXEQUENDA NULIDADES DA SENTENÇA LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ | ||
| Nº do Documento: | RG | ||
| Data do Acordão: | 10/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | APELAÇÃO IMPROCEDENTE | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO CÍVEL | ||
| Sumário: | I - Pressupondo-se a prévia existência de uma acção declarativa, onde constitucional e legalmente se garante o direito de contraditório, e onde o réu deverá concentrar na respectiva contestação toda a defesa que possua à pretensão do autor, sob pena de preclusão da sua futura invocação, limitam-se no art.º 729º do NCPC os fundamentos da oposição a, grosso modo: vícios do próprio título; à falta de pressupostos processuais da instância executiva; à violação do efectivo direito de contraditório na acção declarativa; ao caso julgado anterior à sentença que se executa; e à inexistência actual da obrigação exequenda, incluindo a compensação. II - As nulidades concernentes com os vícios da sentença, integráveis no dinamismo substantivo e material do processo decisório e com este se compaginando, deste sendo intrínsecas, são distintas e não se confundem com aquele tipo de nulidades processuais que o legislador trata nos art.ºs 186º e seguintes do NCPC, inerentes à tramitação processual a se, verificáveis em momento prévio ao decisório. III - O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do art.º 5º, nºs 1 e 2, do NCPC, não implica a nulidade da sentença, reconduzindo-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do art.º 607º, nº 4, 2ª parte, do NCPC. IV - A litigância de má fé pode levar à aplicação ao litigante de duas sanções: multa e uma indemnização à parte contrária (esta apenas quando pedida), obedecendo a critérios distintos a fixação do respectivo quantitativo. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. Relatório AA e BB vieram, por apenso à acção executiva que corre termos sob o nº 5030/23.1T8NVF, deduzir a presente oposição à execução mediante embargos de executado, contra CC, DD, EE e FF peticionando, no que ora interessa, que os embargos de executado fossem julgados procedentes, por provados, e nesse sentido fosse proferido despacho de indeferimento liminar e de rejeição de execução, por inexistência/nulidade do título que serve de base à execução; ou, se assim não se entendesse, que se declarasse nulo o acordo celebrado, extinguindo-se a execução. Invocaram, para tanto, a inexistência ou inexequibilidade do título executivo, dizendo que há mais de 20 anos, por si e antecessores, vêm aproveitando da água que brota do aquífero existente no seu prédio, entre as 08.00h e as 08.30h, para consumo doméstico e regra de logradouro, razão pela qual adquiriram o direito a essas águas, pelo indicado período temporal (30 minutos diários), em função dessa posse pacífica, pública e contínua que dura há mais de 20 anos e que lhes permite invocar a aquisição originária desse direito (tudo conforme declarado em escritura pública de justificação que vieram a outorgar a 06.05.2021); que na sentença dada à execução, alcançada no âmbito do processo declarativo nº 293/17.4T8VVD, os mesmos não actuaram como legítimos proprietários desse direito a 30 minutos de água, nem aí tiveram a oportunidade de defenderem este direito de propriedade, pelo que o título dado à execução é-lhes inoponível; que nessa ação declarativa em causa, para além dos embargantes não terem sido demandado nessa qualidade, também o «terceiro» que lhes antecedeu não foi demandado para a ação declarativa; e que «a falta absoluta de intervenção dos embargantes, e, bem assim, do “terceiro” que os antecedeu, no processo de declaração, por falta de demanda para o efeito, é fundamento de oposição à execução baseada em sentença, cfr. al. d) do art.º 729º e al e) do art.º 696º ambos do CPC» (art.º 38.), devendo a «execução ser liminarmente indeferida por falta de intervenção do réu no processo de declaração, cfr art.º 278º, n.º 1, al. e), 726º, n.º 2, al a), 729º, al d), e 734º todos do CPC» (art.º 39.º). Mais invocaram a anulabilidade da transação judicial levada a efeito na acção que correu termos sob o nº 293/17.4T8VVD, dizendo que as partes apenas pretenderam transigir relativamente à água que naturalmente brota da “nascente” assinalada no ponto amarelo na planta anexa, e não, sobre a água que se escoa no “poço” de captação de águas assinalado no ponto vermelho na planta a anexa, tendo os embargantes agido em erro ao dar o seu assentimento ao teor da cláusula segunda do acordo celebrado acreditando que as expressões “os AA desde já estão autorizados pelo RR a ligar um tubo da nascente ao nível do solo antigo, por uma vala, até ao seu tanque” e “ligar a água da bica existente diretamente ao tanque” tinham o mesmo propósito e significado, erro esse essencial, e que era conhecido dos exequentes. Invocaram igualmente a incerteza da obrigação exequenda, referindo, em síntese, que na hipótese de se vir a considerar que a cláusula 2.ª comporta uma obrigação alternativa, a escolha da mesma cabe aos executados (art.º 543.º, n.º 2 do CPC), acrescentando que não foram citados para efetuarem tal escolha nos termos do art.º 714.º, n.º 1 do NCPC. Notificados, os exequentes/embargados apresentaram contestação, pugnando pela improcedência das excepções invocadas. No mais, impugnaram a matéria alegada pelos embargantes, salientando que nunca puseram nem pretendem pôr em causa o direito à meia hora de água da terceira já decidida no processo nº 34/75 da 2ª secção do Tribunal de ..., agora pertencente aos embargantes, também nos termos que os antecessores da terceira a receberam. Terminaram requerendo que os embargos de executado fossem julgados improcedentes e pediram a condenação dos embargantes como litigantes de má-fé, em quantia suficiente para ressarcir os embargados das custas e despesas com a presente demanda. Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual, para além do mais, julgada improcedente a arguida excepção de inexistência ou inexequibilidade do título executivo, bem como de falta ou nulidade de citação dos executados ou terceiros não demandados para a acção declarativa e foi ainda julgada improcedente a excepção de incerteza da obrigação exequenda, com os seguintes fundamentos: “-INEXISTÊNCIA E INEXEQUIBILIDADE DO TÍTULO EXECUTIVO- Invocaram os embargantes, ainda e em síntese, que há mais de 20 anos, por si e antecessores, vêm aproveitando da água que brota do aquífero existente no seu prédio, entre as 08.00h e as 08.30h, para consumo doméstico e regra de logradouro, razão pela qual adquiriram o direito a essas águas, pelo indicado período temporal (30 minutos diários), em função dessa posse pacífica, pública e contínua que dura há mais de 20 anos e que lhes permite invocar a aquisição originária desse direito (tudo conforme declarado em escritura pública de justificação que vieram a outorgar a 06/05/2021). Nesta conformidade, referem que na sentença dada à execução, alcançada no âmbito do processo declarativo n.º 293/17.4T8VVD, os mesmos não atuaram como legítimos proprietários desse direito a 30 minutos de água, nem aí tiveram a oportunidade de defenderem este direito de propriedade, pelo que o título dado à execução é-lhes inoponível. Referem, ademais, que nessa ação declarativa em causa, para além dos embargantes não terem sido demandado nessa qualidade, também o «terceiro» que lhes antecedeu não foi demandado para a ação declarativa. Por tais factos, segundo os embargantes, «a falta absoluta de intervenção dos embargantes, e, bem assim, do “terceiro” que os antecedeu, no processo de declaração, por falta de demanda para o efeito, é fundamento de oposição à execução baseada em sentença, cfr. al. d) do art.º 729º e al e) do art.º 696º ambos do CPC» (art.º 38.), devendo a «execução ser liminarmente indeferida por falta de intervenção do réu no processo de declaração, cfr art.º 278º, n.º 1, al. e), 726º, n.º 2, al a), 729º, al d), e 734º todos do CPC» (art.º 39.º). * Pugnaram os embargados pela improcedência da arguida exceção, o que fizeram sem necessidade de apodar a parte contrária – como fizeram os embargantes (art.º 43.º) - de «imbecil», seguramente por não ignorarem o que vai disposto no art.º 9.º do CPC. * Apreciando e decidindo: Os embargantes começaram por nominar a exceção deduzida comos sendo caso de inexistência ou inexequibilidade do título executivo, o que constitui um dos fundamentos de oposição à execução [art.º 729.º, al. a) do CPC]. Urge, no entanto, clarificar este fundamento de oposição à execução. Desde logo, estaremos perante uma situação de inexistência de título executivo, sempre o exequente não (1) apresente qualquer título executivo, (2) apresente um título executivo que não suporta a pretensão executiva pretendida, (3) o executado não figura como devedor no título executivo apresentado ou, ainda, quando o título executivo não se enquadra no elenco de títulos legalmente admissíveis e previstos no art.º 703.º do CPC [cfr. neste sentido, MARCO CARVALHO GONÇALVES (Lições de Processo Civil Executivo, 5.ª Ed., 2023, Almedina, p. 267 e 268]. Por sua vez, ocorrerá uma situação de inexequibilidade do título executivo, quando o mesmo não reúna os requisitos formais e substanciais exigidos por lei para ser considerado como título executivo, sendo isto o que sucede, na palavras de MARCO CARVALHO GONÇALVES, quando «- tiver sido intentada uma ação executiva com base em sentença condenatória, da qual tenha sido interpostos recurso de apelação recebido pelo tribunal superior com efeito suspensivo; - se a sentença não tiver condenação; - se a sentença tiver condenação em quantia ilíquida, não dependendo a sua liquidação de uma operação de simples cálculo aritmético (art.º 704.º, n.º 6), - se a sentença não se encontrar assinada ou – se a sentença tiver sido revogada em sede de recurso» (op. cit. p. 269). Ora, o título executivo corresponde à sentença proferida a 30/11/2018, transitada em julgado a 14/01/2019 (cfr. certidão judicial junta sob a ref.ª ...87 – 17/07/2023 da execução), homologatória do seguinte acordo celebrado entre os autos e os réus ora executados «1.º Os Réus reconhecem que a água do poço ou nascente que se encontra na sua propriedade (rossios do prédio urbano), pertence aos prédios dos autores e a um terceiro nos precisos termos da acta de conciliação que se encontra junto aos autos identificada pelo doc. 9 da p.i.. 2.º Os Autores desde já estão autorizados pelos réus a ligar um tubo da nascente ao nível do solo antigo, por uma vala, até ao seu tanque ou ligar a água da bica existente directamente ao tanque devendo a mangueira ou tubo ser colocado e soterrado junto ao muro de onde sai a bica e reposto o terreno. 3.º As obras necessárias serão efectuadas e concluídas até 31 de Março de 2019 ou nos anos seguintes de 1/12 a 31/3, devendo os autores comunicar aos réus a data da execução das obras. 4.º As custas em juízo, havendo-as, serão repartidas em partes iguais prescindindo ambos de procuradoria na parte disponível.». Ora, neste conspecto, é manifesto que o título executivo existe e, ademais, que o mesmo é exequível, razão pela qual não se mostra verificado o fundamento de oposição à execução, baseada em sentença, previsto no art.º 729.º, al. a) do CPC [inexistência ou inexequibilidade do título]. Num outro enfoque, referem os embargantes que se acha verificado o fundamento previsto al. d) do art.º 729.º do CPC, na qual se refere que é fundamento de oposição à execução «a falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º», mencionado este último preceito e alínea os casos que se pode considerar que o processo correu à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu: «i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável; iii) O réu não pode apresentar a contestação por motivo de força maior» Ora, pressuposto da verificação deste fundamento de oposição à execução, é que os réus (agora executados) na ação declarativa tenham ingressado em situação de revelia absoluta (art.º 566.º do CPC), podendo, por isso mesmo invocar em sede em embargos a falta de citação (art.º 188.º a 190.º) ou a nulidade da citação realizada na fase declarativa (art.º 191.º do CPC), como, também, o desconhecimento da citação por facto que não lhe seja imputável ou a impossibilidade de apresentação de contestação, por motivo de força maior. No caso, porém, os réus/executados nunca estiveram em situação de revelia absoluta, na medida em que, no âmbito da ação declarativa, os mesmos foram citados em Abril de 2017 (cfr. fls. 25 e 26), apresentaram a respetiva contestação em Maio de 2017 (fls. 28 a 38), tendo, por fim, elaborado a transação que veio a ser homologada por sentença, o que por si só afasta o fundamento de oposição referido na al. d) do art.º 729.º do CPC. Por outro lado, a circunstância de os executados, no âmbito da ação declarativa, não terem sido demandados na qualidade de proprietários das águas em questão, no período temporal em causa, nem terem intervindo nessa mesma qualidade, também não constitui fundamento de oposição à execução fundado em sentença. Com efeito, os réus foram demandados na ação declarativa e, nessa ocasião, foram os próprios quem optaram por não invocarem a aquisição originária do direito de propriedade sobre tais águas, muito embora estivesse em condições de o fazer, visto que – alegadamente – a usucapião [enquanto causa originária do direito de propriedade que retroage ao momento do início da posse – art.º 1316.º e 1317.º, al. c) do CC] em que se encontravam já perdurava, por si e antecessores, há mais de 20 anos. Significa isto, apenas e só, que, no âmbito da ação declarativa, na qual os réus foram efetivamente citados e intervieram de forma de operante, os mesmos preteriram a invocação deste eventual fundamento de defesa, sendo certo, porém, que no processo declarativo vigora o princípio da concentração da defesa na contestação (art.º 573º, n.º 1 do CPC), estando agora vedado aos executados invocar em sede de oposição à execução [art.º 729.º al. g) do CPC] factos impeditivos, modificativos ou extintivos da obrigação que já se verificassem no decurso do prazo para a apresentação da contestação no processo declarativo ou, ainda que superveniente à contestação, mas anteriores ao encerramento da fase de discussão e julgamento [cfr. v.g. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA (Cadernos de Direito Privado, 41º, pág. 26) e RUI PINTO (A ação executiva, AAFDL, 2018, pág. 393) e acórdãos do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA de 31/03/2022 (processo n.º 9380/18.0T8LSB-A.L1.S1, relator Ferreira Lopes) e de 12/10/2023 (processo n.º 4241/22.1T8ALM-A.L1.S1, relator Nuno Ataíde das Neves), do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA de 05/07/2018 (processo n.º 2061/17.4T8CSC-A.L1-6, relator António Santos) e do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA de 11/10/2022 (processo n.º 1170/21.0T8CBR-A.C1, relatora Cristina Neves)]. Note-se que a causa de aquisição do invocado direito sobre essas águas é a usucapião, fundada em posse pacifica, pública, continuada e de boa-fé [art.º 1287.º, 1288.º, 1296.º, 1316.º e 1317.º, al. c) do CC] (não a outorga de uma posterior escritura pública de justificação)] que, por razões que apenas se imputam aos réus/executados os mesmos decidiram não invocar na ação declarativa, pelo que não lhes é legítimo, agora e contra o que vem mencionado no art.º 729.º, al. g) do CC, invocaram uma condição jurídica (ou outros fundamentos –v.g. os indicados 42.º a 46.º da oposição) já existente aquando da ação declarativa para se desvincularem da sentença que os condenou a cumprir a transação que realizaram. Por outro lado, a demanda do eventual «terceiro» (que os embargantes nem sequer identificam), no limite poderia configurar a preterição de um litisconsórcio necessário para a ação declarativa (art.º 33.º do CPC), questão esta que não foi aí arguida na contestação apresentada pelos réus/executados, nem oficiosamente suscitada pelo Tribunal, pelo que a putativa falta de demanda desse terceiro para a ação declarativa também não se subsequente em qualquer um dos fundamentos de oposição à execução previstos no art.º 729.º do CPC. Na verdade, tendo sido proferida sentença já transitada em julgado, apenas podem ser invocados como fundamentos de oposição à execução a falta dos pressupostos processuais de que dependa a regularidade da instância executiva (e já não a declarativa), em conformidade com o art.º 729.