Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FLORBELA MOREIRA LANÇA | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADES PARENTAIS QUESTÕES DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA INTERESSE DO MENOR | ||
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Data do Acordão: | 12/19/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
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Sumário: | I. O Regime Geral do Processo Tutelar Cível consagra a possibilidade de o juiz, no âmbito de um processo tutelar cível pendente, decidir, fundamentadamente, a título provisório, questões, a demandar uma regulação urgente, como sejam as “questões de particular importância” II. Questões de particular importância para a vida do filho deverão ser aquelas que se encontram relacionadas com “questões existenciais graves, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos do filho, as questões centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde, educação e formação, todos os actos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das suas circunstâncias III. A escolha da escola, quando é possível fazê-la, é uma questão de particular importância porque relacionada com o projecto educativo das crianças o que, necessariamente, implica também o acordo dos progenitores ou, mais uma vez, a decisão do tribunal. IV. O critério orientador na decisão do tribunal é o interesse superior da criança (e não o interesse dos pais, que apenas deve ser considerado na justa medida em que se mostre conforme àquele), conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, com a primazia da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse da criança. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I.Relatório BB, por apenso aos autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, na sequência do requerimento ali apresentado, em 12.07.2019, pela requerida, CC, apresentou requerimento, em 16.07.2019, nos termos do qual concluiu: “TERMOS EM QUE, face aos requerimentos de matrícula apresentados pela Requerida junto das Escolas de Abrantes, de que o Requerente só ontem, 15 de julho de 2019, teve conhecimento, resulta e se pede: i) modificação do pedido de fixação provisória do regime de responsabilidades dos menores, por parte do Requerente, na sequência desta alteração superveniente, porquanto a Mãe revelou manifesta e completa incapacidade de diálogo, desrespeito pelos interesses dos menores e desobediência a decisão judicial já transitada em julgado, pelo que deve ser atribuída a residência dos menores ao ora Requerente, devendo a Mãe estar com as crianças, alternadamente, aos fins de semana, e uma noite por semana; mais deve ser fixada pensão de alimentos a suportar pela Mãe, em montante a fixar de acordo com o prudente arbítrio do Meritíssimo Tribunal; ii) Notificação das escolas de Abrantes onde as crianças foram matriculadas no sentido de não autorizar essas matrículas, porquanto violam o despacho judicial de 05.04.2019, mantendo-se as matrículas das crianças nas Escolas de Ponte de Sor, como até aqui aconteceu, repondo, deste modo a situação de legalidade, que a Requerida violou. Para tanto alegou: “1. Só ontem, dia 15 de julho de 2019, ao final do dia, na sequência do requerimento apresentado pela progenitora, ref. 32985286, datada de 15 de julho de 2019, o ora requerente teve conhecimento que a requerida teria solicitado a matrícula dos filhos de ambos em Escolas da área de Abrantes (cf. docs. 2 e 3, juntos com o referido requerimento). 2. Os menores frequentam, atualmente, e encontram-se inscritos no Agrupamento de Escolas de Ponte de Sor: a DD frequentou o ensino pré-escolar e o EE frequentou o 1.º Ciclo do Ensino Básico. Tais matrículas terão sido, automaticamente, renovadas, para os anos escolares subsequentes. 3. Conforme resulta do despacho proferido pelo MERITÍSSIMO TRIBUNAL, datado de 05.04.2019, "Uma vez que os progenitores estão de acordo quanto à manutenção do regime de residência alternada relativamente a ambos os menores e até ao final do corrente ano letivo, determina-se que a mesma residência alternada se mantenha conforme acordado. Das declarações prestadas pelos progenitores resulta, todavia, que a progenitora não está de acordo quanto à manutenção daquele regime no próximo ano letivo, a começar em Setembro de 2019." 4. Isto é, o regime de residência alternada bem como o exercício em comum das responsabilidades parentais será de manter como vigora atualmente e foi acordado entre os progenitores até que o Tribunal profira decisão provisória que o mantenha ou altere. 5. Exercício em comum das responsabilidades parentais significa que as decisões de particular importância para o menor, no qual se inclui a escolha do estabelecimento de ensino, têm de ser tomadas de comum acordo dos progenitores. Aliás, não existem quaisquer dúvidas quando a alteração de escola implica uma alteração do centro de vida da criança, o que é o caso, já que entre elas a distancia é de 35 kms, e são cidades completamente distintas entre si, que essa decisão tem de ser tomada de comum acordo dos progenitores. (…) 8. Até à presente data o TRIBUNAL ainda nada decidiu sobre esta matéria. 9. Sendo assim, as decisões de particular importância para os menores, no qual se inclui a escolha do estabelecimento de ensino, têm de ser tomadas de comum acordo dos progenitores. 10. Ora, os requerimentos apresentados pela Mãe às Escolas das crianças foram efetuados na total ignorância do ora requerente e à sua completa revelia. 11. O ora requerente nunca foi consultado e nunca autorizou esta alteração, aguardando pacientemente a douta decisão deste Tribunal. 12. As matrículas subscritas pela requerida violam os acordos estabelecidos, o despacho do Meritíssimo Tribunal, bem como o sentido da jurisprudência e doutrina quanto a este tema, pelo que devem ser declaradas sem quaisquer efeitos, devendo os menores permanecer nas Escolas que sempre frequentaram. 13. Mais grave, a decisão da Mãe, à completa revelia do Pai, revela uma atitude manifestamente de alienação parental, do ‘tudo posso e mando’, no mais elementar desrespeito pela opinião dos outros e, mais grave, pelas decisões judiciais. 14. Se existisse algum problema de prazo quanto à mudança das escolas o que a Mãe deveria ter feito era solicitar urgência na decisão ao Tribunal ou, então, pedir ao Tribunal autorização para a realização de tais atos. 15. Nem uma coisa nem outra foi feita pela requerida, o que revela, repita-se um enorme desrespeito pelas instituições judiciais, escolares e pela vontade do pai e, inclusive, e o mais importante de tudo, das crianças e do interesse das crianças. 16. Esta atitude é reveladora da natureza da progenitora, que atua como se os filhos fossem sua propriedade, dispondo deles como se a ela lhe pertencessem, sem querer de saber da vontade e interesse das crianças, da vontade do pai e das decisões judiciais. 17. A autora de tais atos em circunstâncias algumas pode ser declarada como a melhor solução para ter os seus filhos ao seu encargo, com ela a residirem, porquanto demonstra uma enorme falta de bom senso, de diálogo com as crianças e com o progenitor e de respeito para com decisões judiciais já transitadas em julgado. 18. Não obstante o ora requerente ter sempre afirmado que a melhor solução seria a residência alternada o certo é que a gravidade desta última ocorrência leva-o a mudar de opinião e, consequentemente, de pedido, e solicitar a este Tribunal que a residência dos menores apenas a ele deve ser atribuída, porquanto a Mãe revelou não estar apta para ter uma atitude cooperante, de diálogo e de salvaguarda dos interesses dos menores. Mais deve ser fixada pensão de alimentos a suportar pela Mãe, em montante a fixar de acordo com o prudente arbítrio do Meritíssimo Tribunal. (…)”. A requerida, CC, respondeu, pugnando pelo indeferimento da pretensão do requerente. No dia 30.07.2019, o requerente apresentou novo requerimento, nos termos do qual: “(…) 6. Ora, como vimos, a Mãe das crianças, mantendo o Pai em total ignorância e em frontal desrespeito para com uma decisão judicial já transitada em julgado, veio matricular os menores em escolas de Abrantes. 7. As férias judiciais terminam a 31 de agosto, isto é, os prazos até essa data irão estar suspensos. 