Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1664/21.7T8EVR.E1
Relator: FILIPE AVEIRO MARQUES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
CULPA GRAVE E INDESCULPÁVEL
CAUSALIDADE
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: SOCIAL
Sumário: Sumário:
1. Cabe a quem invoca a descaracterização do acidente de trabalho o ónus da prova de todos os seus factos integrantes.

2. Prova-se a existência de um comportamento culposo do sinistrado, pela violação de um dever objectivo de cuidado, quando o mesmo se introduziu entre a cabine e a porta de uma máquina que não estava preparada para transportar passageiros e assim se fez deslocar para o local onde se efectuavam as descargas de terra.

3. Porém, perante ordem da entidade patronal ao sinistrado para percorrer um longo percurso a pé, num terreno onde se fazia movimentação de terras com máquinas, sem que fosse dada outra alternativa ao mesmo para se fazer transportar e tendo presente a regra constante do artigo 32.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 50/2005, não se pode afirmar a existência de uma temeridade inútil, indesculpável e injustificada por parte daquele.

4. Não se sabendo a razão concreta da queda do sinistrado, depois de ter ocorrido uma primeira viagem sem incidentes, deixa de se poder dizer que o regresso nas mesmas circunstâncias conduziria inexoravelmente ao acidente e falha, por isso, a prova de uma causalidade exclusiva.

Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1664/21.7T8EVR.E1
(Secção Social)

Relator: Filipe Aveiro Marques


1.º Adjunto: Mário Branco Coelho


2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa


*


***


*


Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO:

I.A.


AA, autor no processo de acidente de trabalho que intentou e faz seguir contra “GENERALI SEGUROS, S.A.” e “BB, Lda.”, veio interpor recurso da sentença proferida pelo Juízo do Trabalho de Évora, do Tribunal Judicial da Comarca de Évora, que terminou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, julga-se a ação improcedente, por não provada, e, em consequência, absolvem-se as rés dos pedidos contra si deduzido pelo autor, bem como pedido contra si apresentado pelo “Instituto de Segurança Social, I.P.

Custas a cargo do autor.

Na sua petição inicial, após aperfeiçoamento e em suma, o autor tinha invocado ter sido vítima de acidente de trabalho e que este ocorreu por culpa da sua entidade patronal (que ordenou que o mesmo se introduzisse como passageiro no interior de máquina, da qual veio a ser cuspido, sem que exista sistema de retenção).


Terminou pedindo que sejam as rés condenadas:

solidariamente ou de acordo com a responsabilidade apurada a final, no seguinte:

a) Reconhecer o acidente sofrido pelo autor como um acidente de trabalho;

b) Reconhecer a existência do nexo causal entre o acidente e as lesões sofridas pelo autor;

A 1ª ré Seguradora a pagar ao autor:

c) A quantia apurada em sede de tentativa de conciliação, nomeadamente, €8.048,98, a título de indemnização por incapacidade temporária desde 12-01-2021 a 12-02-2022;

d) Pagar ao autor o capital de remição da pensão anual e vitalícia de acordo com a incapacidade IPP/IPATH que lhe vier a ser reconhecida;

e) Pagar ao autor a quantia de € 1.555,20 (96 Km ida/volta x 45 dias x € 0,36 Km) a título de despesas com as deslocações que efectuou para realização das sessões de fisioterapia;

f) Pagar ao autor a quantia de €35,00 por despesas com transporte;

g) Condenar a 1ª Ré a prestar ao A. toda a assistência médica e cirúrgica, geral ou especializada, farmacêutica e hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do seu estado de saúde;

h) Pagar ao autor os juros de mora, vencidos e vincendos sobre todas as quantias em dívida, à taxa legal, e até integral pagamento.

A 2ª ré entidade empregadora condenada a pagar ao autor:

i) A quantia apurada em sede de tentativa de conciliação, nomeadamente, €332,60 a título de indemnização por incapacidade temporária desde 12-01-2021 a 12-02-2022;

j) 50.000,00 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos;

k) Pagar ao autor os juros de mora, vencidos e vincendos sobre todas as quantias em dívida, à taxa legal, e até integral pagamento.

Contestaram as rés, muito em suma, dizendo que o acidente ocorreu pelo incumprimento das regras de segurança por parte do autor e por sua culpa grave e exclusiva.


Após fixação da incapacidade e realizado o julgamento, foi proferida a sentença recorrida.

I.B.

O autor/apelante apresentou alegações e, após convite, as seguintes:

CONCLUSÕES

1.

A sentença proferida em primeira instância não decidiu bem de Facto e de Direito.

2.

Foram dados como provados factos cuja veracidade não se sustenta à luz da lógica, da ciência e da experiência comum. A prova documental e testemunhal junta aos autos corrobora uma versão distinta da acolhida pelo tribunal.

3.

Os depoimentos do sinistrado e da testemunha CC não revelam irrazoabilidades, inconsistências e inverosimilhanças que inelutavelmente afeta de modo fundamental a credibilidade das mesmas, pelo que, ambos devem ser valorizados positivamente pelo tribunal.

4.

Deste modo, atenta a prova produzida, salvo melhor opinião, devem ser alteradas as respostas dadas aos pontos 14. e 17. dos factos provados, que deverão ter a seguinte redação:

14. No cumprimento dessa ordem, na presença do representante da ré, o autor introduziu-se entre a cabine e o banco do condutor do Dumper, tripulada pelo colega CC, e, com a porta aberta, como era hábito, deslocou-se até ao local de descargas da terra, que ficava a cerca de um quilómetro de distância.

17. Após, e para regressar ao local inicial, o autor procedeu de igual modo e introduziu-se entre a cabine e o banco do condutor do Dumper, tripulada pelo colega CC, e, com a porta aberta, como era hábito, iniciou o trajecto de regresso.

5.

A douta sentença recorrida errou ao declarar não provados os pontos I, II, III, IV, V.

6.

Os pontos I, II e III dos factos não provados encontram-se directamente relacionado com o ponto 14. e 17. dos factos provados, pelo que, com a procedência da requerida alteração naquele segmento, impõe-se que: O ponto I dos factos não provados deverá constar nos factos provados com a seguinte redacção: I – Nas circunstâncias descritas em 13. a ré deu instruções ao autor para se deslocar nos moldes descritos em 14.

7.

Os pontos II e III, constantes dos factos não provados, deverão constar dos factos provados de acordo com o Relatório apresentado pelas rés bem como a prova testemunhal.

8.

Os pontos IV e V devem igualmente ser considerados provados face à restante prova documental e lógica do acidente.

9.