º, al. c) do CPC. Por último, não tendo sido demandado esse «terceiro», também o mesmo não assumiu a condição de réu e, como tal, não é viável invocar-se, como fundamento de oposição à execução, a falta ou nulidade de citação para a ação declarativa de quem não foi réu na ação declarativa. Pelo exposto, julga-se improcedente, por indemonstrada, a arguida exceção de inexistência ou inexequibilidade do título executivo [art.º 729.º, al. a) do CPC], bem como de falta ou nulidade de citação dos executados ou terceiros não demandados para a ação declarativa [art.º 729.º, al. d) do CPC], invocadas nos artigos 15.º a 46.º da oposição à execução. § - INCERTEZA DA OBRIGAÇÃO EXEQUENDA - Invocaram, ainda, os embargantes, como fundamento de oposição à execução baseada em sentença [art.º 729.º, al. e) do CPC], a incerteza da obrigação exequenda, referindo, em síntese, que na hipótese de se vir a considerar que a cláusula 2.ª comporta uma obrigação alternativa, a escolha da mesma cabe aos executados (art.º 543.º, n.º 2 do CPC), acrescentando, ademais, que não foram citados para efetuarem tal escolha nos termos do art.º 714.º, n.º 1 do CPC, tendo os embargados, no reverso, pugnado pela improcedência desta exceção. Apreciando e decidindo: A obrigação pode ser simples ou composta, consoante compreenda, respetivamente, uma só prestação ou duas (ou mais) prestações, subdividindo-se as obrigações compostas em obrigações cumulativas ou alternativas [cfr. ANTUNES VARELA (Das Obrigações em geral, Vol. I, 10.ª Edição,, Almedina, Coimbra, 2003, p. 827 e ss.)] O art.º 714.º do CPC trata do caso particular da escolha da prestação nas obrigações alterativas (art.º 543.º, n.º 2 e 549.º do CC), pois que, tal como sucede com as obrigações genéricas, também nas obrigações alternativas, a determinação ou a concentração da prestação depende de uma operação de escolha que, de acordo com o art.º 400.º do CC pode ser efetuada pelo devedor, pelo credor ou até por terceiro. Assim, se a obrigação revestir natureza alternativa, a execução não pode prosseguir sem que seja escolhia a prestação, já que o cumprimento da obrigação depende, necessariamente, da determinação prévia do objeto da prestação. Ora, na transação dada à execução, no seu ponto 2.º, temos que «os autores desde já estão autorizados pelos réus a ligar um tubo da nascente ao nível do solo antigo, por uma vala, até ao seu tanque ou a ligar a água da bica existente diretamente ao tanque devendo a mangueira ou tubo ser colocado e soterrado junto ao muro de onde sai a bica e resposto o terreno», pelo que a adequada interpretação desta disposição homologada por sentença é a de que os executados autorizaram os exequentes (ali autores) a fazer uma de duas coisa, conde resulta evidente que a escolha da prestação foi delegada na pessoa dos credores. Assim, nos casos em que a escolha cabe ao credor, caso a mesma não tenha sido feita extrajudicialmente, deve ser feita no requerimento executivo, tornando desta forma certa a obrigação [art.º 549.º do CC e 724.º, n.º 1, al. h) do CPC], sendo que o executado tomará conhecimento da escolha aquando da citação. No caso, no requerimento executivo apresentado, os exequentes, para além de alegarem terem já efetuado extrajudicialmente tal escolha, exararam nessa peça processual que pretendem «abrir uma vala desde a nascente até à sua poça, a nível do solo antigo, a fim de colocar canos para condução da água até à poça/tanque a fim de apresar a água». Donde, contrariamente ao mencionado, a escolha a cargo do credor foi feita e, como tal, não se poderá invocar, como fundamento de oposição, que a obrigação exequenda permanece incerta ou que essa incerteza não haja sido suprida na fase introdutória da execução. Pelo exposto, julga-se improcedente, por indemonstrada, a arguida exceção de incerteza da obrigação exequenda, não suprida na fase introdutória da execução [art.º 729.º, al. a) do CPC], invocada nos artigos 87.º a 93.º.” Foi ainda, na mesma data da prolação do despacho saneador agora parcialmente trascrito, proferido despacho a admitir os meios de prova e designada data para a realização da audiência final para apreciação das demais questões invocadas na petição de embargos de executado. Entretanto, vieram os embargantes apresentar recurso de apelação do despacho saneador na parte em que conheceu das excepções de inexistência ou inexequibilidade do título executivo, de falta ou nulidade de citação dos executados ou terceiros não demandados para a acção declarativa e de incerteza da obrigação exequenda. Tal recurso, contudo, foi rejeitado pelo Tribunal da Relação, por ter sido considerado que as decisões recorridas não eram susceptíveis de apelação autónoma (cfr. apenso B). Realizada a audiência final, foi prolatada sentença que julgou totalmente improcedente a presente oposição à execução e determinou a prossecução da execução apensa, tendo ainda condenado os embargantes como litigantes de má-fé, em multa que fixou em 10 Uc´s e em indemnização à parte contrária que fixou em 15 Uc´s. Inconformados com a sentença assim proferida, vieram os executados/embargantes recorrer, concluindo as suas alegações da seguinte forma: «1. Constituiu objeto do presente recuso a decisão que julgou improcedentes, por indemonstradas, a exceção de inexistência ou inexequibilidade do título executivo; de falta ou nulidade de citação dos recorrentes ou terceiros não demandados para a ação declarativa e de incerteza da obrigação exequenda, não suprida na fase introdutória da execução; e ainda as questões a decidir enunciadas na douta sentença em recurso. 2. Alegaram os recorrentes que há mais de 20 anos, contados antes da data de 06/05/2021, por si, vêm aproveitando da água que brota do aquífero existente no seu prédio, entre as 08.00h e as 08.30h, para consumo doméstico e rega de logradouro, razão pela qual adquiriram o direito a essas águas, pelo indicado período temporal; e que tal factualidade foi consolidada através de Escritura Pública de justificação – aquisição de direito de água e extinção de servidões de aqueduto, junta aos autos. 3. Nesta conformidade, na sentença dada à execução, alcançada no âmbito do processo declarativo n.º 293/17.4T8VVD, os recorrentes não atuaram como legítimos proprietários desse direito a 30 minutos de água, nem aí tiveram a oportunidade de defenderem este direito de propriedade, pelo que o título dado à execução é-lhes inoponível. 4. A cumulação da posição dos recorrentes da qualidade de proprietários do prédio onde a água nasce e é represada com a qualidade de legítimos proprietários do direito a 30 minutos dessa mesma água, não retroage à data da celebração do acordo homologado por sentença dada à execução, proferida a 30/11/ 2018, e transitada em julgado a 14/01/2019, posto que, a aquisição da qualidade de legítimos proprietários do direito a 30 minutos de água é muito posterior àquela. 5. Pelo que, não lhes é o título ora dado à execução oponível a título de legítimos proprietários do direito a 30 minutos de água [como não seria oponível ao terceiro a quem o dito direito pertencia até à aquisição do dito direito por parte daqueles]. 6. A oposição mediante embargos de executado apresentada pelos recorrentes foi baseada na, entretanto, adquirida qualidade dos recorrentes de proprietários de 30 minutos de água, e não sobre a sua já reconhecida qualidade de proprietários do prédio onde a mesma é represada. 7. Face ao exposto, a falta absoluta de intervenção dos recorrentes – enquanto “novos” proprietários de 30 minutos de água no processo de declaração donde emana a sentença dada à execução, é fundamento de oposição à execução baseada em sentença, motivo pelo qual, deve a execução ser liminarmente indeferida por falta de intervenção do réu no processo de declaração, para o que se apela. 8. Em sede de oposição mediante embargos de executado, alegaram os recorrentes que a transação levada a efeito na ação 293/17.4T8VVD, as partes apenas pretenderem transigir relativamente à água que naturalmente brota da “nascente” e não sobre a água que se escoa no “poço” de captação de águas, esclarecendo tratar-se de duas coisas distintas, que melhor identificaram em planta que anexaram. 9. Mais alegaram tratar-se as expressões constantes da sentença dada à execução como expressões que visam afirmar a mesma ideia e não a enunciação de uma alternativa; alegaram a essencialidade de tal interpretação e invocaram erro na formação da vontade como causa de anulabilidade do acordo celebrado. 10. Assim, a questão de saber se estamos ou não perante uma obrigação alternativa é, antes de mais, uma decisão sobre o mérito da ação, e não uma questão de natureza meramente processual. 11. À data da prolação de despacho saneador o tribunal a quo ainda não contactou com a prova a produzir relativamente à matéria alegada quanto ao erro na formação da vontade e que radica na questão de saber qual a interpretação a fazer da disposição homologatória. 12. Pelo que, a decisão do tribunal a quo que julgou improcedente, por indemonstrada, a arguida exceção de incerteza da obrigação exequenda não suprível na fase instrutória da execução, é extemporânea, o que se invoca para todos os efeitos legais. 13. Por tais factos, deve ser reconhecida como demonstrada a incerteza da obrigação exequenda, o que constitui fundamento de oposição à execução baseada em sentença, devendo, por isso, a execução ser liminarmente indeferida, para o que se apela. 14. A tratar-se a questão da interpretação da decisão homologatória de uma questão de obrigação alternativa, na falta de acordo, a escolha pertence ao devedor. 15. Os recorrentes não foram citados para declararem sobre qual obrigação optam, nem os embargados e recorrentes manifestaram expressamente nos autos optar por qualquer das obrigações possíveis. 16. Pelo que, não tendo os recorridos diligenciado pela escolha da obrigação, a obrigação não é certa; tal pressuposto processual de conhecimento oficioso, e quando não suprido é causa de oposição à execução, o que se invoca para todos efeitos legais. 17. O tribunal a quo entendeu dever prevalecer a tese dos recorridos, porquanto, a mesma é mais consentânea com a interpretação feita do acordo alcançado no processo n.º 34/75, o que é falacioso, e, por conseguinte, ilegal. 18. O acordo alcançado no processo n.º 34/75 não foi trazido à liça nem por recorrentes, nem por recorridos; sendo o processo civil um processo de partes, não pode o tribunal substituir-se a estas, suprindo as suas alegações / prova, nem proferir decisões de direito ou de facto, sem que às partes seja dada oportunidade de sobre as mesmas se pronunciarem, sob pena de nulidade, cfr. art.º 6º, 195º, n.º 1, 411º, e 615º, n.º 1, al. e) do CPC e art.º 342º, n.º 1 do CC. 19. O acordo homologado no processo n.º 34/75 foi alcançado pelos antecessores dos recorrentes, e não pelos recorrentes; os então proprietários do prédio em crise não se obrigaram ao que quer que seja; não resultam dos autos factualidade que demostre que a posse dos ante possuidores dos recorrentes efetivamente existiu, e que, a existir, se manteve ininterruptamente na posse dos mesmos desde então e até à data da prolação da sentença em crise; e incidiu exclusiva e expressamente sobre a água que se encontra represada no poço existente no prédio dos recorrentes, o que não elimina a hipótese de no mesmo prédio existir mais do que uma nascente; 20. O tribunal a quo faz constar na decisão que daquilo que expôs o Sr. Perito é possível que no prédio dos Embargantes exista mais do que uma nascente. O que significa, portanto, que é provável que, para além da nascente que alimenta o poço possa existir uma outra água em zona mais próxima da bica; o que explicaria que as partes tenham feito incluir na sentença em execução duas alternativas: autorizando os autores a ligar um tubo da nascente ao nível do solo antigo, por uma vala, até ao seu tanque ou a ligar a água da bica existente diretamente ao tanque. 21. Os recorrentes adquiriram a raiz ou nua propriedade e o usufruto do prédio, bem como adquiriram, por direito e posse próprios, o direito a 30 minutos de água da nascente que se situa no mesmo, muito tempo depois da homologação do acordo do processo n.º 34/75; 22. Inexiste nos autos alegação de que os recorrentes adquiririam por si a posse e propriedade do dito prédio há mais de 20 anos, ou de que os mesmos tenham adquirido por si a posse e propriedade do direito de 30 minutos de água, há mais de 20 anos antes da celebração da escritura pública de justificação. 23. O acordo homologado no processo n.º 34/75 já foi alcançado há quase 50 anos e os direitos nela reconhecidos estão sujeitos à dinâmica e aos requisitos da aquisição originária por usucapião, para a qual é bastante a dilação de 20 anos, cfr. art.º 1258.º, 1259.º, 1287.º, 1288.º, 1292.º, 1296.º, 1316.º, 1317.º, al c) do Código Civil e art.º 5º, n.º 1 do CPC. 24. O tribunal a quo tem para si que o acordo alcançado em 1977, para o qual os recorrentes não contribuíram, nem para o qual os seus sucessores deram grande contributo, tem de perdurar na esfera dos mesmos, não ponderou, que os recorrentes não intervieram, não discutiram, nem aceitaram o teor do dito acordo – e ainda – que tal acordo não lhes é oponível, nem que se os recorridos pretendessem pugnar por tal tese teriam de ter procedido à alegação e prova de factos que lhes permitissem beneficiar da conclusão da continuidade de atos de posse pelos recorrentes e seus ante possuidores, o que não fizeram. 25. A conclusão do tribunal a quo segundo a qual os antecessores dos recorridos já reclamavam o direito à água que nascia no prédio, e que os antecessores dos recorrentes pretenderam fazer corresponder a água da nascente à água que se encontra represada no poço, e que os recorrentes são obrigados a fazer tal correspondência, é falaciosa, e não encontra respaldo, nem na tese dos recorridos, nem na prova produzida em audiência de discussão e julgamento. 26. A conclusão a que o tribunal a quo chegou é assim uma intuição, um facto conclusivo, assente em pressupostos que não resultaram minimamente verificados, nem demonstrados, não se podem concluir com o necessário grau de lógica e de certeza, e, por conseguinte, é ilegal, cfr art.º 5º, n.º 1 do CPC. 27. O teor do acordo do processo n.º 293/17.4T8VVD refere-se expressamente à água do poço ou nascente –, o que, na interpretação do tribunal recorrido – dá a entender que se refere à água que nasce e é represada no poço existente no prédio dos recorrentes; Porém, a dita transação não nega, nem expressa, nem tacitamente, a hipótese de – no mesmo prédio – existir uma segunda nascente. Tanto mais que, conforme resulta do resumo dos depoimentos que o tribunal a quo levou à fundamentação da matéria de facto que supra se transcreveu, as testemunhas GG, HH e II, referiram-se à existência de 2 nascentes no prédio dos recorridos. Mais, conforme também resulta da mesma fundamentação da matéria de facto, decorre do relatório pericial que existe uma bica no prédio dos embargantes. 28. Mais decorre dos esclarecimentos prestados pelo Sr. Perito, o que o tribunal a quo também entendeu levar à fundamentação da matéria de facto, que a água existente no prédio dos recorrentes provém de mais de um lugar; e de que é possível que no prédio dos recorrentes exista mais do que uma nascente. O que, conforme o tribunal a quo faz exarar na fundamentação da matéria de facto, explicaria que as partes tenham feito incluir na sentença em execução duas alternativas: autorizando os autores a ligar um tubo da nascente ao nível do solo antigo, por uma vala, até ao seu tanque ou a ligar a água da bica existente diretamente ao tanque. 29. O depoimento das testemunhas a que o tribunal a quo atribuiu credibilidade para julgar a matéria de facto não provada – JJ, DD e KK, conforme resulta do resumo da matéria de facto supratranscrita, não negaram a existência de 2 nascentes no prédio dos recorridos. 30. O tribunal a quo exarou que entendeu que tais depoimentos mereceram credibilidade porque – e exclusivamente – se mostraram mais consentâneos e enquadrados com a transação de 1977. 31. O circunstancialismo de resultar demonstrado que no prédio em crise nos autos existe mais do que uma nascente de água, impõe que se conclua em sentido diverso da decisão em recurso, mormente, se conclua pela existência da nascente cuja água é represada no poço de captação de águas e da nascente que brotava água do solo [sito na extrema nascente – parte mais baixa do prédio, identificada a amarelo da planta junta com a p.i. de embargos] onde agora está colocada uma bica, o que o tribunal a quo não fez, tanto assim é que, o próprio tribunal a quo, inicia a sua fundamentação exarando que “a interpretação literal dessa cláusula aponte para duas opções, alternativas”. 