8. Daqui resulta que o exercício do contraditório bem como os despachos judiciais só estão vinculados à contagem dos prazos judiciais, quer estes sejam perentórios quer sejam meramente indicativos, quando as férias judiciais terminarem, isto é, a 31 de agosto. 9. Sendo assim, é muito provável que, com o início do período letivo 2019/2020 em setembro de 2019, ainda não tenha sido obtida decisão judicial que tome posição sobre a residência das crianças. 10. Daqui se conclui que pode ocorrer a abertura do período letivo 2019/2020 e as crianças, por estarem matriculadas em Abrantes, iniciarem nessa escola a sua atividade letiva. 11. Esta decisão poderá ser revertida por decisão judicial, como se espera efetivamente, mas, na verdade, as crianças já poderão estar a frequentar essa escola e iniciado uma rotina que, na verdade, colide estrondosamente com aquilo que é a decisão judicial proferida em sede dos autos principais. 12. Isto é, a não atribuição da natureza de processo urgente ao presente incidente pode colocar em causa o efeito útil que se espera vir a obter quanto ao tema da regulação provisória das responsabilidades parentais dos menores EE e DD no sentido que o Pai sempre defendeu, considerando os interesses das crianças. 13. Não nos parece ser necessário esgrimir aqui os prejuízos que isso pode acarretar para as crianças, que veem alterada a sua rotina de um dia para o outro, sem que exista decisão judicial a acolher tal opção (a distância entre as duas escolas, em cidades completamente diferentes; as amizades firmadas entre os colegas e os professores; o ambiente escolar; as rotinas; as atividades extra-curriculares; entre outras razões). 14. Tendo em conta a questão em análise, desde já se requer que seja atribuído ao presente incidente por apenso a natureza de processo urgente, ao abrigo do disposto no art. 13.º, RGPTC, mais se requerendo que se considere toda a informação que já consta dos autos do processo principal que tenha como objeto o tema da regulação provisória das responsabilidades parentais dos menores EE e DD, como se deste fizesse parte, inclusive a prova apresentada, tanto documental como testemunhal. II) Do contraditório do requerimento apresentado com a REF.ª 33099002, datado de 29.07.2019 15. De todos os pontos abordados pela Mãe das crianças, não há um que seja digno de relevo para o objeto da presente ação. 16. Além disso, e mais desagradável, face à importância do tema em análise, as afirmações produzidas são fantasias da requerida, que desde já se impugnam. 17. Desde logo uma das primeiras afirmações, quando menciona que a “CC também fez toda a sua formação em Abrantes”. Com efeito, a Requerida concluiu o 3º ciclo do ensino básico num centro de novas oportunidades, depois de casada, na zona de Almeirim. E o diploma de ensino secundário, em 2008, também através do programa novas oportunidades — cf. docts 1 e 2. 18. Em particular, dada a gravidade, é rotundamente falso os pontos referidos em 7 e em 8. Isto porque, a própria Mãe vai recolher os melhores amigos dos filhos, que são de Ponte de Sor, para os levar a passar fins de semana a Abrantes. E em momento algum a Mãe comunicou ao Pai a matrícula que depois apresentou à escola de Abrantes; aliás, bem sabia a mesma que o Pai se opunha, como se opõe, frontalmente a tal alteração. 19. Ademais, também são falsas as declarações mencionadas no ponto 12.º, pois a DD transita para o 1º ciclo do ensino básico, que funciona na mesma escola que já frequentava, só mudando de sala como todas as suas amigas de turma. Mantém o mesmo refeitório e conhece bem as auxiliares e todo o pessoal docente. 20. As crianças frequentam Ponte de Sor por vontade de ambos os progenitores, por entenderem que era (e é) o melhor ambiente e a melhor escola das redondezas. Que se saiba, não é por os ora intervenientes estarem num processo de dissolução do casamento e consequente regulação das responsabilidades parentais que a escola das crianças passa a ser uma ‘má escola’... 21. Aliás, a escola para onde foi pedida a matrícula pela Mãe não tem vaga para os miúdos. A Mãe sabe disso e, conscienciosamente, mentiu ao Tribunal ao omitir este facto, pelo que em circunstâncias alguma as crianças frequentarão uma escola a ‘900 mts de casa’. (…) 24. A atitude tomada pela Mãe, como já se disse, e que originou o presente incidente, foi completamente desalinhada com o interesse superior das crianças, desrespeitando i) o modo de tentar dar às crianças dois pais, em vez de um só ou de um e meio; ii) violentou uma forma de organização que contribui para criar uma cultura autêntica de partilha das responsabilidades parentais entre os dois pais; iii) confronta frontalmente com o princípio da igualdade entre os progenitores, imposto pelos arts. 36.º, 5, e 13.º, da CRP, e pelo art. 18.º, 1, da Convenção sobre os Direitos da Criança; iv) desrespeitou, a par do “Bird’s Nest Arragement” a forma de organização que melhor se adequa ao princípio de que os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles (art. 36.º, 6, CRP). (…) 26. A Mãe, ao agir como agiu, decidindo unilateralmente a escolha da escola para as crianças, colidindo frontalmente com uma decisão judicial transitada em julgado, violou deveres fundamentais para com os filhos. Daí existir, neste momento, fundamento para que a residência das crianças seja atribuída ao Pai. TERMOS EM QUE: i) se requer que seja atribuído ao presente incidente por apenso a natureza de processo urgente, ao abrigo do disposto no art. 13.º, RGPTC, mais se requerendo que se considere toda a informação que já consta dos autos do processo principal, desde 10.04.2019, inclusive, que tenha como objeto o tema da regulação provisória das responsabilidades parentais dos menores EE e DD, como se deste fizesse parte, inclusive a prova apresentada, tanto documental como testemunhal, que pode ser inquirida para os efeitos que se tenham por convenientes. ii) Se impugna tudo o demais alegado, mantendo-se tudo aquilo que já foi pedido a este Meritíssimo Tribunal. (…)”. Por despacho de 01.08.2019, atendendo a que o pedido formulado pelo Requerente tinha subjacente uma questão de particular importância (alteração da área de residência e mudança de estabelecimento de ensino), foi atribuída natureza urgente ao incidente de regulação das responsabilidades parentais até decisão (ainda que provisória) sobre nesta matéria, nos termos do art.º 13.º do RGPTC. Realizada conferência de pais, na qual a Requerida se fez representar pelo seu I. mandatário, foram tomadas declarações e, não tendo sido obtido acordo, foi decidido provisoriamente, “que seja mantida ou efectuada a matrícula dos menores, EE e DD, para o ano lectivo de 2019/2020, no(s) estabelecimento(s) escolar(s) de ABRANTES, mantendo o regime da guarda partilhada em vigor.” O Requerente, BB, não se conformando com a decisão provisória acima referida, dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: “I. Da nulidade da decisão objeto de recurso a. A presente decisão foi proferida ao abrigo do art. 28.º, RGPTC, devendo as mesmas serem sempre fundamentadas de facto e de direito. b. Resulta da decisão que ora se recorre que o Tribunal a quo apenas aferiu um (1) facto (as distâncias em quilómetro entre Ponte de Sor - Foros do Arrão - Abrantes, que são de 40km, nas palavras do Mm.o Tribunal), que, aliás, é do conhecimento público, não tendo carreado a prova que foi carreada para os autos na sua globalidade, mesmo que perfunctoriamente, tendo a mesma sido completamente omitida e, consequentemente, não foi efetuada uma apreciação crítica da dita, conjugando a distância das referidas localidades, como teria sempre de ser conjugada, com os outros factos que foram carreados para os presentes autos bem como para o processo a que este se encontra apenso. c. O tribunal a quo omitiu completamente qualquer fundamentação de direito, com exceção dos arts. 28.º e 38.º, ambos do RGPTC, que são normas manifestamente de direito adjetivo. d. Há que concluir pela falta de fundamentação de facto e de direito, em violação dos arts. 607.º, 3, e 4, CPC, em violação dos artigos 205.°, CRP, e 154.°, CPC, e, consequentemente, ser declarada nula a decisão recorrida, nos termos do art. 615.