O acidente ocorreu em contexto de trabalho, em cumprimento de ordem superior dada pelo empregador e na presença do gerente.

10.

O sinistrado utilizou o dumper como meio de transporte para cumprir tal ordem, prática habitual e conhecida da entidade patronal.

11.

O comportamento do sinistrado foi ditado pelo contexto laboral e pela urgência da tarefa.

12.

O sinistrado não tinha outra forma exequível e imediata de se deslocar ao local de trabalho indicado.

13.

A conduta do sinistrado não pode ser considerada temerária, nem violadora de normas que, de facto, não existiam.

14.

O veículo circulava com a porta aberta, prática habitual entre os trabalhadores.

15.

Essa prática era conhecida e tolerada pela entidade empregadora, as próprias rés, no Relatório que apresentaram, confirmaram que a porta do dumper se mantinha aberta em circulação por causa do calor emanado pelo motor.

16.

As condições do terreno contribuíram para o desequilíbrio da máquina e queda do sinistrado, que ocorreu quando o dumper se cruzou com o rasto profundo de outra máquina, facto também confirmado no referido Relatório.

17.

O impacto foi violento, levando à expulsão do sinistrado que seguia atrás do banco do condutor, através da porta que se encontrava aberta.

18.

A ausência de reação do condutor não invalida a veracidade da dinâmica apresentada, o sinistrado encontrava-se fora do seu ângulo de visão.

19.

Os trabalhadores não tinham formação habilitante para operar equipamentos industriais como o dumper.

20.

Nenhum dos envolvidos no acidente possuía formação específica ou certificada em segurança no trabalho.

21.

A empresa formadora que alegadamente ministrou a formação só foi certificada após a emissão dos documentos.

22.

Tais documentos foram impugnados pelo sinistrado, pois este nunca fez qualquer formação, são falsos.

23.

Um dos trabalhadores diretamente envolvidos não sabe ler nem escrever, o que impossibilita legalmente a posse de licença para manobrar o equipamento.

24.

A totalidade das testemunhas ouvidas negou ter frequentado qualquer formação.

25.

À data do acidente, a entidade patronal não dispunha de plano de segurança, higiene ou avaliação de riscos.

26.

A omissão de tais documentos constitui infração grave e muito grave, como reconhecido pela ACT.

27.

O relatório da ACT imputa responsabilidades claras à entidade patronal por violação de normas legais, a sentença ignorou totalmente o seu teor, fazendo "tábua rasa" das suas conclusões.

28.

A ausência de formação adequada constitui uma violação direta dos artigos 15.º, 18.º e 20.º da Lei n.º 102/2009 de 10 de setembro.

29.

Não pode olvidar-se que a entidade empregadora, ao manter os trabalhadores em funções que envolvem riscos acrescidos, sem garantir as devidas condições de segurança, atua de forma temerária e negligente, ignorando por completo a sua obrigação legal de proteger a sua integridade física e psíquica.

30.

No caso concreto, não se trata de um mero lapso pontual, mas de uma opção reiterada de colocar os trabalhadores em situação de perigo, em claro desrespeito pelas normas de prevenção de riscos profissionais.

31.

Esta omissão dolosa dos deveres de segurança por parte da entidade empregadora não só agrava a sua culpa como a responsabiliza diretamente pelas consequências advindas da exposição dos trabalhadores a condições laborais perigosas.

32.

Os trabalhadores da empresa BB, Lda., até à data do acidente, laboravam em clara autogestão operacional, sem habilitação, sem controlo ou vigilância da segurança no trabalho.

33.

A conduta do trabalhador resultou do hábito da confiança e rotina instituída pela própria entidade empregadora.

34.

O sinistrado foi exposto a risco não identificado, não avaliado e não mitigado pela entidade patronal.

35.

A decisão de facto foi influenciada por valorações ilógicas da prova testemunhal e omite fundamentos essenciais para uma decisão justa e proporcional.

36.

O sinistrado foi impedido de esclarecer em julgamento questões essenciais sobre a formação.

37.

O tribunal desconsiderou que o sinistrado agiu sob orientação expressa da entidade empregadora.

38.

A violação culposa do empregador das regras de segurança foi determinante para a ocorrência do acidente.

39.

Deve ser reconhecido o nexo causal entre a omissão da entidade empregadora e o acidente sofrido.

40.

A descaracterização do acidente não se verifica, pois não houve culpa grave e exclusiva do trabalhador e não resultou de ato voluntário ou consciente violador de normas legais ou internas.

41.

A decisão recorrida deve ser revogada, reconhecendo-se a responsabilidade agravada da entidade patronal, nos termos do art.º 18.º da LAT.

42.

Pelo que vem de ser exposto, dúvidas não nos restam que o acidente ocorreu por culpa do empregador e que o mesmo resultou da inobservância por parte daquele de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho e que esta violação se traduziu num aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como veio a verificar-se.

43.

A sentença recorrida violou ou pelo menos fez uma incorreta apreciação dos preceitos estabelecidos nos art.ºs 14º, n.º1, alínea b) e n.º 3 e art.º 18.º, n.º 1 da LAT.

Nestes termos e nos demais de direito deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente, por provado e, em consequência ser revogada a decisão ora colocada em crise e substituída por acórdão que decida no sentido da imputação da responsabilidade pelo sinistro, a título de violação/omissão culposa das regras de segurança, nos termos do art.º 18º n.º 1 da LAT, à R. entidade empregadora, com todas as consequências legais.

Assim se fará a costumada Justiça!

I.C.

Cada uma das rés respondeu às alegações, defendendo a sua improcedência. A seguradora ainda disse que, prevenindo a possibilidade de ser procedente a versão do autor para se atribuir a responsabilidade na produção do sinistro à entidade patronal por inobservância das regras de segurança, deve ser acautelado o seu decorrente direito de regresso.


I.D.


O recurso foi devidamente recebido pelo tribunal a quo.


O Ministério Público junto do Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.


Após os vistos, cumpre decidir.


***

II. QUESTÕES A DECIDIR:

As conclusões das alegações de recurso delimitam o respetivo objecto de acordo com o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, mas não haverá lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).


De notar que, uma vez que o Instituto da Segurança Social não recorreu, não fará parte do objecto deste recurso apreciar a decisão de absolvição das rés/demandadas relativamente ao pedido por aquele deduzido.


No caso, impõe-se apreciar:

a. Impugnação da matéria de facto;

b. Eventual erro de julgamento quanto à descaracterização do acidente de trabalho e a necessidade de atribuir a responsabilidade pela sua produção à entidade patronal.