32. E tendo o tribunal a quo concluído, ou pelos menos verificado, existirem mais do que uma nascente no prédio em crise, desde logo, teria de se colocar a hipótese de os recorrentes poder ter lavrado em erro sobre a identificação/especificação da mesma aquando da celebração do acordo em crise nos autos. 33. Se atentemos à 1ª parte da cláusula, objetivamente é feita referência à nascente. O termo “nascente” não vem acompanhado da especificação de “água de nascente que se encontra represada no tanque”. Pelo que, da primeira parte da frase, e atento o facto de o mesmo prédio ter 2 nascentes de água, não é possível concluir-se, por si só, e com o necessário grau de certeza, de qual “nascente” se trata. 34. Face da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente pelas testemunhas GG, HH e II, e do relatório pericial junto aos autos, conforme resulta do resumo da matéria de facto supratranscritos, é mister concluir-se que o prédio dos recorrentes possui uma bica e que a dita bica não se confunde com a nascente que fica junto ao poço que represa a água. 35. Ora, se a bica não se confunde com a nascente que fica junto ao poço que represa a água, porque é que as partes, depois de acordarem [na 1ª parte da frase] ligar um tubo da nascente acordaram ainda em ligar a água da bica existente diretamente ao tanque devendo a mangueira ou tubo ser colocado e soterrado junto ao muro de onde sai a bica e reposto o terreno!? 36. Que sentido é que faria, na 1ª frase do acordo as partes não especificarem a nascente, e na 2ª frase do acordo, mencionar – 2 vezes – a expressão “bica”, se não fosse para se referirem à nascente da dita bica? 37. Resulta, pois, à evidência que na transação judicial levada a efeito na ação 293/17.4T8VVD, as partes apenas pretenderam transigir relativamente à água que naturalmente brota da “nascente” assinalada no ponto amarelo na planta anexa à p.i., e não, sobre a água que se escoa no “poço” de captação de águas assinalado no ponto vermelho na planta a anexa à p.i., cfr art.º 236º a 239º do CC; 38. Mais, os recorrentes deram o seu assentimento ao teor da cláusula 2ª do acordo celebrado acreditando que as expressões “os AA desde já estão autorizados pelo RR a ligar um tubo da nascente ao nível do solo antigo, por uma vala, até ao seu tanque” e “ligar a água da bica existente diretamente ao tanque” tem o mesmo propósito e significado; 39. Aqui chegados, e face ao exposto, há manifesto erro de julgamento quanto à seguinte matéria de facto dada por não provada: à data da aquisição do prédio pelos Embargantes neste existia uma nascente que brotava água do solo [sita na extrema nascente – parte mais baixa do prédio, identificada no ponto amarelo da planta junta com a p.i. de embargos] onde agora está colocada uma bica; Na transação judicial levada a efeito na ação 293/17.4T8VVD, as partes apenas pretenderam transigir relativamente à água que naturalmente brota da “nascente” assinalada no ponto amarelo na planta anexa à p.i., e não, sobre a água que se escoa no “poço” de captação de águas assinalado no ponto vermelho na planta a anexa à p.i.; Os embargados deram o seu assentimento ao teor da cláusula segunda do acordo celebrado acreditando que as expressões “os AA desde já estão autorizados pelo RR a ligar um tubo da nascente ao nível do solo antigo, por uma vala, até ao seu tanque” e “ligar a água da bica existente diretamente ao tanque” tem o mesmo propósito e significado; 40. Matéria que, por violar flagrantemente as regras da experiência comum, por assentar em falacias verificadas na interpretação do tribunal a quo, se mostrar em oposição com o teor do relatório pericial junto aos autos, em oposição com o teor dos depoimentos das testemunhas GG, HH e II, merecedores de credibilidade, e se mostrarem em oposição com os esclarecimentos do Sr. Perito prestados em audiência de julgamento, cujos termos o tribunal a quo levou à fundamentação da matéria de facto, e nos dispensam de reproduzir, por se mostrarem supra transcritos, impõem decisão diversa da proferida, deve a pretendida matéria ser alterada para a MATÉRIA DE FACTO PROVADA. 41. Dos autos não consta a alegação de que “a colocação dos tubos a nível do solo antigo desde a poça/tanque até à nascente a fim de repor a situação antes do aterro”, a que se refere o ponto 21 da matéria de facto provada. Nenhuma prova foi proferida em tal sentido. Discute-se a colocação dos tubos a nível do solo antigo desde a nascente até à poça/tanque, e não o contrário; assim, a decisão do tribunal a quo, face aos elementos constantes dos autos é ilógica, e, por conseguinte, é nula e ilegal, cfr art.º 615º, n.º 1, al. e). 42. O depoimento da testemunha DD, desacompanhado de outro meio de prova que a sustente, não pode servir de base à formação da convicção do tribunal, porquanto é casada com o embargado EE e, por esse motivo, tem um interesse idêntico ao do marido, que é parte na ação. 43. O princípio que esteve na base da anterior opção legal que impedia de depor como testemunha pessoal que pudesse depor como partes, apesar de já não resultar da letra da lei, mantem toda a lógica e atualidade, quando a dita prova vem acompanhada de mais elementos que apontem no mesmo sentido. 44. De acordo com as regras de experiência comum, as relações de parentesco enfraquecem a fé que os testemunhas possam merecer no confronto com toda a prova produzida, e impõe um maior distanciamento na valoração da matéria trazida à lide. 45. Do depoimento prestado em audiência de julgamento de 29/10/2024, aos 14h40 da gravação não resulta, que os recorrentes sabiam que os recorridos pretendiam ligar a água da nascente que é represada no poço ao seu tanque! 46. Em audiência de julgamento de 29/10/2024, aos 14h50 da gravação, questionada sobre a questão de saber: E olhe, nesse acordo, ficaram dúvidas do Sr. AA e dos tubos ou ficaram dúvidas… Como é que foi esse acordo? A senhora estava lá presente, como é que foi esse acordo? Teve dúvidas ou se já naquele tempo o senhor AA ficou a conhecer qual era a vossa pretensão ou não? A testemunha DD respondeu: O senhor AA ficou completamente à vontade e claríssimo que era para fazermos a obra à nossa conta e nós até ainda tínhamos levantado a questão de nos ajudarem a pagar a despesa e eles disseram: a água é vossa, usai-a, mas são vocês que pagam. Foi assim que ele disse. Ficou claríssimo e ele assinou e à minha presença. Eu não assinei, atenção. Eu acompanhei a minha sogra. Assinou a minha sogra, assinou a dona BB, o senhor HH, que eram casal, assinou o AA e a dona BB, os dois Advogados que estavam presentes. Portanto, ouvi e não houve problema nenhum, ficou tudo bem claro e ele aceitou sermos nós a pagar e eles a deixarem fazer a obra. 47. Ora, do depoimento da dita testemunha resulta então que o que ficou claro foi que as despesas da obra ficariam a cargos dos recorridos – e não – como concluiu o tribunal a quo – que os recorrentes sabiam claramente que os recorridos pretendiam ligar a água da nascente que é represada no poço ao seu tanque! 48. Mas, a dita testemunha foi ainda objeto de mais questões que não lograram esclarecer a matéria de facto dada por provada e não provada pelo tribunal a quo tendo por base o depoimento prestado pela testemunha em crise, como sucedeu no seguinte trecho do depoimento prestado em audiência de julgamento de 29/10/2024, aos 15h10 da gravação: Dra. LL: Olhe, e diga-me uma coisa. Aqui no prédio do senhor AA só nasce água nesse sítio ou nasce água em mais algum sítio? DD: Desse sítio tem a nossa nascente. Eu não conheço mais nenhum sítio onde nasça água. […] DD: Não. A nascente que existe na casa, no terreno que o senhor comprou… Dra. LL: É só uma. DD: Só uma. […] Dra, LL: O que eu quero saber dona DD era se no prédio do senhor AA para além de nascer água no poço nascia água em mais algum sítio? DD: Não, não, não. No prédio do senhor AA não, só nasce naquele sítio. 49. Do dito trecho do depoimento – que nega a existência de mais do que 1 nascente de água no prédio dos recorrentes, conjugada com toda a prova a que supra já se aludiu sobre a existência de 2 nascentes de água no dito prédio, e que resulta do resumo da matéria de facto da sentença em crise supratranscrita, desde logo se verifica que o testemunho prestado pela testemunha é falso, e, por conseguinte, não merece credibilidade. 50. Mas, continuemos a observar o depoimento prestado em audiência de julgamento de 29/10/2024, aos 15h15 da gravação: Dra. LL: Sim senhora. Muito bem. Olhe, então a senhora estava aqui presente neste dia deste acordo, é assim dona DD? DD: Estive. Dra. LL: Olhe, eu não estive. Como a senhora sabe, não é verdade? Eu não estive lá. DD: Hmhm. 51. Neste trecho do depoimento a testemunha deixa transparecer dúvidas acerca das pessoas que possam ou não ter estado na diligência onde foi alcançado o acordo em crise nos autos e, a aqui subscritora, conforme resulta dos elementos constantes dos autos, efetivamente não esteve lá! 52. Continuemos a observar o depoimento prestado em audiência de julgamento de 29/10/2024, aos 15h17 da gravação: Dra. LL: E depois diz-se também que ou ligar a água da bica existente diretamente ao tanque devendo a mangueira ou tubo ser colocado e soterrado junto ao muro de onde sai a bica e reposto o terreno. O quê que isto significa, dona DD? DD: Olhe, isso o que significa é uma coisa que está aí só para baralhar. Só foi para baralhar porque, de facto, isso não faz sentido. […] Dra. LL: O quê que isto significa? A senhora quando diz que está para baralhar a senhora percebe que realmente é diferente? DD: É. Dra. LL: É diferente? DD: É diferente. É diferente. É diferente. Isso, essa é água se fosse canalizada essa água não é a minha água da nascente. Essa bica é… Isso é uma coisa que está ali depois de um aterro que foi feito, uma água que vai cair em direção ao lago. Não tem nada a ver com a nascente essa água. Dra. LL: Ó dona DD, estamos todas aqui de acordo. Já percebemos isso e ainda bem. Então, se é diferente a senhora sabe explicar porquê que está aqui? Porquê isto? DD: Simples. Porque o Sr. AA fez um acordo assinado na presença dos advogados. Ficou claríssimo e quando nós chegamos lá com o senhor da máquina mais o senhor…Dra. LL: Não, não. Já lá vamos dona DD a essa questão. Antes da questão da máquina, antes de você lá ir a pergunta que eu lhe faço é: porquê que no fim do acordo foi feito aí no Tribunal de ... também ficou aí nesta segunda parte que a senhora reconhece tratar-se de coisa diferente do que diz na primeira parte. Qual é a explicação para isso? DD: A explicação é que foi o advogado do senhor AA que quis pôr isso para preencher para, para nada. Para nada. Dra. LL: Mas então porquê que vocês aceitaram? Vocês não porque a senhora diz que não aceitou. Porquê que a senhora sua sogra e o senhor seu sogro aceitaram? DD: Porque o que foi dito foi ir buscar a água à pala e não o tubo. Esse tubo não tem nada a ver. Eles assinaram como o senhor AA assinou assinaram todos, mas não era, a perspetiva não era essa. Da bica. A bica não tem mesmo nada a ver. Eles assinaram porque ficaram convencidos que é na nascente que vamos buscar a nossa água porque eles não estavam de acordo a pagar a metade das obras e então assinaram que sim senhora vocês pagam as obras e façam vocês porque a água é vossa e depois quando acharam que se fossemos buscar água à nascente que iam ficar muito prejudicados porque essa é verdadeiramente a nossa água disseram-nos para ir buscar água da bica. Não é, não é água da nascente. Dra. LL: A senhora compreende que a senhora não consegue explicar então porquê que o seu sogro e a sua sogra aceitaram isto, mas compreende que também aqui está, não é? Está escrito. DD: Está escrito porque aí está .. Foi o advogado do senhor AA que quis acrescentar isso, mas não era essa a razão de nenhuma das partes querer água da bica. 53. Atento o trecho do depoimento em crise, é notório que a testemunha concebe e concorda que a clausula 2ª do acordo em crise nos autos se refere a 2 nascentes de água diferentes, e que a forma como a dita cláusula está redigida é apta a gerar confusão. Questionada sobre o motivo pelo qual a cláusula está redigida referindo-se à bica, a testemunha não tem explicação obvia, nem objetiva, e atribui a culpa da menção à tal bica, desta feita, não aos recorrentes, mas ao advogado destes! 54. O mesmo é dizer que, contrariamente à interpretação que é feita pelo tribunal a quo sobre o que bem sabiam os recorrentes sobre o acordo firmado no processo 293/17.4T8VVD, a dita testemunha nada diz expressamente quanto à matéria do ponto 21 da matéria de facto provada, mais quer dizer que, contrariamente à interpretação que é feita pelo tribunal a quo, os recorridos, enquanto destinatários da declaração, conheciam e deviam conhecer que a igual interpretação das expressões constantes da cláusula segunda do acordo celebrado [“ligar a água da bica existente diretamente ao tanque”] era essencial para os embargantes, matéria que consta da matéria de facto não provada. 55. Do depoimento da testemunha não resulta que esta tenha conversado diretamente com os recorrentes sobre a matéria em causa de maneira a que a mesma possa ter concluído que os recorrentes sabiam que o acordo visava a colocação de tubos ao nível do solo antigo desde a nascente cuja água é represada no poço, até à poça/tanque de os recorridos são proprietários, e, de resto, tal conversa direta, a existir, além de invulgar, sempre seria contrária às regras da experiência comum – e a dita matéria não foi afirmada por qualquer outro meio de prova. 56. Do depoimento resulta apenas evidente que os recorrentes não aceitaram suportar os custos de quaisquer obras, o que, atentas às características do caso em concreto, abona a tese dos recorrentes porquanto, não obstante o direito à água dos recorridos, as obras a realizar para ligar a bica ao tanque são irrisórias. 57. De resto, como a testemunha DD diz em audiência de julgamento de 29/10/2024, aos 15h20 da gravação: Dra. LL: Olhe, ó dona DD e então quando você foi lá a casa do senhor AA para fazer a obra eu percebi bem o que disse aqui ao Sr. Dr. que você pediu ao senhor AA para fazer então abrir uma vala desde o poço até ao vosso tanque, certo? DD: Sim. Dra. LL: Olhe, e pediu… Relativamente a isto ele disse-lhe não, não deixo, não autorizo, foi isso, não é? DD: Foi. Dra. LL: E a senhora pediu ao senhor AA para lhe deixar ligar a água da bica existente diretamente ao tanque devendo a mangueira ou o tubo ser colocado/soterrado junto ao muro de onde sai a bica e reposto o terreno. Isto é, pediu para fazer as obras da segunda parte do acordo ou só também pediu a primeira? DD: Só pedi a primeira. Dr. LL: Só pediu a primeira. DD: Só pedi a primeira. Isto é pura verdade. Dra. LL: Diga. DD: Esta é a pura verdade. Só pedi a primeira. Dra. LL: Não lhe pediu a segunda? DD: Não, não. 58. Face ao presente trecho do depoimento é patente que os recorrentes apenas foram abordados para a realização de obras que partissem do poço de captação de águas, e não da bica; donde, se pode retirar que os recorrentes já pelos menos nessa altura pudessem ter interpretação diferente sobre a nascente sobre que possam ter transigido judicialmente. Mais se pode retirar que os recorrentes se opuseram às obras que partissem da zona do poço de captação de águas, mas não se pode retirar que se teriam oposto à realização de obras que partissem da bica. 59. Resulta, pois, à evidência que na transação judicial levada a efeito na ação 293/17.4T8VVD, os recorrentes deram o seu assentimento ao teor da cláusula 2ª do acordo celebrado acreditando que as expressões “os AA desde já estão autorizados pelo RR a ligar um tubo da nascente ao nível do solo antigo, por uma vala, até ao seu tanque” e “ligar a água da bica existente diretamente ao tanque” tem o mesmo propósito e significado; 60. Aqui chegados, há manifesto erro de julgamento quanto à matéria constante do ponto 21 da matéria de facto dada por provada: 21) Os embargantes sabiam que o acordo visava a colocação dos tubos a nível do solo antigo desde a poça/tanque até à nascente a fim de repor a situação antes do aterro. 