°, 1, b), CPC. e. Em princípio, a nulidade da decisão por falta de fundamentação de facto e direito, deveria levar à remessa dos autos para o Tribunal recorrido a fundamentar. f. Dado que, todavia, a prova perfunctoriamente aferida consta toda ela dos autos, e face à urgência da tomada da decisão, porquanto o ano letivo se inicia nos inícios de setembro, para evitar a inutilidade superveniente da revogação da decisão que ora se recorre, como se espera, o processo não deverá baixar para fundamentação de facto e de direito mas, justamente no interesse da menor, deverá o processo prosseguir neste Tribunal Superior para apreciação do mérito da decisão com prolação de nova decisão provisória que substitua a decisão recorrida. II. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto a. Os factos incorretamente julgados são os que o ora recorrente considera que deveriam ter sido dados como provados, conforme mencionado e identificado supra, já que o tribunal a quo os ignorou em absoluto; b. Com efeito, o tribunal ignorou a abundante prova que foi junta aos autos, de enorme relevância para o objeto da presente decisão, que ora se recorre, e que foi discriminadamente identificada nas presentes alegações; c. É dessa prova que resultam os pontos de facto que deveriam ter sido dado como provados e que foram discriminados supra e que se dão, neste segmento conclusivo, como integralmente reproduzidos, em cumprimento do disposto no art. 640.º, 1, c), CPC; d. Toda esta prova foi admitida por acordo, porquanto a ora recorrida não impugnou a documentação em que ela se encontra suportada, além de que se limitou a referir que pontos dos requerimentos impugnava, sem apresentar uma versão definida que contradissesse a apresentada (cfr. arts. 571.º, 2, primeira parte, e 574.º, 1, CPC). III. Do superior interesse da criança — A mudança de estabelecimento de ensino a. De acordo com o art. 1906.º, 1, 5, e 7, CCiv., o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor. b. A questão da mudança da escola tem sido entendida, tanto pela doutrina como pela jurisprudência, como uma decisão de particular importância; c. O interesse da criança constitui um critério essencial de decisão, cujo conteúdo e extensão carecem de um preenchimento reconduzível a critérios objetivos. Tem-se entendido que estes critérios devem respeitar o princípio da igualdade dos pais, promover a repartição das responsabilidades parentais mediante a adesão interna redutora dos conflitos, a atender aos direitos da criança e às suas escolhas preferenciais, respeitar a autonomia da família, em conformidade com o princípio da intervenção mínima e mostrar-se exequíveis e de aplicação ágil e fácil. d. Aos pais cumpre determinar o tipo de educação (optar pelo currículo escolar mais favorável e adequado ao filho menor de idade, optar por um estabelecimento público ou privado, religioso ou laico, artístico ou técnico, escolher quais as línguas o filho deve aprender), devendo esta determinação ter em conta e corresponder às aptidões e inclinações do filho (art. 1885.º, 2, CCiv.). e. A questão da salvaguarda do interesse da criança vs. frequência de estabelecimento escolar, não se pode reduzir, única e exclusivamente, como fez o Tribunal ad quo, a uma questão de quilómetros que distam da residência destes e o respetivo estabelecimento de ensino. Pelo menos, não é isso que a lei diz nem é esse o sentido da jurisprudência e da doutrina. f. Importa também considerar, para a decisão, os pontos que, no caso concreto, melhores garantias prestam para assegurar e valorizar o desenvolvimento físico e psíquico dos menores, do seu bem-estar, segurança, e formação adequada da sua personalidade — Em particular, a solução que concretize e promova uma adaptação ao ambiente da escola, amigos e atividades extracurriculares. Além disso, que promova a estabilidade do ambiente em que os menores vivem e a continuidade das relações da criança. g. Ora, in casu, foi por opção dos progenitores que os menores frequentaram desde a pequena infância estabelecimentos educativos fora do local onde viviam, obrigando-os a realizar diariamente viagens. Esta decisão foi tomada conscientemente, seguramente, porque ambos os pais entendiam que era mais importante a questão da qualidade do ensino, do ambiente escolar, da cidade, dos equipamentos sociais, etc, vs. a questão da distância desse estabelecimento e a residência das crianças. h. Além disso, também sabemos que a mãe tem necessariamente de se deslocar a Ponte de Sor, por razões profissionais, com a regularidade de três vezes por semana, sendo que a distância entre Foros de Arrão (local onde residiram os progenitores até à separação, que ocorreu em julho de 2018) e Ponte de Sor é idêntica à distância entre Abrantes e Ponte de Sor. E mesmo depois da separação os progenitores mantiveram a decisão de as crianças continuarem nas escolas de Ponte de Sor. i. Mas, mais importante que isso, e que se encontra alinhado com o interesse do menor EE, é que neste observou-se maior instabilidade no início do presente ano lectivo, associada à situação familiar vivenciada com a mudança do edifício escolar, que se verificou na passagem do 2.º para o 3.º ano. Era um aluno com muita vida e muito agitado; Esta agitação comprometia a suas aprendizagens; Atualmente, o EE tem vindo a apresentar um comportamento mais calmo e concentrado. j. Daqui resulta, por um juízo de prognose que importa efetuar, que se da mudança de edifício escolar (e não apenas de estabelecimento de ensino na mesma cidade ou de cidade diferente) resultou uma maior instabilidade, com muita vida e muito agitado, com prejuízo para a sua performance escolar então, com toda a probabilidade, seguramente com a alteração de estabelecimento de ensino para outra cidade, maior instabilidade irá ocorrer, maior agitação irá sofrer, o que impactará considerável e fortemente, e irremediavelmente, talvez, na sua vida académica, e pessoal. k. A mudança de residência da mãe para Abrantes não é facto superveniente que permita alterar o que se encontra acordado pelos progenitores, aquando da separação (manter as crianças no estabelecimento de ensino de Ponte de Sor), porquanto a mãe foi logo residir para Abrantes quando saiu da casa de morada de família. l. A jurisprudência tem entendido que não é por os menores terem de percorrer 17 ou 18 km’s a mais que tem de se alterar o regime de residência alternada. No mesmo sentido, por maioria de razão, também não deve ser alterado o estabelecimento de ensino que frequentam. m. Além disso, e como já vimos, conforme é definido pela jurisprudência, nomeadamente, o referido Acórdão do TRP, de 26.01.2017, Relator Ven.º Desembargador Madeira Pinto, “O Direito não existe para tutelar situações de facto consumado de mudança drástica da residência habitual e rotinas de vida de duas crianças”. TERMOS EM QUE, i. deve ser declarada a nulidade da decisão que ora se impugna, nos termos do art. 615.°, 1, b), CPC, por falta de fundamentação de facto e de direito, em violação dos arts. 607.º, 3, e 4, CPC, e em violação dos artigos 205.°, CRP, e 154.°, CPC; ii. para evitar a inutilidade superveniente da revogação da decisão que ora se recorre, como se espera, o processo não deverá baixar para fundamentação de facto e de direito mas, justamente no interesse da menor, deverá o processo prosseguir neste Tribunal Superior para apreciação do mérito da decisão com prolação de nova decisão provisória que substitua a decisão recorrida; iii. seja alterada a matéria de facto, aditando os pontos identificados supra, nos termos do disposto no art. 640.º, 1, CPC; iv. revogar a decisão provisoriamente tomada pelo tribunal a quo, mantendo as crianças inscritas no estabelecimento escolar de Ponte de Sor, porquanto só esta solução salvaguarda o superior interesse dos menores, nos termos do art. 1906.º, e 1885.º, ambos do CCiv. Só assim se fazendo a costumada justiça.”