Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO JOÃO LATAS | ||
Descritores: | INVESTIGAÇÃO CRIMINAL SIGILO DE COMUNICAÇÕES LISTAGEM DE NÚMEROS DE TELEMÓVEL FACTURAÇÃO DETALHADA SUSPEITO | ||
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Data do Acordão: | 09/30/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NÃO PROVIDO | ||
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Sumário: | 1. A figura processual do suspeito não nasce com a autoria de um crime no sentido em que, sendo o crime fruto de uma ação ou omissão humana, alguém teve que praticá-lo. A noção legal de suspeito contida na al. e) do art. 1º do CPP pressupõe uma pessoa determinada, relativamente à qual existam indícios da prática de um crime e que, por isso, possa ser sujeito de direitos e deveres nos termos do Código de Processo Penal, antes mesmo de ser eventualmente constituído como arguido. 2. A exigência de individualização do suspeito enquanto interveniente processual, designadamente para efeitos do n.º4 do art. 187º do CPP, não se confunde com a sua identificação completa, mas não dispensa a existência de dados factuais tendentes a essa identificação, com base nos quais possa individualizar-se uma pessoa determinada. 3. Por mais pertinente que pudesse afigurar-se a diligência requerida, a verdade é que a mesma não cabe nas restrições ao direito fundamental à inviolabilidade dos meios de comunicação privada tal como a lei de processo as delimita no art. 187º nºs 1 e 4, ex vi do art. 189º nº2, ambos do CPP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO 1. – Nos autos de Inquérito com o número em epígrafe que correm termos nos serviços do MP da Comarca de Albufeira foi requerido pelo MP ao Juiz de Instrução (JI) que fosse oficiado às operadoras TMN, VODAFONE e OPTIMUS, solicitando a obtenção: 1. Das listagens de números de telemóveis e respetivos IMEI que, no dia dos factos, 10.02.2010, entre a 01h15 e a 01h45, foram registados pela BTS/antenas referidas a fls. 30 e a faturação detalhada de chamadas, caso haja tráfego registado, bem assim como 2. Das listagens de números de telemóveis e respetivos IMEI que, no dia dos factos, 10.02.2010, entre a 02h15 e a 04h15, foram registados pela BTS/antenas referidas a fls. 59 e 60 e faturação detalhada de chamadas, caso haja tráfego registado. 2.- Sobre aquele requerimento foi proferido o despacho do senhor juiz de instrução de 22 de março, do seguinte teor: “O Ministério Público requereu que fosse oficiado às operadoras TMN, VODAFO-NE e OPTIMUS, solicitando a obtenção: 1. Das listagens de números de telemóveis e respetivos IMEI que, no dia dos factos, 10.02.2010, entre a 01h15 e a 01h45, foram registados pela BTS/antenas referidas a fls. 30 e a faturação detalhada de chamadas, caso haja tráfego registado, bem assim como 2. das listagens de números de telemóveis e respetivos IMEI que, no dia dos factos, 10.02.2010, entre a 02h15 e a 04h15, foram registados pela BTS/antenas referidas a fls. 59 e 60 e faturação detalhada de chamadas, caso haja tráfego registado. Ora, nos termos conjugados do disposto nos artigos 187º, nº 1 e 4, e 189º, nº 2, ambos do Código de Processo Penal, estabelece-se um catálogo fechado de crimes e de visados, em relação aos quais é admissível o meio de obtenção de tal prova. Compulsados os autos, verifica-se que o crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º e 204º, nº 2, al. a) e e), do Código Penal, cuja prática é objeto de investigação nos presentes autos encontra-se incluído naquele catálogo, designadamente na alínea a) do nº 1 do artigo 187º do Código de Processo Penal. Não obstante, no que concerne o preenchimento do requisito a que alude o nº 4 desta citada norma, constata-se que não foi, até ao momento, constituído arguido, nem sequer existe qualquer suspeito – cfr. al. a). Aliás, por isso, o Ministério Público requer as listagens de todos os números de telemóveis e dos respetivos IMEI que, no dia dos factos, a horas que indica, foram registados pelas 36 (trinta e seis) BTS/antenas das operadoras de telemóveis nacionais – TMN, VODAFONE e OPTIMUS, bem ainda como a faturação detalhada de chamadas daqueles números e IMEI… O mesmo é afirmar que este meio de obtenção de prova foi requerido contra incertos, a que inequivocamente obsta a existência do catálogo