61. Que, por violar flagrantemente as regras da experiência comum, por assentar em falacias verificadas na interpretação do tribunal a quo, se mostrar em oposição com o teor do relatório pericial junto aos autos, em oposição com o teor dos depoimentos das testemunhas GG, HH e II, merecedores de credibilidade, e se mostrarem em oposição com os esclarecimentos do Sr. Perito prestados em audiência de julgamento, cujos termos o tribunal a quo levou à fundamentação da matéria de facto, e nos dispensam de reproduzir, E ainda, por resultar do depoimento da testemunha DD, nos termos supra transcritos, impõem decisão diversa da proferida, devendo ser alterada para MATÉRIA DE FACTO PROVADA: 21) Os embargantes não sabiam que o acordo visava a colocação dos tubos a nível do solo antigo desde a nascente, que fica junto ao poço que represa a água, até à poça/tanque a fim de repor a situação antes do aterro. 62. Mais, há manifesto erro de julgamento quanto à seguinte matéria de facto não provada - Os embargados, enquanto destinatários da declaração, conheciam e deviam conhecer que a igual interpretação das expressões constantes da cláusula segunda do acordo celebrado [“ligar a água da bica existente diretamente ao tanque”] era essencial para os embargantes. 63. Que, por violar flagrantemente as regras da experiência comum, por assentar em falacias verificadas na interpretação do tribunal a quo, se mostrar em oposição com o teor do relatório pericial junto aos autos, em oposição com o teor dos depoimentos das testemunhas GG, HH e II, merecedores de credibilidade, e se mostrarem em oposição com os esclarecimentos do Sr. Perito prestados em audiência de julgamento, cujos termos o tribunal a quo levou à fundamentação da matéria de facto, e nos dispensam de reproduzir, e ainda, por resultar do depoimento da testemunha DD, nos termos supra transcritos, impõem decisão diversa da proferida, deve ser alterada para a MATÉRIA DE FACTO PROVADA. 64. Quanto à condenação dos recorrentes em matéria de litigância de má fé, a decisão proferida pelo tribunal a quo é falaciosa, mormente nas ilações que tira do acordo alcançado pelas partes no processo n.º 34/75 – e cujos argumentos foram supra expostos e para os quais se remete por brevidade processual - e nas ilações que tira acerca da convicção dos recorrentes, por objetivamente tal convicção derivar do depoimento de testemunha que tem interesse pessoal e direto no desfecho da ação. 65. Se se atentar ao introito da fundamentação da matéria de facto resulta que o próprio tribunal a quo admite que a interpretação literal da cláusula em discussão nos autos aponta para duas opções alternativas; ouvido o depoimento da testemunha DD, esta admitiu que o teor da cláusula em discussão nos autos aponta para realidade diferente da tese dos recorridos, e ainda que essa diferença pode causar confusão; 66. Atenta a matéria em discussão nos autos, parece o tribunal a quo ter confundido o exercício do direito de defesa, com dedução de oposição cuja falta de fundamento não se devia ignorar. 67. Atentos os invocados erros de julgamento em matéria de matéria de facto provada e não provada a que supra se aludiu, quedam por indemonstrados quaisquer requisitos de que depende a condenação como litigante de má fé, cfr art.º 542º do CPC. 68. Termos em que, deve a decisão proferida de condenação de litigância de má fé ser revogada, por não provada, e substituída por outra que absolva a recorrente da mesma, o que se requer. 69. Sem prescindir, na decisão que proferiu, o tribunal a quo não cuidou de averiguar a situação económica dos recorrentes, pelo que sempre estaria o tribunal a quo obrigado a respeitar o princípio da proibição do excesso, usando de proporcionalidade e razoabilidade, fixando a multa e indemnização no mínimo legal. 70. A decisão em crise violou o preceituado nos artigos 6º, 195º, n.º 1, 278º, n.º 1, al. e), 411º, 542º, 615º, n.º 1, al. e). al e) do art.º 696º, 713º à contrário, 726º, n.º 2, al a), 729º, al.s a), d) e e), e 734º todos do Cód. Processo Civil; e artigos 236º a 239º, 247º, 251º, 342º, n.º 1, 543º, n.º 2, e art.º 1258.º, 1259.º, 1287.º, 1288.º, 1292.º, 1296.º, 1316.º, 1317.º, al c) do Código Civil.». Terminaram pedindo a revogação da sentença recorrida. Foram apresentadas contra-alegações, tendo os recorridos apresentado as seguintes conclusões: “a) – Conforme consta do título, a escolha da obrigação cabe recorridos e estes fizeram-na e comunicaram-na aos recorrentes, conforme provado e decidido na douta sentença. b) – Escolhida a obrigação, como o título executivo determina o fim e os seus limites a mesma certa, líquida e exigível, não se verificando, por isso, qualquer inexistência ou inexequibilidade. c) – Referente à localização da nascente que se discute, como se alega e provou em julgamento, é a mesma cuja repartição da água ocorreu através do proc. 34/75 do 2º Juízo do extinto Tribunal da Comarca de ..., de onde os recorridos pretendem ligar o tubo ao seu tanque, e, d) – se alguma dúvida subsistisse, os esclarecimentos do Sr. Perito e a referida escritura de justificação mostram o local de onde os recorrentes adquiriram o direito a 30 minutos de água em cada dia e a quem pertencem as restantes 23,30horas em cada dia. e) – A mesma escritura de justificação esclarece que os recorrentes para nivelar o solo em redor da nascente/poço acrescentaram argolas o que, f) – forçosamente, aterram à sua volta e como não encanaram a água, como ficou patente pelos esclarecimentos do Sr. Perito e restante prova, impedem os recorridos de ter acesso à água que lhes pertence e agora pretendem ver reposta. g) – Também é claro que a vontade negocial dos recorrentes vertida no título foi esclarecida, livre e ponderada. h) – Por sua vez, sendo os recorrentes, desde 2001, proprietários do prédio rústico onde se encontra a nascente/poço e titulares de 30 minutos de água em cada dia e da mesma nascente/poço os recorridos são titulares de 23,30horas em cada dia, também por isso, a alegada nulidade ou falta de citação para os autos principais não se verifica já que eles, com exclusão doutrem, nesse tempo eram titulares de todos os direitos, deveres e obrigações discutidos na ação.”. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * II. Delimitação do objecto do recurso e questões a decidir * O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do apelante, tal como decorre das disposições legais dos art.ºs 635º, nº 4 e 639º do NCPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º, nº 2 do NCPC). Por outro lado, não está o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e é livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº 3 do citado diploma legal). * Importa abrir aqui um parêntesis para referir que, considerando o decidido no apenso B - já transitado em julgado -, independentemente do entendimento que se tenha quanto à oportunidade do recurso, impõe-se conhecer agora das excepções da inexequibilidade do título executivo, da falta ou nulidade da citação na acção executiva e da incerteza da obrigação exequenda (cfr. art.º 620º, nº 1, do NCPC).* Neste conspecto, no caso vertente, as questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes e a sua precedência lógica, são as seguintes:- da inexistência ou inexequibilidade do título executivo e/ou da falta ou nulidade de citação dos recorrentes ou terceiros não demandados para a acção declarativa [conclusões 1 a 7]; - da incerteza da obrigação exequenda, não suprida na fase introdutória da execução [conclusões 8 a 16]; - das nulidades imputadas à decisão da matéria de facto [conclusões 18 e 41]; - do erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto (e, sendo caso disso, da inerente reapreciação da decisão de direito) [conclusões 19, 20 a 40, 42 a 63]; - do erro de julgamento da decisão relativa à condenação dos embargantes como litigantes de má-fé e quanto à fixação do respectivo quantitativo [conclusões 64 a 69]. * III. Fundamentação* 3.1. Fundamentos de facto Com relevo para a apreciação do objecto do presente recurso, destaca-se o que consta do relatório que antecede, bem como a factualidade dada como provada e não provada pelo tribunal recorrido (assinalando-se a negrito a factualidade impugnada). O tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos: «1) EE, MM, CC, DD e FF, instauraram, em 11-07-2023, a execução para prestação de facto de que estes autos são apenso contra AA e mulher BB. 2) O título executivo corresponde à sentença proferida a 30/11/2018, transitada em julgado a 14/01/2019 (cfr. certidão judicial junta sob a ref.ª ...87 – 17/07/2023 da execução), no âmbito do Proc.Nº 293/17.4T8VVD, do Juízo Local Cível de ...; sentença essa que homologou o seguinte acordo celebrado entre os autores (ora Exequentes) e os réus (ora executados/Embargantes): «1.º Os Réus reconhecem que a água do poço ou nascente que se encontra na sua propriedade (rossios do prédio urbano), pertence aos prédios dos autores e a um terceiro nos precisos termos da acta de conciliação que se encontra junto aos autos identificada pelo doc. 9 da p.i.. 2.º Os Autores desde já estão autorizados pelos réus a ligar um tubo da nascente ao nível do solo antigo, por uma vala, até ao seu tanque ou ligar a água da bica existente directamente ao tanque devendo a mangueira ou tubo ser colocado e soterrado junto ao muro de onde sai a bica e reposto o terreno. 3.º As obras necessárias serão efectuadas e concluídas até 31 de Março de 2019 ou nos anos seguintes de 1/12 a 31/3, devendo os autores comunicar aos réus a data da execução das obras. 4.º As custas em juízo, havendo-as, serão repartidas em partes iguais prescindindo ambos de procuradoria na parte disponível.». 3) No requerimento executivo apresentado, os exequentes, exararam que pretendem «que os executados sejam condenados a autorizar os exequentes a abrir uma vala desde a nascente até à sua poça, a nível do solo antigo, a fim de colocar canos para condução da água até à poça/tanque a fim de apresar a água.». 4) Os exequentes entre dezembro de 2019 e Março de 2020 comunicaram os executados que pretendiam executar os trabalhos que consistiam em abrir uma vala ao nível do solo antigo desde a nascente(poço) até ao seu tanque. 5) Os Embargantes não autorizaram esse trabalho. 6) Até 1974 a água saía directamente da nascente por um rego a céu aberto que percorria a propriedade que agora pertence aos embargantes até à poça que se encontrava na propriedade dos embargados a fim de apresar a água para irrigar as suas propriedades. 7) Já no ano de 1974/75, NN e mulher, no local onde existia a nascente afundou-a e tapou a água que ia para a poça que agora pertence aos Exequentes e começou a servir-se da referida água tirando-a com um motor. 8) Os pais antecessores dos Exequentes instauraram contra os anteriores proprietários do prédio dos ora Embargantes e também contra a pessoa que estava a tirar a água da nascente, NN e mulher, a acção que correu termos sob o proc. nº 34/75, 2ª secção do Tribunal de .... 9) Nessa acção (proc. nº 34/75) as partes chegaram a acordo o qual foi homologado por sentença, em 21/10/1977, nos seguintes termos: « Primeira – Os Réus reconhecem que a água da nascente em causa sita na bouça pertencente a OO, água esta que se encontra actualmente represada no poço construído pelos Réus NN e mulher, pertence em comum aos Autores, excepto no período que vai das oito horas às oito e trinta minutos, em cada dia, período esse que ficará a pertencer exclusivamente aos Réus NN e mulher; Segunda - Estes Réus poderão, durante esse período extrair, através de motor e pela forma actualmente existente, a água que se encontra no referido poço recentemente construído. Terceira – Os Autores poderão extrair a mesma água do poço, sem qualquer limitação temporal, excepto no período de uma hora que antecede aquele em que os RR. NN e mulher a poderão aproveitar. Quarta – Os Réu NN e mulher obrigam-se a não efectuar obras no poço que impliquem uma maior capacidade deste por alargamento ou aprofundamento, e bem assim não alterar o curso natural da mesma água, que sai do poço em direcção da poça dos autores. Quinta – Os Réu NN e mulher reconhecem os referidos direitos dos autores, incluindo o direito a obra nova de extracção de água do poço para a poça dos Autores. (…)» 10) É para os termos desta transacção (no proc. nº 34/75) que remete a cláusula 1ª da transacção homologada pela sentença ora em execução. 11) Após a transacção alcançada no proc. nº 34/75 ficou definida a propriedade e utilização da água pelos antecessores do ora Exequentes e pelos proprietários do poço NN e mulher; 12) E depois destes usarem a meia de água que lhes pertencia, de imediato o depósito enchia e a água saia da nascente e voltava a correr pelo rego a céu aberto até à poça dos ora embargados. 13) À data da aquisição do prédio pelos ora Embargantes neste existia: - A. Um poço de captação de águas [sito na extrema norte – parte mais elevada do prédio, identificado no ponto vermelho da planta junta com a p.i.]; B.Um charco ou poça [sito na extrema nascente – parte mais baixa do prédio, identificado no ponto verde na planta junta com a p.i.]. 14) O poço de captação de águas [ponto vermelho da planta junta com a p.i.] foi construído por volta de 1974, a expensas do já referido NN e mulher [que, por sua vez, não eram, nem nunca foram, donos e legítimos proprietários do prédio em crise]. 15) Com as obras encetadas no seu prédio, e tendo em vista a regularização do terreno, os embargantes construíram um muro [identificado a branco na planta junta com a p.i.] e colocaram uma bica [sita na extrema nascente e mais baixa do prédio – ponto amarelo na planta a anexa à p.i.]. 16) Aquando dessas obras, os ora embargantes colocaram manilhas em volta da nascente e ergueram um muro em pedra para emparar o aterro, o qual vai até estrema das propriedades dos embargados onde os embargantes também ergueram um muro em betão. 17) Depois de colocadas as manilhas e erguido o muro em pedra e outro em betão, os embargantes aterram toda essa área em volta das manilhas (da nascente) até ao muro em pedra e até à estrema das propriedades dos embargados; 18) Soterrando a saída da nascente e o rego que conduzia a água até à poça/tanque dos embargados e dessa forma impedem a água de correr livremente, passando agora, unicamente, por infiltração por debaixo da área aterrada e com um caudal diminuto. 19) Na acção declarativa onde proferida a sentença em execução (Proc.Nº 293/17.4T8VVD) os AA. e aqui Exequentes/Embargantes peticionavam, a título principal, ao que ora interessa, que «Os RR. sejam condenados a reconhecer que os primeiros e segundos AA., em comum, são donos da água da nascente que se encontra no poço e a poderão extrair sem qualquer limite temporal com excepção de 30 minutos em cada dia, conforme cláusula 3 do acordo» (aqui se referindo à transacção alcançada no Proc. nº 34/75, 2ª secção do Tribunal de ...). 20) Na elaboração do acordo que conduziu à transação homologada ora em execução discutiram-se as despesas para abrir a vala e colocação dos tubos e os Embargantes disseram que deixavam abrir a vala desde a nascente até à poça dos embargados, mas não custeavam as despesas nem ajudavam nas mesmas. 21) Os embargantes sabiam que o acordo visava a colocação dos tubos a nível do solo antigo desde a poça/tanque até à nascente a fim de repor a situação antes do aterro.”