Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
| ||
| Relator: | ANA PESSOA | ||
| Descritores: | CONTRATO DE COMPRA E VENDA EFICÁCIA REAL EFICÁCIA OBRIGACIONAL TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE | ||
| Data do Acordão: | 03/16/2023 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | O contrato de compra e venda é um contrato consensual quad effectum, uma vez que, acordados quanto às condições (nomeadamente, objecto e preço), dá-se a transferência da propriedade (cf. arts.º 232.º, 408.º n.º 1, 875.º e 879.º al. a) do CCiv.)”, sendo “o acordo das partes que determina a formação do contrato, não dependendo esta nem da entrega da coisa, nem do pagamento do preço respectivo”. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | ACORDAM NA 1.ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE ÉVORA
I. Relatório Lease Plan Portugal – Comércio e Aluguer de Automóveis e Equipamentos Unipessoal Lda., NIF 502167610, propôs a presente ação declarativa de condenação contra AA, pedindo que seja declarada a anulação do contrato de compra e venda do veículo automóvel, com fundamento em erro qualificado por dolo nos termos do artigo 253.º do Código Civil, e a condenação do Réu a restituir o veículo da marca Ford, modelo Focus RS 2.3 Ecoboost, com a matrícula ..-RJ-.., bem como ao pagamento de uma indemnização, em valor a ser apurado em incidente de liquidação. Subsidiariamente, pediu: - Que se declare a anulação do contrato com fundamento em erro na formação da vontade, e seja o réu condenado à restituição à autora do montante de 32.000,00€ (trinta e dois mil euros) ou, ainda subsidiariamente, - Que se declare a anulação do contrato com fundamento em erro na formação da vontade, e seja o réu condenado a restituir à autora o veículo objecto dos presentes autos ou, subsidiariamente, - A condenação do Réu a pagar à autora o montante de €18.300,00, correspondente à contraprestação do contrato de compra e venda. Alegou para tanto e em suma, que no desenvolvimento da sua atividade social, celebrou um contrato de locação operacional com a sociedade L..., Unipessoal, Lda., detida pelo Réu, tendo por objeto o veículo automóvel com a matrícula ..-RJ-.., que perto do período de cessação desse contrato, o Réu, a título pessoal, contactou-a com vista a apurar as condições de aquisição desse veículo, tendo os serviços da Autora indicado o preço de €19.000,00, que veio posteriormente a ser retificado para €18.300,00, mediante entrega de fatura pró-forma desse montante. Acrescentou que previamente à formalização do acordo, a Autora detetou que o preço indicado não era o correto – o que não poderia ser desconhecido do Réu –, já que se tratava de uma viatura especial e que para efeitos de venda, com valor de mercado naquela data na ordem dos €32.000,00, mas que havia sido caracterizada pelos serviços da Autora como um modelo genérico, conhecendo o Réu o erro em que a Autora laborou (já que havia previamente escolhido a viatura), pretendendo aproveitar-se de um lapso com vista a adquirir um veículo por preço que sabia não ser correspondente ao respectivo valor de mercado. Sustentou, assim, que sofreu os danos correspondentes à deterioração do valor do veículo (pois o Réu permaneceu no gozo do mesmo), agindo com dolo, pois tinha o dever de elucidar a Autora do lapso cometido (e conhecido do Réu), mantendo-se em silêncio com o propósito de garantir a manutenção do estado de coisas, que seriam vantajosas para si e que todo o modo, sempre haveria erro na formação da vontade, determinativo da anulação do negócio, não sendo desconhecido do Réu a essencialidade do elemento sobre o qual a Autora laborou em erro. * Regularmente citado, o Réu contestou a ação, invocando as exceções de caso julgado e de caducidade, conquanto o pagamento do preço ocorreu em 29.06.2020, pelo que tendo a ação entrado em 08.09.2021, caducou o direito à invocada anulação do negócio jurídico. No mais, sustentou que se confessa devedor do valor de €18.300,00 pela aquisição do veículo (preço pago, mas recusado e devolvido pela Ré). Quanto ao mérito da ação, negou ter ludibriado ou de algum modo