fechado de visados supra referido. Com feito, pretende-se que a autorização judicial tenha por referência pessoas concretas ou, pelo menos, determináveis (que ainda não conste dos autos a identificação civil). Assim, cumpre salientar que, para tanto, não basta indicar um grupo indeterminado de utilizadores de telemóvel, cujo traço comum é o de ocuparem, no dia dos factos e horas indica-as, um espaço físico abrangido pelas 36 BTS/antenas das operadoras de telemóveis nacionais. Assim, face ao exposto, a informação ora requerida pelo Digno Magistrado do Ministério Público é inadmissível, pelo que se indefere a autorização da mesma. Notifique.” 3. – Deste despacho veio o MP recorrer extraindo da sua motivação de recurso as seguintes «Conclusões 1. Os autos indiciam a prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204.º, n.º 2, al. e), do Código Penal. 2. Esse crime encontra-se no catálogo enumerado pelo n.º 1, do art. 187.º (al. a)), do Código de Processo Penal. 3. É verdade que os dados de tráfego e a localização celular só podem ter como visados as pessoas que o despacho enumera, por força do n.º 4, do art. 187.º, do CPP, ex vi do n.º 2, do art. 189.º, do mesmo diploma. 4. Todavia, o despacho objeto de recurso interpreta erradamente o conceito de «suspeito», ao restringi-lo a pessoa cuja identificação seja conhecida. 5. «Suspeito», na definição da al. e), do art. 1.º, do CPP é “toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou nele participou ou se prepara para participar;”. 6. A lei não exige, nem teria sentido, que o suspeito seja pessoa determinada ou identificada. Basta que seja pessoa. Ser humano, pessoa responsável pelos seus atos. E em relação à qual exista indício de que cometeu (no caso) um crime. 7. O arguido, por a aquisição deste estatuto assentar em certo formalismo, tem que estar identificado. O suspeito já não. Pode estar ou não. O mais certo até é que o não esteja (crimes graves praticados por pessoa desconhecida). 8. A diligência probatória requerida visava esse desiderato – identificar os suspeitos. O seu indeferimento com base na não identificação do suspeito constitui contrassenso face às finalidades da investigação (art. 262.º, n.º 1, do C.P.P.). 9. Se for possível identificar telefones ou utilizadores coincidentes nas várias investigações em curso é provável que se chegue a uma individualização de pessoas que estiveram no local onde ocorreram em vários dos locais onde ocorreram os furtos, pessoas essas que não temos dúvidas em determinar a sua constituição como arguidos. 10. O despacho da Mm.ª Juiz de Instrução violou a regra geral de interpretação da lei fixada no art. 9.º, do Código Civil, ao fazer, de forma errada, uma interpretação restritiva do conceito jurídico de «suspeito», fixando-lhe um sentido (pessoa identificada) que não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal. «Suspeito», para a lei processual penal, é pessoa, sem mais qualificativos, sobre a qual exista um juízo de indiciação, ainda que mínimo. 11. Com o seu despacho a Mm.ª Juiz de Instrução violou o disposto no art. 9.º, do Código Civil, e nos arts. 1.º, al. e), e 262.º, n.º 1, do C.P.P. e deste modo obstou a finalidade da investigação determinar os agentes do crime. Termos em que deverá o despacho de indeferimento do requerimento do Ministério Público ser revogado e substituído por o outro que determine o fornecimento de tais informações.» 4. – Uma vez que não foi ainda constituído arguido naqueles autos, não houve lugar a resposta ao recurso. A senhora juiz de instrução, porém, sustentou a decisão recorrida por despacho de 28 de abril de 2010, onde, para além do mais, refere, como destacado no parecer do MP nesta Relação: «Lidas e ponderadas as razões que o Ministério Público invoca agora no recurso que interpôs, entendemos que, e sempre com o respeito devido pela posição do recorrente, devemos manter a decisão recorrida. (…) O Ministério Público não coloca em crise que a obtenção dos dados a que alude só pode ser autorizada caso se verifiquem os pressupostos previstos no n.º 2 do art. 189º. do Cód. P. Penal, nomeadamente, “em relação às pessoas referidas no n.