. E considerou não provado que: «- à data da aquisição do prédio pelos Embargantes neste existia uma nascente que brotava água do solo [sita na extrema nascente – parte mais baixa do prédio, identificada no ponto amarelo da planta junta com a p.i. de embargos] onde agora está colocada uma bica; - A nascente que brota água do solo indicada no ponto amarelo da planta anexa à p.i. existe desde tempos imemoriais; - Em resultado do declive natural da parte leste do prédio dos embargantes, no tempo das chuvas, as águas que brotaram da abertura do poço de captação de águas passaram a escorrer e alimentar o caudal da nascente de água que brotava do solo existente na extrema nascente do prédio, aumentando-o; - A água da “nascente” de água que brota água do solo, onde agora está colocada uma “bica”, tem como proprietários exclusivos os embargados; - A “nascente” [ponto amarelo na planta anexa] onde foi colocada a “bica”, é assim designada porque foi desta que primeira e naturalmente brotou água do solo no prédio dos embargantes; - Na transação judicial levada a efeito na ação 293/17.4T8VVD, as partes apenas pretenderam transigir relativamente à água que naturalmente brota da “nascente” assinalada no ponto amarelo na planta anexa à p.i., e não, sobre a água que se escoa no “poço” de captação de águas assinalado no ponto vermelho na planta a anexa à p.i.; - as obras realizadas no prédio dos embargados não impedem, o escoamento da água que vier a sobrar do dito “poço”; - Se embargados e embargantes acordassem em autorizar ligar o tubo do poço diretamente ao tanque, passariam os embargados a dispor da totalidade da água depositada no poço, em violação do direito de propriedade da água dos embargantes; - Os embargados deram o seu assentimento ao teor da cláusula segunda do acordo celebrado acreditando que as expressões “os AA desde já estão autorizados pelo RR a ligar um tubo da nascente ao nível do solo antigo, por uma vala, até ao seu tanque” e “ligar a água da bica existente diretamente ao tanque” tem o mesmo propósito e significado; - Sabiam os embargados que os embargantes apenas acordaram em autorizar a realização de obras que ligassem a água da bica [também designada “nascente”] existente diretamente ao tanque, porque, se assim não fosse, passariam os embargados a dispor da totalidade da água depositada no poço, em violação do direito de propriedade da água de um terceiro nos precisos termos da ata de conciliação; - os embargados, enquanto destinatários da declaração, conheciam e deviam conhecer que a igual interpretação das expressões constantes da cláusula segunda do acordo celebrado [“ligar a água da bica existente diretamente ao tanque”] era essencial para os embargantes.». * 3.2. Fundamentação de direito3.2.1. Da inexistência ou inexequibilidade do título executivo e/ou da falta ou nulidade de citação dos recorrentes ou terceiros não demandados para a acção declarativa [conclusões 1 a 7]. Conforme decorre do acima exposto no relatório deste acórdão, os recorrentes não se conformam quanto ao decidido pelo tribunal recorrido relativamente à não verificação, no caso, dos fundamentos de oposição à execução previstos no art.º 729º, als. a) e d), do NCPC. Mas sem qualquer razão, adianta-se. Com efeito e, desde logo, no que concerne à inexistência ou inexequibilidade do título executivo, salvo o devido respeito, os recorrentes confundem conceitos, que procuraremos de seguida clarificar. Conforme refere Miguel Teixeira de Sousa (in, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª edição, p. 606) “[a] finalidade da acção executiva consiste na obtenção do interesse patrimonial contido na prestação não cumprida, sendo o seu objecto, sempre (e apenas) um direito a uma prestação – nesse objecto contém-se somente a faculdade de exigir o cumprimento da prestação e o correlativo poder de aquisição dessa prestação, poder que corresponde à causa debendi e, portanto, funciona como causa de pedir da acção executiva (os factos dos quais decorre esse poder são os mesmos que justificam a faculdade de exigir a prestação).”. Esta faculdade de exigir a prestação, correlativa do poder de aquisição dessa prestação, designa-se por pretensão e apenas uma pretensão exequível pode constituir objecto de uma acção executiva – exequibilidade intrínseca, respeitante à inexistência de vícios materiais ou excepções peremptórias que impeçam a realização coactiva da prestação, e exequibilidade extrínseca, traduzida na incorporação da pretensão num título executivo, ou seja, num documento que formaliza, por disposição da lei, a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (vide, autor e obra citados, p. 606 a 608). Pressuposto da acção executiva é, pois, não só a exequibilidade extrínseca do título executando (preenchimento dos pressupostos e requisitos para que um documento possa valer como título executivo, nos termos legais), como também a exequibilidade da pretensão (a exequibilidade intrínseca, traduzida na inexistência de qualquer razão ou fundamento que, substantivamente, configure matéria extintiva, modificativa ou impeditiva da faculdade de exigir judicialmente a prestação) – faltando qualquer delas, soçobrará a pretensão do exequente. Deste modo e como se diz no ac. desta Relação de Guimarães de 7.06.2023 (processo nº 987/20.7T8CHV-B.G1, consultável in www.dgsi.pt): “No âmbito da ação executiva importa distinguir entre exequibilidade do título e exequibilidade da pretensão exequenda. A inexequibilidade do título decorre do não preenchimento dos requisitos para que um documento possa desempenhar essa função específica, a inexequibilidade da pretensão baseia-se em qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do dever de prestar.”. A acção executiva pressupõe, assim, um direito de execução do património do devedor, ou seja, “um poder resultante da incorporação da pretensão num título executivo, pois que é desta que resulta que o credor possui não só a faculdade de exigir a prestação, mas também a de executar, em caso de incumprimento, o património do devedor” (Miguel Teixeira de Sousa, ob. citada, p. 626). O título executivo cumpre, por isso e “antes de mais, uma função de certificação da aquisição do direito ou poder à prestação pelo exequente”, cumpre uma função de representação dos factos principais da causa de pedir (vide, Rui Pinto, A Ação Executiva, 2018, p. 137). Ou seja, o título executivo confere ao direito exequendo o grau de segurança que o sistema considera suficiente para a admissibilidade da acção executiva, através dele se determinando o tipo de acção, o seu objecto, a legitimidade activa e passiva para a execução, sendo também através dele que se verifica se a obrigação é certa, líquida e exigível (cfr. art.º 713º, do NCPC). E apenas podem servir de base à execução os títulos expressamente previstos na lei. Lê-se no art.º 703º, nº 1, do NCPC, de forma taxativa, que à “execução apenas podem servir de base” os títulos que a seguir enuncia. O título executivo é, assim, típico, isto é, não podem as partes conferir essa natureza a qualquer um não previsto na lei para o efeito; e traduz precisamente a exequibilidade extrínseca da pretensão relativa ao preenchimento dos pressupostos e requisitos para que um documento possa valer como título executivo, condição de certeza para acesso directo à realização coactiva de uma obrigação que é devida. A falta de preenchimento de tais requisitos para que um documento possa desempenhar a função de título executivo é que constitui fundamento de indeferimento liminar e de rejeição oficiosa da execução, bem como de oposição à mesma, nos termos previstos nos art.ºs 726º, nº 2, al. a), 729º, al. a) e 734º, todos do NCPC. No caso que nos ocupa, o título dado à execução é uma sentença. O art.º 703º, nº 1, al. a), do NCPC prevê que só as sentenças condenatórias constituem título executivo. Sentenças condenatórias são aquelas decisões com valor de caso julgado material proferidas num processo contraditório pelas quais um tribunal impõe um comando de cumprimento de uma obrigação ao réu. Na verdade, é entendimento pacífico que “ao atribuir eficácia executiva às sentenças de condenação, o Código quis abranger nesta designação todas as sentenças em que o juiz, expressa ou tacitamente, impõe a alguém determinada responsabilidade” (cfr. Alberto dos Reis, Processo de Execução, Volume I, Coimbra Editora, reimpressão de 1985, p. 127). Assim, para que na expressão legal “sentenças condenatórias” estão integradas todas as decisões de tribunais que imponham uma ordem de prestação ou comando de actuação ao demandado de maneira incondicional (vide, Rui Pinto, in obra citada, p. 150). Tem igualmente sido entendido de forma unânime pela doutrina e jurisprudência que nas sentenças condenatórias se incluem as sentenças homologatórias de confissão de pedido e de transacção, desde que sejam condenatórias. Nomeadamente, no ac. do STJ de 30.04.2015, proferido na revista nº 312-H/2002.P1.S1, publicado em www.dgsi.pt., considerou-se que as sentenças homologatórias que contenham, explícita ou implicitamente, a condenação do devedor numa determinada prestação patrimonial, como ocorre nos casos de sentença homologatória de transação, incluem-se na categoria de “sentenças condenatórias” prevista no art. 703.º, n.º 1, al. a), do CPC. Por outro lado, exige-se ainda - para servir de título executivo - que a sentença já tenha transitado em julgado, “salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo” (cfr. art.º 704º, nº 1, do NCPC). Por isso, estando a ser executada uma sentença, o executado apenas poderá opôr fundamentos limitados à execução nela baseada. Com efeito, lê-se no art.º 729º do NCPC que, fundando-se “a execução em sentença, a oposição só pode ter algum dos fundamentos seguintes: a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta de intervenção do réu no processo de declaração, verificando-se alguma das situações previstas na alínea e) do artigo 696.º; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; i) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transacção, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos.”. E “[c]ompreende-se que assim seja, já que, pressupondo-se a prévia existência de uma acção declarativa, onde constitucional e legalmente se garante o direito de contraditório (art.º 20.º da CRP e art.º 3.º do CPC), e onde o réu deverá concentrar na respectiva contestação toda a defesa que possua à pretensão do autor, sob pena de preclusão da sua futura invocação (art.º 573.º, do CP.), limitam-se no art.º 729º do C.P.C. os fundamentos da oposição a, grosso modo: vícios do próprio título; à falta de pressupostos processuais da instância executiva; à violação do efectivo direito de contraditório na acção declarativa; ao caso julgado anterior à sentença que se executa; e à inexistência actual da obrigação exequenda, incluindo a compensação” (cfr. decisão sumária desta Relação de Guimarães, de 12.07.2024, proferida no processo nº 126/15.6T8VCT-F.G1 e acessível in www.dgsi.pt). Assim, com interesse para a questão ora nos ocupa, e no que concerne aos fundamentos previstos na al. a) deste preceito explicita Rui Pinto (in obra citada, p. 377) que: “Relativamente ao título executivo tanto pode ser arguida a sua inexistência – i.e., a não apresentação de título, a sua nulidade formal e a inexistência de aparência mínima de título – como pode ser alegada a sua inexequibilidade, ou seja, a não verificação dos pressupostos dos artigos 703º a 708º e de normas avulsas. A alegação de inexistência ou de inexequibilidade do título executivo, ao abrigo do artigo 729º al. a) e, por remissão, dos artigos 730º e 731º, configura materialmente uma defesa por impugnação, já que o executado nega a existência do documento ou do seu valor jurídico.”. E acrescenta lapidarmente o mesmo autor que: “[e]m relação à sentença, em especial, esta não existe se o tribunal não tinha poder jurisdicional ou se não contém a parte dispositiva, como exigido pelo art.º 607º, nº 3, in fine. Por outro lado, será inexequível a sentença que: a. não contenha um comando de atuação ou condenação; b. não esteja assinada pelo juiz; c. esteja pendente de recurso com efeito suspensivo (cf. artigos 704º nº 1 e 647º nºs 2 a 4); d. tenha sido revogada em recurso, ordinário ou extraordinário; e. sendo estrangeira, não tenha sido revista e confirmada pela Relação (cf. artigos 978º nº 1 e 979º) ou não obedeça aos artigos 39º ss Reg (EU) nº 1215/2012 (correspondente aos anteriores artigos 38º ss. Reg (CE) nº 44/2001 = artigos 38º ss. CvLg II).”. Por outro lado, no que respeita ao fundamento previsto na al. d), do referido art.º 729º, do NCPC ensina ainda o mesmo autor (ob. citada, p. 378) que tal vício atinente à acção declarativa é possível arguir-se em sede de embargos porque se refere a situações em que se verifica a impossibilidade do réu de arguir tal vício no decurso da acção declarativa, admitindo assim a lei que nesses casos “seja excecionado o princípio da preclusão ou mesmo da imutabilidade do caso julgado.”. Isto posto, no caso vertente, é por demais manifesto não podermos deixar de concluir, como fez o tribunal recorrido, que o título dado à execução existe e observa os requisitos de exequibilidade previstos no art.º 703º e 704º, do NCPC, pois trata-se de uma sentença condenatória e já transitada em julgado, à data em que foi interposta a execução. E, por outro lado, não é menos certo que os executados/embargantes nunca estiveram em situação de revelia absoluta na acção declarativa onde foi proferida a sentença dada à execução, tendo antes intervindo na mesma activamente, conforme os mesmos admitem. Deste modo, julga-se ser evidente não se poder concluir pela verificação dos fundamentos de oposição à execução previstos nas als. a) e d) do art.º 729º, do NCPC. Ademais, em face do exposto, é de linear clareza que os embargantes não podem esgrimir o argumento de que não foram demandados, nem se puderam defender na qualidade de proprietários dos 30 minutos de água na acção declarativa, como fundamento de oposição à execução baseada na sentença proferida naquela acção, sentença esta já transitada em julgado. Com efeito, como já vimos, o aludido princípio da preclusão e da imutabilidade do caso julgado impede que os executados se socorram de um tal meio de defesa apenas em sede executiva, pois deveria o mesmo ter sido suscitado pelos réus na contestação que apresentaram na acção declarativa. Na verdade, os princípios da concentração da defesa e da preclusão obrigam o(s) réu(s) a invocar contra o autor, na respectiva acção declarativa, todos os meios de defesa que têm ao seu alcance, sob pena de perda do direito de invocação dos mesmos. Ou seja, a defesa esgrimida pelos embargantes ora em análise, não cabe nos fundamentos previstos no art.º 729º do NCPC que, como já referido, limita os meios de reacção dos executados quando o título executivo é uma sentença, precisamente porque na acção declarativa os ali réus já tiveram oportunidade de invocar todos os argumentos essenciais e relevantes para a sua defesa. E não se diga que os aqui executados não podiam ter invocado a aquisição da propriedade, por usucapião, dos 30 minutos de água na acção declarativa pelo facto de, à data, ainda não terem celebrado a escritura de justificação notarial a que aludem na sua petição inicial de embargos. Note-se que a escritura de justificação notarial não constitui título de aquisição ou de transmissão do direito real, não possui qualquer eficácia constitutiva ou translativa desse direito – trata-se, muito simplesmente, de um instrumento ágil de documentação de um facto aquisitivo, para estritos efeitos de registo predial (cfr., a este propósito o ac. da RC de 26.05.2009, processo nº 84/20001.C1, acessível in www.dgsi). Por outro lado, a usucapião é um modo de aquisição originária do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo (como decorre do citado art.ºs 1287º e do 1316º do CC) que depende apenas da verificação de dois elementos: a posse e o decurso de certo lapso de tempo, que varia em função da natureza do bem (móvel ou imóvel) sobre que incide e de acordo com os caracteres da mesma posse. E, quando invocada, ao contrário do que parecem entender os recorrentes, os seus efeitos retrotraem-se à data do início da posse (art.º 1288º), adquirindo-se o direito de propriedade no momento do início da mesma posse [art.º 1317º al. c) do CC] (cfr., entre outros, o ac. da RL de 26.10.2023, processo nº 855/20.2T8MTJ.L1, consultável in www.dgsi.pt). No caso, os ora recorrentes invocaram na petição inicial de embargos terem celebrado uma escritura de justificação notarial - em 6.05.2021 – na qual declararam que há mais de 20 anos, por referência à data da celebração da dita escritura, estavam a usar os 30 minutos da água, como se fossem seus proprietários, por terem adquirido a propriedade do prédio onde as águas nascem (também há mais de 20 anos) e que a sua posse era de boa fé, pacífica e pública e que se somava a dos anteriores possuidores. Por conseguinte, temos por certo que, face ao alegado pelos próprios recorrentes, [tendo-se tais declarações por verdadeiras já que não foram impugnadas; registando-se ainda que na outorga da escritura, os ora recorrentes foram advertidos expressamente pelo Notário de que incorriam em responsabilidade criminal se tivessem prestado falsas declarações], quando foi interposta a acção declarativa (no ano de 2017), já os mesmos tinham adquirido o direito aos 30 minutos da água, através do instituto da usucapião (cfr. art.ºs 1258º, 1260º, 1261º, 1262º, 1263º, al. a), 1267º, 1288º e 1296º, do CC). Quando a posse é de boa fé, a mesma pode dar-se no termo de quinze anos, conforme decorre expressamente do disposto no art.