Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ANA PESSOA | ||
Descritores: | ACÇÃO DE DESPEJO VALOR DA CAUSA CUMULAÇÃO DE PEDIDOS | ||
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Data do Acordão: | 09/29/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1. No que concerne à ação de despejo o legislador fixou um critério especial para a fixação do valor da causa que se mostra expresso no artigo 298º, n.º 1 do Código de Processo Civil – este corresponde ao “valor da renda de dois anos e meio, acrescido do valor das rendas em dívida ou do valor da indemnização requerida, consoante o que for superior”; 2. Assim, caso o senhorio opte por requerer em simultâneo o despejo, o valor das rendas em atraso (o que poderá acontecer quando o fundamento do despejo for a falta de pagamento de rendas), e/ou uma indemnização o valor da ação é apenas o que resultar da soma dos dois anos e meio de rendas com o montante em dívida ou o da indemnização pedida, consoante o que for mais elevado. 3. Nada obriga, porém, o senhorio a cumular o pedido de resolução do contrato de arrendamento com o do pagamento das rendas em dívida, ou com qualquer indemnização. 4. E nesse caso, como sucedeu no caso dos autos, o valor das rendas não integra a utilidade económica do pedido, pelo que não deve o mesmo ser somado ao correspondente aos dois anos e meio de rendas. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I. RELATÓRIO. A… e B… intentaram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra C… e D…, pedindo que se declare a resolução do contrato de arrendamento habitacional firmado entre os Autores e os Réus, condenando-se estes últimos a desocupar e entregar o imóvel aos autores, livre e devoluto de pessoas e bens. Para fundar a sua pretensão alegaram que o primeiro Autor é proprietário e a segunda Autora usufrutuária, e, legítima possuidora, de um imóvel sito na Rua (…), freguesia e concelho de Portimão, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob n.º (…), que por contrato constante de documento particular, datado de 02-03-2015, os cederam aos Réus o uso e a fruição do apartamento, com utilização independente, que corresponde ao 3.º andar direito do identificado prédio, cedência essa que foi feita mediante o pagamento de uma prestação mensal que foi fixada em € 200,00 e que em 25/06/2018, por via da falta de pagamento das rendas acordadas, a Autora e os Réus subscreveram um “Acordo de Pagamento”, nos termos do qual os réus se reconheceram devedores da quantia de € 6800,00, obrigando-se ao pagamento de € 400,00, com subscrição de tal acordo e ao pagamento de € 50,00 que acresceria à renda mensal, até integral pagamento da quantia da qual se reconheceram devedores. Mais referiram que nem mesmo após a celebração de tal acordo os Réus, procederam ao pagamento de qualquer renda estando todas elas vencidas no 1.º dia útil do mês anterior àquele a que dizem respeito. * Citados ambos os Réus, o Réu contestou, alegando que, depois de avisar, verbalmente, por diversas vezes os Autores da necessidade da realização de obras, fez reparações urgentes e necessárias no imóvel, as quais se traduziam em obras de melhoramento nas instalações sanitárias, na instalação elétrica, na canalização de esgotos; na realização de pinturas interiores e de trabalhos de reboco e de impermeabilização, e na instalação de serviços de telecomunicação e ainda na repavimentação total do locado), pelo lhe assiste o direito de compensar a sua dívida pelo crédito do qual é devedor, encontrando-se ainda legitimado a recusar a prestação (renda) ao abrigo do disposto no art.º 428.º do Código Civil. Mais alegou que os autores além do dolo, para o manterem em erro art. 253º do CC), fizeram-no assinar o citado contrato de arrendamento, concordando com as respetivas cláusulas, sob coação moral (art. 255º), pois que se assim não fosse, ficaria sem o referido arrendamento que seria a sua habitação, como a da sua família, que inclui menores. Sendo que considera ainda que as cláusulas 6.