Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | SÉRGIO CORVACHO | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO DO ROL DE TESTEMUNHAS CRIME DE DESOBEDIÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 03/10/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | - Para efeitos do artigo 316º, nº1, do CPP, é a viabilidade da comunicação do aditamento ou alteração ao rol de testemunhas aos restantes sujeitos processuais que constitui o fator relevante da sua tempestividade e não a sua apresentação nos serviços do Tribunal. - É entendimento jurisprudencial pacífico que o disposto no art.355º, nº1, do CPP não obsta a que o Tribunal possa valorar como prova os elementos documentais constantes do processo, independentemente de exibição ou leitura em audiência, a menos que, por qualquer razão os sujeitos processuais não tenham podido aceder-lhe, o que não foi o caso. - Constitui um dado da experiência comum que a generalidade das pessoas tem consciência que as providências das autoridades públicas não dependem da concordância dos visados e que estes têm acatá-las, sem prejuízo de poderem contra elas reagir, pelos meios processuais previstos por lei. | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA I. Relatório No Processo Comum nº 565/14.0TASTB, que correu termos no actual Juízo Competência Genérica de Grândola do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, pela Exª Juiz titular dos autos foi ditado para a acta da audiência de julgamento, realizada em 19/12/2017, um despacho do seguinte teor: «Veio o arguido no passado dia 15 de Dezembro (sexta-feira), já após o hora de fecho da secretaria judicial, requerer a alteração e o adicionamento ao rol de uma testemunha. O Ministério Público pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade da alteração ao rol e consequente deferimento do requerido. Dispõem o artigo 316° nº1 do Código do Processo Penal que "O Ministério Público, o assistente, o arguido ou as partes civis podem alterar o rol de testemunhas, inclusivamente requerendo a inquirição para além do limite legal, nos casos previstos nos n.ºs 7 e 8 do artigo 283.°, contanto que o adicionamento ou a alteração requeridos possam ser comunicados aos outros até três dias antes da data fixada para a audiência". Atenta a data da entrada do requerimento o mesmo só pôde ser comunicado ao Ministério Público na segunda - feira dia 18, não podendo assim ser observado o prazo a que alude o artigo 316° nº 1 do Código do Processo Penal. Face à intempestividade de alteração e adicionamento ao rol indefere-se o requerido. Notifique. " Do despacho transcrito interpôs recurso devidamente motivado o arguido JCFS, formulando as seguintes conclusões: 1 - Veio o arguido requerer ao Meritíssimo Juiz o aditamento de testemunha, tendo o Meritíssimo Juiz indeferido, de que se recorre, por estar inibido da busca da verdade material. 2- O despacho viola claramente regras constitucionais, 12°, 13°, 16°, 17º, 18º, 20º, 21º, 25º, 26º, 27º, 29º, 30º, 32º, 51º e 52º da CRP. 3- Foram violados os artigos 609°, 615° do CPC; artigos 116°, n° 1 e 117-B, n° 1 e 2 do CRP, 2078° do C. C., art.30, n° 3 do CPC, 12°, 13°, 16°, 17°, 18°, 20°, 21°, 25°, 26°, 27°, 29°, 30°, 32°, 51°, 52°, da CRP) e) artigos 8°) 311, n° 3 a) do CPP, 302, n° 1, 292, 299, 316 ° do CPP. Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente nos termos legais. Assim se fará a devida justiça! O recurso interposto do despacho de 19/12/2017 foi admitido com subida nos próprios autos, juntamente com o recurso interposto da decisão final e efeito devolutivo. No processo identificado supra, foi proferida sentença, em 5/1/2018, com o seguinte dispositivo: Face ao exposto, julgo a acusação totalmente procedente, por provada e, em consequência: a) - Condeno o arguido JCFS como autor material de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.°, n.º 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à razão diária de 5€ (cinco euros), ou seja, na multa de 400€ (quatrocentos euros). b) - Condeno ainda o arguido no pagamento de 2 (duas) UC de taxa de justiça, e demais encargos com o processo. Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados: 1. No dia 25 de Maio de 2013, pelas 11 horas, na rua da I…, em C……., P…….., a Guarda Nacional Republicana procedeu à apreensão, nos termos do art. 162°, n° 1, al. f), do Código da Estrada, do veículo automóvel ligeiro de passageiros, matricula……. propriedade da ………………………, SA, por circular na via pública sem possuir seguro de responsabilidade civil. 2. O arguido ficou com o dito veículo como fiel depositário, com a obrigação de o não utilizar ou alienar por qualquer forma, de o entregar quando tal lhe fosse exigido, tendo sido notificado de que a utilização ou alienação do veículo o faria incorrer no crime de desobediência. 3. Porém, pese embora tal notificação, o arguido, no dia 5 de Setembro de 2013, pelas 17 horas, no ….., ao Km ……. junto a ……, em ……………a, circulava no dito veículo onde foi surpreendido numa acção de fiscalização das mesmas forças policiais. 