. O M.P. e a Requerida responderam às alegações, pugnando pela confirmação da decisão recorrida. Providenciados os vistos e nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir. II. Objecto do Recurso Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC). Questões a decidir: - Nulidade da sentença apelada; - Alteração da matéria de facto; - Se a decisão provisória no sentido da Margarida e o Guilherme frequentarem um estabelecimento de ensino em Abrantes deverá ser mantida ou se, antes, deverão frequentar um estabelecimento de ensino em Ponte de Sor. * Da nulidade da sentença Invoca o A. que a sentença padece de nulidade, fazendo menção ao disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, i.e. ao vício de nulidade por falta absoluta de fundamentação. Com efeito, a sentença é nula, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC). É consabido que as decisões judiciais devem ser factual e juridicamente fundamentadas (n.º 1 do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa e n.º 1 do art.º 154.º do CPC), exigência que tem como propósito permitir ao julgador apreciar criticamente a lógica da decisão que está a tomar, facultar às partes o recurso com perfeito conhecimento do percurso seguido pelo decisor e viabilizar o efectivo controle daquela pela instância de recurso. Justifica-se, por isso, que a lei comine a nulidade arguida para a decisão que careça de fundamentação. “Compreende-se facilmente este dever de fundamentação, pois que os fundamentos da decisão constituem um momento essencial não só para a sua interpretação – mas também para o seu controlo pelas partes da acção e pelos tribunais de recurso A motivação constitui, pois, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível – como sucede na espécie sujeita - de garantia do direito ao recurso. Portanto, o dever funcional de fundamentação não está orientado apenas para a garantia do controlo interno - partes e instâncias de recurso - do modo como o juiz exerceu os seus poderes. O cumprimento daquele dever é condição mesma de legitimação da decisão. Da motivação deve resultar particularmente que a decisão foi tomada, em todos os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo critérios objectivos e controláveis de valoração, e, portanto, de forma imparcial. (…). Também é certo que a fundamentação de facto de determinada decisão jurisdicional não obedece a um modelo obrigatório, nem a forma legal. Todavia é relevante que cada decisão especifique, de forma inteligível, a matéria de facto em que se funda, afigurando-se que a fundamentação deve ser a necessária e adequada à compreensão do litígio e da decisão proferida.”[1] Porém, como já ensinava Alberto dos Reis[2] “(…) há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”. É nestes termos que a arguição em análise tem sido uniformemente decidida pela jurisprudência e dela não se enxergam motivos para fundamentadamente dissentir. A nulidade ocorre desde que se verifique a falta absoluta de fundamentação, que pode referir-se só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito, ou seja, para que haja falta de fundamentos de facto, como causa de nulidade de sentença, torna-se necessário que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que considere provados (n.º 3 do art.º 607.º do CPC), que suportem a decisão. “O dever de fundamentação restringe-se às decisões sobre um pedido controvertido, ou sobre uma dúvida suscitada no processo, sendo certo que, só a falta absoluta de fundamentação será geradora da nulidade do despacho recorrido a que se reporta o art.º 615, n.º 1, alínea b) do NCPC, e não já a mera deficiência da fundamentação, como reiteradamente o tem afirmado a doutrina e a jurisprudência – por todos Acórdão do STJ de 3/7/73, in BMJ 229,155, Lebre de Freitas – Acção Declarativa Comum, págs. 297 e 298 e Fundamentação da Sentença Cível, Consº Fernando Pinto de Almeida, www.trp.pt.estudos. (…). A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”[3]. A falta de motivação ou fundamentação da decisão judicial verifica-se, assim, quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica, de todo, quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Ora, é o seguinte o teor da sentença sob censura: “Nos termos do disposto no art.º 28.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, o tribunal pode decidir a título provisório, relativamente às matérias que devem ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efectiva da decisão. Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo. Para efeitos do disposto no presente artigo o tribunal procede às averiguações sumárias que tenha por convenientes. Como se vê este preceito legal permite que o tribunal dê uma resposta adequada e imediata a título provisório às questões que lhe são suscitadas e que tem de conhecer a final de forma a garantir a protecção e a defesa do superior interesse da criança. Confere-se, pois, ao juiz um poder discricionário o qual consiste em antes da decisão final e sempre que o entenda conveniente decidir a título provisório as matérias que tem de apreciar a final. Trata-se, porém de uma decisão de carácter provisório que, não obstante, pode fixar antecipadamente várias matérias, como a pensão de alimentos, o regime de visitas, entre outras, a qual caduca com a prolação da decisão final No caso destes autos verifica-se que o tribunal, neste momento, tem que decidir uma questão que foi colocada pelos progenitores, que se trata apenas e só, não obstante as extensas alegações das partes, de decidir em que estabelecimento escolar deverão ser inscritas estas crianças: se em Abrantes se em Ponte de Sor, uma vez que é quanto a essa matéria que resulta dos autos estarem os pais estão desavindos. Vejamos: Os menores têm, respectivamente, 6 e 9 anos de idade; Passa o primeiro a frequentar no próximo ano o 1.º ano de escolaridade, que é a menina, que sai do ensino pré-primário, e o segundo passa a frequentar o 4.ª ano de escolaridade; A residência da progenitora neste momento é em Abrantes e a residência do progenitor é em Foros de Arrão; Qualquer uma destas duas residências dista cerca de 40 kms de Ponte de Sor. Está um regime em vigor de guarda partilhada, sendo à semana, portanto, guarda alternada à semana. Afigura-se-me, pois, que, neste momento, e após produção de toda a prova que consta dos autos, que se deve harmonizar a situação jurídica face à situação de facto e atendendo principalmente, senão essencialmente, senão exclusivamente, ao superior interesse destas duas crianças. E, portanto, perante estes factos é colocado ao tribunal duas possibilidades: Ou manter estas crianças matriculadas em Ponte de Sor; ou mantê-las matriculadas em Abrantes. Vejamos objectivamente, e pensando apenas nestas duas crianças, qual é que será a solução que melhor defende os seus interesses. Se ficarem colocadas na escola de Abrantes, estas crianças, ou vão a pé para a escola ou vão de bicicleta para a escola, vêm para casa sempre que quiserem ou na pior das hipóteses como a escola é dentro da cidade de Abrantes são levadas de carro pela mãe, mas será, no máximo, 1, 2, 3, 4 kms que terão que fazer. Se ficarem colocadas na escola de Ponte de Sor vão ter que fazer todos os dias ou continuar a fazer todos os dias 80 kms, sendo que qualquer um dos progenitores fará o dobro porque tem que os vir trazer e voltar para as suas casas e, por conseguinte, penso que não me oferece qualquer dúvida, que é muito mais tranquilo, que defende muito melhor os interesses destas crianças, que sejam matriculadas, ainda que provisoriamente, na escola de Abrantes. E não se diga que isso vai desestabilizar a vida destas crianças porque todos nós sabemos que com estas idades tão tenras não precisamos de muitos meses para que façam novos amiguinhos e para que se integrem novamente em qualquer escola que sejam colocados. E, portanto, não será por isso que o tribunal vai obrigar, ou contribuir, para que estas crianças sejam constrangidas a fazer estes quilómetros todos, todos os dias, 80 kms todos os dias, podendo estar ao pé de casa. E por isso, sem prejuízo de outra decisão, com melhor prova, puder vir a ser tomada, o tribunal de harmonia com o disposto no art.º 28.º, n.º 1 e 38.