º a 12 do contrato em causa, não estão “dentro dos limites da lei”. * Após prolação de despachos notificando os Autores para exercerem contraditório e dos Réus para prestarem esclarecimentos, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual se fixou o valor da ação, e, entendendo-se que os autos reuniam elementos para ser proferida decisão de mérito, foi a ação julgada procedente, com o seguinte dispositivo: “A) declaro resolvido o contrato de arrendamento, celebrado, em 02-03-2015, entre ao autores A… e B… e os réus C… e D…, e, que é referente ao apartamento com utilização independente que corresponde ao (…) do prédio urbano sito na Rua (…), freguesia e concelho de Portimão, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob n.º (…) da referida freguesia. B) condeno os réus a entregarem o arrendado, livre de pessoas e bens, aos autores no prazo 30 (trinta) dias, contabilizados após a notificação da presente decisão.” * Inconformados com tais decisões, dela apelaram os Réus, formulando as seguintes conclusões: A. Não se pode dar como provado que os Réus não facultaram o acesso ao interior do locado aquando da vistoria camarária, uma vez que os mesmos não foram, regularmente, notificados, nem há nos autos qualquer prova da regularidade de qualquer notificação. B. Fácil e oficiosamente, se prova que os Réus, a serem notificados, não teriam criado qualquer obstáculo da visita ao apartamento, visto que os próprios foram quem juntaram aos autos, voluntariamente, a reportagem fotográfica do interior do locado em causa; C. O valor da ação foi fixado com erro. D. O Tribunal a quo, nos autos de despejo, com critérios especiais na fixação do valor da ação previsto no art. 298º, nº 1 do CPC, não decidiu conforme. E. O Tribunal recorrido, ao não aplicar, corretamente, o artigo 298º, nº 1 do CPC, baseia a sua decisão para proferir despacho saneador sentença conforme art. 595º,nº 1, ex vi, art. 597º, c) do CPC. F. Sendo o valor da ação, devidamente calculado, seria superior a metade da alçada da Relação, logo não se poderia aplicar o 597º, c) do CPC; G. O Tribunal de 1ª Instância ao proferir imediatamente Despacho Saneador Sentença, com base no art. 597º, c) do CPC, e dispensando a audiência prévia, comete dois erros processuais. H. Erra pela omissão de um ato relevante a uma decisão justa e adequada, não permitindo lograr todos os meios de prova, nomeadamente os requeridos por ambas as partes nos momentos devidos, não cumprindo, portanto, com o previsto no art. 195º, n. 1 e no art. 591º, nº 1, c) do CPC; I. Erra pelo afastamento do direito ao contraditório, quando, tendo a intenção de conhecer imediatamente do mérito da causa, profere Despacho Saneador Sentença, sem antes facultar às partes a possibilidade de discussão de facto e de direito; J. Há uma evidente desconsideração pelo previsto no art. 591º, nº 1, b) e no art. 3º, nº 3 do CPC; K. O conhecimento imediato do mérito no despacho saneador só é legítimo se o processo possibilitar esse conhecimento. L. A violação do art. 591º, n. 1, b) do CPC, determina a nulidade processual da decisão judicial em causa, por preterição de uma diligência processual obrigatória, nos termos do art. 195º, nº 1 do CPC. M. O excesso de pronúncia, pelo Tribunal recorrido ter decidido imediatamente do mérito da causa sem realizar a audiência prévia, determina a nulidade da própria sentença, nos termos do art. 615º, n. 1, d) do CPC. N. A Audiência prévia sendo um ato fulcral do processo declarativo para averiguar toda a prova necessárias à boa decisão da causa, não podia ser dispensada. O. A decisão de mérito de qualquer processo de valor superior a metade da alçada da Relação deve, imperativamente, ser precedida de audiência prévia. * Os Autores contra-alegaram, concluindo, em resumo, que: I – Do Recurso sobre a Matéria de Facto 1.