º 4” do art. 187º, do Cód. P. Penal. O que, no caso concreto, exigiria que o âmbito subjetivo dos elementos a aceder respeitasse (apenas) a alvos que tivessem a qualidade de “suspeitos”. Dito de outra maneira, a legitimação do acesso a esses dados pressupõe que os utilizadores dos telemóveis que naquele espaço temporal (meia hora no primeiro caso, e duas horas no segundo caso) ativaram aquelas 23 antenas, e efetuaram ou receberam chamadas através dessas 23 antenas, fossem todos de enquadrar na categoria de “suspeitos”. Note-se que qualquer cidadão que resida na área de abrangência daquelas 23 antenas verá o registo da localização do seu número de telemóvel neste processo, e verá ainda revelado no processo o registo das chamadas que efetuou ou recebeu naqueles hiatos temporais. Como é manifesto, os dados que viessem assim a ser trazidos ao processo respeitariam certamente a centenas ou mesmo milhares de utilizadores, cujo único elo com os factos em investigação respeita ao facto de residirem ou terem estado ocasionalmente na área de abrangência das referidas 23 antenas. Milhares de dados que, aliás, as operadoras telefónicas apenas estariam certamente em condições de remeter através de dezenas de CDR’s ou DVD’s. Não cremos que essas centenas ou mesmo milhares de cidadãos sejam suscetíveis de qualificar como “suspeitos” neste processo, quando é certo que nos termos previstos no art. 1º, al. e), do Cód. P. Penal, apenas pode ser considerada ““Suspeito” toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar”. Em lugar paralelo, e a propósito das exigências contidas no nº 4 do art. 187º do Cód. P. Penal, o Prof. Paulo Albuquerque (Comentário do Código de Processo Penal, Univ. Católica, 2009, págs. 509 e 510) refere “a existência de um catálogo de alvos obsta à determinação de escutas telefónicas em processo contra incertos. O legislador pretendeu que a autorização judicial tivesse por referência as conversações mantidas por pessoas concretas, ainda que não seja conhecida a sua identidade civil. São, portanto, inadmissíveis as escutas determinadas a grupos de pessoas cujo único traço comum é o de ocuparem habitualmente ou esporadicamente um determinado espaço físico.” – sublinhado nosso. Ora, nas alegações de recurso o Ministério Público considera que “tendo por base o pressuposto de que, tal como vertido na promoção sobre a qual recaiu o despacho recorrido, a informação pretendida se destinava a ser analisada em conjunto com a que viesse a ser obtida relativamente aos outros locais onde ocorreram factos semelhantes, a fim de serem apurados números de telefone coincidentes nos vários locais, essa pessoa ou pessoa seriam tão só e apenas aquelas cujos telefones tivessem operado em pelo menos dois desses locais, já que, a menos que tivessem intervenção nos factos seria impossível que aí estivessem, atendendo à dispersão territorial onde ocorrem e as horas a que os factos são cometidos.” Contudo, olvida o Ministério Público que a revelação daqueles dados e do registo de chamadas (revelação que a lei não admite, pois tratam-se de dados protegidos) já estaria feita no processo ao tempo em que a PJ fosse analisar todos aqueles elementos enviados pelas operadoras telefónicas. O que a investigação pretende com este “inovador” meio de obtenção de prova é o acesso e a revelação de elementos respeitantes a um número alargado de cidadãos, sujeitos à proteção da reserva da vida privada, e que não concernem a “suspeitos”, para, depois, num segundo momento, quando já verificada essa revelação no processo, a PJ averiguar quais os elementos a que já teve acesso que poderão eventualmente respeitar a “suspeitos”. Assim sendo, pelos fundamentos nela lavrados, e pelos que aqui acrescentámos, Mantenho a decisão de que recorre o Ministério Público. (…). » 5. – O senhor magistrado do MP nesta Relação emitiu parecer detalhado sobre a questão, concluindo pela improcedência do recurso. Cumpre apreciar e decidir. II. – FUNDAMENTAÇÃO 1. – Delimitação do objeto do recurso No caso presente, a questão a decidir é a de saber se é admissível, face ao disposto nos arts. 189º nº2 e 187º nº4, do CPP, a obtenção e junção aos autos de listagens de números de telemóveis e respetivos IMEI que tenham sido registados pela BTS/antenas, num determinado horário e local, bem como a faturação detalhada de chamadas, caso haja tráfego registado. 