Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1816/08-3
Relator: PIRES ROBALO
Descritores: CONFIANÇA JUDICIAL
ADOPÇÃO
INTERESSE DA CRIANÇA
DESINTERESSE DOS PAIS
Data do Acordão: 09/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - O processo de promoção e protecção deve subordinar-se ao princípio da prevalência da família segundo o qual na promoção de direitos e protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integram na sua família ou que promovam a sua adopção (a adopção sempre depois de esgotada a possibilidade de integração na família biológica e, muitas vezes, mesmo depois da tentativa de integração na família alargada).
II - Estabelece o art.º 1978.º do Código Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, que:
“Com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal a pessoa singular ou a instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações:
a) se o menor é filho de pais incógnitos ou falecidos;
b) se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c) se os pais tiveram abandonado o menor;
d) se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor;
e) se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade ou a continuidade daqueles vínculos durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.”
Do n.º 2 do citado normativo legal resulta que na verificação das situações previstas no n.º 1, o tribunal deve atender prioritariamente aos interesses do menor.
Por fim, do n.º 3 do mesmo normativo resulta que se considera existir uma situação de perigo quando se verificar alguma das situações qualificadas pela legislação relativa à promoção e protecção dos interesses dos menores.
O desinteresse distingue-se do abandono porquanto este representa um comportamento activo – afastamento – em que existe já a quebra do vínculo afectivo da filiação. Por outro lado, o desinteresse pressupõe uma situação omissiva mas em que ainda há contacto com o menor, gerando-se a dúvida acerca da manutenção ou não do vínculo afectivo da filiação.
III - O perigo que enquadra o disposto no al.ª d) do citado art.º 1978.º do Código Civil tem necessariamente de traduzir-se na acção ou omissão susceptível de criar um dano grave na segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento do menor.
IV - O perigo exigido nesta alínea é aquele que se apresenta descrito no art.º 3.º da L.P.C.J.P., sem que pressuponha a efectiva lesão, bastando, assim, um perigo eminente ou provável. Apesar de apenas se prever a incapacidade dos pais por doença mental, o espectro normativo, numa interpretação teleológica, abrange outras situações similares.
V- A “não existência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação”, postulado no corpo do n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil é um requisito autónomo comum a todas as situações tipificadas.
Por isso é condição de decretamento da medida de confiança judicial que se demonstre não existir ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, através da verificação objectiva – independentemente de culpa da actuação dos pais – de qualquer das situações descritas no n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 1816/08-3
Acordam nesta secção cível os juízes do Tribunal da Relação de Évora.
1. Relatório
1.1. Steliana..............., interpôs o presente recurso de agravo da decisão proferida no Processo de Promoção e Protecção instaurado pelo Ministério Público relativamente ao menor ANDRÉ................, nascido a 21 de Outubro de 2006, filho de Steliana ............ e, na altura, de paternidade não estabelecida, que aplicou ao menor medida de promoção e de protecção de confiança ao C.A.T. “A Catraia”, com vista a futura adopção, nomeando-lhe curador provisório o director da referida instituição ou Membro da sua Equipa Técnica, inibindo imediatamente os progenitores do exercício do poder paternal.
1.2. São as seguintes as conclusões formuladas pela recorrente que se transcrevem:
« A) O menor André .............., nasceu no dia 21 de Outubro de 2006 no CHBA, em Portimão, sendo filho de Steliana............. e Gheorge ..............., ambos de Nacionalidade Romena.
B) Na altura do nascimento prematuro do menor a Progenitora encontrava-se desempregada e sem condições consideradas adequadas a ter o seu filho a seu cargo.
C) Razão pela qual a Progenitora, apesar de renitente, anuiu no acordo de promoção e protecção, de acolhimento em instituição, nos termos da alínea f) do artigo 35 da Lei 147/99 de 1/9, cujo período estabelecido foi um ano (de 08/11/2006 a 08/11/2007.
D) Tal acordo foi efectuado sob condição de a progenitora arranjar condições para que a progenitora pudesse acolher o seu filho, nomeadamente, emprego e consequentemente rendimentos para poder cuidar do filho.
E) Tais condições foram de imediato conseguidas pela progenitora, que logrou arranjar emprego e casa para fazer face aos condicionalismos que lhe foram impostos pela supra referida Instituição "A Catraia".
F) Actualmente os progenitores vivem num apartamento tipo T1, com boas condições de higiene e habitabilidade.
G) A recorrente trabalha de noite podendo ficar com o menor durante o dia, ficando o pai encarregue dos cuidados nocturnos.
H) Nunca foi dado, no caso concreto, qualquer possibilidade do menor permanecer no ambiente familiar com qualquer tipo de apoio.
I) Entre a Agravante e o seu filho sempre existiu e continua a existir um forte vínculo afectivo.
J) Este vínculo nunca se quebrou.
K) Ficou provado que o menor é visitado frequentemente pela mãe.
L) Tal vínculo tem-se vindo a intensificar com a presença do progenitor, com a expectativa criada pela agravante de ter de novo o seu filho consigo,
M) Tendo a decisão, ora recorrida, deixando aquela destroçada.
N) A agravante pretende restabelecer a sua família, até porque o pai está em Portugal, pretendendo acompanhar o crescimento do menor, e futuramente, trazer o outro filho para junto da família.
O) A agravante, encontra-se desesperada com a possibilidade de lhe ser retirado o filho de forma tão cruel e desumana.
P) Pese embora às testemunhas apresentadas pela agravante não lhes tivesse sido dada qualquer credibilidade, por falta de isenção, não pode a agravante concordar uma vez que todas depuseram com total conhecimento dos factos ou seja;
Q) Sabiam com firmeza descrever a tristeza, angustia e o sofrimento da progenitora com o facto de ser ver privada do seu filho e bem assim a vontade e o desejo que a progenitora sempre teve de poder ter o filho de volta no seio familiar.