***

III. FUNDAMENTAÇÃO:

III.A. Fundamentação de facto:

III.A.1 Impugnação da matéria de facto:

O recorrente cumpriu minimamente os requisitos do artigo 640.º do Código de Processo Civil, pelo que se impõe a análise das questões suscitadas na sua impugnação da matéria de facto.


Na verdade, como se sumariou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/02/2024 (processo n.º 2351/21.1T8PDL.L1.S1[1]): “Para o cumprimento do ónus de especificação do art. 640.º, n.º 1, do CPC, os concretos pontos de facto impugnados devem ser feitos nas respectivas conclusões, porque delimitadoras do âmbito do recurso e constituírem o fundamento da alteração da decisão. Já quanto à especificação dos meios probatórios e à exigência da decisão alternativa, a lei não impõe que seja feita nas conclusões, podendo sê-lo no corpo da motivação”.


Assim, conforme o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, esta Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento (mesmo superveniente) impuserem decisão diversa.


O Tribunal de recurso, sem embargo da atendibilidade da prova plena que resulte dos autos, deve considerar o que emergir da apreciação crítica e livre dos demais elementos probatórios e usar, se for o caso, as presunções judiciais que as circunstâncias justificarem, designadamente a partir dos factos instrumentais, como decorre do n.º 4, do artigo 607.º e da alínea a), do n.º 2, do artigo 5.º, ambos do Código de Processo Civil.


Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/07/2024 (processo n.º 99/22.9T8GDM.P1[2]), “O Tribunal da Relação para reapreciar a decisão de facto impugnada tem de, por um lado, analisar os fundamentos da motivação que conduziu a primeira instância a julgar um facto como provado ou como não provado e, por outro, averiguar, em função da sua própria e autónoma convicção, formada através da análise crítica dos meios de prova disponíveis e à luz das mesmas regras de direito probatório, se na elaboração dessa decisão e na sua motivação ocorre, por exemplo, alguma contradição, uma desconsideração de qualquer um dos meios de prova ou uma violação das regras da experiência comum, da lógica ou da ciência – elaboração, diga-se, que deve ser feita à luz de um cidadão de normal formação e capacidade intelectual, de um cidadão comum na sociedade em questão – sem prejuízo de, independentemente do antes dito, poder chegar a uma decisão de facto diferente em função da valoração concretamente efetuada em sede de recurso”.


Defende o recorrente que os pontos 14. e 15. dos factos provados merecem resposta diversa. Diz, ainda, que os pontos I (com diferente redacção) e II, III, IV e V dos factos não provados da sentença merecem resposta positiva.


A sentença recorrida deu como provado, nesse particular, que:

11. Nas circunstâncias referidas em 4., os funcionários da segunda ré encontravam-se a fazer trabalhos de movimentação de terras, com o objetivo de nivelar o terreno.

12. Tal trabalho era realizado com recurso a máquinas Dumper, Escavadoras Giratórias e Bulldozers.

13. Na sequência duma avaria na máquina que o autor manobrava, a segunda ré deu ordens ao autor para ir orientar o trabalho nas descargas de terra dentro do mesmo local de obra.

14. Sendo que o autor, precisando de se deslocar entre o local de carga e descarga de terras, dentro da obra, introduziu-se entre a cabine e a porta da máquina Dumper, tripulada pelo colega CC, e, com a porta aberta, assim se deslocou até ao local em causa.

15. A cabine do Dumper apenas possui um lugar para o respetivo condutor, não dispondo de local e sistema de retenção para transporte de passageiro.

16. O que o autor sabia.

17. Após, e pretendendo regressar ao local inicial, o autor procedeu de igual modo e introduziu-se entre a cabine a porta da máquina Dumper, tripulada pelo colega CC, e, com a porta aberta, iniciou o trajecto de regresso.

18. No decurso do qual, o autor caiu do Dumper, tendo pelo mesmo sido atropelado.

E, como não provado, o seguinte:

I. Nas circunstâncias descritas em 13., a ré deu instruções ao autor para se deslocar nos moldes descritos em 14. dizendo-lhe: “AA, vais na máquina com o CC para lhe explicares onde deve descarregar e por onde deve sair com o dumper”.

II. Nas circunstâncias descritas em 14., o autor seguia em pé atrás do banco do condutor, agarrado ao mesmo.

III. E o motivo pelo qual a porta do Dumper estava aberta prendia-se com o calor emanado do motor do veículo para a cabine.

IV. Quando a máquina onde o sinistrado seguia se cruzou com o rasto profundo dos pneumáticos de outro dumper que por ali tinha passado, o Dumper onde seguia entrou em desequilíbrio por causa do forte embate no fundo do rasto.

V. O impacto no solo foi de tal modo violento e abrupto que o sinistrado foi imediatamente cuspido do interior da cabine através da porta que se encontrava aberta.

Para a resposta aos referidos pontos 14. e 17. fundamentou-se nos seguintes termos: “Quanto aos factos 14. e 17., o próprio autor a assume que se fez deslocar introduzindo‑se na cabine do Dumper, não admitindo, porém, que o tenha feito situando-se entre a cabine e a porta. Contudo, atendendo à fotografias juntas ao autos que retratam tal máquina e aos depoimentos das testemunhas DD (valorado apenas quanto aos factos de que tem conhecimento direto e não quanto às conclusões que terá alcançado) e EE no que concerne ao espaço existente na cabine da máquina em questão, não pode deixar de se concluir que era impossível, pelo espaço existente que rondaria os 30 a 50 cm atrás do banco do condutor e que servia para este regular a sua aproximação aos comandos da máquina, o sinistrado fazer-se deslocar nesse espaço. Tais testemunhas conheciam a máquina, assim demonstrando conhecimento direto do espaço existente. Assim, não se vislumbra como podia o autor, um homem adulto, introduzir-se completamente em tal espaço e, tendo-o feito, como é que caía e o condutor do veículo não dava por isso, posto que, tratando-se de espaço tão exíguo e situado imediatamente atrás do condutor, este ter-se-ia apercebido da queda do autor. Com efeito, há um ponto coincidente entre as declarações de parte da ré entidade patronal e o depoimento da testemunha CC que permite concluir que, efetivamente, o sinistrado seguia entre a cabine e a porta e que se prende com a circunstância de o condutor do veículo em que o mesmo se fazia transportar não se ter apercebido da queda do autor. Se é certo que o depoimento de CC, pela forma titubeante como foi prestado e face às reservas manifestadas contra a ré entidade patronal, não nos suscitas credibilidade, nesse ponto particular, entendemos, contudo, que deve ser valorado precisamente porque coincidente com o declarado a esse propósito pelo legal representante da ré, pessoa relativamente à qual manifestou tais reservas, inexistindo, em consequência, quanto a tal facto dúvidas de o mesmo tenha ocorrido nos termos coincidentemente relatados, pois somente ao fazer-se transportar do modo dado por provado, poderia o autor cair do veículo sem que o respetivo condutor se apercebesse da respetiva queda. Acresce a circunstância de a porta se encontrar aberta não colhendo minimamente a explicação avançada de que tal sucederia por causa do calor posto que, tendo os factos ocorrido numa manhã de janeiro, certamente o calor do motor não seria fundamento para o efeito.