2. Decidindo. a) Nos presentes autos de Inquérito investiga-se a prática de um furto qualificado p. e p. pelo art 204º nº2 al. a) e e) do C.Penal, punível com prisão de 2 a 8 anos. Indicia-se que no dia 10.02.2010 entre as 1h15m e 1h45m, foi subtraída uma máquina ATM no Centro Comercial ---- sito em Galé – Albufeira, a qual terá sido retirada do local pelos autores da subtração que vieram a abrir os cofres que integravam aquela caixa no sítio de Cano - S. Bartolomeu de Messines, no mesmo dia entre as 2h15m e as 4h45m, apoderando-se da quantia guardada nos mesmos. Depois de realizadas diversas diligências não foi possível localizar eventuais suspeitos, conforme se refere nos relatórios da PJ juntos aos presentes autos de recurso, o que levou o MP recorrente a solicitar autorização do JI para obtenção e junção aos autos dos registos de comunicações telefónicas efetuadas no dia, horas e locais agora referidos, com vista a analisar-se tal informação em conjunto com a que venha a ser obtida relativamente a outros locais onde ocorreram factos semelhantes, a fim de serem apurados números de telefone coincidentes nos vários locais e, só posteriormente, a identificação dos seus utilizadores. A senhora juiz de instrução indeferiu o requerido pelos fundamentos constantes do despacho e respetiva sustentação supra transcritos, ou seja, por considerar, em síntese, que o art. 187º nº4 ex vi do art. 189º nº2, ambos do CPP, não o permite visto não existir no processo suspeito ou arguido contra o qual possa ser autorizada a obtenção dos registos em causa. Vejamos. b) O art. 34º da CRP, que consagra o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio e da correspondência, acolhe no seu nº4 o princípio da inviolabilidade dos meios de comunicação privada – incluindo expressamente as telecomunicações que aqui nos ocupam – estabelecendo que as restrições a tal direito apenas podem ter lugar em matéria de processo criminal e desde que previstas na lei (reserva de lei), resultando do art. 18º da CRP que as restrições legalmente consagradas devem obedecer ainda aos requisitos ou pressupostos materiais da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido restrito[1], cabendo, pois, em primeira linha ao legislador ordinário assegurar estes mesmos pressupostos ao legislar sobre a matéria. Na matéria que nos ocupa, o legislador processual penal fá-lo ao estabelecer nas alíneas do nº1 do art. 187º do CPP um catálogo fechado de crimes em relação aos quais é admissível a escuta telefónica (grosso modo) e ao fixar no nº4 do mesmo art. 187º um catálogo fechado de alvos da escuta ou da obtenção e junção dos registos de conversações telefónicas (no que aqui importa) a que se refere o art. 189º nº2 do CPP. Para além do comando dirigido ao legislador, a CRP impõe especificamente ao juiz (in casu ao JI), enquanto agente de intervenção restritiva[2] de direitos, liberdades e garantias, que respeite aqueles princípios (ou subprincípios) da necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido restrito, ao decidir no âmbito da reserva de juiz (art. 269º do CPP), se autoriza a escuta legalmente admissível à luz dos critérios materiais estabelecidos no nº1 do art. 187º, ou seja, por considerar ser indispensável a diligência ou tratar-se de prova impossível ou muito difícil por outro meio. Pode dizer-se, todavia, que a decisão do JI sob recurso, se situa aquém da intervenção restritiva que constitui o núcleo da sua decisão no âmbito da reserva judicial, cabendo-lhe apenas decidir à luz do princípio da legalidade, se a situação dos autos é subsumível à estrita previsão das normas contidas nas alíneas do nº1 e no nº4, do art. 187º, que estabelece os requisitos de admissibilidade, de ordem geral e abstrata. Ou seja, no caso presente, o JI concluiu pela inadmissibilidade da diligência em virtude de a mesma ser dirigida contra pessoas não abrangidas pelo catálogo fechado de alvos estabelecido no art. 187º nº4 do CPP, antes mesmo de ter que apreciar da sua necessidade ou indispensabilidade no caso concreto, à luz dos critérios legalmente definidos. c) Em nosso ver com razão, pelos fundamentos expostos no despacho recorrido e respetiva sustentação. Na verdade, o que está em causa é a ponderação legal entre o interesse público na descoberta dos autores de crimes e o direito fundamental à inviolabilidade dos meios de comunicação privada, levada