º - Os Réus, ora apelantes, insurgem-se, desde logo quanto à fixação da matéria de facto provada, uma vez que no seu entendimento o Tribunal a quo não deveria ter dado como provado o facto assente em 8. da matéria de facto provada, no qual se refere que “Os Réus não facultaram acesso ao interior do locado na data em que teve lugar a vistoria camarária, cuja realização requereram.”. 2.º - Porquanto, no seu entendimento, os Réus, ora Apelantes, “nunca foram notificados, nem tampouco tiveram qualquer outro tipo de conhecimento sobre tal vistoria, nem qualquer prova foi produzida de tal conhecimento.”, o que não corresponde de todo com a verdade. 3.º - De facto, a comprovação da notificação dos Réus (e dos Autores) para o acto de vistoria camarária consta de documento autêntico, junto aos autos pelo Município de Portimão em 08-02-2022, através do Ofício datado de 04-02-2022, com a Referência DGUM/SAE/C1/496, no qual ficou firmado, na parte final da página 1/39 e início da página 2/39 da Informação anexa ao referida ofício, que “Foram notificados os arrendatários, o C… e a D…, que não se apresentaram no local, nem abriram a porta do apartamento do (…), após os técnicos se deslocarem até ao mesmo e baterem à porta, visto não haver outra forma de chamada.” 4.º - Assim, dúvidas não restam de que os Réus, ora Apelantes, foram devidamente notificados da data da vistoria camarária, e como tal, nada há a apontar ao Tribunal a quo, que andou bem ao decidir aquele facto 8. Da matéria de facto provada, pelo que, nesta parte, deve manter-se inalterado o teor da sentença recorrida. II – Do Valor da Causa 5.º - Insurgem-se, também, os Réus, ora Apelantes, de forma ostensivamente despicienda, contra fixação do valor da causa no montante de € 6.000,00, com fundamento no disposto no artigo 298.º n.º 1, do CPC, mas creem os Autores, ora Apelados, que não assiste qualquer razão aos Apelantes, Senão veja-se, 6.º - O Valor da Causa é indicado pelas partes e fixado de acordo com os critérios estabelecidos nos artigos 296.º e seguintes do Código de Processo Civil. 7.º - O Artigo 296.º, n.º 1, é claro no sentido de que “A todo a causa deve ser atribuído um valor certo, expressa em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.” (negrito nosso) 8.º - No caso em apreço, a utilidade económica imediata do pedido consiste na entrega do prédio arrendado aos seus legítimos proprietário e usufrutuária, os Autores, ora Apelados. 9.º - A Acção de Despejo é intentada com fundamento na mora igual ou superior a três meses no pagamento das rendas, encargos, ou despesas que corram por conta do arrendatário, conforme dispõe se dispõe no artigo 1083.º, n.º 3, primeira parte, do Código Civil, (causa de pedir) 10.º - Ou seja, poder-se-ia afirmar que a utilidade económica imediata da causa de pedir, e, consequentemente, do efeito útil, prático, concreto, do pedido, à qual deve ser atribuído um valor certo, é a que corresponde ao valor de três rendas mensais, que, in casu corresponderia a € 600,00. 11.º - Não obstante, o legislador ordinário pretendeu a que acções desta natureza fosse atribuído um valor mínimo legal correspondente ao valor de rendas de dois anos e meio (30 meses de rendas), conforme se dispõe no artigo 298.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, uma vez que tal valor é atendido para determinação da competência do Tribunal, a relação da causa com a alçada do Tribunal e ainda para efeito de cálculo de custas judiciais, conforme se dispõe no artigo 296.º, n.º 2 e 3 do Código de Processo Civil. 12.º - Não estabeleceu, certamente, o legislador ordinário, a regra constante do n.º 1 do artigo 298.º do Código de Processo Civil, como forma de beneficiar o contraente faltoso na relação contratual controvertida, in casu, os Arrendatários incumpridores, os Réus, ora Apelantes. 13.º - É de salientar que a utilidade económica imediata do pedido, o despejo com a consequente entrega do prédio aos Autores, é precisamente a mesma caso os Réus fossem devedores do valor de três rendas mensais ou de duzentas, E, 14.