Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | CHAMBEL MOURISCO | ||
Descritores: | DESPACHO DE MERO EXPEDIENTE | ||
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Data do Acordão: | 02/23/2006 | ||
Votação: | DECISÃO INDIVIDUAL | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO PARA O PRESIDENTE | ||
Decisão: | RECLAMAÇÃO DEFERIDA | ||
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Sumário: | Da definição dada pela lei de despacho de mero expediente, como sendo aquele que se destina a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes, retira-se que se o Juiz exceder esses parâmetros a decisão passa a ser recorrível. | ||
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Decisão Texto Integral: | No Tribunal Judicial da Comarca de … corre seus termos uma acção de prestação de contas sob o nº… em que é Autora …, na qualidade de legal representante do interessado … e Ré …. Nesse processo foi proferida sentença que julgou procedente o pedido e condenou a Ré … a prestar contas relativamente ao património administrado e quanto ao período em que exerceu funções como cabeça de casal ( 15/12/1995 até 25/03/1998). Na parte final dessa sentença a Ré foi notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1014º-A, nº5 do CPC. Posteriormente, em 23/06/2005, ( fls. 158)foi proferido despacho do seguinte teor: “ Devidamente notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1014ºA, nº5 do CPC, a Ré não veio apresentar contas. Assim, pelo exposto, notifique a Autora nos termos e para os efeitos previstos no art. 1015º nº1 do referido diploma legal.” Na sequência de tal despacho a Autora veio prestar contas. Em 23/9/2005, a Autora apresentou requerimento a arguir nulidades e irregularidades processuais, tendo ainda na parte final desse requerimento interposto recurso de agravo do despacho de fls. 158, proferido em 23/06/2005. Em 25/10/2005, foi proferido despacho que decidiu julgar improcedentes as nulidades invocadas pela Ré e rejeitar o recurso interposto, por inadmissibilidade legal do mesmo. A Ré, não se conformando com esta decisão de 25/10/2005, na parte em julgou improcedentes as nulidades invocadas, veio interpor recurso de agravo, que foi admitido por despacho de 16/12/05. Apresentou também a Ré reclamação, nos termos do art. 688º do CPC, do despacho de 25/10/2005, ( fls. 207) no que respeita à parte desse despacho que rejeitou o recurso interposto do despacho de 23/06/2005 (fls. 158). Na sua reclamação a Ré defende, em síntese, que: “ Ordenar a notificação à Autora para os efeitos previstos no art. 1015º, nº1 do CPC, não é um acto de mero expediente, de simples desencadear do andamento normal do processo, já que define e julga previamente, a regularidade e a conformidade, da notificação prévia anterior, estatuída no art. 1014-A, nº5 do CPC, tomando posição assumida e decisória sob a regularidade e sob a conformidade ao texto da lei, das notificações anteriores, implicando tal decisão da Mmª Juíza, a sujeição da Ré a não mais poder contestar as contas apresentadas pela Autora, tendo efeitos substantivos e adjectivos, sendo por isso decisória e valendo como sentença com força de caso julgado, logo que transite em julgado. Sendo manifesto assim que quer a preterição de formalidades essenciais relativas à omissão da regularidade e da conformidade, estatuída no art. 1014-A, nº5 do CPC, quer o despacho da Mª Juíza “ a quo”, que ordena a notificação à Autora para os efeitos previstos no art. 1015º nº1 do CPC, ao interferir no conflito de interesses entre as partes no presente pleito, determina não estarmos, perante um despacho de mero expediente, nem proferido no uso de um poder discricionário.” O Mmº Juiz “ a quo” manteve o despacho reclamado. Foi cumprido o disposto no art. 688º nº4, 2º parte do CPC, tendo a Autora se pronunciado pelo indeferimento da reclamação. Foi ordenada a subida dos autos de reclamação a este Tribunal da Relação de Évora. Uma vez que a reclamação se mostra instruída com todos os elementos relevantes para a sua decisão cumpre apreciar e decidir: O art. 688º nº1 do Código de Processo Civil estatui que: “ Do despacho que não admita a apelação, a revista ou o agravo e bem assim do despacho que retenha o recurso, pode o recorrente reclamar para o presidente do tribunal que seria competente para conhecer do recurso.” O Mmº Juiz estribou-se no facto de o despacho de fls. 158 se ter limitado a prover pelo regular andamento do processo, consignado que a Ré, apesar de notificada, não prestou contas nos termos do art. 1014º-A, nº5 do CPC e a determinar, nessa