ter contribuído para o invocado erro da Autora, que é especialista do ramo automóvel, razão pela qual, melhor que ninguém, conhece as avaliações dos veículos que coloca no mercado, que encabeçando a sociedade L..., Unip., Lda., suportou uma mensalidade de €870,87, num total pago até 02.06.2020, de €41.801,76, parecendo-lhe aliás exagerado o valor proposto de €18.300,00, pois uma vez somados (€41.801,76+€18.300,00), o custo suportado com a aquisição do veículo ascenderia a cerca de €60.000,00, o que era superior ao seu valor de mercado, sendo que não contribuiu de modo algum para a formação do preço proposto pela Autora, não atuando com dolo nem desconfiando que a vontade negocial da Autora se encontrava viciada. * A Autora respondeu às exceções, pugnando pela respetiva improcedência. Foi proferido despacho que saneou os autos e julgou improcedentes as exceções invocadas, procedeu-se à identificação do objeto do litígio, fixou-se a matéria já assente no final dos articulados e enunciaram-se os temas de prova, com reclamações que foram decididas. Teve lugar a audiência de julgamento, no termo da qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Face às razões de facto e de direito supra indicadas, decido julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência: A) Absolvo o Réu do pedido de anulação do negócio de compra e venda do veículo marca Ford, modelo Focus 2.3 Ecoboost RS 350 Cv 5p, com a matrícula ..-RJ-..; B) Em função do decidido em A), julgo prejudicado o conhecimento da tutela indemnizatória pedida pela Autora; C) Condeno o Réu a pagar à Autora a quantia de €18.300,00 (dezoito mil e trezentos euros); Custas a cargo da Autora (art.º 527.º n.º 1 e 535.º n.º 1 e 2 al. a) do Código de Processo Civil). Registe e notifique.” * Inconformada com a decisão prolatada, a Autora dela interpôs recurso, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões: 1. A recorrente vem interpor o presente recurso da sentença proferida no âmbito do processo n.º 4597/21.3T8STB, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, no Juízo Local Cível de Setúbal, Juiz 3, que julgou a presente ação parcialmente procedente, ao não ter considerado existirem fundamentos para a anulação do contrato de compra e venda celebrado entre a recorrente e o recorrido, com fundamento em erro-vício. 2. Com efeito, no entender da recorrente, o Tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, ao ter dado como provados os factos assentes nos pontos 40), 41) e 42) do respetivo segmento da sentença recorrida, e errou na apreciação dos factos assentes nos pontos iv) e v) da matéria de facto dada como não provada. 3. Por sua vez, o Tribunal a quo efetuou, igualmente, uma incorreta interpretação das normas jurídicas constantes dos artigos 227.º, n.º1, 253.º, do Código Civil, relativamente ao erro qualificado por dolo, e dos artigos 247.º, e 251.º do referido Código, em relação ao erro simples. 4. Com o facto assente no ponto 40) da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo efetuou um erro grosseiro na apreciação da prova produzida nos presentes autos, nomeadamente, pelo facto de ter ignorado as declarações de parte do recorrido. 5. Nas suas declarações de parte, prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento realizada a 10 de maio de 2022, nos minutos 00:01 a 45:40 das gravações da referida diligência, mais concretamente, nos minutos 07:29 a 09:19, o recorrido veio admitir que, antes de contactar a recorrente com vista à aquisição do veículo com a matrícula ..-RJ-.., procedeu a uma pesquisa de mercado para apurar o valor expectável para a aquisição da viatura. 6. Sendo que, com essa pesquisa, o recorrido apurou que veículos com características semelhantes se encontrariam a ser vendidos por preços a rondar os vinte e nove mil euros (29.000,00€) e os trinta mil euros (30.000,00€) – cfr. declarações de parte do recorrido, que constam nos minutos 00:01 a 45:40 das gravações da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de maio de 2022, mais concretamente, nos minutos 07:29 a 09:19. 