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, decide manter o regime da guarda partilhada em vigor, estando os menores à semana em casa de cada um dos progenitores, mas devendo os mesmos ser matriculados na escola de Abrantes. Notifique e remeta os presentes autos para audição da técnica especializada." No caso vertente, analisado o teor da sentença apelada, verifica-se que a mesma discorre sobre as razões (de facto e de direito) que fundaram a decisão recorrida, sendo que a não conformação do recorrente se reconduz essencialmente aos pontos factuais sob censura, apresentando a decisão recorrida, ainda que minimamente, os fundamentos que conduziram à decisão. Não se verifica, pois, a falta absoluta de fundamentação, quer fáctica, quer jurídica, não sendo completamente omissa na referência às razões que, à luz dos princípios legais aplicáveis – a defesa do superior interesse da criança – justificam a mesma, tendo por considerado, por um lado, os factos que a sustentaram (Os menores têm, respectivamente, 6 e 9 anos de idade, passando o primeiro a frequentar o 1.º ano de escolaridade, que é a menina, que sai do ensino pré-primário, e o segundo passa a frequentar o 4.º ano de escolaridade; A residência da progenitora, neste momento, é em Abrantes e a residência do progenitor é em Foros de Arrão; Qualquer uma destas duas residências dista cerca de 40 Kms de Ponte de Sor; Está um regime em vigor, de guarda partilhada, sendo à semana, portanto, guarda alternada à semana) e, por outro, o superior interesse da DD e do EE. Aliás, o próprio recorrente admite, em sede de arguição da nulidade da sentença, que a sentença contém 1 (um) facto e, noutro passo, em sede impugnação da matéria de facto, alega que da sentença recorrida constam 3 (três) factos provados, pelo que jamais se verificaria a falta absoluta de fundamentação e, consequentemente a arguida nulidade da sentença. Na verdade, a crítica a essa fundamentação constitui o cerne do presente recurso, sendo que, apreciando o teor das conclusões, se pode, sem qualquer dúvida, considerar que o recorrente entendeu os motivos pelos quais se decidiu em seu desfavor. A fundamentação constante da decisão provisória recorrida permite à Relação discernir o percurso lógico-dedutivo encetado pela 1.ª instância na sentença apelada. Mostram-se, pois, cumpridos os propósitos que presidem à exigência legal a que antes aludimos, sendo que o eventual erro de julgamento cometido pelo tribunal a quo não é reconduzível à nulidade em causa. Face às supracitadas disposições legais, à natureza do processo e às regras e princípios que o orientam, a decisão mostra-se fundamentada, não se exigindo aqui uma fundamentação exaustiva, em obediência ao disposto nos art.ºs 987.º, 152.º, 154.º e 607.º, n.º 3 ex vi art.º 613.º, n.º 3, todos do CPC que, mesmo a ser insuficiente essa fundamentação, não se reconduziria à invocada nulidade da sentença. Com efeito, a eventual incompletude ou deficiência da fundamentação empregue (o que, no entender do recorrente se verificará a respeito da prova documental) afectará o valor intrínseco da decisão mas não é reconduzível à nulidade em causa, cuja arguição, por esse motivo, se desatende. Aduz ainda o apelante uma outra causa de nulidade da sentença, qual seja a falta de apreciação crítica da prova, nomeadamente, da prova documental que juntou. As causas de nulidade da sentença estão taxativamente inscritas no n.º 1 do art.º 615.º do CPC e entre elas não figura o incumprimento do dever de proceder a uma análise crítica da prova que é comandado pelo n.º 4 do art.º 607.º do mesmo diploma[4]. Apenas a violação do comando do n.º 3 do art.º 607.º do CPC acarreta a nulidade da sentença prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, ou seja, no que à fundamentação de facto diz respeito, só a falta de discriminação dos factos provados acarreta aquela nulidade. A falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, bem como a sua deficiência ou insuficiência, em violação do disposto no n.º 4 do art.º 607.º do CPC não gera nulidade, mas tem como sanção a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de que a matéria de facto aí seja devidamente fundamentada (art.º 662.º, n.º 2, al. c) do CPC). Com a reforma processual operada pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, essa devolução passou a poder ser feita oficiosamente, como resulta do corpo do n.º 2 do art.º 662.º do CPC. Na espécie, estamos no âmbito de um processo especial, a que se aplicam as regras que lhe são próprias – Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC) instituído pela Lei n.º 141/2015 de 8 de Setembro – e os princípios orientadores de intervenção estabelecidos na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (art.º 4.º da Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro (LPCJP) e tem a natureza de jurisdição voluntária (art.ºs 4.º e 12.º do RGPTC).. Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos (art.º 38.º do RGPTC), norma especial do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas, com uma redacção diferente da regra geral sobre decisões provisórias e cautelares prevista no art.º 2.º, n.º 1 do RGPTC. Face às supracitadas disposições legais, à natureza do processo e às regras e princípios que o orientam, a decisão mostra-se suficientemente fundamentada, não se exigindo aqui uma fundamentação exaustiva, em obediência ao disposto nos art.ºs 987.º, 152.º, 154.º e 607.º, n.º 3 ex vi art.º 613.º, n.º 3, todos do CPC. Os pressupostos fácticos da decisão estão discriminados, assentando nos elementos obtidos até essa data, após audição das partes, da definição dos termos do litígio, com o contraditório então exercido, nomeadamente expondo cada uma das partes a sua posição sobre as questões essenciais relativas à questão da matrícula do EE e da DD em estabelecimento de ensino, sito em Abrantes. Ora, para além do exposto e constando dos autos os elementos que subjazem à factualidade considerada para a decisão de mérito, é manifesto não estarmos perante a situação prevista na al. c) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC. III. Fundamentação 1. Os Factos Foram considerados na decisão sob censura os seguintes factos: 1.Os menores têm, respectivamente, 6 e 9 anos de idade, passando o primeiro a frequentar o 1.º ano de escolaridade, que é a menina, que sai do ensino pré-primário, e o segundo passa a frequentar o 4.º ano de escolaridade; 2. A residência da progenitora, neste momento, é em Abrantes e a residência do progenitor é em Foros de Arrão; 3. Qualquer uma destas duas residências dista cerca de 40 Kms de Ponte de Sor. 4. Está um regime em vigor, de guarda partilhada, sendo à semana, portanto, guarda alternada à semana. 2. O Direito Impugnação da decisão da matéria de facto (…). Sendo certo que ao Tribunal da Relação é legítimo extrair do processo factos que se mostrem provados por documento com força probatória plena, em consequência de revelia (art.º 567.º, n.º 1) ou de acordo expresso ou tácito das partes que sejam legalmente relevantes, o que pode decorrer do confronto entre os articulados e que tem apoio directo na norma do art.º 607.º, n.ºs 4 e 5, sobre a elaboração da sentença, a qual é aplicável aos Tribunais da relação ex vi art.º 663.º, n.º 2 do CPC, entende este tribunal ad quem alterar o ponto 1. factualidade provada, passando a sua redacção a ser a seguinte: “1.EE e DD, filhos de Apelante e Apelada, nasceram, respectivamente, nos dias 13 de Julho de 2010 e 15 de Julho de 2013 (assentos de nascimentos juntos com a p.i. da acção de divórcio), passando o primeiro a frequentar no ano lectivo 2019/20020 o 1.º ano de escolaridade, que é a menina, que sai do ensino pré-primário, e o segundo passa a frequentar o 4.º ano de escolaridade”. Mais se determina o aditamento de um ponto factual 5., com a seguinte redacção: “5. A DD e o EE frequentavam o estabelecimento de ensino em Ponte de Sor.” Destarte, mostra-se consolidado o elenco factual nos seguintes termos”: “1.EE e DD, filhos de Apelante e Apelada, nasceram, respectivamente, nos dias 13 de Julho de 2010 e 15 de Julho de 2013 (assentos de nascimentos juntos com a p.i. da acção de divórcio), passando o primeiro a frequentar no ano lectivo 2019/20020 o 1.º ano de escolaridade, que é a menina, que sai do ensino pré-primário, e o segundo passa a frequentar o 4.º ano de escolaridade; 2. A residência da progenitora, neste momento, é em Abrantes e a residência do progenitor é em Foros de Arrão; 3. Qualquer uma destas duas residências dista cerca de 40 Kms de Ponte de Sor. 4. Está um regime em vigor de guarda alternada à semana; 5. A DD e o EE frequentavam o estabelecimento de ensino em Ponte de Sor.”