R) Perante tais testemunhos e, bem assim, do reconhecimento por parte do
tribunal a quo dos esforços desenvolvidos para criar condições para a reintegração do menor no lar materno,
S) Nunca a progenitora revelou patente desinteresse que justificasse a decisão tomada pelo tribunal "a quo", violando desta forma a decisão ora recorrida o espírito contido no artigo 1978°, n.º 1, al. e).
T) Não há qualquer fundamento que permita concluir que a ora recorrente não se esforçou suficientemente e que esse esforço se materializou em actos manifestamente insuficientes para que pudesse ser cumprida a reintegração do menor ao lar.
U) Pelo contrário, denotou-se, conforme supra se explanou, um evoluir na qualidade e, bem assim, na continuidade dos vínculos próprios da filiação.
V) Por acórdão proferido a 18/04/2008 o tribunal "a quo" decidiu aplicar medida de promoção e protecção de confiança ao C.A T. " A Catraia" com vista a futura adopção, nomear curador provisório do menor o director da instituição C.A T. " A Catraia", ou membro da sua equipa técnica e inibir imediatamente os progenitores do exercício do poder paternal.
W) Tal decisão violou, também, os artigos 1°, 4° alíneas a), f) e g), da lei n° 147/99, de 01/09 com as alterações introduzidas pela Lei 31/03, de 22 de Agosto ou lPCJP, e bem assim,
X) Violou o espírito que está subjacente à enumeração das medidas previstas no art. 35° n° 1 da lPCJP, não valorizando a integração das menores no seio familiar.
Y) Mais foram violados os direitos mais fundamentais do menor, a saber, o artigo 36° da Constituição no seu n.o 5, reconhecendo este, expressamente que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
Z) O Tribunal à quo, em benefício do menor, deveria ter permitido a título
provisório, a possibilidade ao menor de ser integrado no seu meio natural sendo colocado ao dispor da Agravante os meios e apoios consignados nos artigos 39° e 41°, da LPCPJ, de forma a que fosse dada à recorrente uma hipótese de provar que apenas ela e o progenitor são os pais certos para o André como pais biológicos.
Nestes termos, nos melhores de Direito e sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o Douto acórdão recorrido, e substituído por outro que possibilite ao menor a oportunidade de se integrar no seu meio natural de vida, na modalidade de "apoio junto dos pais", ordenando-se a entrega da menor à mãe, com ajuda económica, nos termos das disposições conjugadas da ala a) do art.o 35° e art.o 39°, ambos da Lei n.o 147/99 de 01 de Setembro desse modo se fazendo
JUSTIÇA!»
*
1.3. O Ministério Público respondeu e apresentou as conclusões que se transcrevem:
«1.ª - As conclusões da Alegação delimitam, em princípio, o objecto do recurso (artigos 684 n.o 3 e 690 n.o 1 do C.P.C).
2.ª - A recorrente não especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, e quais os concretos meios probatórios constantes da gravação realizada que impunham decisão diversa da recorrida, tal como dispõe o artigo 690-A n.º ,1 alíneas a) e b) do C.P.C.
3.ª - Está em causa tão somente, a apreciação da adequação da medida de promoção e protecção aplicada em favor do menor.
4.ª - Não é posta em causa a legitimidade da intervenção, para a promoção dos direitos e protecção do menor.
5.ª - Aceita a progenitora que o menor está em perigo, porque não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal, tendo como finalidade a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento ( n.ºs 1 e 2 alínea c) do artigo 3° da Lei n.o 147/99 de 1 de Setembro).
6.ª - No seu entendimento, a decisão violou o disposto nos artigos 1°, 4° alíneas a) f) e g) e 35 n.o 1 da Lei n.o 147/99 de 1.09 com as alterações introduzidas pela Lei n.o 31/03 de 22 de Agosto, e o disposto no artigo 36 n.º 5 da c.R. Portuguesa.
7.ª - No campo da promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem, o princípio básico que orienta a intervenção, é o seu superior interesse.
8.ª - Interesse superior e direitos da criança, constituem um acervo a que prioritariamente se deve atender, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos, no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.
9ª - Esse acervo, deve ser analisado pelo Tribunal, centrando-se na pessoa dos menores e na esfera dos seus direitos, partindo desta esfera para a dos progenitores, e não o contrário.
10.ª - o Tribunal" a quo" em obediência aos princípios orientadores da intervenção, constantes no artigo 4° da Lei n.o 147/99 de 1.09, fez uma correcta apreciação dos factos e aplicação do direito.
11.ª - A decisão, quanto à sua estrutura, obedece aos requisitos contidos no artigo 121 da Lei n.o 147/99 de 1.09.
12.ª - A fundamentação da matéria de facto, assentou genericamente, na valoração dos documentos juntos aos autos, e bem assim nos depoimentos produzidos em sede de debate judicial.
13.ª - o Tribunal " a quo" debruçando-se sobre o depoimento de cada uma das testemunhas, deles fez um exame critico, indicando a razão de ciência e os factos confirmados por cada uma delas.
14.ª - o Tribunal " a quo" não desvalorizou, até ao limite do inaceitável, a prova documental e testemunhal produzida pela recorrente.
15.ª - As testemunhas apresentadas pela recorrente, nomeadamente Daniela ............., Anderson ............ e Huszak .............., apenas demonstraram conhecimento seguro, no que concerne a actividade profissional exercida pela recorrente.
15.ª - À excepção da Daniela............., que apenas visitou a criança uma única vez na instituição, as restantes acima referidas não conhecem a criança, pelo que o seu depoimento não poderia ter sido, como não foi, considerado pelo Tribunal no que concerne a interacção entre a criança e os progenitores.
16.ª - A matéria dada como provada, assenta essencialmente no depoimento de testemunhas que, desde o nascimento acompanharam o percurso do menor e o da sua progenitora.
17.ª - A perfilhação, ocorreu em 29 de Janeiro de 2008, quando o menor já tinha 15 meses de idade, após um período de ausência de visitas e de contactos, por seis meses.