7. E quando questionado sobre o valor de mercado da viatura objeto dos presentes autos, o recorrido referiu que o mesmo deveria encontrar-se à volta dos vinte e oito mil euros (28.000,00€) - cfr. declarações de parte do recorrido, que constam nos minutos 00:01 a 45:40 das gravações da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de maio de 2022, mais concretamente, nos minutos 07:29 a 09:19. 8. Ou seja, aquilo que ficou demonstrado, e que foi confessado pelo próprio recorrido, é que, ainda que não tenha sido concretamente apurado, o valor de mercado do veículo com a matrícula ..-RJ-.., em abril de 2020, esse valor era, seguramente, superior a vinte e oito mil euros (28.000,00€), e não apenas superior a dezassete mil e duzentos euros (17.200,00€). 9. Por conseguinte, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e tendo por base as declarações de parte do recorrido (minutos 07:29 a 09:19), formuladas na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de maio de 2022, a recorrente entende que o facto assente no ponto 40) da matéria de facto dada como provada, deve ser alterado no seguinte sentido: “Era do conhecimento do Réu que, em Abril de 2020, a viatura ford focus, com matrícula ..-RJ-.., tinha um valor de mercado seguramente superior a vinte e oito mil euros (28.000,00€).”. 10. No que se refere aos factos assentes nos pontos 41) e 42) da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo não fundamentou discriminadamente a sua decisão, e remeteu apenas para o teor dos Docs.º 2 e 4 juntos pelo recorrido com a contestação, em 22 de outubro de 2021, com a referência CITIUS n.º 6056655, que são da autoria da recorrente. 11. O mencionado Doc.º 4, junto pelo recorrido com a contestação, em 22 de outubro de 2021, com a referência CITIUS n.º 6056655, corresponde a um requerimento apresentado pela recorrente, em resposta à oposição apresentada pela sociedade L..., no âmbito do procedimento cautelar, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de 12. O documento em questão, veio corrigir o valor venal da viatura com a matrícula ..-RJ-.., que era de trinta e cinco mil euros (35.000,00€) que tinha sido, erradamente, indicado anteriormente na quantia de dezassete mil e duzentos euros (17.200,00€). 13. Erro este que se encontra refletido no Doc.º 2 junto pelo recorrido com a contestação, em 22 de outubro de 2021, com a referência CITIUS n.º 6056655, e que o Tribunal a quo sustentou para dar como provado o facto assente no ponto 41) do respetivo segmento na sentença recorrida. 14. Ou seja, o cálculo do veículo com a matrícula ..-RJ-.., constante do Doc.º 4 junto pelo recorrido com a contestação, em 22 de outubro de 2021, com a referência CITIUS n.º 6056655, veio colocar em causa a veracidade da declaração representada no Doc.º 2, junto também com este articulado, porquanto esta última tinha sido efetuada em erro. 15. Pelo que, nos termos do artigo 359.º, n.º 1, do Código Civil, considerando que a declaração confessória constante do mencionado Doc.º 2 junto pelo recorrido com a contestação, em 22 de outubro de 2021, com a referência CITIUS n.º 6056655, não poderia o Tribunal a quo ter dado como provado o facto atualmente assente no ponto 41) dos factos dados como provados. 16. Assim, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, entende a recorrente que, de acordo com o Doc.º 4 junto com a contestação do recorrido, em 22 de outubro de 2021, com a referência CITIUS n.º 6056655, o facto assente no ponto 41) dos factos dados como provados, deve ser completamente removido do elenco da matéria de facto constante da sentença ora recorrida, enquanto o facto assente no ponto 42) do referido segmento da sentença recorrida, deve passar a ter a seguinte redação: “Em 26/04/2021, após constatar o lapso no cálculo do valor venal do veículo com a matrícula ..-RJ-.., a Autora corrigiu o mesmo para o montante de 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros)”. 17. Acresce que, no que se refere ao facto assente no ponto iv) da matéria de facto dada como não provada, 18. Com efeito, foi reconhecido pelo próprio recorrido, nas suas declarações de parte, que constam nos minutos 00:01 a 45:40 das gravações da audiência de discussão e julgamento realizada a 10 de maio de 2022, mais concretamente, nos minutos 07:29 a 09:19, que, à data em que este contactou a recorrente com vista à aquisição do veículo com a matrícula ..