. 3.ª Questão solvenda Quando o exercício das responsabilidades parentais seja exercido em comum por ambos os pais, mas estes não estejam de acordo em alguma questão de particular importância, pode qualquer deles requerer ao tribunal a resolução do diferendo (art.º 44.º, n.º 1 do RGPTC, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro). Este tipo de processo é de jurisdição voluntária, pelo que nele o julgador não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo, antes, adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna, no exercício do poder-dever a que se encontra adstrito, (art.º 12.º do RGPTC e 987.º do CPC) efectuando as diligências de averiguação e de instrução necessárias à prolação da decisão mais adequada ao caso concreto. No âmbito do processo de regulação das responsabilidades parentais a lei faculta ao tribunal a tomada de medidas provisórias, tendo, assim, tal decisão natureza provisória e caduca quando for revogada, alterada ou quando for proferida a decisão final. Tratando-se de uma decisão provisória, fundada nos elementos até essa data recolhidos, o julgador deve nortear-se por princípios de razoabilidade, actuando com bom senso, prudência e moderação, protegendo os interesses dos menores, sendo certo poder ser alterada, ainda antes de proferida a decisão definitiva, nomeadamente por produção de mais prova, como previsto no art.º 28.º n.º 2, a fortiori, do RGPTC. Com efeito, dada a urgência de acautelar a situação deve, em função dos elementos constantes do processo, tomar-se a decisão (provisória) mais conforme aos interesses das crianças, que sempre estão subjacentes a estas decisões, sendo que nos processos de jurisdição voluntária relativos à regulação das responsabilidades parentais, ou com ela conexos, o interesse do menor aparece no topo, acima do interesse de qualquer dos pais, sendo, aliás, até, aquele o único interesse a atender em tal processo de jurisdição voluntária. É, portanto, em face deste interesse que se deve analisar e decidir o diferendo existente entre os progenitores do EE e da DD, no que concerne ao estabelecimento de ensino que devem frequentar, mantendo-se ou revogando a decisão provisória sob censura. O presente processo tutelar especial visa dirimir divergências parentais acerca de questões de particular importância. Questões de particular importância para a vida do filho deverão ser aquelas que se encontram relacionadas com “questões existenciais graves, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos do filho, as questões centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde, educação e formação, todos os actos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das suas circunstâncias”[5]. Ora, os pais exercem as responsabilidades parentais de comum acordo e, se este faltar em questões de particular importância, qualquer deles pode recorrer ao tribunal, que tentará a conciliação (art.º 1901.º, n.º 2, do Cod. Civil). Se um dos pais praticar acto que integre o exercício das responsabilidades parentais, presume-se que age de acordo com o outro, salvo quando a lei expressamente exija o consentimento de ambos os progenitores ou se trate de acto de particular importância; a falta de acordo não é oponível a terceiro de boa-fé (n.º 1 do artigo 1902.º do Cod. Civil). No que concerne ao exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, estatui o artigo 1906.º do Código Civil que: “1. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio, salvo nos casos de urgência manifesta, em que qualquer dos progenitores pode agir sozinho, devendo prestar informações ao outro logo que possível. 2. Quando o exercício em comum das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho for julgado contrário aos interesses deste, deve o tribunal, através de decisão fundamentada, determinar que essas responsabilidades sejam exercidas por um dos progenitores. (…) 7. O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”. Registe-se ainda o preceituado no corpo do n.º 1 do art.º 4.º do RGPTC, ao enunciar que os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes, remete-nos para o disposto na al. a) do art.º 4.º da LPCJP (Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/1999, de 1 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 142/2015, de 8 de Setembro), nos termos da qual a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece, nomeadamente ao princípio do interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto. Decorre deste enquadramento legal que o princípio fundamental a observar no exercício das responsabilidades parentais é o do interesse da criança – cf. artigos 40.º, n.º 1 do RGPTC, 1905.º, n.º 1, 1906.º e 1909.º, todos do Cod. Civil, bem como a tutela do superior interesse da criança, prevista nos art.ºs 3.º, n.º 1 e 9.º, n.ºs 1 e 3 da Convenção Sobre os Direitos da Criança (assinada em Nova Iorque em 26.01.1990 e aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12 de Setembro). Também a referência a este “interesse da criança” surge-nos em Convenções Internacionais que regulam os direitos e os estatutos dos menores [Cfr.: Princípio 2 do Anexo à Recomendação nº R (84) 4, adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa, em 28 de Setembro de 1984, o qual estabeleceu, em sede de responsabilidades parentais, que “qualquer decisão da autoridade competente relativa à atribuição das responsabilidades parentais ou ao modo como estas responsabilidades são exercidas, deve basear-se, antes de mais, nos interesses dos filhos”] e na nossa lei interna, desde logo nos artigos 1906.º, n.º 7, do Cod. Civil, e art.º 37.º, n.º 1, do RGPTC, onde se dispõe, no primeiro dispositivo, que o tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor e que, no segundo dispositivo, o acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais tem de corresponder aos interesses da criança. Intencionalmente, a lei não define este conceito que, assim, terá de ser aferido casuisticamente, tendo como referência “o direito do menor ao desenvolvimento são e normal no plano físico, intelectual, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (In: Almiro Rodrigues, “Interesse do Menor – Contributo para uma definição”). Efectivamente, “o interesse da criança é o direito que lhe assiste de crescer, de ir deixando de forma gradual de ser criança, num ambiente equilibrado, sem choques nem traumatismos de qualquer espécie, paulatinamente, em paz” (cf. acórdão do TRC de 2.11.94 in CJ 1994/5/34), sendo que a prossecução do seu interesse passa por assegurar condições materiais, sociais, morais e psicológicas que potenciem o são desenvolvimento da sua personalidade, à margem das tensões e dos conflitos existentes entre os progenitores, e que viabilizem um relacionamento afetivo contínuo com ambos os pais. Assente que está qual o superior interesse que deve presidir à decisão do tribunal e que, em caso de incompatibilidade entre os direitos e os interesses dos progenitores e os da criança, é o interesse desta última que há-de impreterivelmente prevalecer, cumpre apreciar, à luz de tal princípio, a questão solvenda. Volvendo ao caso concreto, há que equacionar, tendo por referência o ano lectivo 2019/2020, que se iniciou já no mês de Setembro p.p., qual o real e concreto interesse dos menores DD e EE. A questão a decidir é, pois, a de se saber se estas crianças deverão manter-se no estabelecimento de ensino, que frequentam desde Setembro p.p., em Abrantes, onde reside a mãe, ou, ao invés, deverão frequentar o estabelecimento de ensino em Ponte de Sor, que frequentaram desde a idade pré-escolar. Trata-se de um assunto de especial relevância na vida de qualquer criança, pois é no espaço escola que passa a maior parte do seu tempo diário, onde irá privar com outras crianças que poderão determinar a escolha de amizades duradouras, para além das questões que se prendem com os métodos e técnicas de ensino, de desenvolvimento de competências sociais e de cidadania. A escolha da escola, quando é possível fazê-la, é uma questão de particular importância porque relacionada com o projecto educativo das crianças o que, necessariamente, implica também o acordo dos progenitores ou, mais uma vez, a decisão do tribunal. “A doutrina italiana refere como actos de maior importância relativamente à pessoa do menor aquelas “escolhas que mais profundamente incidem sobre a instrução e educação da prole”. Segundo o senso comum, tais decisões são aquelas que se referem aos critérios de fundo da educação, da escola a frequentar, as operações cirúrgicas a suportar, (…).