º - Parece-nos despicienda a argumentação, apenas expendida em sede de Recurso pelos apelantes, de que, afinal, são devedores de uma quantia consideravelmente superior aos Autores, e como tal a decisão do Tribunal de 1.ª Instância é proferida em erro, quando, 15.º - Não se opuseram, em sede de Contestação, ao valor atribuído à causa pelos Autores, no valor de € 6.000, 00 (vide artigo 305.º, n.º 1 e n.º 4 do Código de Processo Civil), 16.º - E ainda porque em sede de Contestação deduziram as excepções de Compensação de Créditos, invocando serem detentores de um crédito contra os Autores, com base naquele valor indicado pelos próprios Autores, e Excepção de Não Cumprimento, uma vez que se consideravam no “direito de compensar a sua dívida pelo crédito que possui dos AA.”, 17.º - Tudo o supra, reitere-se, sem que jamais tenham impugnado o valor da acção em € 6.000, 00 indicado pelos Autores, ora Apelados. 18.º - Uma vez que, conforme a fundamentação supra, não assiste qualquer razão aos Réus, ora Apelantes, relativamente à argumentação expendida em sede de Recurso no seu ponto “B – Da Matéria de Direito, I – Valor da Causa”, fica, desde logo, prejudicado o conhecimento das questões que suscitam em “III – Da Dispensa da Audiência Prévia” e “IV – Das Nulidades”, uma vez que estes últimos pontos do recurso são consequência do entendimento dos Apelantes sobre aquele primeiro. 19.º - Não obstante, há que responder à infame alegação contida no artigo 28.º do Recurso dos Apelantes, porquanto não corresponde, de todo, à verdade, que “as partes viram-se impedidas de exercer o direito ao contraditório”, quando é manifesto que foram regularmente citados para a Acção, e a contestaram em sede própria. Concluíram pedindo que seja julgado improcedente o recurso. * II. QUESTÕES A DECIDIR. Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, importa, no caso, apreciar e decidir: - se o valor da causa deveria ser fixado tendo em consideração o valor das rendas em dívida; - se a dispensa da a audiência prévia constitui uma irregularidade e vedou o direito ao debate e à produção de prova e se o processo não continha todos os elementos para que fosse proferida decisão de mérito em sede de despacho saneador; - se procede a impugnação da matéria de facto. * III. FUNDAMENTAÇÃO. III.1. Na decisão recorrida foram considerados com interesse para a decisão da questão em apreço os seguintes factos: 1- Autor e ré são respetivamente proprietário e usufrutuária do prédio urbano sito na Rua (…), freguesia e concelho de Portimão, e inscrito na respectiva matriz sob o artigo n.º (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Portimão sob n.º (…) da referida freguesia. 2- Através de documento particular, datado de 02-03-2015, os autores cederam, com início em 01.05.2015, pelo período de três anos e com possibilidade de renovação anual, aos demandados, o uso e a fruição do apartamento com utilização independente que corresponde ao (…) do prédio identificado em 1), mediante o pagamento de uma prestação mensal que foi fixada em € 200,00 (duzentos euros) e que se venceria no primeiro dia útil do mês anterior a que dissesse respeito. 3- Os réus obrigaram-se a conservar o locado no estado em que à data se encontrava (que aceitaram como sendo bom) as instalações e canalizações de água, eletricidade, aquecimento, esgotos e demais equipamentos do local arrendado, pagando à sua custa todas as reparações decorrentes de culpa ou negligência sua, bem como a manter em bom estado, os respetivos soalhos, pinturas e vidros, ressalvado o desgaste proveniente da uma normal e prudente utilização e do decurso do tempo. 4- Mais se obrigaram os réus a suportar as obras a que aludem a n.º 1 e 5 do art.º 1074.º do Código Civil, as quais ficariam desde logo integradas no local arrendado não podendo por elas pedir indeminização ou alegar retenção. 