a cabo pelo legislador ordinário ao permitir a restrição deste direito apenas quando esteja em causa crime de certa gravidade e relativamente a um universo de pessoas legalmente delimitado, em função de uma certa conexão com os factos, seja ela direta como sucede com o suspeito, o arguido ou a vítima, seja indireta como sucede com os intermediários a que se reporta a al. b) do nº4 do art. 187º do CPP. Não existindo arguido constituído, pretende o MP recorrente que deve entender-se que no caso vertente se pretende o registo de conversações telefónicas de suspeito, para efeitos do preceituado no art. 187º nº 4 al. a) do CPP, dado que «Se for possível identificar telefones ou utilizadores coincidentes nas várias investigações em curso é provável que se chegue a uma individualização de pessoas que estiveram no local onde ocorreram em vários dos locais onde ocorreram os furtos, pessoas essas que não temos dúvidas em determinar a sua constituição como arguidos.» - cfr conclusão 9ª. Sem razão, porém, pois ao contrário do que parece supor o recorrente, a figura processual do suspeito não nasce com a autoria de um crime no sentido em que, sendo o crime fruto de uma ação ou omissão humana, alguém teve que praticá-lo. A noção legal de suspeito contida na al. e) do art. 1º do CPP pressupõe uma pessoa determinada, relativamente à qual existam indícios da prática de um crime e que, por isso, possa ser sujeito de direitos e deveres nos termos do Código de Processo Penal, antes mesmo de ser eventualmente constituído como arguido. A exigência de individualização do suspeito enquanto interveniente processual, designadamente para efeitos do nº4 do art. 187º do CPP que nos ocupa, não se confunde com a sua identificação completa, mas não dispensa a existência de dados factuais tendentes a essa identificação, com base nos quais possa individualizar-se uma pessoa determinada. Ora no caso sub judice, como bem se diz no despacho recorrido, o recorrente parece olvidar que o registo de chamadas já estaria junto ao processo ao tempo em que a PJ fosse analisar todos aqueles elementos enviados pelas operadoras telefónicas, com vista a encontrar um universo limitado de suspeitos, pelo que a obtenção daqueles dados precederia, necessariamente, a existência de indícios contra essas mesmas pessoas concretas. Essas pessoas e as demais que, assim, teriam sido objeto de ingerência nas telecomunicações sem que contra elas existisse qualquer indício de ligação com a prática dos factos. Aliás, no limite, todas as pessoas que vissem as suas conversações telefónicas registadas podiam ser alheias aos factos, pois dos autos não consta que os autores do crime tivessem consigo quaisquer telefones, existindo apenas essa possibilidade. Por mais pertinente que pudesse afigurar-se a diligência requerida, a verdade é que a mesma não cabe nas restrições ao direito fundamental à inviolabilidade dos meios de comunicação privada tal como a lei de processo as delimita no art. 187º nºs 1 e 4, ex vi do art. 189º nº2, ambos do CPP, pelo que bem andou a senhora Juiz de Instrução ao indeferir a pretendida autorização. Não pode, pois, deixar de improceder o recurso. III. Dispositivo Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso interposto pelo MP, mantendo-se integralmente o despacho recorrido. Sem custas. Évora, 30 de setembro de 2010 (Processado em computador. Revisto pelo relator.) ------------------------------------------------------------- (António João Latas) ---------------------------------------------------------------- (Carlos Jorge Viana Berguete Coelho) __________________________________________________ [1] Vd Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, vol I, 4ªed. Coimbra Editora – 2007, 388 e 392 [2] G. Canotilho e V. Moreira (ob. cit. p. 388) dizem a este respeito, em anotação ao art. 18º da CRP: - «Embora a Constituição se refira expressamente apenas a leis restritivas de direitos, liberdades e garantias, existe outro tipo de restrições que a doutrina mais recente designou por intervenções restritivas. As intervenções restritivas consistem atos ou atuações das autoridades públicas restritivamente incidentes, de modo concreto e imediato, sobre um direito, liberdade e garantia ou direito de natureza análoga (ex. decisão judicial de prisão preventiva…)» |