[6] Na apreciação do caso, e lidos os requerimentos apresentados por Apelante e apelada, importa referir que o Tribunal não se deverá ater a critérios meramente subjectivos de interesse dos próprios progenitores, sendo que neles interferem variáveis de acordo com as expectativas, vivências e crenças individuais. Vejamos: Decorre de imposição constitucional, enunciada em vários preceitos, entre eles o art.º 69.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, que consagra que “as crianças têm direito a proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”, que o critério norteador que deve presidir a toda e qualquer decisão do tribunal em matéria de regulação de responsabilidades parentais é o interesse superior da criança, critério este que deve estar acima dos direitos e interesses dos pais quando estes sejam conflituantes com os daquela. Também da lei ordinária, no seguimento do constitucionalmente consagrado (cfr. art.º 1878.º, n.º 1, do Cod. Civil), estabelece que o poder paternal é um poder-dever dos pais funcionalizado pelo interesse dos filhos, competindo aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens, tendo de o exercer, altruisticamente, ao interesse da criança. Nos diversos casos de ruptura da relação entre os progenitores, a lei estabelece, como vimos (art.º 1906.º do Cod. Civil), a regra do exercício conjunto das responsabilidades parentais quanto às questões de particular importância. Somente em casos excepcionais, e mediante decisão fundamentada, poderá esta regra ser afastada pelo tribunal, face à conclusão, não meramente de que a mesma não é adequada, mas que se revela contrária aos interesses da criança[7]. O n.º 7 do artigo 1906.º do Cod. Civil, determina que, no exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento, o tribunal decidirá sempre de harmonia com os interesses do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreça, amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles. Dúvidas não existem de que o critério orientador e que terá necessariamente de presidir à decisão do tribunal é o interesse superior da criança e não os dos progenitores, o qual apenas terá e deverá ser considerado, até por imposição constitucional (art.ºs. 36.º, n.ºs 3 a 6, 67.º, 68.º e 69.º da CRP), na medida em que se mostrem conformes ao interesse superior da criança, não colocando em crise esse interesse[8]. A Jurisprudência dos Tribunais, designadamente a do STJ, vai no sentido de, “por mais que aceitemos a existência de um “direito subjetivo” dos pais a terem os filhos consigo, é no entanto o denominado “interesse superior da criança” - conceito abstrato a preencher face a cada caso concreto – que deve estar acima de tudo. Se esse “interesse subjetivo” dos pais não coincide com o “interesse superior do menor” não há outro remédio senão seguir este último interesse”[9]. A lei não define o que deve entender-se por “interesse superior da criança”, estando-se na presença de um conceito aberto, a concretizar atentando nas necessidades físicas, intelectuais, religiosas e materiais da criança, na sua idade, sexo, grau de desenvolvimento físico e psíquico, na continuidade das relações daquela, a sua adaptação ao ambiente escolar e familiar, bem como as relações que vai estabelecendo com a comunidade em que se integra. Também a considerar que a dignidade da pessoa do filho e o papel dos pais - que exercem poderes para desempenharem deveres no interesse daquele - impõem que o exercício das responsabilidades parentais sejam colocados ao serviço do desenvolvimento são e harmonioso da personalidade da criança e do seu bem-estar. É inquestionável que na resolução das questões atinentes ao exercício dos deveres parentais, a única solução boa e viável é a representada pelo consenso livre e positivo dos pais. Identicamente, o êxito e a exequibilidade da solução que, na perspectiva dos interesses da criança, o tribunal alcance, depende sempre e essencialmente da colaboração correcta, leal e dialogante de ambos os progenitores. É com efeito conhecido o perigo de ambivalência e insegurança que podem resultar para a criança de soluções que não lhe sejam apresentadas como comuns a ambos os pais, e a intensa dificuldade que aquele sente em se relacionar com cada um dos progenitores que, ao menos nessa qualidade, não mantenham diálogo positivo.[10] Na espécie, não poderemos olvidar que estamos em sede de decisão provisória, sendo que se encontra pendente a acção das responsabilidades parentais. Foi estabelecida, provisoriamente, a guarda alternada, sendo que a progenitora da DD e do EE reside em Abrantes e o progenitor em Foros de Arrão, distando Ponte de Sor de cada a uma daquelas localidades cerca de 40 Kms. A DD tem 6 anos de idade e frequenta, actualmente, o 1.º ano do ensino básico e o EE, com 9 anos de idade, frequenta o 4.º ano do ensino básico. “(…), tomemos, então como ponto de partida, a posição daqueles que sustentam que “a filosofia subjacente a uma política de promoção dos direitos das crianças e dos jovens assenta na convicção de que cada criança conta”, isto no sentido de que, além do mais ela “é sujeito de direitos autónomos”, e do direito ao “reconhecimento do seu estatuto como pessoa”. Ora, é justamente à luz deste estatuto que podemos, e devemos começar, desde logo, por consolidar a conclusão de que a criança é, pelo simples facto de ser pessoa, revestida de dignidade humana, daqui havendo que fazer decorrer um vasto conjunto de consequências imediatas, entre as quais, a da necessária aplicação à criança, do quadro jurídico-legal que se estabeleça como garante do respeito pela dignidade de toda a pessoa humana e, assim, do conjunto dos direitos de toda a pessoa, pelo simples facto de o ser. (…)”[11] A Convenção dos Direitos da Criança encara a criança já não apenas como objecto de protecção, mas também como titular de um conjunto de direitos civis e políticos. Pela primeira vez a criança é tida como titular de direitos e de liberdades fundamentais, em que se prevê a necessidade de ser olhada com especial atenção, de modo a garantir o desenvolvimento harmonioso da sua personalidade num ambiente familiar”.[12] Estas crianças para além dos direitos à saúde, à educação, ao descanso, entre outros, também têm direito a brincar (art.º 31.º da Convenção dos Direitos da Criança), sendo “consabido que a brincadeira constitui uma actividade fundamental para o desenvolvimento da criança. Brincar é essencial para a sua saúde física e mental, faz parte do seu processo de formação como ser humano. (…) O brincar tem uma função social, na medida em que contribui para que as crianças se integrem num determinado grupo, e uma função cognitiva visto que ajuda o desenvolvimento mental das mesmas. Por esta via, as crianças interagem com o meio, que passam a conhecer melhor, e desenvolvem a sua criatividade, a sua habilidade, a sua inteligência, a sua imaginação. (…)[13] Na fase presente do iter processual, não se pode olvidar que integra o conceito de interesse do menor o de “manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores” (art.º 1906.º, n.