Quanto à matéria não provada consignou-se, na sentença recorrida, que: “quanto ao facto I., nem o próprio autor em declarações de parte afirmou que a ré entidade patronal, na pessoa do seu representante, lhe terá dito para entrar no veículo em questão, nem o legal representante da ré entidade patronal assumiu tal facto, nem a testemunha FF que presenciou a ordem dada, afirmou tal facto. No que concerne aos factos II. e III. produziu-se prova em sentido contrário, conforme factos 14. e 17. e respetiva fundamentação, para a qual se remete. No que respeita aos factos IV. e V. não foi produzida prova suficiente na medida em que tal descrição do evento, tão dinâmica e violenta, teria de ter como consequência que o condutor do veículo em questão necessariamente se apercebesse do sucedido, isto é, de o autor ter sido “cuspido do interior da cabine através da porta que se encontrava aberta”, prova essa que não resultou evidenciado do respetivo depoimento. Uma vez que o condutor do veículo de nada se apercebeu, tal indicia que o autor simplesmente caiu.”.


Face à prova produzida não pode deixar de se concordar com esta fundamentação.


Não vem apontado no recurso apresentado nenhum elemento probatório que não tenha sido considerado na sentença e, sobretudo, após a audição dos depoimentos gravados, conjugados com os documentos juntos aos autos, não é possível afirmar a existência de qualquer erro de apreciação e que permita a este Tribunal de recurso sobrepor-se às impressões recolhidas através da imediação e à livre apreciação do Tribunal a quo.


De referir que nem o autor declarou em audiência aquilo que estava alegado na sua PI (ver artigos 10.º e 11.º da PI aperfeiçoada), ao referir expressamente em declarações de parte que o patrão não o mandou entrar no “dumper”. E não resultou de qualquer outro depoimento ou elemento de prova a existência dessa ordem, pelo que não se vislumbra como poderia resultar provada a matéria que foi, correctamente, levada ao ponto I dos factos não provados.


Da conjugação das declarações das testemunhas (FF, que estava ao lado do “patrão” e não viu o autor entrar no veículo; e CC, que não conseguiu afirmar, com certeza e segurança, que o “patrão” viu aquele a entrar no veículo) não é possível dar mais credibilidade à versão do autor (no sentido de que o seu superior o viu entrar no “dumper”) em detrimento do declarado por GG, que o negou. Não existe, por isso, qualquer razão para duvidar da justeza da apreciação feita pelo Tribunal a quo nesse ponto para alterar a redacção do ponto 14 dos factos provados na medida pretendida pelo recorrente.


Não resulta da prova produzida, com a clareza e segurança exigíveis, que fosse normal o transporte de passageiros naquele veículo. Apenas o referiu o autor sem que outro depoimento (ou outro elemento de prova) o pudesse, com segurança, sustentar. Repare-se que, num primeiro momento, a testemunha CC negou ser normal andar alguém como passageiro naquele veículo, até porque disse que “todos sabem que é perigoso” para, depois, se enredar em afirmações que contradizem essa afirmação (e não está, sequer, em causa qualquer inimizade para com alguma das partes, mas apenas as suas declarações contraditórias que afectam, naturalmente, a sua credibilidade). Assim, também a parte de ser “hábito” ali andar um passageiro não poderia resultar provada.


Por outro lado, o Tribunal a quo fundamentou de uma forma adequada a circunstância de não existir qualquer prova segura e que comprovasse a afirmação de que o autor circularia atrás do banco do condutor. Foram ponderados os depoimentos, conjugados com as fotografias do veículo em causa e não se vislumbra, também neste ponto, que exista qualquer elemento que permita afastar a conclusão fundamentada a que se chegou. Não poderia, por isso, provar-se o ponto II dos factos não provados para introduzir esse facto nos indicados pontos 14 e 17 dos factos provados.


Finalmente, nenhum elemento de prova (nem mesmo o documento indicado pelo recorrente) aponta no sentido de ter existido um desequilíbrio do veículo ou impacto violento do mesmo no solo (nenhum dos ocupantes o referiu dessa forma), pelo que também não se vê que possa ser alterada a resposta aos pontos IV e V dos factos não provados.


Assim, improcede a pretendida alteração de redacção dos pontos 14 e 17 dos factos provados e I a V dos não provados.


*

III.A.2 Factos provados:

Considera-se, por isso, provado o seguinte:

1. AA nasceu a ........1977.

2. Em 12.01.2021, AA trabalhava, como manobrador de máquinas, por conta, sob as ordens e direção de “BB, Lda.”.

3. Auferia a retribuição anual de 10.954,34€.

4. Em 12.01.2021, pelas 10h30, em Local 1, no seu local e horário de trabalho, AA foi atropelado por um veículo Dumper.

5. Em consequência do evento descrito, AA sofreu traumatismo torácico fechado - pneumotórax bilateral com hemotórax à direita, fraturas bilaterais de arcos costais com Volet costal à direita (tendo sido realizada fixação) e das duas clavículas, contusão cardíaca e pulmonar -, trauma abdominal – contusão hepática, fratura do baço (esplenectomia), laceração ansa ileal com necrose segmentar - e trauma vertebral – fratura corpo D3, anterolistesis D3_D4 (fixação), fratura da omoplata direita, fratura do rádio esquerdo, fraturas múltiplas dos ossos da bacia e fratura da bexiga (cistorrafia).

6. Tendo permanecido em situação de Incapacidade Temporária Absoluta de 13.01.2021 a 12.02.2022

7. Tendo-lhe sido atribuída alta clínica em 12.02.2022.

8. Entre “BB, Lda.” e “Generali Seguros, SA” foi celebrado um contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice n.º ..., a mediante o qual a primeira transferiu para a segunda a responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho sofridos pelos seus funcionários até ao montante anual de 10.520€.

9. Contrato que se encontrava em vigor em 12.01.2021.

10. AA despendeu, até 17.10.2021, 35€ em deslocações a Tribunal relacionadas com os presentes autos.

11. Nas circunstâncias referidas em 4., os funcionários da segunda ré encontravam‑se a fazer trabalhos de movimentação de terras, com o objetivo de nivelar o terreno.