4. Ao ser notificado naquela data, teve o arguido pleno conhecimento das obrigações que sobre si impendiam, nomeadamente, a não utilização ou alienação do veículo, bem como teve consciência da ordem que lhe foi dada e das consequências em que incorria caso não a observasse. 5. Agiu com o firme propósito de usar o veículo, bem sabendo que o mesmo se encontrava apreendido, que tal apreensão tinha sido efectuada por autoridade competente e que por isso não o podia conduzir, agindo com o claro intuito de desrespeitar a ordem emanada da autoridade competente. 6. O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal. 7. O arguido não tem antecedentes criminais. 8. Vive sozinho em casa própria. 9. Exerce a profissão de taxista esporadicamente. 10. Estudou até ao 4° ano de escolaridade. Mais se provou da Certidão Permanente da Empresa……………e da Certidão de Nascimento de ……………………….., juntas aos autos, respectivamente a fls. 513 a 518 e 520 11. O arguido foi administrador único da mencionada sociedade entre a data da sua constituição e a data de renúncia a 20-12-2006. 12. Em 16-09-2009 e até ao cancelamento da matrícula da sociedade, que ocorreu em 15-09-2016 foi administrador único da mencionada sociedade BSSS. 13. BSSS, nascida a ………. é filha do ora arguido. Da referida sentença o arguido JCFS veio interpor recurso com devida motivação, tendo formulado as seguintes conclusões: 1- O Sr Juiz não deveria dado como provado os factos provados na sentença 1 a 6, por não ter feito prova da mesma em audiência e julgamento. 2- E deveria ter dado como provado o vertido na contestação do arguido. 3- Com base nas declarações da arguido, obtém-se uma versão, de que a sua conduta nunca foi dolosa, que o arguido teve uma conduta de defesa da posse, perante ordem ilegal. 3- O arguido não tinha o carro a transgredir qualquer regra estradal, pelo que as autoridades não deveriam ter intervindo. 4- O arguido não estava a conduzir, não desobedeceu: a) Ordem ou mandado, a ordem era ilegal, por inexistir violação regra de trânsito; b) Legalidade substancial e formal da ordem ou mandado; c) Competência da autoridade ou funcionário para a sua emissão; d) Regularidade da sua transmissão ao destinatário; 5- Pelo que se não verificam os pressupostos de crime de desobediência. - tinha seguro. 6- Além de que o Tribunal ultrapassou os limites na livre apreciação da prova testemunhal e documental, nos termos do art. 128°, 129° e 355 do CPP, devendo ter dado como provado o inexistir de intenção dolosa do arguido em desobedecer. 7- Os restantes documentos não foram confirmados na audiência, não tendo qualquer valor probatório, nos termos do n° 1 do art. 355° do CPP. 8- Em nome do princípio m dubio pro reo o arguido deveria ter sido absolvido por falta de prova, nos termos do art. 32 n° 2 da CRP, 14, n° 2 do pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, art. 6 n° 2 da Convenção Europeia para a protecção dos Direitos e Liberdades Fundamentais e art. 11° da Declaração Universal dos Direitos do Homem. 9- Além de que o Tribunal ultrapassou os limites na livre apreciação da prova testemunhal e documental, nos termos do art. 128, 129 e 355 do CPP. 10- O tribunal violou os artigos 3° e 32 n° 2 da CRP, n° 1 do art. 355° do CPP, art. 128° n° 1 do CPP, art. 129 n° 1 e n° 2 do CPP, n° 2 do art. 374° do CPP, art. 11 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, art. 6 n° 2 da Convenção Europeia para a protecção dos Direitos e Liberdades Fundamentais e art. 14 n° 2 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, art. 348° do CP. 11- Deveria o Tribunal, como único silogismo e corolário lógico objectivo acordado em absolver o arguido, face à falta de prova e presunção da sua inocência. 12- Deveria o Tribunal aplicar ao arguido uma pena diferente, nomeadamente, mais reduzida, atento o inexistir de precedentes, quanto ao mesmo. Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada, absolvendo-se o arguido. Assim se fará a devida JUSTIÇA! O recurso interposto da sentença foi admitido com subida imediata nos próprios autos, e efeito suspensivo. O MP respondeu à motivação do recorrente, pugnando pela manutenção do decidido, mas sem formular conclusões. A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer sobre o mérito do recurso, defendendo a respectiva improcedência. O parecer emitido foi notificado ao arguido, a fim de se pronunciar, o que ele não fez. Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência. II. Fundamentação Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra. Encontramo-nos perante dois recursos, interpostos pelo mesmo arguido, um deles visando um despacho interlocutório proferido em audiência de julgamento, que lhe indeferiu, por extemporâneo, um aditamento ao rol de testemunhas e o outro a sentença condenatória. A sindicância da sentença recorrida, expressa pelo recorrente nas suas conclusões, desdobra-se nas seguintes questões: a) Impugnação da matéria de facto, com pedido de absolvição do arguido da acusação; b) Subsidiariamente, impugnação da medida da pena aplicada. Ainda que o recurso interposto do despacho interlocutório não questione a validade do processado anterior à sentença, a sua procedência é susceptível, pelo menos em abstracto, de pôr em causa a subsistência desta, porquanto acarretará a admissão de um meio de prova (depoimento de testemunha) que não foi considerado na decisão final. Nesta conformidade, o recurso interposto do despacho interlocutório assume prioridade lógica sobre o que foi dirigido contra a sentença, pelo que conheceremos daquele em primeiro lugar. Em matéria de aditamentos ao rol de testemunhas dispõe o nº 1 do art. 316º do CPP: O Ministério Público, o assistente, o arguido ou as partes civis podem alterar o rol de testemunhas, inclusivamente requerendo a inquirição para além do limite legal, nos casos previstos nos n.ºs 7 e 8 do artigo 283.º, contanto que o adicionamento ou a alteração requeridos possam ser comunicados aos outros até três dias antes da data fixada para a audiência. Os nºs 7 e 8 do art. 283º do CPP, para que remete o dispositivo agora reproduzido, são do seguinte teor: 7 - O limite do número de testemunhas previsto na alínea d) do n.º 3 apenas pode ser ultrapassado desde que tal se afigure necessário para a descoberta da verdade material, designadamente quando tiver sido praticado algum dos crimes referidos no n.º 2 do artigo 215.º ou se o processo se revelar de excecional complexidade, devido ao número de arguidos ou ofendidos ou ao caráter altamente organizado do crime, enunciando-se no respetivo requerimento os factos sobre os quais as testemunhas irão depor e o motivo pelo qual têm conhecimento direto dos mesmos. 8 - O requerimento referido no número anterior é indeferido caso se verifiquem as circunstâncias previstas nas alíneas b), c) e d) do n.º 4 do artigo 340º. O aditamento ao rol de testemunhas do arguido, que o despacho recorrido recusou por extemporâneo, deu entrada em juízo, por via electrónica, no dia 15/12/2017, pelas 17h27m54s, ou seja, já depois da hora de encerramento da Secretaria (fls. 510 a 512). O dia 15/12/2017 recaiu numa sexta-feira, o que significa que os dois dias subsequentes corresponderam, respectivamente a sábado e domingo, nos quais o Tribunal se encontra encerrado, com excepção do serviço urgente assegurado nos turnos de fins de semana, em que o aditamento ao rol de testemunhas em causa obviamente se não inclui. Dado que o início da audiência de julgamento estava agendado para 19/12/2017 (fls. 489), o aditamento ao rol de testemunhas, a que nos reportamos, foi apresentado «formalmente» dentro do prazo fixado pelo nº 1 do art. 316º do CPP, mas em termos tais que inviabilizavam, na prática a sua comunicação, com a antecedência imposta por essa norma, aos outros sujeitos processuais, concretamente, o MP. Ora, para a disposição legal em análise, é a viabilidade da comunicação do aditamento ou alteração ao rol de testemunhas aos restantes sujeitos processuais que constitui o factor relevante da sua tempestividade e não a sua apresentação nos serviços do Tribunal. No caso, a inviabilidade da comunicação atempada do aditamento ao rol de testemunhas decorre exclusivamente do circunstancialismo temporal em que o arguido o apresentou e não de qualquer outro factor que lhe seja alheio. Ao carrear para os autos o aditamento ao rol de testemunhas, a que vimos aludindo, o arguido não invocou qualquer circunstância susceptível de constituir justo impedimento da sua apresentação tardia, nos termos do art. 107º nºs 2 e 3 do CPP. Nestas condições, não poderia o Tribunal «a quo» ter deixado de decidir como decidiu, rejeitando o aditamento ao rol de testemunhas do arguido, por ter sido extemporaneamente apresentado. Em sede de recurso, alega o arguido que o despacho em crise o inibiu de fazer a demonstração da verdade material, mas tal afirmação carece de sustento. O nº 1 do art. 340º do CPP dispõe: O tribunal ordena, oficiosamente ou a requerimento, a produção de todos os meios de prova cujo conhecimento se lhe afigure necessário à descoberta da verdade e à boa decisão da causa. Caso fosse entendimento do arguido que o depoimento da testemunha indicada no aditamento ao rol recusado pelo despacho recorrido era indispensável à demonstração de facto essencial à sua defesa, nada mais lhe restaria fazer do que requerer ao Tribunal a sua inquirição, ao abrigo da disposição legal agora transcrita. É claro que, nesse contexto, sempre incumbiria ao arguido o ónus de convencer da necessidade do depoimento em causa à descoberta da verdade ou para boa decisão da causa, o que, seguramente, não deveria ser difícil conseguir, se fosse mesmo esse o caso. De todo o modo, o arguido não requereu, posteriormente à rejeição do aditamento ao rol pelo despacho recorrido, a inquirição da testemunha que o integrava, ao abrigo do nº 1 do art. 340º do CPP. Nas conclusões por si formuladas, o recorrente vem invocar a violação pelo despacho recorrido de disposições constitucionais e legais indicadas «a granel», à semelhança do que fez, com uma ou outra alteração de pormenor, nos muitos