18.ª - Nessa altura, já se encontrava designada data para o debate judicial.
19.ª - Embora o progenitor tenha retomado as visitas ao menor desde Janeiro do corrente ano, este não revela reconhecimento do Gheorghe............., como figura de relação privilegiada entre as demais.
20.ª - Embora a progenitora tenha visitado o filho na instituição, com a frequência de 3 contacto por semana, esses contactos não tiveram duração constante e regular.
21.ª - Até Fevereiro do corrente ano, a duração médias das visitas da progenitora era de 30 minutos, e após aumentou para cerca de uma hora.
22.ª - A Instituição, permite que as visitas tenham a duração máxima de duas
horas.
23.ª - No decurso das visitas, os progenitores não alimentaram ou mudaram a fralda ao menor, relegando essas tarefas nos técnicos da instituição.
24.ª - No decurso das visitas, a progenitora ora evidenciava envolvimento físico com a criança, ora ostentava um maior distanciamento
25.ª - A falta de uma duração constante e regular nos contactos e a alternância na interacção, não favoreceu a constituição do vinculo afectivo natural entre mãe e filho.
26.ª - o menor, não demonstra reconhecer a progenitora, como uma figura de relação privilegiada entre as demais.
27.ª - o menor, atentas as suas características específicas - prematuridade e doença cardíaca - exige a prestação de cuidados especiais e atenção individualizada.
28.ª - No período de tempo compreendido entre 03 e 15 de Janeiro de 2007, quando o menor esteve hospitalizada no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio em virtude de lhe ter sido diagnosticada uma pneumonia, a progenitora, demonstrou indisponibilidade para o acompanhar, e apenas se deslocou ao hospital numa única ocasião.
29.ª - E não estabeleceu contacto, quer com o Centro Hospitalar quer com a Instituição, para se inteirar do estado de saúde do menor.
30 .ª - Em 12 de Abril de 2007, no Hospital de Santa Cruz em Lisboa, o menor foi submetido a intervenção cirúrgica, com o objectivo de corrigir a cardiopatia diagnosticada, operação delicada, com riscos substanciais para a sua saúde e mesmo para a sua vida.
31.ª - A progenitora, previamente informada da data da realização, dos riscos inerentes e das complicações que poderiam surgir no pós-operatório, não se dispôs a fazer o acompanhamento do menor, alegando compromissos profissionais, embora os serviços de segurança social tivessem disponibilizado auxilio económico e transporte.
32.ª - o esforço desenvolvido pelos progenitores, no sentido da aquisição das condições para a reintegração do menor no lar materno, materializou-se em actos manifestamente insuficientes, sendo por isso muito parco.
33.ª - A medida de promoção e protecção de apoio junto dos pais, propugnada pela recorrente, não é susceptível de proporcionar as condições que permitam proteger a segurança, saúde, formação, educação, bem estar e desenvolvimento integral do menor, nem os demais fins consignados no artigo 34 da Lei n.º 147/99 de 1.09.
34.ª - o princípio constitucional reconhecido aos progenitores ( direito/dever de educar e proibição de separação dos filhos dos pais) não é absoluto, uma vez que pode ser retirado, quando se verifiquem razões ponderosas que se prendem com o perigo actual e iminente, ou futuro mas previsível e provável, de violação dos interesses do menor.
35.ª - Nos termos do disposto no artigo 4° alínea g) da Lei n° 147/99 de 1.09, define-se como principio orientador da intervenção, que na promoção dos direitos e na protecção da criança e do jovem, deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção.
36.ª - Desde o seu nascimento que o menor André............., vive em meio institucional, onde pese embora estejam assegurados os seus cuidados básicos, não sabe o que é uma família.
37.ª - o direito a ter uma família e a crescer no seu seio, é fundamental para cada
indivíduo.
38.ª - Os progenitores do menor, objectivamente manifestaram desinteresse pelo filho, delegaram noutros a promoção dos seus cuidados, desinteressaram-se pela sua saúde, mostrando-se assim seriamente comprometidos a qualidade e a continuidade dos vínculos próprios da filiação, o que se verificou para além do período temporal a que alude a parte fmal da alínea e) do n.o 1 do artigo 1978 do C.Civil.
39.ª - A medida de promoção e protecção aplicada pelo Tribunal " a quo" é a adequada à salvaguarda do superior interesse do menor André ............
40.ª - Pelo que fez o Tribunal "a quo" uma interpretação correcta do disposto nos artigos l°, 4° alíneas a), f) e g) 35, 39 e 41, da Lei n.o 147/99 de 1.09, 36 da C.R.P , 1978 do C.Civil, devendo ser negado provimento ao recurso,
Como é de JUSTIÇA!»
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1.4. Os Exmºs Desembargadores-adjuntos tiveram visto nos autos, pelo que cumpre apreciar e decidir.
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2. Fundamentação
2.1. Factos dados como provados em 1.ª instância
2.1.1. O menor André ............., nasceu no 21 de Outubro do ano de 2006 no CHBA em Portimão e é filho de Steliana..............., de nacionalidade romena, estando inicialmente omissa a sua paternidade e sendo fruto de gravidez não planeada.
2.1.2. Através do averbamento n.º 1 de 29-01-2008 ao Assento de Nascimento 696/2006 da Conservatória do Registo Civil de Portimão relativo ao menor André Costache foi inscrito: “O pai é Gheorghe ..............., de 30 anos de idade, nascido a 27-09-1977, no estado de solteiro, natural de Bucaresti, Roménia, filho de Niculina......, de nacionalidade Romena, com residência habitual na Avenida ............... Portimão. Assento de Perfilhação n.º 2/2008 da Conservatória do Registo Civil de Portimão”.
2.1.3.Através do averbamento n.º 2 de 29-01-2008 foi alterado o nome do menor para André ..............
2.1.4. André .............., nasceu prematuro, de 34 semanas, apresentando à nascença cardiopatia congénita (sopro no coração) e sífilis congénita precoce.