12. Tal trabalho era realizado com recurso a máquinas Dumper, Escavadoras Giratórias e Bulldozers.

13. Na sequência duma avaria na máquina que o autor manobrava, a segunda ré deu ordens ao autor para ir orientar o trabalho nas descargas de terra dentro do mesmo local de obra.

14. Sendo que o autor, precisando de se deslocar entre o local de carga e descarga de terras, dentro da obra, introduziu-se entre a cabine e a porta da máquina Dumper, tripulada pelo colega CC, e, com a porta aberta, assim se deslocou até ao local em causa.

15. A cabine do Dumper apenas possui um lugar para o respetivo condutor, não dispondo de local e sistema de retenção para transporte de passageiro.

16. O que o autor sabia.

17. Após, e pretendendo regressar ao local inicial, o autor procedeu de igual modo e introduziu-se entre a cabine a porta da máquina Dumper, tripulada pelo colega CC, e, com a porta aberta, iniciou o trajecto de regresso.

18. No decurso do qual, o autor caiu do Dumper, tendo pelo mesmo sido atropelado.

19. Em consequência das lesões acima descritas, AA apresenta sequelas valoráveis de fratura dos arcos costais - toracalgias, fratura da terceira vértebra dorsal e fratura da bacia e esplenectomia sem complicações, as quais lhe determinaram uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 16,17%.

20. Na sequência do acidente sofrido, foram acionados os meios de socorro e dada a gravidade dos ferimentos foi solicitada a intervenção da equipa do INEM helitransportada que assegurou os cuidados de Suporte Avançado de Vida no local da ocorrência e durante o transporte para o Hospital de Santa Maria, onde foi sujeito a intervenção cirúrgica.

21. Em 03-03-2021, foi a ser transferido para o Hospital do Barreiro, tendo alta do internamento em 12-03-2021.

22. Fez fisioterapia.

23. Na sequência do acidente supra descrito o autor sofreu dores.


*


III.A.3. Factos não provados:


Do elenco dos factos não provados continuará a constar que não se provou, com relevo para a decisão da causa, que:

I. Nas circunstâncias descritas em 13., a ré deu instruções ao autor para se deslocar nos moldes descritos em 14. dizendo-lhe: “AA, vais na máquina com o CC para lhe explicares onde deve descarregar e por onde deve sair com o dumper”.

II. Nas circunstâncias descritas em 14., o autor seguia em pé atrás do banco do condutor, agarrado ao mesmo.

III. E o motivo pelo qual a porta do Dumper estava aberta prendia-se com o calor emanado do motor do veículo para a cabine.

IV. Quando a máquina onde o sinistrado seguia se cruzou com o rasto profundo dos pneumáticos de outro dumper que por ali tinha passado, o Dumper onde seguia entrou em desequilíbrio por causa do forte embate no fundo do rasto.

V. O impacto no solo foi de tal modo violento e abrupto que o sinistrado foi imediatamente cuspido do interior da cabine através da porta que se encontrava aberta.

VI. Na sequência do acidente supra descrito e face à não assunção da responsabilidade por parte das rés, o autor sofreu e sofre insónias, sentimentos de medo, insegurança, tristeza, pessimismo e baixa auto-estima.

VII. Antes do acidente era um homem robusto e saudável, apto para qualquer tipo de trabalho.

VIII. Encontrando-se totalmente incapacitado para desenvolver as tarefas do seu posto de trabalho.

IX. Em despesas de deslocação para realização de fisioterapia, o autor despendeu 1.555,20€.


*


III.B. Fundamentação jurídica:


A. Baseou o autor/recorrente grande parte a sua discordância à sentença recorrida numa impugnação que, como se viu, não logrou atingir (nos pontos 1 a 10, 14 a 18 e 37 a 39 das suas conclusões) e, ainda, em factos que que não se provaram (nem, na verdade, tinham sido alegados), como se verifica da leitura dos pontos 19 a 35 das suas conclusões, pelo que logo por aí se verifica que não pode a sua pretensão proceder, nessa parte, para dar como provada a responsabilidade da sua entidade patronal na produção do acidente.


O ponto 36 das suas conclusões é inconsequente, tendo em conta que os factos aí referidos não estavam alegados e, por isso mesmo, não foram atempadamente indicados como fazendo parte do objecto das declarações de parte do autor (ou seja, não foi requerido que as declarações de parte do autor deveriam recair sobre esses factos, bastando ver, a esse propósito, o teor requerimento feito pelo autor no final da sua PI e o disposto no artigo 466.º do Código de Processo Civil). Além de que se trata de questão nova, que não foi submetida à apreciação do Tribunal a quo e, por isso, não pode ser objecto deste recurso (os recursos visam a impugnação de decisões judiciais, não a obtenção de novas decisões sobre matéria não apreciada anteriormente – cf. artigos 627.º, n.º 1 e 635.º, n.º 3, do Código de Processo Civil[3]).


Nessa parte improcede, por isso, o recurso.


De resto, uma vez que não vem questionada a existência de um acidente enquadrável no artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (LAT), resta apurar se, em face dos factos que efectivamente resultaram provados, se pode afirmar, ou não, a descaracterização do acidente (pontos 11 a 13 e 40 das conclusões do recorrente).


B. Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/07/2025 (processo n.º 1994/20.5T8GMR.G1.S1[4]) “o direito dos trabalhadores à tutela em caso de acidentes de trabalho é um direito constitucionalmente consagrado (artigo 59.º, n.º 1, alínea f) da Constituição da República Portuguesa) e que a afirmação da descaracterização implica que o sinistrado (…) não terá qualquer direito à reparação do dano sofrido. A descaracterização deve, pois, considerar-se excecional, implicando uma apreciação rigorosa dos seus requisitos e assim se explicando as exigências de culpa grave por parte do sinistrado, por um lado, e a demonstração de que no caso concreto o comportamento do trabalhador foi a causa – sublinhe-se que nas hipóteses de negligência grosseira a lei exige mesmo que tenha sido a causa exclusiva (alínea b) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro) – do acidente. Por outras palavras, a incerteza sobre o que em concreto ocorreu não deve privar o trabalhador da proteção contra acidentes de trabalho, constitucionalmente consagrada.


Nos termos das alíneas a) e b), do n.º 1 do artigo 14.º da LAT (que estão em causa neste recurso), não dá direito à reparação o acidente:

a) que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei;

b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;”.

E, naturalmente, caberá a quem invoca a descaracterização o ónus da prova de todos esses elementos (cf. artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil) – neste sentido, entre muitos outros, ver o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2011 (processo n.º 1127/08.6TTLRA.C1.S1[5]).