sequência, o cumprimento do art. 1015º, nº1 do CPC. Defendeu-se que tal despacho não admitia recurso face ao disposto no art. 156º nº4 e 679º do CPC. O art. 679º do CPC estatui que não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário. Por seu turno o art. 156º nº4 do mesmo diploma legal dispõe que: “Os despachos de mero expediente destinam-se a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes; consideram-se proferidos no uso legal de um poder discricionário os despachos que decidam matérias confiadas ao prudente arbítrio do julgador”. A questão que se coloca nesta reclamação é pois de saber se o despacho de 23/6/2005 (fls. 158) deve ou não ser considerado de mero expediente. O Professor Alberto dos Reis [1] , refere que os despachos mencionados no art. 679º [2] não admitem recurso, porque, pela sua própria natureza, não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros. Acrescenta o Professor que ou se trata de despachos banais, que não põem em causa interesses das partes, dignos de protecção, ou se trata de despachos que exprimem o exercício de livre poder jurisdicional. A natureza do despacho de mero expediente não se compadece com a possibilidade de reapreciação por tribunal superior [3] . De qualquer forma, da definição dada pela lei de despacho de mero expediente, como sendo aquele que se destina a prover ao andamento regular do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes, retira-se que se o Juiz exceder esses parâmetros a decisão passa a ser recorrível. O Professor Alberto dos Reis [4] dá o seguinte exemplo: “ O Juiz marca dia para a audiência de discussão e julgamento. Este despacho destina-se a regular o andamento do processo; é, pela sua índole, de mero expediente. Suponha-se, porém, que o juiz violou o art. 648º; fixou o dia da audiência de discussão e julgamento, apesar de não estarem ainda efectuadas todas as diligências de produção de prova a realizar antes dessa audiência, ou não ter ainda expirado o prazo marcado nas cartas, ou não ter sido concedido aos advogados prazo para o exame do processo; é evidente que em tais casos o despacho deixará de ser de mero expediente, porque ordenou um acto do processo fora do condicionalismo legal, isto é, com infracção manifesta dos termos que a lei prescreve. O despacho proferido em tais circunstâncias ofende os direitos das partes, pelo que não pode negar-se a estas o direito de o impugnar por via de recurso.” No caso concreto dos autos, no despacho em causa, o Mmº Juiz ordenou a notificação da Autora, nos termos e para os efeitos previstos no art. 1015º nº1 do CPC, tendo previamente consignado que a Ré devidamente notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1014ºA, nº5 do CPC, não veio apresentar contas. Como a Ré questiona a regularidade da sua notificação, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1014ºA, nº5 do CPC, temos que o despacho de fls. 158, apesar de se destinar a prover ao andamento regular do processo é susceptível de interferir no conflito de interesses entre as partes. Nesta linha, parece-me que, nesta sede, não se deve negar o direito à Ré de impugnar tal despacho por via de recurso. Questão diferente, que extravasa o âmbito desta reclamação, é saber se substancialmente a questão que se discute neste recurso de agravo, interposto do despacho de fls. 158, não está absorvida pelas questões que se discutem no recurso, também de agravo, interposto pela Ré a fls. 69 dos autos de reclamação, da decisão de fls. 61 a 68 que apreciou o requerimento da Ré em que foram arguidas as referidas nulidades e irregularidades. Pelas razões expostas, defiro a reclamação e revogo o despacho reclamado, que deverá ser substituído por outro que receba o recurso. Custas a cargo da reclamada, fixando a Taxa de Justiça em duas UC, nos termos dos art. 16º nº1 e 18º nº 3 do Código das Custas Judiciais. ( Processado e revisto pelo subscritor, Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Évora, que assina e rubrica as restantes folhas). Évora, 2006/02/23 Chambel Mourisco ______________________________ [1] Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, Vol. V, pág. 249. [2] Esta disposição legal no CPC de 1939 tinha a seguinte redacção: “ Não admitem recurso os despachos de mero expediente nem os proferidos no uso legal de um poder discricionário. Nos despachos de mero expediente compreendem-se os que se destinam a regular, em harmonia com a lei, os termos do processo.” [3] Cfr. José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Coimbra Editora, Vol. III, pág. 16. [4] Obra citada pág. 250. |