º 7, do Cod. Civil), sendo que distância entre Foros de Arrão (residência do apelante) e Abrantes (onde se situa a residência da apelada e o estabelecimento escolar que actualmente as crianças frequentam) e a distância entre a residência do apelante e Ponte de Sor (localidade onde se situa o estabelecimento escolar que as crianças frequentaram e que o apelante entende deverem continuar a frequentar) são equivalentes, cerca de 40 Kms. Frequentando estas crianças o estabelecimento de ensino em Ponte de Sor terão que fazer todos os dias (como faziam) cerca de 80 kms, quando, frequentando o estabelecimento escolar em Abrantes, na semana em que estarão com a progenitora não terão de fazer esses 80 Kms diariamente. Não consideramos de forma alguma de somenos importância a distância de cerca de 40 km entre a residência da mãe, em Abrantes, e Ponte de Sor, onde nem ali vive o progenitor. As crianças têm de se levantar cedo e deslocar-se todos os dias para um estabelecimento de ensino em Ponte de Sor, distando 40 Kms das residências de cada um dos seus progenitores (Foros de Arrão e Abrantes), quando podem frequentar outro estabelecimento escolar “ao lado” da residência da progenitora. Estas crianças fazendo diariamente 80 Kms, são obrigadas a que levantar-se muito cedo, chegando a casa mais tarde, reduzindo-se, assim, e muito, o seu tempo de descanso e de brincadeira diariamente. Por outro lado, não foram aduzidos quaisquer factos que permitissem concluir pela pretensão do apelante. Com efeito, não há prova (nem mesmo indiciária) que, por exemplo, o projecto educativo do estabelecimento de ensino em Ponte de Sor é mais adequado a estas crianças do que o de Abrantes, não havendo, de outro passo, qualquer sinal trazido aos autos que a mudança de escola terá trazido, nomeadamente, instabilidade para as crianças. As crianças encontram-se a frequentar o estabelecimento de ensino em Abrantes, desde Setembro p.p., autorizada que foi essa frequência pelo tribunal a quo, após requerimento, nesse sentido, apresentado pela apelada. Não se escamoteia que as crianças conheciam o espaço, os professores, as auxiliares de educação e as rotinas existentes no estabelecimento de ensino em Ponte de Sor como já conhecerão, quatro meses decorridos, o novo espaço, os professores, os auxiliares de educação e as rotinas da “nova escola”. O EE e a DD frequentando um estabelecimento de ensino perto da residência da sua mãe, e que se situa na localidade onde esta alegadamente trabalha, terão mais tranquilidade, mais tempo de descanso e de brincadeira, sentindo-se, até, porventura, mais seguros pela proximidade de uma das suas casas. Ademais, e para além do exposto, estamos já na 3.ª quinzena de Dezembro, o ano lectivo não só teve já o seu início, como terminou já o 1.º período, pelo que uma mudança neste momento ainda seria menos compreensível para as crianças, que já se aperceberam do conflito entre os seus progenitores, senão mesmo danosa para as crianças. Não se nos suscitam dúvidas que no superior interesse da DD e do EE a decisão provisória sob censura deverá ser mantida, porque é a que melhor acautela os interesses de ambos os menores. Por fim, diga-se, ainda, que o Ac. da RP de 26.01.2017[14], citado pelo apelante foi tirado em situação bem diversa da presente, de contornos fácticos bem diferentes e, se, em absoluto, concordamos com tal aresto, no concreto quadro fáctico, já não se concorda que a integralidade dos fundamentos ali desenvolvidos e a decisão a que ali se chegou sejam transpostos para o caso presente. Para o caso presente cita-se esse mesmo acórdão quando refere: “Ambos os progenitores têm a obrigação de separar e não misturar a resolução da eventual ruptura da sua situação conjugal e questões conexas, nomeadamente (…) com a regulação do regime das responsabilidades parentais das suas filhas (…). Tal “superior interesse do menor” é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor. O fim do casamento ou outra relação afectiva não significa o fim dos laços da filiação e ambos os progenitores devem aceitar esta realidade e cooperar para a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais possível, como obrigação essencial da sua parentalidade. (…)”. Em face dos fundamentos de facto e de Direito expostos e sem necessidade de ulteriores considerações, improcede a apelação. O recorrente suportará, porque vencido, o pagamento das custas (art.º 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC). Sumário I. O Regime Geral do Processo Tutelar Cível consagra a possibilidade de o juiz, no âmbito de um processo tutelar cível pendente, decidir, fundamentadamente, a título provisório, questões, a demandar uma regulação urgente, como sejam as “questões de particular importância” II. Questões de particular importância para a vida do filho deverão ser aquelas que se encontram relacionadas com “questões existenciais graves, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos do filho, as questões centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde, educação e formação, todos os actos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das suas circunstâncias III. A escolha da escola, quando é possível fazê-la, é uma questão de particular importância porque relacionada com o projecto educativo das crianças o que, necessariamente, implica também o acordo dos progenitores ou, mais uma vez, a decisão do tribunal. IV. O critério orientador na decisão do tribunal é o interesse superior da criança (e não o interesse dos pais, que apenas deve ser considerado na justa medida em que se mostre conforme àquele), conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, com a primazia da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse da criança. IV. Dispositivo Pelo exposto, acordam as juízas deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão apelada. Custas pelo apelante. Registe. Notifique. Évora, 19 de Dezembro de 2019 Florbela Moreira Lança (Relatora) Ana Margarida Leite (1.ª Adjunta) Cristina Dá Mesquita (2.ª Adjunta) __________________________________________________ [1] Ac. da RG de 11.10.2018, poroferido no proc. n.º 3507/16.4T8BRG-K.G1, acessível em www.dgsi.pt. [2] Código de Processo Civil Anotado, V, Reimpressão, Coimbra Editora, pp. 140. [3] Ac. da RP de 26.11.2018, proferido no proc. n.º 2055/16.7T8MTS-C.P1, acessível em www.dgsi.pt. [4] “A reforma processual introduzida pela Lei 41/13 eliminou a decisão autónoma da matéria de facto, integrando-a na sentença, nos termos previstos naquele artº 607º, nº 4. Mas, apesar de tal integração, ao reproduzir no nº 3 do mesmo preceito a norma que constava do nº 2 do anterior artº 659º, manteve a dicotomia entre “fundamentação de facto da sentença” e “julgamento da matéria de facto”. “Quanto ao elenco dos factos provados, estamos perante a mesma realidade, perspetivada por ângulos diferentes. No nº 4 descreve-se o julgamento da matéria de facto. Aqui, os factos provados elencados integram a decisão de facto – conjuntamente com a pronúncia sobre os factos não provados. No nº 3, o mesmo elenco dos factos provados é visto como o fundamento de facto da decisão final da causa, isto é, a matéria de facto considerada para efeitos de aplicação da lei. Este acervo factual constitui, pois, a um tempo, fundamentação e decisão de facto.” De onde se conclui que apenas a violação do comando do nº 3 do artº 607º acarreta a nulidade da sentença prevista na al. b) do nº 1 do artº 615º, ou seja, no que à fundamentação de facto diz respeito, só a falta de discriminação dos factos provados acarreta aquela nulidade. A falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, bem como a sua deficiência ou insuficiência, em violação do disposto no nº 4 do artº 607º não gera nulidade, mas tem como sanção a devolução dos autos à 1ª instância, a fim de que a matéria de facto aí seja devidamente fundamentada (artº 662º, nº 2, al. b)). Com a reforma processual operada pela Lei 41/13, essa devolução passou a poder ser feita oficiosamente, como resulta do corpo do nº 2 do artº 662º (…)” – Ac. da RP de 26.01.2017, proferido no proc. n.º 2055/16.7T8MTS-C.P1, acessível em www.dgsi.pt. [5] Tomé d’Almeida Ramião, Organização Tutelar Organização Tutelar de Menores Anotada e Comentada, 10.ª ed., Quid Juris, pp. 178. [6] Maria Clara Sottomayor, Regulação do Exercício do Poder Paternal nos Casos de Divórcio, Almedina, 4.ª ed. – revista, aumentada e actualizada, pp. 181-182. [7] Ana Prata e outros, Código Civil Anotado, II, Almedina, 2017, pp. 817. [8] Ac. RG. de 04/12/2012, Proc. 72/04.1TBBNC-D. G1, in base de dados da DGSI. [9] Ac. STJ., de 04.02.2010, Proc. 1110/05.3TBSCD.C2, P1, acessível em www.dgsi.pt. [10] Assim, Anna Freud, J. Goldstein e Albert J. Solnitt, Beyond the Best Interest of the Child, pp. 36. [11] Laborinho Lúcio, As crianças e os Direitos, Estudos em Homenagem a Rui Epifânio, pp. 180. [12] Jorge Pais do Amaral, A criança e os seus direitos, Estudos em Homenagem a Rui Epifânio, pp.165. [13] Jorge Pais do Amaral, op. cit., pp. 172. [14] Proferido no proc. n.º 2055/16.7T8MTS-C.P1, acessível em dgsi.net. |