recursos que vem interpondo ao longo do presente processo, algumas das quais nem são referidas no texto da motivação propriamente dita. Parece-nos ilustrativo da seriedade com que o arguido fundamenta as suas posições o facto de ter alegado, por exemplo, a transgressão pelo despacho em crise de preceitos como os arts. 25º (Direito à integridade pessoal), 51º (Associações e partidos políticos) e 52º (Direito de petição e direito de acção popular). A al. c) do no nº 1 do art. 379º do CPP fulmina de nulidade a sentença que enferme de «omissão de pronúncia», que ocorre quando o Tribunal se abstenha de conhecer de alguma questão, que lhe tenha sido colocada e que esteja vinculado a apreciar, tanto em matéria de facto como de direito. No recurso interposto do despacho interlocutório a única verdadeira questão suscitada pelo recorrente e sobre a qual este Tribunal está obrigado a pronunciar-se reside na admissibilidade do aditamento ao rol de testemunhas do arguido. Em semelhante contexto, os normativos constitucionais e legais mobilizados pelo recorrente como tendo sido violados pelo despacho recorrido não integram verdadeiras questões que o Tribunal de recurso esteja vinculado a dirimir, mas simples argumentos que ele é livre de discutir ou não expressamente. Ainda assim, saliente-se que o recorrente invoca abundantemente a violação de disposições constitucionais pelo despacho impugnado, mas não suscita nenhuma verdadeira questão de inconstitucionalidade normativa, que é a aplicação de norma de direito infra-constitucional ou sua interpretação em sentido contrário a norma ou princípio da Lei Fundamental. Finalmente, importa recordar que a subordinação dos actos dos sujeitos processuais a prazos cominatórios não comporta, em si mesma, uma compressão dos seus direitos ou legítimos interesses, mas antes constitui um instrumento indispensável de disciplina do processo, sem o qual este se arrisca a não atingir o seu fim normal. No que toca ao oferecimento de meios de prova, somos de entender que o sistema processual penal proporciona válvulas de segurança suficientes, como a figura do justo impedimento ou o mecanismo previsto no nº 1 do art. 340º do CPP, a que já fizemos alusão, em termos de evitar que algum arguido venha ser vítima de uma condenação injusta por não ter conseguido trazer perante o Tribunal, sem culpa sua, os elementos necessários à sua defesa Consequentemente, sem necessidade de mais considerações, terá de improceder o recurso interposto pelo arguido do despacho interlocutório de 19/12/2017. Passaremos a conhecer das questões suscitadas pelo recorrente, no recurso interposto da sentença, pela ordem em que as enunciámos supra, que é também a da prioridade lógica da sua apreciação. Tem vindo a constituir jurisprudência constante dos Tribunais da Relação a asserção segundo a qual o recurso sobre a matéria de facto não envolve para o Tribunal «ad quem» a realização de um novo julgamento, com a reanálise de todo o complexo de elementos probatórios produzidos, mas antes tem por finalidade o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, que tenham afectado a decisão recorrida e que o recorrente tenha indicado, e, bem assim, das provas que, no entender deste, impusessem, e não apenas sugerissem ou possibilitassem, uma decisão de conteúdo diferente. A pretensão recursiva em matéria de facto resume-se à relegação para a matéria não provada do conteúdo dos pontos 1 a 6 da matéria provada. Além disso, sustenta o recorrente que o Tribunal «deveria ter dado com provado o vertido na contestação do arguido». Confrontada tal peça processual, verifica-se que não contém a alegação de quaisquer factos, mas sim a negativa pura e simples dos factos imputados pela acusação (fls. 394 e 395). Os factos impugnados pelo recorrente reconduzem-se, a bem dizer, ao conteúdo factual do libelo acusatório e a sua impugnação assenta na valorização para efeitos de convicção das declarações do próprio arguido. Para fundamentar o juízo probatório emitido, o Tribunal «a quo» expendeu (transcrição com diferente tipo de letra): 3. Motivação da matéria de facto Para a decisão quanto à matéria de facto acima descrita e assente, o tribunal fundou a sua convicção na análise e valoração crítica da prova produzida em audiência e da prova documental junta aos autos, nomeadamente: No que concerne aos factos imputados ao arguido, que consubstanciam a prática de um crime de desobediência, o tribunal teve em consideração o Auto de contra-ordenação, a fls. 4, os autos de apreensão de veículo a fls. 5-7, e 8-9, a informação do IMT, a fls. 11. Sendo a prova dos factos integradores deste crime de desobediência maioritariamente documental, o tribunal teve ainda em consideração os depoimentos dos militares da GNR LMS, LABS e PFLA, os quais confirmaram os autos de contra-ordenação, bem comos os de apreensão constantes dos autos e por estes elaborados, bem como os motivos que levaram à elaboração dos mesmos. O Tribunal teve ainda em conta a testemunha de defesa ouvida, MTPS, a qual confirmou que no dia 5 de