º 1296º, do CC. Concomitantemente, não tendo os ora embargantes, ali réus, invocado tal meio defesa na acção declarativa, agora já não o podem fazer, sob pena de violação do caso julgado. Da mesma forma, se, porventura, o referido direito à água ainda pertencesse a terceira pessoa. Nessa hipótese, os réus, entendendo que essa pessoa deveria ter estado naqueloutra acção, deveriam ter aí promovido a sua intervenção. De todo o modo, direitos de terceiro que eventualmente pudessem ter sido postergados na acção declarativa nunca seriam fundamento de oposição à execução, mas antes de embargos de terceiro (vide, neste sentido, o ac. desta Relação de Guimarães de 1.10.2020, proferido no processo nº 146/19.0T8GMR-A.G1 e acessível in www.dgsi.pt). Improcedem, pois, as conclusões 1 a 7 do presente recurso. 3.2.2. Da incerteza da obrigação exequenda, não suprida na fase introdutória da execução [conclusões 8 a 16] Vieram os recorrentes insurgir-se contra o decidido pelo tribunal recorrido quanto à invocada incerteza da obrigação exequenda, alegando, por um lado, que a decisão tomada em sede de despacho saneador foi prematura porque não tomou em consideração os factos por eles invocados quanto à inexistência de uma obrigação alternativa e ao erro na formação de vontade como causa de anulabilidade do acordo celebrado, factos estes ainda carecidos de prova [conclusões 8 a 13] e, por outro, que a tratar-se de uma obrigação alternativa, na falta de acordo, a escolha pertence ao devedor [conclusões 14 a 16]. Ora, salvo o devido respeito, julga-se manifesto que falece de razão também nesta parte o recurso interposto. Com efeito, analisada a petição inicial de embargos constata-se que os ora recorrentes só invocaram a incerteza da obrigação exequenda para a hipótese de acordo celebrado comportar uma obrigação alternativa, acrescentando que, nesse caso, a escolha cabia ao devedor, ou seja, aos embargantes e que, assim sendo, deviam ter sido citados nos termos e para os efeitos previstos no art.º 714º, nº 1, do NCPC e não o foram (cfr. artigo 87º e seguintes do referido articulado). Deste modo, redunda que a apreciação da invocada incerteza da obrigação exequenda, nos termos em que o foi, não estava dependente de factos a apurar e muito menos, estava a apreciação de tal questão dependente da apreciação da matéria relativa ao erro na formação da vontade e à interpretação a fazer do acordo celebrado entre as partes. Nesta sede, o que os recorrentes invocaram foi que pretenderem apenas transigir relativamente à água que naturalmente brota da “nascente” e não sobre a água que se escoa no “poço” de captação de águas e que as expressões constantes da sentença dada à execução como expressões que visam afirmar a mesma ideia e não a enunciação de uma alternativa. Ou seja, a demonstrar-se os factos alegados pelos recorrentes não estaríamos perante uma obrigação alternativa e não haveria que discutir a quem incumbiria a escolha da prestação. Não dependendo a apreciação da questão, nos termos invocados pelos embargantes, de factos a apurar, nada impedia que o tribunal a quo proferisse decisão sobre a mesma. Veja-se, aliás, o que dispõe o art.º 595º, nº 1, do NCPC. Nesta medida, afigura-se-nos que a questão da incerteza da obrigação exequenda não foi decidida prematuramente. Por outro lado, também não podemos acompanhar os recorrentes quando afirmam que, estando perante uma obrigação alternativa, a escolha caberia aos executados. Vejamos. Como vimos, para que o credor possa intentar uma acção executiva torna-se necessário que disponha de um título executivo (art.ºs 10º, nº 5 e 703º do NCPC), mas também que a obrigação seja “certa, exigível e líquida” (art.º 713º do mesmo código). Se a prestação exequenda, tal como se apresenta configurada no título executivo, não reunir, desde logo, os necessários requisitos de certeza, exigibilidade e liquidez, o referido art.º 713º, sob a epígrafe “Requisitos da obrigação exequenda”, determina que a “execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo”. Assim, nesse caso, por razões de economia processual, abrir-se-á no processo executivo uma fase introdutória de cariz declarativo, destinada a tornar a obrigação certa, exigível ou líquida, antes de se avançar para a via coerciva propriamente dita (cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, p. 41). A obrigação não é certa nos casos em que a escolha da prestação ainda está por fazer, tal como sucede precisamente nas obrigações alternativas, previstas no art.º 543º do CC (vide, Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, p. 134). Prescreve o mencionado normativo legal que: “1. É alternativa a obrigação que compreende duas ou mais prestações, mas em que o devedor se exonera efectuando aquela que, por escolha, vier a ser designada. 2. Na falta de determinação em contrário, a escolha pertence ao devedor.”. Ora, no caso, neste particular, consta da cláusula 2ª da transacção celebrada entre as partes e homologada por sentença que: “2.º Os Autores desde já estão autorizados pelos réus a ligar um tubo da nascente ao nível do solo antigo, por uma vala, até ao seu tanque ou ligar a água da bica existente directamente ao tanque devendo a mangueira ou tubo ser colocado e soterrado junto ao muro de onde sai a bica e reposto o terreno.”. Assim sendo, redunda manifesto que os executados/recorrentes (ali réus) autorizaram os ora exequentes/recorridos (ali autores) a escolher a forma como seria efectuada a ligação da água. Desta forma, e a entender-se estar prevista na cláusula segunda da transacção uma obrigação alternativa, a escolha da prestação foi, por acordo, atribuída aos exequentes, ora recorridos, e que se constituíram credores da(s) prestação(ões) exequendas. Pertencendo a escolha aos embargados/credores e não aos embargantes/devedores, nunca seria aplicável ao caso o disposto no art.º 714º, nº 1, do NCPC. Por outro lado, essa escolha não carecia de ser feita por escrito, como condição prévia à instauração da acção executiva, por vigorar aqui o princípio da liberdade da forma - art.º 219º do CC. De qualquer modo, os embargados declararam aos embargantes a sua escolha, por escrito, no requerimento inicial da execução. Nesta conformidade, improcedem igualmente as conclusões 8 a 16 do recurso. 3.2.3. Das nulidades imputadas à decisão da matéria de facto [conclusões 18 e 41]; Vieram os recorrentes arguir a nulidade da sentença recorrida, invocando o disposto nos art.ºs 6º, 195º, n.º 1, 411º, e 615º, n.º 1, al. e) do CPC e art.º 342º, nº 1 do CC. Para tanto, referem que “o acordo alcançado no processo n.º 34/75 não foi trazido à liça nem por recorrentes, nem por recorridos; sendo o processo civil um processo de partes, não pode o tribunal substituir-se a estas, suprindo as suas alegações / prova, nem proferir decisões de direito ou de facto, sem que às partes seja dada oportunidade de sobre as mesmas se pronunciarem”. Os recorrentes invocam ainda a nulidade da sentença pelo facto de nos autos não constar a alegação de que “a colocação dos tubos a nível do solo antigo desde a poça/tanque até à nascente a fim de repor a situação antes do aterro”, a que se refere o ponto 21 da matéria de facto provada, dizendo ainda que, por isso, a decisão é ilógica, e, por conseguinte, é nula e ilegal, apelando igualmente ao art.º 615º, n.º 1, al. e), do NCPC. Embora tal não seja muito claro, afigura-se-nos que os recorrentes pretendem invocar nestes segmentos do recurso que o tribunal recorrido, ao ter em consideração factos e/prova que as partes não trouxeram para o processo, violou os princípios do contraditório e do dispositivo, ferindo de nulidade a decisão da matéria de facto. Vejamos. É, desde há muito, entendimento pacífico, que as nulidades da decisão não incluem o erro de julgamento seja de facto ou de direito: as nulidades típicas da sentença reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito; enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual [nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma] ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma. Como já ensinava Alberto Reis, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, p. 124 e 125, o tribunal comete erro de juízo ou de julgamento quando decide mal a questão que lhe é submetida, ou porque interpreta e aplica erradamente a lei, ou porque aprecia erradamente os factos; comete um erro de actividade quando, na elaboração da sentença, infringe as regras que disciplinam o exercício do seu poder jurisdicional. Os erros da primeira categoria são de carácter substancial: afectam o fundo ou o efeito da decisão; os segundos são de carácter formal: respeitam à forma ou ao modo como o juiz exerceu a sua actividade. As nulidades ditam a anulação da decisão por ser formalmente irregular, as ilegalidades ditam a revogação da decisão por estar desconforme ao caso (decisão injusta ou destituída de mérito jurídico) (cfr. neste sentido, o ac. do STJ de 17.10.2017, processo nº 1204/12.9TVLSB.L1.S1, disponível in www.dgsi.pt). Em suma, as causas de nulidade da decisão elencadas no art.º 615º do NCPC visam o erro na construção do silogismo judiciário e não o erro de julgamento, não estando subjacentes às mesmas quaisquer razões de fundo, motivo pelo qual a sua arguição não deve ser acolhida quando se sustente a mera discordância em relação ao decidido. Sentença nula é, pois, somente aquela que padece de algum dos vícios taxativamente enumerados no art.º 615º, nº 1, do NCPC, que engloba nas alíneas b) e c) “vícios de estrutura”, e nas alíneas d) e e) “vícios de limites (de pronúncia ou de objecto)” (cfr. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume II, 3ª ed., p. 451). Os vícios da nulidade da sentença correspondem, assim, aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer, condenando em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). Considerando o objecto do recurso, importa precisar que o nosso direito adjectivo civil determina que o tribunal está impedido de condenar em objecto diverso do que for pedido (art.º 609º, nº 1 do NCPC), pelo que, o tribunal não só, não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, nomeadamente, no que respeita ao seu próprio objecto, sob pena de o aresto a proferir ficar afectado de nulidade. Como sustenta, Teixeira de Sousa, in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, p. 362, “um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (art. 660°, n° 2, 2.ª parte), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (art. 661°, n.° 1). A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 668°, n° 1, al. d) 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (art. 668°, n° 1, al. e))”. A nulidade da sentença quando o tribunal condene em objecto diverso do pedido, prevista na al. e) do art.º 615º, nº 1, do NCPC, invocada pelos recorrentes, colhe, pois, o seu fundamento no princípio dispositivo que atribui às partes, a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor. A decisão que ultrapassa o pedido formulado, sem modificação objectiva da instância, passando a abranger matéria distinta, está eivada de nulidade prevista na consignada al. e) do art.º 615º do NCPC, pois, a sentença não pode conhecer de objecto diverso do pedido, o que significa que o tribunal não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes, não podendo ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido, sendo que não havendo coincidência entre o decidido e o pedido, estar-se-á face a uma extra petição, vício que produz nulidade do aresto. O vício da nulidade da sentença, nos termos enunciados, encerra um desvalor que excede o erro de julgamento, por isso, inutiliza o julgado na parte afectada. Por seu lado, as nulidades previstas nos art.ºs 186º e seguintes do NCPC versam sobre vícios processuais determinantes da nulidade do processo, respeitando ao cumprimento de formalidades cuja observância a lei adjectiva postula como principal/essencial ou de natureza secundária para a correcta tramitação do processo, para que se possa lograr o fim último do mesmo, a mais conscienciosa e justa decisão. Estão em causa formalidades processuais a se, de natureza e índole intimamente adjectiva, actos formais inerentes à própria tramitação do processo, actos que a lei proíbe ou actos formais cuja observância a lei exige e foram omitidos, que a lei comina com a nulidade. Sendo actos de tramitação processual stricto sensu, que se situam a montante da decisão final, não se confundem com os actos ou omissões praticadas pelo tribunal já, a jusante, no âmbito do processo decisório e com este concomitantes, como integrando este, actos que tangem ao âmago da decisão, nulidades de conhecimento, de índole material decisória, que a lei adjectiva também considera e classifica como nulidades do julgamento ou da sentença, estas previstas no art.º 615º do NCPC. Estas nulidades concernentes com os vícios da sentença, integráveis no dinamismo já substantivo e material do processo decisório e com este se compaginando, deste sendo intrínsecas, são distintas e não se confundem com aquele tipo de nulidades processuais que o legislador trata nos art.ºs 186º e seguintes do NCPC, inerentes à tramitação processual a se, verificáveis em momento prévio ao decisório (vide, ac. do STJ de 13.10.2022, processo nº 9337/19.4T8LSB-B.L1.S1, acessível in www.dgsi.pt). Isto posto, na situação que nos ocupa é evidente que, pretendendo os recorrentes apenas atacar o processo decisório do tribunal a quo, não estamos perante o cometimento de qualquer nulidade processual. E, desde já se adianta que também somos do entendimento que a situação não configura uma qualquer nulidade de sentença. Com efeito, a consideração pelo tribunal recorrido de factos não alegados pelas partes, em violação, nomeadamente, do disposto no art.º 5º, nº 1 e 2, do NCPC, não consubstancia a invocada nulidade da sentença. É certo que, de acordo com o disposto pelo art.º 5º, nº 1, do NCPC, o juiz “só pode servir-se dos factos articulados pelas partes (integradores da causa de pedir ou em que se baseiam as excepções), só podendo, pois, fundar a decisão nos factos essenciais (principais) alegados pelas partes nos articulados, sem prejuízo dos poderes de cognição oficiosa (e consideração ) dos factos complementares que lhe são conferidos pelo nº 2 do art.º 5º” (cfr. Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, volume II, 3ª ed., p. 422). No entanto, fazendo apelo aos ensinamentos de Alberto dos Reis “quando o juiz tome conhecimento de factos de que não pode servir-se, por não terem sido, por exemplo, articulados ou alegados pelas partes (art.º 664.º), não comete necessariamente a nulidade da 2.ª parte do art.º 668.º. Uma coisa é tomar em consideração determinado facto, outra conhecer de questão de facto de que não podia tomar conhecimento; o facto material é um elemento para a solução da questão, mas não é a própria questão”. (cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, 1984, p. 144 e 145). Efectivamente, “o não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC. Reconduzem-se antes a erros de julgamento passíveis de ser superados nos termos do artigo 607º, nº 4, 2ª parte” (cfr. ac. do STJ de 23.03.2017, processo nº 7095/10.7TBMTS.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt). Por conseguinte, os vícios invocados só poderão ser analisados à luz de um eventual erro de julgamento (como veremos infra). De todo o modo, sempre se assinala que, no caso, não resulta ter o tribunal a quo feito uso de factualidade não alegada ou prova não carreada para os autos, sendo, desde já, de enfatizar que é no mínimo incorrecto dizer-se que “o acordo alcançado no processo n.º 34/75 não foi trazido à liça nem por recorrentes, nem por recorridos”, quando tal acordo é desde logo mencionado na claúsula 1ª da transacção homologada pela sentença dada à execução e, consequentemente, foi invocado no requerimento executivo (artigo 3º) e igualmente na petição inicial de embargos (artigo 81º) e ainda na contestação aos embargos apresentada pelos exequentes (artigo 21º), tendo ambas as partes igualmente junto aos autos executivos e de embargos os documentos respeitantes à transacção alcançada naqueles autos. E, assim sendo, não podia o tribunal a quo deixar de ter em consideração tal factualidade e interpretar os documentos a ela atinentes, mormente, com vista à determinação da vontade real dos embargantes relativamente ao acordo celebrado no processo declarativo onde foi proferida a sentença dada à execução. Se fez tal interpretação de acordo com as regras comuns aplicáveis à interpretação dos negócios jurídicos, previstas nos art.ºs 236º e seguintes do CC - aplicáveis à transacção - é questão que contende com o erro de julgamento igualmente invocado pelos recorrentes, como também veremos infra. Improcede, pois, a apelação nesta parte. 