2.1.5. Na altura do seu nascimento, o serviço social do C.H.B.A. apercebeu-se da situação precária em que a progenitora vivia, pelo que sinalizou a situação à C.P.C.J. de Portimão.
2.1.6. Apurou-se, na altura, que a progenitora se encontrava desempregada e a viver com a sua irmã num quarto arrendado, sem quaisquer condições para poder ter o seu filho recém-nascido a seu cargo.
2.1.7. A C.P.C.J. de Portimão abriu processo a favor do menor – a que foi atribuído o n.º 130/2006 – passando tal entidade a acompanhar a situação.
2.1.8. Apurou a C.P.C.J. que a progenitora tinha um modo de vida irregular.
2.1.9. Por força dos problemas de saúde apresentados pelo menor, este esteve internado no Serviço de Neonatologia do C.H.B.A. desde o seu nascimento e até ao dia 10 de Novembro de 2006.
2.1.10. No âmbito do processo que correu termos na C.P.C.J. de Portimão foi celebrado acordo de promoção e protecção, com a aplicação a favor do menor da medida de acolhimento institucional.
2.1.11. Na sequência, foi o menor acolhido no C.A.T. “A Catraia”, em Portimão, no dia 10 de Novembro de 2006, onde ainda se encontra.
2.1.12. No período de tempo compreendido entre 3 e 15 de Janeiro de 2007, o menor esteve internado no Serviço de Pediatria do CHBA, em virtude de lhe ter sido diagnosticada uma pneumonia.
2.1.13. Em 12 de Abril de 2007, no Serviço de Cardiologia do Hospital de Santa Cruz o menor foi submetido a uma intervenção cirúrgica com o objectivo de corrigir a cardiopatia diagnosticada, intervenção que decorreu com sucesso, tendo-se verificado uma boa evolução no pós-operatório.
2.1.14. A operação referida em 13. – 2.1.13.- consubstanciou uma operação delicada ao coração, apresentando-se com riscos substanciais para a saúde e mesmo para a vida do menor André ..............
2.1.15. A progenitora do menor foi previamente informada da operação cirúrgica, dos riscos inerentes da mesma e das complicações que poderiam surgir no período pós-operatório.
2.1.16. A progenitora não se dispôs a fazer o acompanhamento do menor André durante o período em que o mesmo se encontrou internado no Hospital de Santa Cruz em virtude da operação indicada em 13.- 2.1.1.13. -, alegando a existência de compromissos profissionais.
2.1.17. A Segurança Social disponibilizou à progenitora auxílio económico e transporte para que a progenitora fizesse o acompanhamento do menor durante o período referido em 13. – 2.1.13. -
2.1.18. O acompanhamento do menor durante o período indicado em 13.-2.1.13. - foi assegurado por pessoas voluntárias no Hospital de Santa Cruz.
2.1.19. Durante o período mencionado em 13. – 2.1.13. - a progenitora não telefonou para o C.A.T. “A Catraia” para se inteirar do estado de saúde do menor André.
2.1.20. No seio da instituição, o menor apresentou um processo integrativo normal, evidenciando um desenvolvimento global positivo.
2.1.21. É um bebé calmo, que não chora muito, e revela capacidade de interacção com o outro.
2.1.22. Inicialmente apresentava níveis de desenvolvimento inferiores aos percentis normais para a sua idade, situação que se alterou desde a cirúrgica efectuada ao coração, tendo apresentado entretanto aquisições importantes.
2.1.23. O menor, considerando as suas características específicas – prematuridade e doença cardíaca – exige a prestação de cuidados especiais e atenção individualizada.
2.1.24. No seio da instituição, o menor tem sido visitado com frequência pelos familiares directos, especialmente a mãe, com a frequência de aproximadamente de 3 contactos por semana.
2.1.25. Tais contactos, porém, não têm tido uma duração constante e regular.
2.1.26. Até meados do mês de Fevereiro de 2008 a duração média das visitas da progenitora era de trinta minutos.
2.1.27. A partir do mês de Fevereiro de 2008 a duração média das visitas da progenitora aumentou para cerca de uma hora.
2.1.28. O C.A.T. “A Catraia” permite que as visitas tenham a duração máxima de 2 horas.
2.1.29. Gheorghe ............. visitou o menor André, acompanhado de Steliana ..............., desde 30 de Maio de 2007 até finais de Julho do mesmo ano.
2.1.30. Desde finais de Julho de 2007 a Janeiro de 2008 Gheorghe............. não contactou o C.A.T. “A Catraia”.
2.1.31. Desde Janeiro do presente ano que Gheorghe ................ retomou as visitas ao menor.
2.1.32. Durante as visitas ao menor Gheorge............... e Steliana.............. não mudam a fralda ao menor nem o alimentam quando tal é necessário relegando tais tarefas nos técnicos da instituição.
2.1.33. O menor não revela reconhecimento de Gheorge .............. e Steliana .............. como figuras de relação privilegiada entre as demais.
2.1.34. Os progenitores verbalizam a sua intenção de integrar o filho no seu agregado.
2.1.36. A progenitora trabalha como empregada de mesa num bar de “Strip” denominado ............, em horário nocturno, entrando diariamente cerca de 22 horas e saindo após as 5 horas da manhã.
2.1.37. A progenitora tem uma irmã muito jovem a residir em Portimão a qual, por sua vez, tem um filho pequeno a seu cargo, sendo certo que afirmou tal irmã não ter possibilidade de apoiar o menor André..............
2.1.38. Em face da ocupação profissional de Steliana..............., refere a mesma que caso o menor lhe seja entregue, durante a noite ficará aos cuidados de uma ama, e no período diurno, aos seus próprios cuidados.
2.1.39. E colocada perante a questão de durante o dia ela própria necessitar de descansar, diz que o filho nesse período de tempo “ também dorme, pois os bebés dormem muito durante o dia”.