Na sentença recorrida entendeu-se que estaria em causa o preenchimento do fundamento de descaracterização previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 14.º da LAT. É contra este entendimento que se insurge o recorrente.


Nos termos do artigo 14.º, n.º 3, da citada Lei 98/2009, “entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão”.


Dir-se-á, acompanhando o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/01/2006 (processo n.º 05S3114[6]), que “A jurisprudência tem vindo a associar o comportamento temerário em alto e relevante grau a um comportamento inútil, indesculpável, reprovado pelo mais elementar sentido de prudência”.


Ou, seguindo o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2/02/2006 (processo n.º 05S3479[7]) “a figura da negligência grosseira corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objectivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo. Por outro lado, (…) a falta grave e indesculpável deve ser apreciada em concreto, em face das condições da própria vítima e não em função de um padrão geral, abstracto, de conduta.


Nas palavras do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2001 (processo n.º 896/07.5TTVIS.C1.S1[8]), “a lei acolheu a figura da negligência grosseira que corresponde a uma negligência particularmente grave, qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objectivo de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo. Trata-se de uma negligência temerária, configurando uma omissão fortemente indesculpável das precauções ou cautelas mais elementares que deve ser apreciada em concreto, em face das condições da própria vítima e não em função de um padrão geral, abstracto, de conduta. Assim, para que se verifique a apontada exclusão da responsabilidade emergente de acidente de trabalho é necessária a prova de que ocorreu um acto ou omissão temerários em alto e relevante grau por parte do sinistrado, injustificados pela habitualidade ao perigo do trabalho executado, pela confiança na experiência profissional ou pelos usos e costumes da profissão, e, além disso, que o acidente tenha resultado exclusivamente desse comportamento”.


No caso dos autos, retira-se dos factos provados que a máquina em causa não tinha lugar para transportar um passageiro (nem qualquer sistema de retenção para passageiros) e que o autor sabia disso (pontos 15 e 16 dos factos provados).


Apesar de saber que não havia um lugar, nessa máquina, para o transporte de passageiros, o autor introduziu-se entre a cabine e a porta dessa máquina e assim se fez deslocar para o local onde se efectuavam as descargas de terra (pontos 13 e 14 dos factos provados) e, de igual modo, o fez numa viagem de regresso (ponto 17 dos factos provados).


Daqui se retira o comportamento culposo do autor, pela violação de um dever objectivo de cuidado. E, em concreto, dada a natureza das funções que desempenhava (ver ponto 2 dos factos provados), retira-se dos factos que o autor omitiu uma das mais elementares cautelas que devem rodear o manuseamento dessas máquinas (ver, a este propósito, o artigo 32.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro: “Os equipamentos de trabalho móveis accionados mecanicamente só podem transportar trabalhadores em lugares seguros previstos para o efeito”).


Mas, apesar de tudo, isso não basta para descaracterizar o acidente, sendo ainda necessário a prova de que tal comportamento era injustificado.


Neste particular, os factos que se provaram introduzem alguns elementos perturbadores.


Em primeiro lugar, não se sabe qual a distância (ou o percurso necessário, além da inclinação do terreno e o seu estado) que a entidade empregadora incumbiu o autor de percorrer entre o local de carga e descarga de terras (pontos 13 e 14 dos factos provados). Intui‑se que não seria um caminho pavimentado (até porque se tratavam de obras de movimentação de terras e nivelamento de terreno – ponto 11 dos factos provados) mas não se sabe em que estado estaria o terreno (apenas se sabe em que data ocorreu, ou seja, em pleno Inverno – ponto 4 dos factos provados – pelo que é bem possível que o terreno estivesse saturado o que, como se sabe, dificulta a progressão).


Ora, neste particular apenas a ré empregadora alegou (artigo 5.º da sua contestação) que a viagem entre os locais seria de “pouco mais de um quilómetro”.


Não será caso, no entanto, para fazer actuar o mecanismo previsto no artigo 662.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil para apurar esse singelo facto, já que mesmo que se provasse essa alegação, a verdade é que não foram alegados os restantes factos (como o estado do terreno ou a existência de outra alternativa para chegar ao local) que permitiriam afastar, completamente, a falta de justificação para o autor entrar na máquina com o seu colega para chegar ao local que lhe tinha sido indicado pela sua entidade patronal: por outras palavras, apenas se apuraria que o percurso seria longo (falhando a prova, por falta de alegação, de alternativas à sua realização).


Segundo a alegação da ré, foi dada uma ordem ao autor para percorrer “pouco mais de 1 quilómetro” a pé (o que se deve considerar, nas concretas condições, um longo percurso), num terreno onde se fazia movimentação de terras com máquinas, sem que fosse dada alternativa ao autor para se fazer transportar. E, aqui, importa fazer apelo a uma regra cujo cumprimento igualmente se impunha: a do artigo 32.º, n.º 3, do citado Decreto-Lei n.º 50/2005 que dispõe que “Os trabalhadores não devem deslocar-se a pé nas zonas em que operem equipamentos de trabalho automotores, excepto se a deslocação for necessária para a execução dos trabalhos e houver as medidas adequadas a evitar que sejam atingidos pelos equipamentos.”.


Concluindo: perante a ordem que lhe foi dada, não se pode dizer que a escolha que o autor fez de não percorrer a pé o trajecto entre o local em que estava e o local para onde foi enviado não encontrasse uma justificação (desde logo porque, legalmente, também não podia fazer esse percurso a pé – ver pontos 11 e 12 dos factos provados – e não se vislumbra que tivessem sido tomadas medidas adequadas a evitar que o autor fosse atingido por qualquer dos equipamentos que ali operavam se tivesse escolhido ir a pé). O autor, para cumprir a ordem que lhe foi dada, teria de escolher entre dois males: ou ia a pé, sujeito a ser atingido pelas máquinas que ali operavam (violando a regra do artigo 32.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 50/2005); ou ia num dos veículos que ali operavam (violando a regra do artigo 32.º, n.º 4, do mesmo diploma).


E não se pode dizer que, apesar de o trabalhador poder recusar o cumprimento de ordens contrárias aos seus direitos e garantias (cf. artigo 128.º, n.º 1, alínea e), segunda parte, do Código do Trabalho), o cumprimento de uma ordem possa prejudicar o autor ao ponto de transformar a sua negligência numa temeridade indesculpável.


Pode dizer-se, por isso, existir uma negligência do autor, mas não se pode afirmar que o seu comportamento fosse totalmente injustificado, no sentido de não se poder afirmar, perante os factos provados, uma temeridade inútil, indesculpável e injustificada.