3.2.4. Do erro de julgamento imputado à decisão da matéria de facto (e, sendo caso disso, da inerente reapreciação da decisão de direito) [conclusões 19, 20 a 40, 42 a 63] Vieram os recorrentes defender ainda que o tribunal recorrido decidiu erradamente a factualidade inserta no ponto 21 do elenco dos factos provados e parte da factualidade dada como não provada (mormente a relativa ao invocado vício na formação da vontade). Ora, a modificação da decisão de facto não só é legalmente permitida, como é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão (art.º 662º, nº 1 do NCPC). De todo o modo, impugnando a decisão da matéria de facto, deve o recorrente especificar, obrigatoriamente e sob pena de rejeição (vide, art.º 640º nº 1 do NCPC): “a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”. No caso de prova gravada, incumbe ainda ao recorrente [vide nº 2, al. a) deste art.º 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”. Isto posto, e voltando ao caso vertente, afigura-se-nos que se mostram cumpridos os requisitos mínimos da impugnação da decisão sobre a matéria de facto previstos no art.º 640º do NCPC. Na verdade, os ora recorrentes cumpriram os descritos ónus, tendo indicado expressamente quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e qual a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre essas questões, bem como os concretos meios de prova que o justificam e em que fundamenta a sua pretensão. Isto posto, urge então verificar se, na parte colocada em crise, a análise crítica da prova corresponde à realidade dos factos ou se a matéria em questão merece, e em que medida, a alteração pretendida pelos apelantes. Para tanto, importa ter presente que conforme decorre do disposto no art.º 607º, nº 5 do NCPC a prova é apreciada livremente. Prevê expressamente este preceito que o “juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”; tal resulta também do disposto nos art.ºs 389º, 391º e 396º do CC, respectivamente para a prova pericial, para a prova por inspecção e para a prova testemunhal, sendo que desta livre apreciação do juiz o legislador exclui os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, aqueles que só possam ser provados por documentos ou aqueles que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes (2ª parte do referido nº 5 do art.º 607º). A prova há-de, pois, ser apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, com recurso às regras da experiência e critérios de lógica. Conforme o ensinamento de Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, Reimpressão, 1993, p. 384) “segundo o princípio da livre apreciação da prova o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas.”. A prova idónea a alcançar um tal resultado, é assim a prova suficiente, que é aquela que conduz a um juízo de certeza; a prova “não é uma operação lógica visando a certeza absoluta (a irrefragável exclusão da possibilidade de o facto não ter ocorrido ou ter ocorrido de modo diferente) (…) a demonstração da realidade de factos desta natureza, com a finalidade do seu tratamento jurídico, não pode visar um estado de certeza lógica, absoluta, (…) A prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Revista e Actualizada, p. 435 a 436). Está por isso em causa uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta. É claro que a “livre apreciação da prova” não se traduz numa “arbitrária apreciação da prova”, pelo que se impõe ao juiz que identifique os concretos meios probatórios que serviram para formar a sua convicção, bem como a “menção das razões justificativas da opção pelo Julgador entre os meios de prova de sinal oposto relativos ao mesmo facto” (cfr. Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, obra cit., p. 655); o “juiz [de 1ª Instância] explicará por que motivo deu mais crédito a uma testemunha do que a outra, por que motivo deu prevalência a um laudo pericial em detrimento de outro, por que motivo o depoimento de certa testemunha tecnicamente qualificada levou à desconsideração de um relatório pericial ou por que motivo não deu como provado certo facto apesar de o mesmo ser referido em vários depoimentos. E é ainda assim por referência a certo depoimento e a propósito do crédito que merece (ou não), o juiz aludirá ao modo como o depoente se comportou em audiência, como reagiu às questões colocadas, às hesitações que não teve (teve), a naturalidade e tranquilidade que teve (ou não)” (vide, Paulo Pimenta, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, p. 325). É, por isso, comumente aceite que o juiz da 1ª Instância, perante o qual a prova é produzida, está em posição privilegiada para proceder à sua avaliação, e, designadamente, surpreender no comportamento das testemunhas elementos relevantes para aferir da espontaneidade e credibilidade dos depoimentos que frequentemente não transparecem da gravação. Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este conclua, com a necessária segurança, que a prova produzida aponta em sentido diverso e impõe uma decisão diferente da que foi proferida em 1ª instância, quando tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento na matéria de facto; neste sentido salienta Ana Luísa Geraldes (in, Impugnação e reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. Lebre de Freitas, Volume I, p. 609) que “Em caso de dúvida, face a depoimentos contraditórios entre si e à fragilidade da prova produzida, deverá prevalecer a decisão proferida pela primeira Instância em observância aos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, com a consequente improcedência do recurso nesta parte.”. É igualmente de realçar que embora não exigida na formação da convicção do julgador uma certeza absoluta, por via de regra não alcançável, quanto à ocorrência dos factos que aprecia, é necessário que da análise conjugada da prova produzida e da compatibilização da matéria de facto adquirida, extraindo dos factos apurados as presunções impostas por lei ou por regras da experiência (vide, art.º 607º nº 4 do NCPC) se forme no espírito do julgador a convicção de que com muito elevado grau de probabilidade os factos em análise ocorreram. Neste contexto e na dúvida acerca da realidade de um facto ou da repartição do ónus da prova, resolvendo o tribunal a mesma contra a parte à qual o facto aproveita, tal como decorre do disposto nos art.ºs 414º do NCPC e 346º do CC. Tendo presentes estes considerandos, passaremos então a apreciar os motivos da discordância dos recorrentes quanto à decisão da matéria de facto. E, nesta conformidade, importa, começar por referir que se nos afigura que a reapreciação pretendida pelos recorrentes é, pelo menos em parte, claramente inútil. Com efeito, e como decorre do exarado supra, os embargantes vieram invocar, como um dos fundamentos da oposição à execução, a anulabilidade da transação judicial levada a efeito na acção que correu termos sob o nº 293/17.4T8VVD, dizendo que as partes apenas pretenderam transigir relativamente à água que naturalmente brota da “nascente” assinalada no ponto amarelo na planta anexa, e não, sobre a água que se escoa no “poço” de captação de águas assinalado no ponto vermelho na planta a anexa, tendo os embargantes agido em erro ao dar o seu assentimento ao teor da cláusula segunda do acordo celebrado acreditando que as expressões “os AA desde já estão autorizados pelo RR a ligar um tubo da nascente ao nível do solo antigo, por uma vala, até ao seu tanque” e “ligar a água da bica existente diretamente ao tanque” tinham o mesmo propósito e significado, erro esse essencial, e que era conhecido dos exequentes. Ou seja, alegam os recorrentes uma discrepância entre a vontade real e a vontade declarada, subsumível ao disposto no art.º 247º, do CC. Porém, no que respeita à factualidade relevante para a demonstração do vício da vontade invocado, apenas impugnaram a factualidade dada como não provada relativa ao erro propriamente dito, não tendo deduzido qualquer objecção relativamente à decisão da matéria de facto atinente à essencialidade do erro e à cognoscibilidade de tal erro pela parte contrária. Com efeito, neste particular, os recorrentes pediram a reapreciação dos seguintes pontos dos factos dados como não provados: «- à data da aquisição do prédio pelos Embargantes neste existia uma nascente que brotava água do solo [sita na extrema nascente – parte mais baixa do prédio, identificada no ponto amarelo da planta junta com a p.i. de embargos] onde agora está colocada uma bica;» «- Os embargados deram o seu assentimento ao teor da cláusula segunda do acordo celebrado acreditando que as expressões “os AA desde já estão autorizados pelo RR a ligar um tubo da nascente ao nível do solo antigo, por uma vala, até ao seu tanque” e “ligar a água da bica existente diretamente ao tanque” tem o mesmo propósito e significado.].» «- os embargados, enquanto destinatários da declaração, conheciam e deviam conhecer que a igual interpretação das expressões constantes da cláusula segunda do acordo celebrado [“ligar a água da bica existente diretamente ao tanque”] era essencial para os embargantes.». Mas, foi igualmente dado como não provado – e não foi sujeito a qualquer impugnação - que: «- Sabiam os embargados que os embargantes apenas acordaram em autorizar a realização de obras que ligassem a água da bica [também designada “nascente”] existente diretamente ao tanque, porque, se assim não fosse, passariam os embargados a dispor da totalidade da água depositada no poço, em violação do direito de propriedade da água de um terceiro nos precisos termos da ata de conciliação;”. Ou seja, não impugnaram a factualidade relevante para concluir pela essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro. Dizer-se apenas que os embargados sabiam que a igual interpretação das expressões constantes da cláusula segunda era essencial para os embargantes é um juízo meramente conclusivo que nunca poderia constar dos factos provados. Ora, como é sabido, aquele que pretende ver anulado o negócio tem de demonstrar, não só o erro, mas ainda e também que para o declarante era essencial o elemento sobre o qual incidiu o erro, de tal forma que, se deste se tivesse apercebido, não teria celebrado o negócio e que o declaratário conhecia ou não deva ignorar a essencialidade do elemento sobre o qual incidiu o erro para o declarante (cfr., entre muitos outros, o ac. desta RG de 18.01.2024, processo nº 1431/23.3T8BRG.G1, acessível in www.dgsi.pt). Nestes termos, e porquanto se mostra insuficiente para o preenchimento dos pressupostos da invocada anulabilidade da dita transacção dar-se como provada a factualidade concretamente impugnada, carece de utilidade a sua reapreciação. Com efeito, na medida em que os recursos visam, por via da modificação de decisão antes proferida, reapreciar a pretensão dos recorrentes por forma a validar o juízo de existência ou inexistência do direito reclamado, temos de concluir que a reapreciação da matéria de facto está limitada ao efeito útil que da mesma possa provir para os autos, em função do objecto processual delineado pelas partes e assim já antes submetido a apreciação pelo tribunal a quo [vide, neste sentido, acs. desta RG de 12.07.2016, processo nº 59/12.8TBPCR.G1 e de 11.07.2017, processo nº 5527/16.0T8GMR.G1, disponíveis in www.dgsi.pt]. Também o Supremo Tribunal de Justiça sufraga esta jurisprudência, afirmando o seguinte no seu ac. de 9.02.2021 (processo nº 26069/18.9T8PRT.P1.S1, disponível in www.dgsi.pt): «O dever de reapreciação da prova por parte da Relação apenas existe no caso de (…) a matéria em causa se afigurar relevante para a decisão final. Segundo a jurisprudência do STJ, nada impede a Relação de apreciar se a factualidade indicada pelos recorrentes é ou não relevante para a decisão da causa, podendo, no caso de concluir pela sua irrelevância, deixar de apreciar, nessa parte, a impugnação da matéria de facto por se tratar de ato inútil.”. Passemos, pois, apreciar a impugnação dirigida à seguinte factualidade: “21) Os embargantes sabiam que o acordo visava a colocação dos tubos a nível do solo antigo desde a poça/tanque até à nascente a fim de repor a situação antes do aterro.” (facto dado como provado). “- Na transação judicial levada a efeito na ação 293/17.4T8VVD, as partes apenas pretenderam transigir relativamente à água que naturalmente brota da “nascente” assinalada no ponto amarelo na planta anexa à p.i., e não, sobre a água que se escoa no “poço” de captação de águas assinalado no ponto vermelho na planta a anexa à p.i.;” (facto dado como não provado). No que concerne a esta factualidade, perscrutada toda a prova produzida (sendo que procedemos à audição integral da prova gravada), desde já antecipámos que não podemos responder de modo diverso da 1ª instância. Na verdade e não obstante a prova testemunhal directamente produzida sobre tal matéria em concreto tenha sido algo escassa, não podemos deixar de colocar aqui em evidência o depoimento da testemunha arrolada pelos recorrentes, II, o qual não só afirmou ter estado presente na audiência de julgamento do processo nº 293/17.4T8VVD onde foi celebrada a transacção judicial em causa, como disse, de forma absolutamente espontânea - já no final do seu depoimento e a propósito do que estava em discussão naquela data -, dirigindo-se ao mandatário dos exequentes, que: “O senhor só queria o poço”. Tal expressão, a nosso ver, não tem outro sentido se não a de que o mandatário dos exequentes e, consequentemente, estes apenas pretendiam assegurar no processo declarativo nº 293/17.4T8VVD e no acordo que ali foi firmado o seu direito à água do poço, como foi assertivamente atestado pela testemunha DD (mulher do exequente EE) – conferindo, desta forma, credibilidade a este testemunho, apesar da relação familiar próxima que a une a um dos exequentes. Por outro lado, tendo presente que, quer o processo nº 293/17.4T8VVD, quer o anterior – o que correu termos sob o nº 34/75, 2ª secção do Tribunal de ... – foram intentados apenas para discutir o direito dos ali autores à água do dito poço, não podemos acolher a crítica dirigida à decisão do tribunal recorrido nesta parte, designadamente, quanto à interpretação que fez dos acordos celebrados num e noutro processo, interpretação, aliás, perfeitamente conforme as regras comuns aplicáveis à interpretação dos negócios jurídicos, previstas nos art.ºs 236º e seguintes do CC, e portanto, também aplicáveis à transacção. Na verdade, e acompanhando o tribunal da 1ª instância, também se nos afigura que não só a letra do negócio em questão, como as circunstâncias de tempo e de lugar que antecederam a celebração da transacção ora posta em causa e contemporâneas desse momento, bem como o fim visado pelas partes, nos leva a considerar que as partes, no acordo, quiseram repor a situação antes do aterro comprovadamente levado a cabo pelos executados (cfr. pontos 14º a 19º do elenco os factos provados e que também não foram objecto de qualquer objecção pelos recorrentes), permitindo assim o acesso direito dos exequentes à agua do poço e não à água da bica que nunca foi objecto de disputa entre as partes. [Nesta conformidade, julga-se que a prova realizada seria sempre inábil para demonstrar que os ora recorrentes agiram em erro quanto a tal questão e que os recorridos tinham conhecimento ou devessem ter conhecimento dessa suposta desconformidade entre a vontade declarada e a vontade real daqueles]. Pelo exposto, é patente o acerto da decisão recorrida e a falta de razão dos recorrentes neste ponto. E, assim sendo, no que se refere à decisão jurídica propriamente dita, e considerando o decidido quanto à impugnação da matéria de facto, cremos que fica prejudicada essa reapreciação da decisão. Efectivamente, para a procedência da pretensão dos embargantes era absolutamente indispensável a alteração da decisão da matéria de facto por eles propugnada. Tendo-se mantido incólume o quadro factual dado como provado e não provado pela 1ª instância, ter-se-á de manter, igualmente, a decisão jurídica da causa. Não tendo os apelantes sequer colocado em causa a aplicação do direito aos factos, antes defendendo decisão diversa em função da alteração da matéria de facto que pretendiam com o recurso, impugnação que improcedeu, nada haverá a alterar na decisão de direito. 3.2.5. Do erro de julgamento da decisão relativa à condenação dos embargantes como litigantes de má-fé e quanto à fixação do respectivo quantitativo [conclusões 64 a 69]. Por fim, defendem os recorrentes a violação da decisão recorrida do disposto no art.