Setembro de 2013 viajava com o arguido no mencionado veículo quando foram fiscalizados por elementos da GNR. Mais referiu a mencionada testemunha que o veículo era algumas vezes utilizado pelo arguido, conhecia o veículo como sendo o carro que de vez em quando o arguido utilizava e que conviveu com o arguido e com a filha B, não notando qualquer tipo de crispação na relação entre ambos. Mais referiu que o arguido é taxista na zona de L. A testemunha prestou um depoimento sério e isento, merecedor da credibilidade do tribunal. No que concerne à versão apresentada pelo arguido, a mesma carregada de contradições e marcada pela falta de verdade, não mereceu qualquer credibilidade por parte do tribunal. Alegou o arguido que o veículo foi apreendido quando se encontrava num estacionamento e o mudava de sítio nesse mesmo estacionamento. Este facto não foi confirmado pelos militares que procederam à apreensão do veículo, sendo por estes contraditado. Mais alegou que o veículo não era seu, mas sim de uma empresa de umas pessoas que eram imigrantes, mas que de vez em quando lhe pediam para fazer serviços. Por tal facto em 2013 solicitaram-lhe a realização de um serviço e só por isso é que se encontrava a circular com o carro. No que concerne à apreensão e contra-ordenação a ela inerente, referiu que entregou os papeis às tais pessoas imigrantes e que quando lhe solicitaram para fazer o serviço em 2013 lhe disseram que estava tudo correcto com o veículo. Desconhecia por isso que o mesmo se encontrava apreendido. Ora, esta versão seria possível, em termos de ocorrência normal das circunstâncias, não fosse a certidão de matrícula permanente junta aos autos. Veja-se que o arguido foi administrador único da sociedade proprietária do veículo e que após a renúncia a tal cargo era a sua filha a administradora única. Confrontado várias vezes com perguntas sobre se contactava que os donos da empresa proprietária do carro, o arguido fez sempre referência a pessoas com as quais não tinha qualquer ligação, o que se veio a provar não ser real. Mesmo no que concerne à filha, o próprio só admitiu a relação de parentesco com a mesma quando confrontado pelo tribunal com a certidão de nascimento. Se é certo que os arguidos se podem remeter ao silêncio e que não estão obrigados a prestar juramento, também é certo que o seu contributo para a descoberta da verdade material em tudo os beneficia na medida da pena, relevando ainda como factor de apreciação da capacidade de interiorização da ilicitude do seu comportamento. A versão trazida pelo arguido foi exactamente o contrário daquilo que seria expectável e exigível a um cidadão honesto. Apresentou uma postura desculpabilizante, incoerente e inverossímel, tentando ludibriar o tribunal com factos e afirmações que sabiam ser falsos. O Tribunal fundou ainda a sua convicção no teor do CRC do arguido junto aos autos no que concerne à ausência de antecedentes criminais, bem como nas suas declarações, apenas quanto à sua situação pessoal e económica. Mais fundou o tribunal a sua convicção nas certidões juntas aos autos a fls. 513 a 518 e 520. No que concerne à componente subjectiva da conduta, a prova resultou da conjugação dos restantes factos objectivos susceptíveis de comprovar tal factualidade, já que o modo de operar do arguido é bem revelador de que a sua intenção foi, desde o início, desobedecer à ordem que lhe fora regularmente transmitida, agindo com o firme propósito de usar o veículo, bem sabendo que o mesmo se encontrava apreendido, que tal apreensão tinha sido efectuada por autoridade competente e que por isso não o podia conduzir. O arguido não alegou quaisquer factos na sua contestação, limitando-se a afirmar que o conteúdo da acusação é falso, pelo que da mesma não resultaram quaisquer factos provados ou não provados. Procedemos à audição do registo sonoro da prova pessoal relevante para a impugnação em apreço. O recorrente põe em causa a validade da valoração pelo Tribunal da prova documental, com a qual o arguido ou as testemunhas não tenham sido confrontados em audiência, por desconforme ao disposto no nº 1 do art. 355º do CPP. Tal disposição legal reza: Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência. Ora, parece-nos ser entendimento jurisprudencial pacífico que a norma legal agora transcrita não obsta a que o Tribunal possa valorar como prova os elementos documentais constantes do processo, independentemente de exibição ou leitura em audiência, a menos que, por qualquer razão os sujeitos processuais não tenham podido aceder-lhe, o que não foi o caso. Desde logo, diremos que concordamos com as razões que levaram o Tribunal «a quo» a denegar poder de convicção às declarações prestadas pelo arguido, as quais nos surgem como razoáveis, racionais, não arbitrárias e compatíveis com os critérios, que, nos termos do art. 127º do CPP, devem orientar o exame crítico da prova e que se reconduzem à experiência comum, a normalidade das coisas e a lógica geralmente aceite. Em particular, afigura-se-nos especialmente gritante, em detrimento