5- Obrigaram-se ainda os réus a fazer obras de melhoria de pintura, pavimentos e instalações, sem por elas pedir indemnização ou alegar retenção; 6- Através acordo, constante de documento particular, datado de 25.06.2018, epigrafado de “Acordo de Pagamento” os réus reconheceram-se devedores à autora do montante de € 6.800,00 (seis mil e oitocentos euros), respeitante às rendas vencida entre setembro de 2015 a junho de 2018, obrigaram-se ao pagamento de €400,00, na data da subscrição do referido acordo e de € 50,00 (cinquenta euros), até ao dia 8 de cada mês, durante 128 meses, valor este último que acresceria à renda mensal de €200,00 (duzentos euros), até integral pagamento da quantia da qual se reconheceram devedores. 7- Os réus não pagaram aos autores a renda que se venceu em setembro de 2015, nem qualquer renda que se haja vencido em momento posterior. 8- Os réus não facultaram o acesso ao interior do locado na data em que teve lugar a vistoria camarária, cuja realização requereram. 9- O prédio urbano referido em 1) apresenta fissuras nas fachadas principal e de tardoz distribuídas pelas suas áreas; 10- A base do murete de proteção do terraço de cobertura do edifício apresenta-se fissurada ao longo da fachada principal, sendo visíveis vestígios de escorrências de águas pluviais imediatamente abaixo do nível do terraço. 11- A porta de entrada do imóvel foi arrancada e algumas das janelas e das portas da fachada não tem vidros e caixilharias, estando destruída a caixa de correio. 12- A instalação elétrica está à vista e não protegida. 13- As betoneiras da iluminação e as caixas da instalação elétrica da caixa de escada foram arrancadas ou estão penduradas. 14- A pintura da caixa de escada apresenta-se degrada e suja. 15- A caixa de escada esta pejada de sapatos, cadeirinhas de bebé, vassouras, lixo, baldes, esfregonas, frigoríficos, cadeiras, resto de mobiliário e tem nela instalada uma máquina de lavar roupa a funcionar 16- A cobertura do terraço está repleta de restos de mobiliário, eletrodomésticos. 17- Há portas de acesso a apartamentos que não tem puxadores ou fechadura ou não fecham como deveriam * III.2. Os factos e o direito. III.2.1. Do valor da causa. Os Réus insurgem-se contra a fixação do valor da causa em €6.000,00, por entenderem que a esse valor deveria acrescer o valor das rendas em dívida até ao momento da propositura da ação (2021-04-14), ou seja, no seu entender, o valor de 13.600€ (treze mil e seiscentos euros). Porém, analisados os preceitos aplicáveis, importa concluir que não pode divergir-se da decisão proferida a este propósito pelo Tribunal Recorrido, que, citando o artigo 298º, nº 1 do Código de Processo Civil e da sua concreta aplicação nas ações de despejo, decidiu que não deveria atender-se àquele valor por não ter sido “peticionada a condenação dos réus no pagamento das rendas.” Vejamos. No artigo 305º, números 1 e 5, do Código de Processo Civil admite-se que, independentemente da impugnação que o réu possa ter deduzido ao valor indicado pelo outro à ação, “nos articulados seguintes podem as partes acordar em qualquer valor” e que “a falta de impugnação por parte do réu significa que aceita o valor atribuído à causa pelo autor”. Embora o valor possa ser determinado por acordo expresso das partes (segunda parte do nº1 e nº2,), ou por falta de impugnação do valor atribuído pelo autor (nº4), o valor acordado não vincula o juiz (artigo 306º do mesmo diploma). Com as alterações do DL 303/2007, passou o juiz a ter sempre que fixar o valor da causa, nunca ficando dispensado de examinar a objetividade decorrente do acordo das partes, expresso ou tácito. Assim, e desde logo, ainda que se considerasse haver acordo, este acordo ou aceitação nunca seriam vinculativos para o juiz, como resulta do disposto no artigo 306º do Código de Processo Civil - ainda que pudéssemos afirmar que o comportamento do autor poderia ser entendido como aceitação do valor proposto para a ação pelos Réus na sua contestação, nunca o juiz se encontraria dispensado de analisar os elementos objetivos constantes dos autos com relevância para a determinação do valor da ação, ainda que de tal análise se viesse a afastar do valor acordado entre as partes Por outro lado, estabelece o artigo 296.