O segundo elemento perturbador prende-se com a circunstância de o acidente não se ter dado na primeira viagem que o autor fez nas condições descritas, mas na segunda (pontos 14 e 17 dos factos provados). Ora, isto permite dizer, por um lado, que a segunda viagem decorreu num ambiente de habituação que faz diminuir, sensivelmente, a culpa do autor (no sentido de que, se a primeira viagem decorreu sem incidentes, o trabalhador confiará que o regresso irá decorrer do mesmo modo) e, por outro, que a existência dessa segunda viagem faz deslassar a prova da existência de uma causalidade exclusiva.


O que se sabe é que o autor, no decurso do trajecto de regresso, caiu do “dumper” e foi, pelo mesmo, atropelado (ponto 18 dos factos provados). Não se sabe a razão da queda (podendo ter existido uma série de razões) sendo certo que, por ter ocorrido aquela primeira viagem sem incidentes, deixa de se poder dizer que o regresso nas indicadas (mesmas) circunstâncias conduziria inexoravelmente àquela consequência. Não se sabe, por isso, se foi a conduta do autor a causa única/exclusiva do acidente (e, relembre-se, o ónus da prova cabia às rés – sendo que a incerteza sobre o que em concreto ocorreu não pode privar o trabalhador da proteção contra acidentes de trabalho).


As rés não lograram, por isso, demonstrar o preenchimento da alínea b), do n.º 1, do artigo 14.º da LAT.


E, pelo que ficou dito, também não se demonstra o fundamento estabelecido na segunda parte da alínea a), do n.º 1, do art.º 14.º, da LAT. Mesmo que se tenha provado a violação, pelo autor, de uma regra de segurança prevista na lei e relacionada com a proibição de se transportar na máquina em causa (já que outras regras, eventualmente estabelecidas pela entidade patronal, não se provaram) falha a prova da falta de causa justificativa para a violação dessa condição de segurança, pois que existia igualmente a proibição de o autor se deslocar a pé e não se provou terem sido dadas outras alternativas para cumprir a ordem de se deslocar para aquele outro local.


A matéria de facto apurada não permite concluir que o Autor tenha actuado com culpa de tal modo grave ou de modo injustificado, como se exige na segunda parte da alínea a), do n.º 1, do artigo 14.º, da LAT, a fim de se entender pela descaracterização do acidente e cuja prova incumbia às recorridas.


Não existem, por isso, motivos para excluir a reparação do acidente de trabalho e, nessa medida, deve proceder o recurso.


C. O autor tem direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho nos termos previstos da lei (artigo 2.º da Lei n.º 98/2009 – LAT).


Tal direito compreende, nos termos do disposto no artigo 23.º da citada LAT, prestações em espécie e em dinheiro, sendo que estas últimas se traduzem, nomeadamente, em indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho em caso de incapacidade permanente (cf. artigo 47.º, do mesmo diploma).


Importará, por isso, fixar a incapacidade permanente à data da alta (que será de fixar em 12/02/2022 – conforme ponto 7 dos factos provados) em 16,17%, sendo as sequelas físicas de que ficou a padecer subsumíveis aos itens 1.1.1.b), 2.3.c) e 9.2.3 do Capítulo I e 6.1 do Capítulo XIII da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro (conforme ponto 19 dos factos provados, sentença no apenso de fixação e auto de exame por junta médica).


O sinistrado ficou, ainda, com as seguintes incapacidades temporárias: Incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 13/01/2021 a 12/02/2022 (ver ponto 6 dos factos provados).


Pela Incapacidade Temporária Absoluta para o trabalho (cf. artigo 48.º, n.º 3, alínea d), da Lei 98/2009) o sinistrado tem direito a uma indemnização que corresponderá a uma indemnização diária igual a 70% da retribuição nos primeiros 12 meses e de 75% da retribuição no período subsequente.


Assim, tendo presente montante da retribuição (anual de 10.954,34€) e o período em que esteve em situação de incapacidade temporária absoluta (desde 13/01/2021 a 12/02/2022, ou seja, 396 dias em que esteve em situação de ITA), a indemnização global deverá ser fixada em 8.331,81€ (retribuição anual : 365 x 0,70 x primeiros 365 dias; mais retribuição anual : 365 x 0,75 x restante número de dias[9], no caso, 10954,34:365=30,0118904109589‬; 30,01x0,70=21,007‬; 21,00x365=7665,00 + 10954,34:365=30,0118904109589‬; 30,01x0,75=22,5075; 22,51x31=666,81‬).


Não se provou que o sinistrado se mostra ressarcido das indemnizações devidas pelas entidades responsáveis a esse título.


Quanto à Incapacidade Permanente Parcial (16,17%) de que ficou a padecer o sinistrado, considerando que o mesmo auferia à data do acidente o salário anual de 10.954,34€ e tendo, ainda, em atenção o disposto nos artigos 47.º, n.º 1, alínea c), 48.º, n.º 3, alínea d), 50.º, n.º 2, 71.º e 75.º, todos da Lei n.º 98/2009 (LAT), tem direito a ser ressarcido pelas entidades responsáveis de um capital de remição calculado em função de uma pensão anual e vitalícia, devida desde o dia seguinte ao da alta, correspondente a 70% da redução sofrida na sua capacidade geral de ganho, ou seja, de 1.239,92€ (Rendimento Anual×0,70×o valor da incapacidade Permanente Parcial, ou seja, neste caso 10954,34x0.70=7668,038; 7668,04x0,1617=1239,922068), devida desde 13/02/2022 (data seguinte à da alta).


Diga-se que a seguradora responde pelo valor declarado pela entidade patronal. E, no caso, apenas se encontrava transferida para a seguradora a retribuição anual de 10.520,00€ (ponto 8 dos factos provados), quando a retribuição anual que o autor recebia da ré empregadora era de 10.954,34€ (ponto 3 dos factos provados).


A entidade empregadora e Companhia de Seguros deverão responder proporcionalmente (cf. n.ºs 4 e 5, do artigo 79.º, da LAT): ou seja, 96,03% para a seguradora e o restante 3,97% para a entidade patronal.


O autor tem, ainda, direito a receber juros de mora sobre as quantias vencidas, nos termos do disposto nos artigos 805.º e 806.º do Código Civil e 135.º do Código de Processo do Trabalho. Tem, assim, direito aos juros contados sobre cada importância diária desde o dia respectivo em que é devida. E, sobre o capital de remição, desde a data em que esse pagamento era devido (dia seguinte ao da alta).