da credibilidade das declarações em análise, o facto de serrem desmentidas pela prova documental carreada para os autos, no que toca ao relacionamento entre o arguido a empresa proprietária da viatura interveniente nos factos incriminados, o qual está reflectido nos pontos 11 a 13 da matéria provada. Foi esta postura de distanciamento em relação à proprietária do veículo, aliada à alegação de que não estava conduzir numa via pública, mas sim num parque de estacionamento, que o levaram a não assinar o expediente relativo à apreensão descrita no ponto 1 da matéria assente, a fim de marcar a sua discordância. Contudo, inexiste motivo razoável para acreditar que o arguido se tenha genuinamente convencido que, por manifestado essa posição discordante, o veículo não ia continuar apreendido, com todas as consequências daí decorrentes, mormente, a proibição de utilização. Na verdade, constitui um dado da experiência comum que a generalidade das pessoas, mesmo com baixo nível de instrução, tem consciência que as providências das autoridades públicas não dependem da concordância dos visados e que estes têm acatá-las, sem prejuízo de poderem contra elas reagir, pelos meios processuais previstos por lei. No limite, poderão ocorrer situações em que a intervenção da autoridade policial seja manifestamente descabida e não apenas juridicamente discutível, como muitas vezes sucede, e o cumprimento da ordem provoque dano a direito ou interesse juridicamente protegido do visado, que não seja susceptível de ser revertido por uma ulterior decisão não sancionatória, no final do processo de contra-ordenação, assim justificando o apelo ao direito de resistência constitucionalizado no art. 21º da CRP. Não vislumbramos que os mencionados pressupostos se mostrem reunidos. Na mesma ordem de ideias, tão pouco é concebível que o arguido tenha interiorizado, conforme invocou, que «tudo ficou resolvido» com a impugnação da coima e que poderia voltar a utilizar o veículo em causa. O arguido não questiona o facto objectivo descrito no ponto 4 da matéria provada, pois admite-o nas suas declarações, mas apenas que o veículo por si conduzido permanecesse em situação de apreendido e que tal realidade fosse do seu conhecimento. A realidade da apreensão está demonstrada, antes de mais, documentalmente, em condições tais que o arguido não podia deixar de ter tido dela conhecimento, e não são de atender, à luz dos critérios orientadores da apreciação da prova, as alegações feitas pelo arguido no sentido de que assim não seria ou que disso estivesse convencido. O recorrente sustenta que, ao ter julgado provados os factos por si impugnados, o Tribunal «a quo» vulnerou a regra «in dubio pro reo». O referido postulado constitui um afloramento ao nível da apreciação da prova do princípio constitucional da presunção de inocência do arguido, consagrado no art. 32º nº 2 da CRP, e obriga o Tribunal a julgar não provado qualquer facto constitutivo ou agravante da responsabilidade criminal do arguido, sempre que sobre ele prevaleça uma dúvida razoável, racional e insanável. Temos entendido que só ocorre uma dúvida justificativa do apelo ao «in dubio pro reo», quando, depois de concluído o exame crítico da prova, permaneça em aberto uma hipótese factual alternativa, que não seja de rejeitar, em face dos critérios orientadores dessa operação. No caso em apreço, a análise da prova efectuada pelo Tribunal «a quo» e por nós secundada no presente acórdão não deixou espaço lógico para decidir de outra forma que não aquela que o recorrente quer reverter. Consequentemente, não foi indevidamente postergada a regra «in dubio pro reo». Nos pontos 8, 9 e 10 das suas conclusões, o recorrente veio invocar a transgressão de um vasto conjunto de normas legais, constitucionais e de instrumentos de direito internacional vigentes na ordem jurídica portuguesa, a que a preterição do «in dubio pro reo» terá dado origem. Embora tenhamos conhecimento de decisões em sentido diverso, defendemos que a inobservância de um critério legal de apreciação de prova não constitui uma questão jurídica autónoma de que o Tribunal tenha de conhecer, sob pena de se apagar totalmente a fronteira entre matéria de facto e matéria de direito, que assume uma relevância primordial em direito processual. Nesta conformidade, terá de improceder a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deduzida pelo recorrente. Importa então abordar a vertente subsidiária da pretensão recursiva: a impugnação da medida da pena, em que foi o arguido condenado. Os critérios, que devem presidir à quantificação da pena concreta, são os estabelecidos pelo art. 71º do CP, o qual, sob a epígrafe «Determinação da medida da pena», estatui: 1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. 