-RJ-.., encontravam-se anunciados nas plataformas informáticas do mercado de automóveis usados, veículos com características semelhantes a serem vendidos por preços a rondar os vinte e nove mil euros (29.000,00€) e os trinta mil euros (30.000,00€). 19. Do mesmo modo, a testemunha BB, no seu depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de maio de 2022, gravados nos minutos 00:01 a 28:30, mais concretamente, nos minutos 07:10 a 07:42, 08:09 a 09:21, e 19:21 a 20:31, veio também referir que, atendendo à oferta de mercado à data da celebração do contrato de compra e venda, o veículo com a matrícula ..-RJ-.. deveria ter sido vendido por valores a rondar os trinta e dois mil (32.000,00€). 20. Facto que é igualmente confirmado pelo teor do Doc.º 10 junto pela recorrente com o requerimento de 14 de setembro de 2021, com a referência CITIUS n.º 5973421. 21. Ou seja, não obstante não ter ficado demonstrado que na altura em que o contrato de compra e venda foi celebrado se encontravam anunciados na plataforma Standvirtual apenas dois (2) veículos automóveis semelhantes à viatura com a matrícula ..-RJ-.., pelos preços de €41.850,00 (quarenta e um mil, oitocentos e cinquenta euros) e de €45.900,00 (quarenta e cinco mil e novecentos euros), ficou provado nos presentes autos que, àquela data, se encontravam à venda um pequeno número de viaturas da marca Ford, modelo Focus RS, no mercado de usados, por preços muito superiores àquele que a recorrente tinha inicialmente indicado ao recorrido, de dezoito mil e trezentos euros (18.300,00€). 22. Assim, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e tendo por base as declarações de parte do recorrido, que consta nos minutos 00:01 a 45:40 das gravações da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de maio de 2022, mais concretamente, nos minutos 07:29 a 09:19, o depoimento da testemunha BB, que consta nos minutos 00:01 a 28:30 das gravações da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de maio de 2022, mais concretamente, nos minutos 07:10 a 07:42, 08:09 a 09:21, e 19:21 a 20:31, e o Doc.º 10 junto pela recorrente com o requerimento de a 14 de setembro de 2021, com a referência CITIUS n.º 5973421, deve ser alterado o facto assente no ponto iv) da matéria de facto dada como não provada, que, por um lado, deve passar a constar do segmento de factos dados como provados (que, por mero raciocínio lógico, entende a recorrente dever situar-se entre factos assentes nos pontos 21) e 22)), e, por outro lado, deve apresentar o seguinte teor: “Em março de 2020, os veículos da marca Ford, modelo Focus RS, que se encontravam anunciados nas plataformas eletrónicas de venda de automóveis usados, estavam a ser vendidos por valores iguais ou superiores a vinte e oito mil euros (28.000,00€)”. 23. No que se refere ao facto assente no ponto v) da matéria de facto dada como não provada, é por demais evidente que, atenta a prova produzida nos presentes autos, o recorrido estava completamente consciente de que a recorrente se encontrava em erro. 24. Com efeito, ficou demonstrado que o recorrido sabia qual o valor de mercado da viatura objeto dos presentes autos, no momento em que foi celebrado o contrato de compra e venda sobre o veículo com a matrícula ..-RJ-.. – cfr. declarações de parte do recorrido, que constam dos minutos 00:01 a 45:40 das gravações da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de maio de 2022, mais concretamente, nos minutos 07:29 a 09:19. 25. Ficou demonstrado que o recorrido sabia que, no exercício da sua atividade, a recorrente vendia sempre os veículos usados pelos respetivos valores de mercado – cfr. declarações de parte do recorrido, que constam nos minutos 00:01 a 45:40 das gravações da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de maio de 2022, mais concretamente, nos minutos 31:24 a 31:53. 26. O que, aliás, constava igualmente da cláusula 4.ª, n.