2.1.40. A progenitora aufere um salário mensal de cerca de €uros 500.
2.1.41. A progenitora apresenta como despesas mensais fixas a renda da casa onde habita que se cifra em 400€, para além das outras despesas fixas (alimentação e bens pessoais).
2.1.42. Actualmente Steliana............... reside com Gheorghe ............. em apartamento de tipo T1 com boas condições de higiene e habitabilidade.
2.1.43. Gheorge.......... esteve em Portugal entre Maio e Julho de 2007 e, não tendo aqui conseguido trabalho, regressou à Roménia.
3.2.44. Em Janeiro de 2008 Gheorge................ viajou novamente para Portugal, onde se encontra desde o dia 5 daquele mês.
2.1.45. Gheorge ........... não fala português nem Inglês.
2.1.46. Até à data Gheorge .......... não arranjou trabalho em Portugal.
2.1.47. Steliana............. e Gheorge ......... vivem do salário referido em 39 – 2.1.39. –
2.1.48. Gheorge............... e Steliana .............. são progenitores de uma menor com cerca de 7 anos de idade que nunca veio a Portugal e que e que actualmente está na companhia dos avós paternos na Roménia.
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2.2. - Factos não provados: .
2.2.1.Que a C.P.C.J. tivesse apurado que a progenitora tinha um modo de vida associado à prostituição.
2.2.2. Que a progenitora apresente um rendimento mensal de €uros 750.
2.2.3. Todos os demais factos alegados que não se encontrem acima especialmente individualizados, sem prejuízo da matéria alegada considerada conclusiva.
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3. Motivação
3.1. Nos termos do disposto nos art.ºs 684, n.º 3 e 690, n.º 1, do C.P.C. o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, ex vi art.º 713, n.º 2, do mesmo diploma legal.
Assim, as questões a apreciar consistem em saber:
a) Se a matéria de facto dada como provada deve ser modificada.
b) Se a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que possibilite ao menor a oportunidade de se integrar no seu meio natural de vida, na modalidade de “ apoio junto dos pais”, ordenando-se a entrega do menor à mãe, com ajuda económica, nos termos das disposições conjugadas da al. a), do art.º 35 e 39, ambos da Lei n.º 14/99, 1 de Setembro.
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3.2. Por serem duas as questões ventiladas e por uma questão metodológica iremos a analisar cada uma de per si.
Vejamos, então cada uma delas.
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3.2.1. Saber se a matéria de facto dada como provada deve ser modificada.
Quanto a esta matéria cabe como questão prévia referir algo a respeito deste Tribunal apreciar ou não esta questão.
Na verdade o M.P. na resposta ao recurso apresentado pela recorrente refere a fls. 335 que « a recorrente não especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, e quais os concretos meios probatórios constantes da gravação realizada que impunham decisão diversa da recorrida, tal como dispõe o artigo 690.A, n.º 1, alíneas a) e b), do C.P.C., logo está em causa tão somente, a apreciação da adequação da medida de promoção e protecção aplicada em favor do menor».
Lendo o recurso apresentado vimos que a recorrente refere que o Tribunal “ a quo” apreciou mal a prova mormente o referido pelas testemunhas Ana Vicente, Ana Neves, Rita Cristo, Gheorge ............, Daniela .......... e Anderson ...................
Assim, embora a recorrente não cumpra devidamente o preceituado nas alíneas a) e b), do n.º 1, do art.º 690-A, do C.P.C., este Tribunal atendendo aos interesses em jogo, o bem estar de uma criança, e por se tratar de uma questão meramente formal, procedeu à audição do depoimento das testemunhas referidas pela recorrente.
A decisão da matéria de facto, como se sabe, assenta na análise crítica das provas e na especificação dos fundamentos decisivos para a convicção do julgador (art. 653 nº 2 do CPC).
O nº1 do art. 655 do CPC prescreve que as provas são livremente apreciadas, decidindo o juiz segundo a prudente convicção acerca de cada facto, mas o nº2 do mesmo preceito logo excepciona desta regra os factos em que por lei a sua existência ou prova dependa de qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.
No caso em apreço, os factos controvertidos cujo julgamento é questionado na presente apelação não dependem, seja quanto à sua existência (formalidade substancial) seja quanto à sua prova (formalidade probatória) de qualquer forma especial, designadamente documental ou pericial.
Isto para dizer que a força probatória dos depoimentos das testemunhas sobre eles produzidos é criticamente analisada e livremente apreciada pelo tribunal (art. 396 do CC).
E se, pela fundamentação da decisão, se conclui que a convicção do juiz foi formada a partir dessa análise, está o tribunal de recurso impedido de a censurar, a menos que na formação de tal convicção ocorresse violação de normas legais sobre provas (o que no caso em apreço está excluído).
A sindicância da Relação em sede de matéria de facto não visa alterar a decisão de facto com base na susceptibilidade de uma convicção diversa, fundada no depoimento das mesmas testemunhas, mas sim modificar o julgamento da matéria de facto, porque as provas produzidas na 1ª instância (v.g. depoimentos prestados) impunham, decisiva e forçosamente, outra diversa da aí tomada; é o que decorre das als. a), b) e c) do nº1 do art. 712 do CPC.
No caso em apreço, e tendo a prova sido gravada, a questão consiste em saber se os meios probatórios arrolados pela apelante impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida – art. 690 – A nº 1 – b) do CPC.
De igual modo as als. b) e c) do nº1 do art. 712 do CPC são inequívocas neste sentido de a decisão proferida em 2ª instância sobre a matéria de facto seja insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas (al. b) e se basear em prova documental superveniente, esta só por si, destrua a prova em que a decisão da 1ª instância se fundou (al. c).
Portanto, em controle da decisão sobre a matéria de facto controvertida e julgada com base em prova gravada, a 2ª instância pode alterá-la, desde que os elementos de prova (normalmente depoimentos) produzidos e indicados pelo recorrente como mal ou incorrectamente apreciados, imponham forçosamente, isto é, em juízo de certeza (que não de mera probabilidade ainda que elevada) e sem margem para quaisquer dúvidas, outra decisão.