3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena. O nº 1 do art. 40º do CP estabelece como finalidade da aplicação de penas a protecção de bens jurídicos, que se reconduz, essencialmente, à prevenção geral e especial da prática de crimes, e a reintegração do agente na sociedade e o nº 2 do mesmo normativo prescreve que em caso algum a pena ultrapasse a medida da culpa. O crime de desobediência, na modalidade simples preenchida pelo arguido, é punível pelo art. 348º nº 1 do CP com pena de prisão até 1 ano ou multa até 120 dias. A fundamentação jurídica da sentença sob censura, na parte que agora nos interessa, é do seguinte teor (transcrição com diferente tipo de letra): b) - Da determinação da medida concreta da pena. De acordo com o disposto no artigo 40° do Código Penal, a aplicação das penas e das medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo, em caso algum, a medida da pena ultrapassar a medida da culpa. A medida da pena tem como primeira referência a culpa, funcionando depois, num segundo momento mas ao mesmo nível, a prevenção. A este propósito pode ler-se no Acórdão do STJ de 09/12/98: "A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir." Quanto à prevenção, constitui um fim relevando para a determinação da pena necessária, em função da maior ou menor exigência do ponto de vista preventivo, acabando por fornecer, em último termo, a medida da pena. A este propósito é costume fazer-se referência à prevenção geral e à prevenção especial e, no que toca a cada uma delas, a prevenção positiva e a prevenção negativa. A prevenção geral positiva, finalidade primária da pena, é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime. A qual tem como vertente negativa a intimidação geral. Por outro lado, dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, a medida concreta da pena será encontrada em função da necessidade de socialização do agente (prevenção especial positiva) e de advertência individual (prevenção especial negativa). Assim, e como se pode ler no Acórdão do STJ de 15/12/99, a determinação concreta da pena é feita, nos termos dos artigos 40 e 70° do Código Penal " em função da culpa (que fixa o limite máximo inultrapassável em razão do respeito pela inviolável dignidade da pessoa) das exigências de prevenção geral positiva ou de integração (que conduzem a uma moldura abstracta fixada entre um limite mínimo correspondente ao quantum indispensável à manutenção da confiança da comunidade na validade das normas infringidas, e um limite máximo em correspondência com o ponto óptimo dessa defesa do ordenamento jurídico, desde que não exceda o referido limite derivado da medida da culpa) e bem assim em função das necessidades de prevenção especial de socialização (que determinam o quantum concreto da pena dentro daquela moldura de prevenção geral)." Em termos abstractamente considerados a pena aplicável ao crime de desobediência simples é de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias. O crime em causa admite, como pena alternativa à pena de prisão, a pena de multa. Assim, cumpre atender ao disposto no artigo 70°, do Código Penal, o qual estabelece que se ao crime forem aplicáveis em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o Tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. A opção por um pena detentiva ou não da liberdade, depende sempre da situação concreta a valorar e decidir, tendo presentes as exigências e os objectivos das prevenções geral e especial. No caso, atende-se ao facto de o arguido se mostrar inserido social e familiarmente. Igualmente importa considerar que não houve consequências dos factos praticados. O arguido não tem antecedentes criminais. Pelo que entende o tribunal que a pena não privativa da liberdade, no caso em apreço, ainda realiza de forma adequada as finalidades da punição. A determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, tendo em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido, designadamente o grau de ilicitude do facto, o modo de execução do crime, o dolo directo, as condições pessoais do arguido e a sua situação económica (agregado familiar e proventos e encargos do mesmo), a conduta anterior e posterior ao crime. O Prof. Figueiredo Dias in «Temas Básicos da Doutrina Penal», Coimbra Editora, pág. 111, ensina que «Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; dentro deste limite máximo ela determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.». A culpa não é susceptível de uma medição exacta e assim sendo é dado ao julgador uma margem significativa para a sua apreciação. Neste contexto, ao emitir o juízo de culpa e determinar a pena, o julgador, apesar de dispor de um poder discricionário, como ensina o Prof. Figueiredo Dias - cfr. Liberdade Culpa Direito Penal, pág. 184 - , «não pode furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita e, assim, o critério essencial da medida da pena.». Como é jurisprudência dominante, diríamos unânime, dos Tribunais supenores a aplicação de uma pena de multa não pode consistir numa forma disfarçada de absolvição. O fim último das penas é a incessante procura de ressocialização dos delinquentes e esta terá sempre que começar no julgamento pela criteriosa apreciação da conduta, subsunção legal adequada e, quando for caso disso, com aplicação de uma pena proporcional à medida da