º 542º, do NCPC, disposição relativa à litigância de má-fé. Discordam, portanto, os recorrentes da decisão proferida quanto à sua condenação como litigantes de má-fé. Analisando. O modelo processual vigente consagra, como um dos seus princípios fundamentais, o princípio da cooperação, segundo o qual “na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.” – cfr. art.º 7º, nº 1, do NCPC. No que respeita às partes, o dever de cooperação vem concretizado no art.º 8º, do NCPC que impõe às partes o dever de agir de boa fé. A violação de tal dever pode traduzir-se em litigância de má fé que tem como consequência a condenação da parte em multa e em eventual indemnização à parte contrária (cfr. art.ºs 542º, nº 1 e 543º, do NCPC). A noção de litigante de má fé encontra-se, por sua vez, plasmada no art.º 542º, nº 2, do mesmo diploma legal. Com efeito, neste preceito estabelece-se o seguinte: “Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Por conseguinte, tem-se entendido que a litigância de má fé tanto pode ser substancial (dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ser ignorada, alteração da verdade dos factos e/ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa) como instrumental (seja porque se pratica grave omissão do dever de cooperação, seja porque se faz do processo ou dos meios processuais uso manifestamente reprovável). Vide, a este propósito, na jurisprudência, entre muitos outros, os acs. do STJ de 28.02.2002, relatado por Vitor Mesquita, da RG de 10.05.2018, relatado por Alcides Rodrigues, da RC de 28.05.2019, relatado por Isaías Pádua e da RP de 24.09.2020, relatado por Manuel Rodrigues, todos acessíveis in www.dgsi.pt. De todo o modo, em qualquer dessas modalidades, importa que se esteja perante uma intenção maliciosa ou, pelo menos, perante uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-se da actuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reacção punitiva. Com efeito, ao contrário do que sucedia antes da revisão do Código de Processo Civil operada pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12.12, actualmente as condutas passíveis de integrar má-fé para este efeito não têm de ser, necessariamente, dolosas, já que o instituto passou a abranger, também, a negligência grave. Instituiu-se uma acrescida e substancial responsabilização das partes pelo cumprimento dos deveres de probidade e de cooperação, alargando o âmbito da litigância de má fé. A condenação como litigante de má fé assenta, pois, num juízo de censura sobre um comportamento que se revela desconforme com um processo justo e leal, que constitui uma emanação do princípio do Estado de direito, como lapidarmente se afirma nos acs. do STJ de 12.11.2020, relatado por Maria Rosário Morgado e de 12.04.2023, relatado por Jorge Dias, ambos disponíveis in www.dgsi.pt. A litigância de má fé surge como um instituto processual, de tipo público, de conhecimento oficioso e que visa o imediato policiamento do processo. Não se trata de uma manifestação de responsabilidade civil, que pretenda suprimir danos, ilícita e culposamente causados a outrem, através de actuações processuais. Antes corresponde a um subsistema sancionatório próprio, de âmbito limitado e com objectivos muito práticos e restritos. De facto e como assinala Pedro Albuquerque (in, Responsabilidade Processual Por Litigância de Má Fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude De Actos Praticados No Processo, Almedina, p 53), na litigância de má-fé estamos perante uma responsabilidade com cunho próprio, que a distingue da responsabilidade civil [não interferindo uma com a outra, podendo perfeitamente coexistir], assentando em deveres de cooperação e probidade, pressupondo, por isso, violação de obrigações ou situações processuais, autónomas relativamente ao direito substantivo. O instituto não tutela interesses ou posições privadas e particulares, antes procura acautelar um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça, destinando-se a assegurar a moralidade e eficácia processual, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça – destina-se a combater a específica virtualidade da má fé processual, que transforma a irregularidade processual em erro ou irregularidade judicial (vide, autor e obra cit., p. 55 e 56). Ante o exposto, no essencial, podemos concluir que, na litigância de má-fé não relevam todas e quaisquer violações de normas jurídicas, mas apenas as actuações tipificadas nas diversas alíneas do citado art.º 542º, nº 2, do NCPC; não é requerido dano: a conduta é punida em si, independentemente do resultado; exige-se dolo ou grave negligência, e não culpa lato sensu, em moldes civis; e as consequências são apenas multa e, nalguns casos, indemnização calculada em moldes especiais (cfr. art.ºs 542º, nº 1 e 543º, do NCPC). Cabe dizer ainda ser pacífico que a conclusão no sentido da litigância de má fé não se pode extrair, mecanicamente, da simples alegação de factos pessoais que não se provaram ou da negação de factos pessoais que vieram a provar-se (vide, ac. do STJ de 30.11.2021, relatado por Fernando Baptista de Oliveira e ac. da RP de 10.12.2019, relatado por Eugénia Cunha, ambos disponíveis in www.dgsi.pt). Na verdade e como também se pode ler no ac. do STJ de 11.04.00, processo nº 34786 (citado no aludido ac. do STJ de 30.11.2021), a questão da má fé material não pode ser vista com a linearidade que por vezes lhe é atribuída, sob pena de se limitar o direito de defesa que é um dos princípios fundamentais do nosso direito processual civil e tem foros de garantia constitucional. Na verdade, se é certo que o direito de recorrer aos Tribunais para aceder à Justiça constitui um direito fundamental – cfr. o art.º 20º da Constituição da República – já o mau uso desse direito implica uma conduta abusiva, sancionada nos termos do art.º 542º do NCPC. Por isso, terá de haver uma apreciação casuística, não cabendo a análise do dolo ou da negligência grave no processo civil em estereótipos rígidos. A afirmação da litigância de má fé depende, pois, da análise da situação concreta, devendo o processo fornecer elementos seguros para por ela se concluir, exigindo-se no juízo a realizar uma particular prudência, necessária não só perante o natural conflito de interesses, contrário, normalmente, a uma ponderação objectiva, e por vezes serena, da respectiva intervenção processual, mas também face ao desvalor ético-jurídico em que se traduz a condenação por litigância de má fé. Cfr., neste sentido, os acs. do STJ de 14.03.2002 e 15.10.2002, citados no ac. da RP, de 20.10.2009, relatado por João Ramos Lopes e acessível in jurisprudência.pt. Posto isto, analisemos o caso em apreço. Concluiu-se na decisão recorrida que os recorrentes/executados litigaram de má-fé não só porquanto resultou demonstrado que sabiam que o acordo visava a colocação dos tubos a nível do solo antigo desde a poça/tanque até à nascente a fim de repor a situação antes do aterro levado a cabo pelos mesmos, mas ainda porquanto aqueles sabiam e não podiam deixar de saber – atento o teor da transacção celebrada no processo nº 34/75 e para a qual o acordo firmado entre as aqui partes remete expressamente -, que os ora executados eram titulares da água do poço, com excepção de 30 minutos, e que era a reposição do exercício desse direito que visavam acautelar com a celebração do acordo em análise. E a verdade é que a versão dos factos dada como provada contradiz frontalmente a versão dos factos invocada na petição inicial de embargos. O que daqui resulta é que os ora recorrentes, sem lugar a dúvida razoável, articularam factos na petição inicial que não podiam deixar de saber que não são verdadeiros. E que eram a base da sua pretensão. Assim, e salvo o devido respeito, e ao contrário do que parecem vir agora defender, a forma de articulação dos recorrentes, não resulta de uma errada percepção a propósito do que estava em discussão no processo declarativo. Resulta antes de uma opção e de uma estratégia processual que se traduziu na alegação de factos que não podiam deixar de saber que não correspondiam à verdade. Os autores intentaram um processo baseada em factos falsos, não tendo, ao menos, ponderado com prudência as suas pretensas razões (tanto mais que se encontravam representados por mandatário), pelo que a sua conduta assume o aspecto de conduta ilícita. Como já vimos, uma das condutas em que se exprime a litigância de má-fé consiste na alegação, voluntária e consciente, de factos que seriam relevantes para a decisão da causa, mas que a parte sabe que, ao alegar como alega, desvirtua a realidade por si conhecida, visando, por isso, intencionalmente um objectivo censurável. Os ora recorrentes não podem deixar de ser, como foram, condenados como litigantes de má fé. Destarte, improcede, igualmente nesta parte, o presente recurso de apelação. Posto isto, resta averiguar se o quantitativo da multa e da indemnização aplicada aos recorrentes se encontra devidamente fixado ou se deverá ser reduzido, conforme pretendem ainda os recorrentes. Ora, como é consabido, a litigância de má fé pode levar à aplicação ao litigante de duas sanções: multa e uma indemnização à parte contrária. Resulta do disposto no art.º 542º, nº 1, do NCPC que a condenação em multa como litigante com má fé não depende de pedido da parte, podendo/devendo, como é evidente, o Tribunal efectuá-la desde que se verifiquem os respectivos pressupostos. Para tal, importa ter presente que, como diz Alberto dos Reis (in, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, p. 269): “A multa tem o carácter de pena; a má fé no litígio aparece, aos olhos da lei, como procedimento imoral que carece de sanção. A multa visa desempenhar a função de qualquer pena: punir o delito cometido (função repressiva), evitar que o mesmo ou outros o pratiquem de futuro (função preventiva).”. Ora, para a concretização do valor da multa por litigância de má fé, há que conjugar o referido nº 1 do art.º 542º do NCPC, com o art.º 27º, nº 3, do Regulamento das Custas Processuais, de acordo com o qual, “Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC”. Nesta concreta quantificação do valor da multa, vale aqui a síntese formulada por Rui Correia de Sousa [in, Litigância de má fé (colectânea de sumários de jurisprudência), Quid Juris, 2001], quanto à necessidade de ponderar: - “a maior ou menor intensidade do dolo ou da negligência grave do litigante, a gravidade e as consequências da intenção malévola, o valor e natureza da causa, a situação económico-financeira do litigante de má-fé e a maior ou menor gravidade dos riscos corridos pelos interesses funcionais do Estado”; e - a função pedagógica que assume, “consistente na necessidade de desincentivar, em termos gerais, outras litigâncias malévolas, em processos judiciais; daí que se a multa imposta a um litigante de má fé for fixada em montante pouco mais que simbólico, perde todo o seu valor sancionatório”. Para a sua fixação “é marginal a natureza ou o valor da acção” (vide, Rui Correia de Sousa, obra cit., p. 9) Alberto dos Reis diz a propósito que "o juiz não deve proceder caprichosa e atrabiliariamente; há-de usar do seu prudente arbítrio na fixação do montante da multa" (in obra cit., p. 268). Por sua vez, Paula Costa e Silva sublinha que “a ponderação do comportamento global da parte, constitutivo de um ilícito continuado, deverá ter repercussão directa no montante da multa aplicada à parte. Com efeito, supomos que esta deverá variar em função do comportamento que a parte vai revelando ao longo do processo. Se depois de deduzir uma pretensão ou uma oposição, cuja falta de fundamento não pode eixar de conhecer, reiterar nesta pretensão será merecedora de uma punição mais forte do que merecerá se, depois de praticado o ilícito processual, vier assumi-lo, sujeitando-se aos efeitos do seu comportamento.” (in, A Litigância de Má Fé, p. 590). Assim, em concreto, haverá que verificar, considerar e ponderar todas as circunstâncias presentes no processo, entre as que destacamos: - a intensidade litigante inerente ao intentar do processo; - a falsa narrativa construída; e - o objectivo procurado. Neste contexto, e dentro da moldura indicada, não de pode deixar de ter como adequado o valor da multa fixado pelo tribunal a quo - que não deixa de estar ainda próximo do limite mínimo (2 Uc´s) -, e que se ajusta às circunstâncias já expostas (mesmo desconhecendo-se em concreto as condições económicas dos recorrentes). Já no que diz respeito à indemnização, face ao disposto no art.º 542º, do NCPC, afigura-se-nos indubitável que ela terá de ser pedida pela parte, pois que, pese embora se nos afigure evidente que a indemnização não tem que ser formulada nos articulados, podendo inclusive ser pedida na pendência do recurso, o litigante de má fé apenas poderá ser condenado no pagamento de indemnização à parte contrária se, como diz a norma, “se esta a pedir”. Por conseguinte, para que o crédito indemnizatório se constitua na esfera jurídica do lesado é necessário não só a demonstração de um ilícito perpetrado pelo lesante, traduzido na sua litigância censurável, mas ainda que o lesado com essa conduta, formule o pedido indemnizatório. Ao conteúdo da indemnização refere-se o artigo 543º, do mesmo diploma legal. No que se reporta à indemnização, ela pode ser simples ou agravada. A indemnização simples é aquela que se encontra prevista na al. a) do nº 1 do art.º 543 do NCPC, e engloba todas as despesas que a má fé do litigante haja obrigado a parte contrária a suportar, incluindo os honorários ao seu mandatário ou aos técnicos. Já a indemnização agravada é aquela que se encontra prevista na al. b) do nº 1 do citado art.º 543º, e abrangerá todas aquelas despesas e ainda todos os demais prejuízos sofridos pela parte contrária como consequência directa ou indirecta da má fé do litigante. Na fixação do quantitativo da indemnização, a lei já não determina que seja levada em consideração a condição económica do litigante de má-fé. Com efeito, a este propósito, diz Alberto dos Reis (in ob. citada, p. 278): “O que não tem de ser levado em conta é a capacidade económica e financeira do condenado, nem tão pouco o valor da acção. A condição económica do arguido é elemento a considerar, como vimos, na fixação da multa, mas nenhuma influência deve exercer sobre a questão da indemnização. Aqui a lei é expressa: a conduta da parte vencida é que determina a opção pela indemnização simples ou pela indemnização agravada. E dentro de cada uma destas espécies o critério de que o juiz há-de servir-se para marcar o montante da indemnização está exposto no texto legal: num caso atende-se ao volume das despesas feitas pela parte lesada, no outro a todos os prejuízos, a todas as perdas e danos causados pela má fé.”. No caso, o tribunal recorrido aplicou a indemnização simples, sendo evidente que a dedução da presente oposição à execução causou necessariamente despesas com as deslocações ao Tribunal e com o mandatário constituído pelos exequentes. Deste modo, atenta a presunção de onerosidade do comprovado mandato forense é de entender haver causa para a indemnização reportada aos respectivos honorários (cfr. presunção de onerosidade estabelecida no art.º 1158º, nº 1, do CC, de si não ilidida in caso). Os honorários do mandatário, por sua vez, devem ser adequados à quantidade, complexidade e qualidade (aferida esta também pelo resultado/sucesso obtido) do serviço prestado pelo mandatário judicial, um especialista em matérias jurídicas/processuais. Por conseguinte, tendo presente a complexidade e duração do pleito (espelhada neste acórdão), que implicou para os exequentes a dedução de contestação, a deslocação a tribunal para a realização da audiência final e a apresentação de contra-alegações, a nosso ver, o montante fixado na decisão recorrida (15 Uc´s) mostra-se razoável e proporcionado, e como tal equitativo. Improcede, pois, a pretensão recursória também neste ponto. * Em conclusão, julgamos improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.Os recorrentes suportarão, porque vencidos, as custas do presente recurso (art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC). * SUMÁRIO (art.º 663º, n º7 do NCPC)* … * IV. Decisão* Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a decisão recorrida. Custas pelos recorrentes. * * Guimarães, 16.10.2025 Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária Juíza Desembargadora Relatora: Dr(a). Carla Maria da Silva Sousa Oliveira 1º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. Afonso Cabral de Andrade 2º Adjunto: Juiz Desembargador: Dr. António Beça Pereira
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