Só neste caso se pode afirmar que a convicção formada para a decisão impugnada não foi prudente, ou de outro modo, que o juiz exagerou na liberdade de que desfrutava na apreciação da prova (saliente-se, que se trata de uma liberdade vinculada) e considerou como provados (ou não provados) factos que objectivamente e com base naqueles meios de prova, deveriam ter necessariamente outra decisão.
Por isso, se pode afirmar que o controle da 2ª instância sobre a decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância visa a razoabilidade daquela convicção.
“Na impossibilidade de submeter a apreciação da prova a critérios objectivos (como são os que exigem uma demonstração por leis científicas) a lei apela à convicção íntima ou subjectiva do tribunal. Essa convicção exigida para a demonstração do facto é uma convicção que, para além de dever respeitar as leis da ciência e do raciocínio, pode assentar numa regra máxima da experiência. A convicção sobre a prova do facto fundamenta-se em regras de experiência baseadas na normalidade das coisas e aptas a servirem de argumento justificativo dessa convicção. Essas regras de experiência podem corresponder ao senso comum (...) ou a um conhecimento técnico ou científico especializado.
A convicção do tribunal extraída dessas regras da experiência é uma convicção argumentativa, isto é, uma convicção demonstrável através de um argumento. A regra de experiência que o tribunal pode utilizar para fundamentar a sua convicção sobre a prova realizada é a mesma que pode ser usada pela parte como argumento para a formação dessa convicção. Quer dizer: a máxima de experiência que pode convencer o tribunal da veracidade do facto é a mesma que pode ser utilizada para a fundamentação da decisão desse órgão sobre a apreciação da prova “ (Cfr. Teixeira de Sousa, As Partes, o Objecto e a Prova na acção declarativa, 1995, p. 239).
A análise crítica das provas obriga o juiz a verificar e a controlar os meios de prova produzidos, aferindo em conjunto a respectiva força probatória; tem pois, a função endoprocessual de formar a convicção íntima do juiz.
Com a imposição dessa análise crítica das provas produzidas visa-se a formação da convicção através de “ um processo racional, alicerçado e, de certa maneira, objectivado e transparente – na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da justiça” (Cfr. Pereira Baptista, Reforma do Processo Civil, 1997, 90 e segs,.).
Portanto, o objecto do recurso da matéria de facto, nos casos de prova legalmente não vinculada, nunca pode ser a convicção (foro íntimo e insindicável) do juiz, mas a sua manifestação ou exteriorização na decisão proferida e a sua procedência pressupõe a evidência do erro na apreciação das provas.
Após audição do depoimento das testemunhas referidas no recurso cabe desde logo referir que não assiste qualquer razão à recorrente.
Na verdade no que se refere às testemunhas Gheorge........, Daniela .......... e Anderson .................., como bem se refere na decisão recorrida estas pouco ou nada conhecem do relacionamento da recorrente com o menor, pois sobre esta matéria apenas sabem o que ouvem dizer à progenitora, a aqui recorrente.
No que concerne ao depoimento das testemunhas Vicente, Neves e Rita cabe salientar que o Tribunal “ a quo” apreciou correctamente o depoimento das mesmas.
Na verdade não podemos esquecer que o depoimento das testemunhas tem de ser analisado em bloco e tirar as conclusões do mesmo.
Na verdade a testemunha Vicente no que concerne às visitas refere que tempos houve em que a progenitora visitava o menor apenas por 5 ou 10 minutos, depois passou a estar mais tempo cerca de 30 minutos.
Quanto às condições do progenitor em poder cuidar do menor refere que não pode precisar por as desconhecer, não podendo por isso afirmar se este pode ou não dar estabilidade ao menor. Afirma também se o progenitor não tiver condições de dar estabilidade ao menor, então em seu entender é preferível ficar na instituição, pois a progenitora, pelo menos durante a noite não pode cuidar do menor e por isso teria de ficar com uma ama o que em seu entender não é aconselhável. Afirma também que a progenitora foi avisada de que o menor teria de ser operado e esta não ficou com o menor no hospital alegando motivos profissionais.
A testemunha Cristo no que concerne ao internamento do menor corrobora o referido pela testemunha Vicente.
Refere que inicialmente houve como que um acordo entre a instituição e a progenitora no sentido de que o menor lhe seria entregue logo que esta tivesse condições para cuidar do mesmo. Porém, chegaram à conclusão que o interesse da progenitora pelo menor não era tão forte como inicialmente se previa, pois a progenitora não cuidou de ficar com o menor aquando da intervenção cirúrgica e as visitas eram custas. Afirma também que actualmente as visitas têm um cariz diferente, mas pensa que tal fica a dever-se ao facto de o processo estar em tribunal. Refere ainda que o bebe brinca com os progenitores como o faz com qualquer outra pessoa, não o faz por haver qualquer outro relacionamento.
A testemunha Neves corrobora o acordo inicial referido pela testemunha Cristo. Porém, refere que com o decorrer do tempo a mãe não se mostrava disponível para ficar com o mesmo, pois não aceitou acompanhar o mesmo ao hospital onde o menor foi operado.
Analisando em bloco estes depoimentos, não se vê onde o Tribunal “ a quo” não tivesse apreciado a prova devidamente.
Assim, pelo exposto esse Tribunal não altera a matéria de facto fixada.
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3.2.2. Saber a decisão recorrida deve ser revogada e substituída por outra que possibilite ao menor a oportunidade de se integrar no seu meio natural de vida, na modalidade de “ apoio junto dos pais”, ordenando-se a entrega do menor à mãe, com ajuda económica, nos termos das disposições conjugadas da al. a), do art.º 35 e 39, ambos da Lei n.º 14/99, 1 de Setembro.