culpa. Só a conjugação destes parâmetros contribuirá para uma assunção e interiorização da culpa por parte do arguido e, aceite esta, a sua recuperação e integração social será com certeza melhor conseguida. Contra o arguido depõe a sua falta de arrependimento e a sua postura desculpabilizante, reveladora da falta de interiorização da ilicitude da sua conduta. / Porém, o mesmo não tem antecedentes criminais e denota inserção social e familiar. O grau de ilicitude mostra-se mediano. Pelo que ponderados todos os elementos, designadamente, a culpa mediana do arguido, as necessidades de prevenção especial que são medianas e as de prevenção geral, essas sim bastante elevadas, atenta a frequência com que a norma é violada. Estão em causa princípios fundamentais do Estado de Direito. A postura comum dos cidadãos de que as autoridades só pretendem incomodar ou perseguir os utilizadores das estradas, para puderem levantar autos de notícia, numa clara atitude de "caça à multa", deve ser erradicada. É necessário que a comunidade interiorize que as autoridades exercem os seus deveres, sejam eles de protecção ou de fiscalizam, com o intuito único de salvaguardar os direitos dos próprios cidadãos, na grande maioria das vezes em condições precárias e com excesso de serviço. Aceitar a desobediência sistemática é pôr em crise o próprio Estado de Direito, entende o Tribunal como adequado aplicar ao arguido a pena 8ü (oitenta) dias de multa. A cada dia de multa corresponde uma quantia fixada entre €5 e €500, nos termos do artigo 47°, n.º 2, do Código Penal. Tendo presente que a pena de multa é uma verdadeira sanção, com os inerentes custos para quem a suporta, na fixação da sua taxa diária o tribunal não poderá nunca olvidar as circunstâncias essenciais para a sua determinação e, estas, são primordialmente as decorrentes da situação económica e financeira do arguido e os reflexos na sua vida familiar, quando a haja. Atentos os factos dados como provados, no que a esta parte concerne entende-se justa fixar o quantitativo diário da multa em 5 (cinco) euros. É a taxa que se nos afigura ajustada à situação económica apresentada pelo arguido, em obediência ao disposto no art. 47.° do Código Penal. Tendo o Tribunal de Julgamento optado pela imposição de uma pena patrimonial, a sua concretização desdobra-se, como é sabido em dois momentos: o da sua duração temporal e a do seu quantitativo diário. Dado que a sentença em crise fixou a taxa diária da pena de multa, em que o arguido foi condenado, no mínimo legal de € 5, apenas teremos de curar, no âmbito de presente recurso da eventual diminuição da sua duração temporal. O Tribunal «a quo» quantificou em 80 dias a duração temporal da sanção, valor que se situa acima do ponto médio da moldura abstractamente aplicável (60 dias) e coincide com o segundo terço da mesma. Desde logo se nos afigura, salvo o devido respeito, que o Tribunal recorrido não valorizou na sua justa medida a falta de antecedentes criminais do arguido, conjugada com a sua idade. Segundo consta dos seus elementos de identificação, que figuram no relatório da sentença sob recurso, o arguido nasceu em ……., contando 53 anos de idade, ao tempo em que praticou os factos por que responde. O evocado quadro factual é revelador, por parte do arguido, de um percurso pessoal relativamente consolidado na observância das regras de direito, podendo atribuir-se natureza episódica à conduta incriminada no presente processo. Daí resulta uma sensível diminuição das necessidades de prevenção especial. Nesta conformidade, e não obstante o arguido não poder valer-se de atenuantes como a confissão ou o arrependimento, a medida da duração temporal da pena de multa aplicada é passível de compressão em benefício do recorrente, sem que com isso resulte comprometida a realização das finalidades preventivas da punição. Por conseguinte, entendemos por justo e equilibrada a diminuição para 50 dias da medida temporal da pena. III. Decisão Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em: a) Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido de um despacho interlocutório proferido em 19/12/2017, que lhe rejeitou um aditamento ao rol de testemunhas, e manter a decisão recorrida; b) Conceder provimento parcial ao recurso interposto da sentença pelo arguido e revogar a decisão recorrida, nos termos da alínea seguinte; c) Condenar o arguido pela prática de um crime de desobediência qualificada, p. e p. pelo artigo 348° nº 1 al. b) do CP, reduzindo a medida da pena para 50 (cinquenta) dias de multa e mantendo-se inalterada a sua taxa diária de € 5 (cinco euros), o que perfaz uma multa global de € 250 (duzentos e cinquenta euros); d) Negar provimento ao mesmo recurso, quanto ao mais e confirmar a decisão recorrida. Custas do recurso interposto do despacho interlocutório a cargo do recorrente, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça Sem custas o recurso da sentença. Notifique. Évora 10/3/20 (processado e revisto pelo relator) (Sérgio Bruno Póvoas Corvacho) (João Manuel Monteiro Amaro) . |