º, n.º 1 do Código de Processo Civil a regra geral no sentido de que “[a] toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido” (o destacado é nosso), ou seja, o benefício visado com a ação. A tal valor se atende para a determinação da competência do Tribunal, a relação da causa com a alçada do Tribunal e ainda para efeito de cálculo de custas judiciais, conforme se dispõe no artigo 296.º, n.º 2 e 3 do Código de Processo Civil. No que concerne à ação de despejo, porém, o legislador fixou um critério especial que se mostra expresso no artigo 298º, n.º 1 do Código de Processo Civil – este corresponde ao “valor da renda de dois anos e meio, acrescido do valor das rendas em dívida ou do valor da indemnização requerida, consoante o que for superior” (o destacado é nosso). Significa isto que a ação de despejo tem sempre um valor base correspondente a trinta meses de renda. Assim, caso o senhorio opte por requerer em simultâneo o despejo, o valor das rendas em atraso (o que poderá acontecer quando o fundamento do despejo for a falta de pagamento de rendas), e/ou uma indemnização o valor da ação é apenas o que resultar da soma dos dois anos e meio de rendas com o montante em dívida ou o da indemnização pedida, consoante o que for mais elevado. Para que possam relevar para o efeitos de determinação do valor da causa, as rendas que estiverem vencidas ao tempo da propositura da ação devem ser quantificadas pelo autor na petição inicial[1]. Nada obriga, porém, o senhorio a cumular o pedido de resolução do contrato de arrendamento com o do pagamento das rendas em dívida, ou com qualquer indemnização. E nesse caso, como sucedeu no caso dos autos, o valor das rendas não integra a utilidade económica do pedido, pelo que não deve o mesmo ser somado ao correspondente aos dois anos e meio de renda. Na verdade, apesar de fundamentar os pedidos de resolução de contrato de arrendamento e de entrega do local arrendado na falta de pagamento de renda, o senhorio não é obrigado a formular o pedido de condenação no pagamento do respetivo montante, ou a pedir o valor total do mesmo. E assim, facilmente se conclui que se pedir o valor total, deverá esse acrescer ao das trinta rendas, se pedir só um valor parcial deverá ser esse a crescer (cf. a concretização do critério da utilidade económica do pedido nas diversas situações a que alude o artigo 297º do Código de Processo Civil). E se, como no caso dos autos, nada peticionar a esse título, nenhum valor deverá acrescer ao valor da ação fixado pelos mencionados trinta meses. Bem andou, pois, o Tribunal Recorrido ao fixar o valor da ação em €6.000,00. Sobre os Réus recaía, caso pretendessem a alteração desse valor, o ónus de dedução de pedido reconvencional, que, nos termos do disposto no artigo 266º, ns. 2, als. b) e c) do Código de Processo Civil, determinaria tal alteração. Não pretenderam, porém, fazê-lo, e independentemente de saber se podiam formular a pretensão de compensação pela via de exceção, certo é que foi por essa via que a formularam e que a mesma foi analisada pelo Tribunal. Improcede, pois, neste ponto, a pretensão recursiva. * III.2.2 Da dispensa de audiência prévia. Entendem os Apelantes que sendo o valor da ação, devidamente calculado, seria superior a metade da alçada da Relação, pelo que não poderia ter sido aplicado o artigo 597º, c) do Código de Processo Civil, pelo que o Tribunal de 1ª Instância ao proferir imediatamente Despacho Saneador Sentença, com base nesse preceito e dispensando a audiência prévia, cometeu dois erros processuais, pois: - omitiu um ato relevante a uma decisão justa e adequada, não permitindo lograr todos os meios de prova, nomeadamente os requeridos por ambas as partes nos momentos devidos, não cumprindo, portanto, com o previsto no artigo 195º, n. 1 e no artigo 591º, nº 1, c) do Código de Processo Civil; - afastou o direito ao contraditório, quando, tendo a intenção de conhecer imediatamente do mérito da causa, proferiu Despacho Saneador Sentença, sem antes facultar às partes a possibilidade de discussão de facto e de direito, desconsiderando o disposto nos artigos 591º, nº 1, b) e no artigo. 