De acordo com o preceituado no art.º 38-A, al. b), da LPCJP, na redacção dada pela Lei n.º 31/2003, de 21 de Agosto, a medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, que consiste na colocação da criança ou jovem sob guarda de instituição com vista a futura adopção, é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no art.º 1978, do Código Civil e que consiste na colocação da criança ou jovem sob a guarda de instituições com vista a futura adopção.
O artigo 1978º n.º 1 do C. Civil fixa os casos em que a confiança de menor a casal, pessoa singular ou a instituição, com vista a futura adopção, pode ser decidida pelo Tribunal.
A confiança judicial protege o interesse do menor de não ver protelada a definição da sua situação face aos pais biológicos, pois torna desnecessário o consentimento dos pais ou do parente ou tutor que, na sua falta, tenha o menor a seu cargo e com ele viva. O processo de integração da criança na nova família poderá assim decorrer com mais serenidade e sem incertezas que poderão prejudicar toda a necessária adaptação - Cons. Gomes Leandro - "O Novo Regime Jurídico da Adopção", pág. 273; "Curso de Direito da Família" - Profs. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, 2ª ed., I, pág. 57.
Esta protecção é uma garantia constitucional, porque o artigo 36º da Constituição expressamente reconhece no seu n.º 6 que os filhos poderão ser separados dos pais quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles.
Por sua vez a adopção tem consagração constitucional no n.º 7 do mesmo preceito.
Saliente-se que o direito e dever dos pais à educação e manutenção dos filhos (n.º 5 do artigo 36º) é um direito-dever, estabelecido, tal como todos os poderes - deveres, ou poderes - funcionais, fundamentalmente, no interesse dos filhos, não constituindo um puro direito subjectivo dos pais. Princípio esse que subjaz igualmente na Convenção sobre os Direitos da Criança.
Diga-se finalmente que por maus tratos não se entende só a agressão física ou psicológica, mas também "o insucesso na garantia do bem-estar material e psicológico da criança, necessário ao seu desenvolvimento saudável e harmonioso" - Dr. Campos Mónaco - "A Declaração Universal dos Direitos da Criança e seus Sucedâneos Internacionais", Coimbra Editora, 2004, pág. 152.
Revestindo os presentes autos a natureza de processo de jurisdição voluntária (artigo 100.º da Lei nº 147/99), não estando, por isso, o tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita e considerando o disposto no artigo 4.º, alínea a) da mesma lei, que consigna o princípio fundamental da obediência ao interesse superior da criança será este o critério primordial a ter em conta na apreciação do caso subjudice.
O conceito de interesse do menor tem de ser entendido em termos absolutamente amplos de forma a abarcar tudo o que envolva os legítimos anseios, realização e necessidades daquele nos mais variados aspecto: físico, intelectual, moral e social.
E este interesse tem de ser ponderado casuisticamente em face duma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes.
A personalidade da criança constrói-se nos primeiros tempos de vida, isto é na infância, desenvolvendo-se na adolescência. Infância e adolescência são estádios fulcrais no desenvolvimento do ser humano, revelando-se fundamental que a criança seja feliz e saudável para que venha a ser, na idade adulta, um ser equilibrado e feliz.
São os pais que têm em primeiro lugar uma influência decisiva na organização do Eu da criança. Quem exerce as funções parentais deve prestar os adequados cuidados e afectos.
E, se atento o primado da família biológica há que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vê que há possibilidade destas encontrarem o seu equilíbrio, há situações em que tal já não é possível, ou pelo menos já o não é em tempo útil para a criança.
Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades tais que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante para a criança é imperativo constitucional que se salvaguarde o interesse da criança, particularmente através da adopção.
Esta visão plasmada na nossa lei da adopção (Lei 31/2003 de 21 de Agosto) está presente em importantes instrumentos jurídicos internacionais, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Europeia em matéria de adopção e de crianças.
A criança é titular de direitos e o interesse da criança é hoje o vector fundamental que deve influenciar a aplicação do direito.
Importa, pois, ter em conta a qualidade e a continuidade dos vínculos afectivos próprios da filiação, tendo presente que o interesse da criança não se pode confundir com o interesse dos pais.
É certo que o processo de promoção e protecção deve subordinar-se ao princípio da prevalência da família segundo o qual na promoção de direitos e protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integram na sua família ou que promovam a sua adopção (a adopção sempre depois de esgotada a possibilidade de integração na família biológica e, muitas vezes, mesmo depois da tentativa de integração na família alargada) –veja-se o artigo 4º al. f),g) e i) da. da LPCJP, em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos e liberdades Fundamentais e na Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança de 20 de Novembro de 1989.
No entanto tal princípio não é absoluto.
Há situações em que e apesar dos laços afectivos inegáveis entre pais e filhos, aqueles põem em perigo grave a segurança, a saúde, a educação e o desenvolvimento dos filhos.
Não porque não os amem mas porque não têm capacidade para os proteger e para lhes proporcionar as condições essenciais ao seu desenvolvimento saudável.
Não podemos olvidar que há um meio envolvente de cada criança que facilita ou impede a organização da sua vida psíquica.
Feitas estas considerações de âmbito geral, passemos ao caso em apreço.
Entende a recorrente que a medida a aplicar será na modalidade de “apoio junto dos pais”.
Como é sabido o menor deve ser acolhido num ambiente calmo, securizante, promotor da sua infância.
Como se sabe a personalidade da criança constrói-se na puerícia e desenvolve-se na adolescência, sendo essencial que nestes dois momentos a criança seja feliz e saudável, para que, na idade adulta, seja uma pessoa equilibrada, cabendo a quem exerce o poder paternal cuidar e prestar os cuidados indispensáveis ao seu desenvolvimento.
De acordo com o disposto no art.º 35.º, n.º 1, al.ªs a) e g) da L.P.C.J.P., na redacção introduzida pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, constitui medida de promoção e protecção o apoio junto dos pais e a confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção.