Assim sendo:

a. a ré seguradora é responsável pelo pagamento:

i. da quantia de 8.001,04€ (8331,81€x0,9603=8001,037143) a título de indemnizações pelas incapacidades temporárias a que o sinistrado esteve sujeito, acrescida de juros contados sobre cada importância diária desde o dia respectivo em que é devida e

ii. do capital de remição calculado a partir do valor de 1.190,70€ (1.239,92€x0,9603=1190,695176), acrescido de juros contados à taxa legal desde 13/02/2022 e até efectivo e integral pagamento.

b. a ré “BB, Lda.” é responsável pelo pagamento:

i. da quantia de 330,77€ (8331,81€x0,0397=330,772857‬) a título de indemnizações pelas incapacidades temporárias a que o sinistrado esteve sujeito, acrescida de juros contados sobre cada importância diária desde o dia respectivo em que é devida e

ii. do capital de remição calculado a partir do valor de 49,22€ (1.239,92€x0,0397=49,224824), acrescido de juros contados à taxa legal desde 13/02/2022 e até efectivo e integral pagamento.


D. Pediu o autor a condenação das rés no pagamento das despesas de deslocações.


Resulta, sem margem para grandes dúvidas, do disposto no artigo 25.º, n.º 1, alíneas a) e b), da citada LAT, que o direito à reparação do sinistrado compreende prestações em espécie e, dentro destas, tem direito a assistência médica (incluindo elementos de diagnóstico e tratamento que forem necessários), medicamentosa e farmacêutica e aos transportes para observação, tratamento ou comparência a actos judiciais.


No entanto, o autor não logrou provar a existência dessas despesas de transportes (ver ponto IX dos factos não provados) pelo que se mantém a sentença recorrida também quanto às alíneas e) e f) do seu pedido.


E diga-se que, face ao teor do artigo 24.º da LAT, também não poderá atender-se a um pedido antecipado e genérico como o feito pelo autor no ponto g) do seu pedido, pelo que igualmente se mantém a sentença nesse ponto.


E. Importa, finalmente, fixar o valor da acção.


Nos termos do artigo 120º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, “nos processos de acidente de trabalho, tratando-se de pensões, o valor da causa é igual ao resultado da multiplicação de cada pensão pela respectiva taxa das tabelas práticas aplicáveis ao cálculo do capital da remição, acrescido das demais prestações”.


As tabelas práticas aplicáveis ao cálculo de remição das pensões de acidentes de trabalho estão fixadas na Portaria n.º 11/2000, de 13 de Janeiro.


Posto isto, tendo em consideração que, no caso, o valor da pensão (ou seja, do capital de remição) é de 1.239,92€, que o sinistrado conta 44 anos (aniversário mais próximo da data da alta, a que se referem os cálculos) e que a taxa aplicável a um sinistrado com essa idade é de 14,851, nos termos da citada Portaria, o valor da acção corresponderá a 26.745,86€ (1239,92×14,851=18414,05192, mais o valor total das restantes prestações devidas, ou seja, 18414,05+8331,81).


*


Custas:


Conforme estabelecido no artigo 527.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a regra geral na condenação em custas é a de condenar a parte vencida. E havendo uma parte vencida não se passa ao critério subsidiário que é o da condenação em custas de quem tira proveito do recurso.


No caso, haverá que atender ao decaimento, fixando-se a proporção para a autor/recorrente em 55,40% e para as rés/recorridas em 44,60%, tudo sem prejuízo do benefício do apoio judiciário do primeiro.


***


III. DECISÃO:


Em face do exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a apelação e, em conformidade, mantendo-se o demais decidido, altera-se a sentença recorrida nos seguintes termos:

A. Declara-se que o autor AA foi vítima de um acidente de trabalho no dia 12/01/2021 e que, em consequência do mesmo, ficou afectado de uma Incapacidade Temporária Absoluta de 13/01/2021 a 12/02/2022 e, a partir da alta clínica em 12/02/2022, afectado de uma Incapacidade Permanente Parcial de 16,17%.

B. Condena-se a ré “GENERALI SEGUROS, S.A.” a pagar ao autor AA:

i. a quantia de 8.001,04€ a título de indemnizações pelas incapacidades temporárias a que o sinistrado esteve sujeito, acrescida de juros contados sobre cada importância diária desde o dia respectivo em que é devida; e

ii. o capital de remição calculado a partir do valor de 1.190,70€, acrescido de juros contados à taxa legal desde 13/02/2022 e até efectivo e integral pagamento.

C. Condena-se a ré “BB, Lda.” a pagar ao autor AA:

i. a quantia de 330,77€ a título de indemnizações pelas incapacidades temporárias a que o sinistrado esteve sujeito, acrescida de juros contados sobre cada importância diária desde o dia respectivo em que é devida; e

ii. o capital de remição calculado a partir do valor de 49,22€, acrescido de juros contados à taxa legal desde 13/02/2022 e até efectivo e integral pagamento.

D. Fixa-se o valor da causa em 26.745,86€.

E. Condenam-se as partes nas custas da acção e do recurso em função do respectivo decaimento, fixando-se a proporção para a autor/recorrente em 55,40% e para as rés/recorridas em 44,60%, tudo sem prejuízo do benefício do apoio judiciário do primeiro.


Notifique-se e, tendo presente o disposto nos artigos 79.º, n.º 1 e 171.º, n.º 1, da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04 de Setembro), extraia-se certidão do presente Acórdão e remeta-se à Autoridade para as Condições do Trabalho.


Évora, 2 de Outubro de 2025


Filipe Aveiro Marques


Mário Branco Coelho


Emília Ramos Costa

_______________________________________

1. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/1007b672c0f9ed2980258ad6005cfad7.↩︎

2. Acessível em https://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/5c62d7680bfd396180258b8500342396.↩︎

3. Neste sentido ver António Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Almedina, 7.ª Edição, pág. 139 e ss..↩︎

4. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/99a2eb76d5be1c3d80258cc8002922ea.↩︎

5. Acessível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/1127-2011-89788475 e, também, em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/4187A759254A266F80257930004D1448.↩︎

6. Acessível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/05s3114-2006-88977675 e, também, em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/F00857E3736F887480257118003CFF65.↩︎

7. Acessível em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/83d42b1eadb8a2138025711f004cfe18.↩︎

8. Acessível em https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/acordao/896-2011-89782475 e, também, em https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/2B22AD33BAF6869E80257918003BECAF.↩︎

9. Ver Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/03/2014, processo n.º 472/12.0TTTMR.C1, acessível em https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/9afb7f4de69d2cde80257caf003367eb.↩︎