3º, nº 3 do Código de Processo Civil. Acrescentam que tal determina a nulidade processual da decisão judicial em causa, por preterição de uma diligência processual obrigatória, nos termos do artigo 195º, nº 1 do Código de Processo Civil e a nulidade da própria sentença, nos termos do artigo 615º, n. 1, d) do Código de Processo Civil. Mas não lhes assiste razão. Desde logo, tendo o valor da ação sido fixado corretamente, como se concluiu no ponto antecedente e sendo consequentemente, a presente ação de valor não superior a metade da alçada da Relação (cf. o art.º 44º, n.º 1, da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26.8), importa concluir pela aplicabilidade do disposto no artigo 597º do Código de Processo Civil. Atentemos nos seguintes preceitos legais que relevam para apreciação da questão a decidir, todos do Código de Processo Civil - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem (artigo 3º, n.º 3). - Cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável (artigo 6º, n.º 1); - Não é lícito realizar no processo atos inúteis (artigo 130º); - O juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo (artigo 547º); - Nas ações de valor não superior a metade da alçada da Relação, findos os articulados, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 590º, o juiz, consoante a necessidade e a adequação do ato ao fim do processo: a) Assegura o exercício do contraditório quanto a exceções não debatidas nos articulados; b) Convoca audiência prévia; c) Profere despacho saneador, nos termos do no n.º 1 do artigo 595º; d) Determina, após audição das partes, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6º e no art.º 547º; e) Profere o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596º; f) Profere despacho destinado a programar os atos a realizar na audiência final, a estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e a designar as respetivas datas; g) Designa logo dia para a audiência final, observando o disposto no artigo 151º (artigo 597º). Na interpretação/aplicação do art.º 597º deverá-se-á concluir que a ponderação acerca da necessidade da realização da audiência prévia é uma decisão levada a cabo no uso dos poderes de gestão e adequação processual (artigos 6º e 547º citados). Contudo, “enquanto nas acções de valor superior a metade da alçada da Relação o juízo de ponderação tem de ser feito em interacção com as partes, que em última análise têm de ser convencidas do bem fundado da decisão do juiz (sendo-lhes atribuído o poder de impor a realização da audiência prévia), nas acções que não atinjam aquele valor, diminuem as necessidades de interacção com as partes e os poderes destas na conformação do resultado (eliminando-se a possibilidade prevista no n.º 3 do art.º 593º), aproximando (se não equiparando) a actividade de ponderação do juiz nesse caso do ‘uso legal de um poder discricionário’ (art.º 630º, n.º 1).[18] O art.º 597º regula os termos posteriores aos articulados nas acções de valor não superior a metade da alçada da Relação, conferindo ao juiz um amplo poder de gestão e adequação processual, norteado pela necessidade e a adequação do acto ao fim do processo.