Estabelece o art.º 1978.º do Código Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, que:
“Com vista a futura adopção, o tribunal pode confiar o menor a casal a pessoa singular ou a instituição quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, pela verificação objectiva de qualquer das seguintes situações:
a) se o menor é filho de pais incógnitos ou falecidos;
b) se tiver havido consentimento prévio para a adopção;
c) se os pais tiveram abandonado o menor;
d) se os pais, por acção ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento do menor;
e) se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituição tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade ou a continuidade daqueles vínculos durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.”
Do n.º 2 do citado normativo legal resulta que na verificação das situações previstas no n.º 1, o tribunal deve atender prioritariamente aos interesses do menor.
Por fim, do n.º 3 do mesmo normativo resulta que se considera existir uma situação de perigo quando se verificar alguma das situações qualificadas pela legislação relativa à promoção e protecção dos interesses dos menores.
O desinteresse distingue-se do abandono porquanto este representa um comportamento activo – afastamento – em que existe já a quebra do vínculo afectivo da filiação. Por outro lado, o desinteresse pressupõe uma situação omissiva mas em que ainda há contacto com o menor, gerando-se a dúvida acerca da manutenção ou não do vínculo afectivo da filiação.
O perigo que enquadra o disposto no al.ª d) do citado art.º 1978.º do Código Civil tem necessariamente de traduzir-se na acção ou omissão susceptível de criar um dano grave na segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento do menor.
O perigo exigido nesta alínea é aquele que se apresenta descrito no art.º 3.º da L.P.C.J.P., sem que pressuponha a efectiva lesão, bastando, assim, um perigo eminente ou provável. Apesar de apenas se prever a incapacidade dos pais por doença mental, o espectro normativo, numa interpretação teleológica, abrange outras situações similares.
Refira-se que a “não existência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação”, postulado no corpo do n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil é um requisito autónomo comum a todas as situações tipificadas.
Por isso é condição de decretamento da medida de confiança judicial que se demonstre não existir ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, através da verificação objectiva – independentemente de culpa da actuação dos pais – de qualquer das situações descritas no n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil.
No caso que nos ocupa temos para nós que não se verifica a situação prevista na alínea d), do n.º 1, do preceito como bem se refere na decisão recorrida, aliás o que nem sequer é posto em causa.
Passamos, pois, a analisar se in causa, se verifica a situação plasmada na alínea e), do n.º 1, do preceito, como foi decidido na decisão recorrida, com o que a recorrente não concorda.
Como se sabe o adulto constitui a instância matricial de definição da criança, em termos genéticos e ontogénicos, individuais e sociais, psicológicos e culturais.
Do ponto de vista psicológico, os adultos, especialmente aqueles mais próximos oferecem às crianças “(…)olhares com vista para os seus olhos” – E. Sá, Psicologia dos Pais e do Brincar – 1995, 2.ª edição, Lisboa: Fim de Século. Porém, o olhar do adulto não é abstracto ou isolado, nem alheio ao facto de ser olhado. As imagens dialogantes, mutuamente desenvolvidas, entretecidas nas malhas da relação do afecto, são construções feitas por referência a outras imagens, envolvendo no conhecimento de si o conhecimento do outro, tecendo a identidade de cada criança na trama de uma infinidade de referências que, directa e remotamente, participam na sua definição – neste sentido Paula Cristina Martins, in Das dificuldade (dos) menores aos problemas (dos) maiores: elementos de análise das representações sociais sobre as crianças em risco, citando P. Martins, A Avaliação como factor estruturante e promotor do desenvolvimento pessoal, Psicologia, Educação e Cultura, ano 2001, vol. V, n.º 1, 63-70, monografia recolhida em https://repositorium.sdum.uminho.pt.
Afigura-se-nos que bem andou a decisão recorrida ao entender que no caso em apreço se verifica o requisito da citada alínea.
Na verdade a progenitora mostrou um forte desinteresse pela saúde do filho quando avisada de que o mesmo ia ser submetido a uma intervenção cirúrgica delicada ao coração não se disponibilizando para efectuar o seu acompanhamento durante o período em que o mesmo iria ficar internado, alegando motivos profissionais. Nem se diga que a progenitora não o fez por não ter condições económicas, pois como resulta provado foi disponibilizado à mesma auxílio económico e transporte e apesar disso não acompanhou o filho, aliás nem se dignou junto da instituição a saber do estado de saúde do mesmo durante o período de internamento.
Por outro lado, como bem se frisa na decisão recorrida, a progenitora quando visitava o filho, por vezes acompanhada pelo progenitor, e até meados de Fevereiro de 2008 permanecia nas visitas cerca de 30 minutos, sendo a duração máxima das mesmas de 2 horas.
Ora, uma mãe que pretende dar afecto a um filho que pretende que o mesmo um dia venha a estar consigo terá de aproveitar o máximo tempo possível para estar junto dele e pouco a pouco dar-lhe o afecto necessário, o que não foi feito pela recorrente.
Nem se diga que a partir de meados de Fevereiro de 2008 foi aumentada a duração média das visitas para cerca de uma hora, o que poderá significar um reforço do afecto junto da criança, porém, se assim é então o reforço é muito pouco pois se as visitas são de 2 horas e apenas está uma hora também não se vê que a recorrente pretenda aumentar fortemente o afecto junto da criança.
Aliás, não se compreende uma mãe e um pai que queiram criar o afecto junto do filho não procurem alimentar o mesmo nos períodos de visitas ou lhe mudem as fraldas, antes relegam tais tarefas nos técnicos da instituição.
Assim, bem andou a decisão recorrida ao entender que se verifica o requisito exigido pela al. e), do n.º 1, do art.º 1978, do C.C., pelo que não nos merece qualquer censura a decisão recorrida, nem esta viola qualquer norma.
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4 - Decisão
Pelo exposto, decide-se negar provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Évora, 11/9/08

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(Pires Robalo – Relator )

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(D´Orey Pires – 1.º Adjunto)

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(Gaito das Neves – 2.º Adjunto)