[19] No entanto, mesmo em tais situações, a audiência prévia deve ser convocada sempre que seja a forma mais eficiente de obter a satisfação dos princípios processuais que dela carecem (nesta fase) - maxime, os princípios do contraditório e da cooperação processual. A decisão é discricionária, mas a satisfação dos princípios não o é, pelo que, se o juiz não convocar a audiência, deve oferecer o contraditório por escrito, sempre que, por exemplo, seja necessário ouvir as partes.”[2] Ora, no caso dos autos, por despacho de 26.09.2021 foi determinada a notificação dos Autores para se pronunciarem sobre matéria de exceção invocada na contestação, o que possibilitou a apresentação pelos mesmos Autores de articulado de resposta à contestação. Posteriormente, findos os articulados, foi proferido despacho de aperfeiçoamento dirigido aos Réus, convite a que os Réus responderam através do requerimento de 22.03.2022. Assim, perante os factos, a documentação junta aos autos, a descrita actuação processual e o apontado quadro normativo, era manifestamente desnecessário (inútil e excessivo) realizar quaisquer outras diligências ou audiências, tanto mais que o Tribunal Recorrido considerou anto mais que a defesa apresentada pelos Réus como manifestamente improcedente, como detalhadamente esclareceu na decisão, o que impunha a imediata procedência do pedido sem necessidade de mais provas. Não se verifica, pois, qualquer das nulidades imputadas à decisão, pelo que se conclui pelo naufrágio da pretensão recursiva também neste ponto. * III.2.3. Da impugnação da matéria de facto. Finalmente, entendem os Recorrentes que não se pode dar como provado que os Réus não facultaram o acesso ao interior do locado aquando da vistoria camarária, uma vez que os mesmos não foram, regularmente, notificados, nem há nos autos qualquer prova da regularidade de qualquer notificação, sendo que os Réus, a serem notificados, não teriam criado qualquer obstáculo da visita ao apartamento, visto que os próprios foram quem juntaram aos autos, voluntariamente, a reportagem fotográfica do interior do locado em causa. Mas também neste ponto não lhes assiste razão. Desde logo importa salientar que se trata de facto que não é relevante para a decisão da causa, porquanto o que se considerou na decisão foi que a procedência da ação era imposta pelos fundamentos indicados na petição inicial e pela falta de fundamento da oposição apresentada pelos Réus. Sempre se dirá que o facto consta de documento oficial junto aos autos pelo Município de Portimão em 08-02-2022, através do Ofício datado de 04-02-2022, com a Referência DGUM/SAE/C1/496, no qual pode ler-se, na parte final da página 1/39 e início da página 2/39 da Informação anexa ao referido ofício, que “[f]oram notificados os arrendatários, o C… e a D…, que não se apresentaram no local, nem abriram a porta do apartamento do 3.º Direito, após os técnicos se deslocarem até ao mesmo e baterem à porta, visto não haver outra forma de chamada.” O documento foi notificado às partes, designadamente aos Réus, que ao mesmo nada opuseram, designadamente não o impugnaram. Note-se que o objetivo da notificação do documento junto às partes visa facultar-lhe o exercício do contraditório, a pronúncia sobre a respetiva eficácia formal e sobre a veracidade do seu conteúdo ou eficácia material do seu conteúdo. Não pode, pois discordar-se do juízo probatório do Tribunal “a quo”. Conclui-se desta forma pela improcedência da apelação. *** IV. Decisão. Em face do exposto, acordam em julgar improcedente o recurso, e, consequentemente, em manter a decisão recorrida. Custas pelos Réus/Recorrentes – artigos 527º, ns. 1 e 2 do Código de Processo Civil. Registe e notifique. * Évora, 2022-09-29 (Ana Pessoa) (José António Moita) (Mata Ribeiro) __________________________________________________ [1] Cf. Ac. STJ de 15.03.2007, proferido no âmbito do processo n.º 07B425, acessível em www.dgsi.pt e Salvador da Costa, “Os Incidentes da Instância”, Almedina, Coimbra, 2017, 9ª Ed. pg. 28. [2] Cf. Acórdão da Relação de Coimbra de 22.09.2009, proferido no âmbito do processo n.º 3854/18.0T8PBL-A.C1, acessível em www.dgsi.pt |