º 3, do Contrato-Quadro assinado pelo recorrido na qualidade de legal representante da sociedade L..., segundo a qual, mesmo as partes que celebrem um contrato de locação operacional, mesmo que pretendessem adquirir a viatura locada, esta aquisição teria que ser concretizada pelo respetivo valor de mercado – cfr. Doc.º 9 juntos com o requerimento da recorrente de 14 de setembro de 2021, com a referência CITIUS n.º 5973421. 27. Do mesmo modo, resulta ainda que o recorrido compreendia que o contrato de locação operacional celebrado entre a recorrente e a sociedade L... e o mencionado contrato de compra e venda, eram relações completamente autónomas e, como tal, que nunca poderiam ter qualquer relação com uma eventual venda da viatura objeto dos presentes autos – cfr. declarações de parte do recorrido, que consta nos minutos 00:01 a 45:40 das gravações da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de maio de 2022, mais concretamente, nos minutos 07:06 a 07:30, 26:49 a 32:27, e 44:45 a 45:28. 28. Ou seja, o recorrido sabia que, o preço de dezoito mil e trezentos euros (18.300,00€) indicado inicialmente pela recorrente, não tinha qualquer ligação com o contrato de locação operacional celebrado entre aquela e a sociedade L..., nomeadamente, com as rendas pagas ao abrigo deste contrato. 29. Do mesmo modo, a testemunha BB, no seu depoimento que consta nos minutos 00:01 a 28:30 das gravações da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de maio de 2022, mais concretamente, nos minutos 14:02 a 15:21, revelou que não se recorda de alguma vez ter havido um cliente que tenha ficado convencido que as rendas pagas no âmbito do contrato de locação operacional, viessem a ser deduzidos numa eventual aquisição da viatura, porquanto, no início do contrato, estes são sempre informados de que compra do veículo se encontra sempre sujeita ao seu valor de mercado. 30. Mais, o recorrido sabia ainda que, naturalmente, e como consta das suas declarações de parte, referentes aos minutos 00:01 a 45:40 das gravações da audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de maio de 2022, mais concretamente, nos minutos 31:24 a 31:53, o preço de venda era uma condição essencial para a celebração do próprio negócio. 31. Concluindo-se assim que o recorrido tinha consciência de que a recorrente apenas propôs vender o veículo com a matrícula ..-RJ-.., pela quantia de dezoito mil e trezentos euros (18.300,00€), porque se encontrava em erro. 32. O que motivou a que, quando o recorrido foi informado de que a recorrente se tinha apercebido desse erro, aquela tenha desconsiderado por completo esse facto, e tenha procurado consolidar um negócio que, o próprio, sabia encontrar-se viciado – cfr. Doc.º 9 junto com o requerimento da recorrente de 14 de setembro de 2021, com a referência CITIUS n.º 5973421. 33. Como tal, nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e de acordo com as declarações de parte do recorrido (constantes nos minutos 00:01 a 45:40 das gravações da audiência de discussão e julgamento realizada a 10 de maio de 2022, mais concretamente, nos minutos 07:06 a 09:19, 26:49 a 32:27, e 44:45 a 45:28), com o depoimento da testemunha BB (constantes nos minutos 00:01 a 28:30 das gravações da audiência de discussão e julgamento realizada a 10 de maio de 2022, mais concretamente, nos minutos 14:02 a 15:21), e com o teor dos Docs.º 2 e 9 juntos com o requerimento da recorrente de 14 de setembro de 2021, com a referência CITIUS n.º 5973421, conclui-se que o facto assente no ponto v) da matéria de facto dada como não provada, deve passar a constar do segmento de factos dados como provados (que, por mero raciocínio lógico, entende a recorrente dever situar-se entre os pontos 24) e 25)). 34. No que se refere à matéria de direito, desde já, entende a recorrente que o Tribunal a quo errou, na interpretação do artigo 253.º, n.º 1, do Código Civil, uma vez que se encontravam preenchidos todos os pressupostos de que depende a anulação do negócio aqui em causa, com fundamento em erro qualificado por dolo. 35. Com efeito, a anulabilidade por erro qualificado por dolo exige (i) Que declarante se encontre em erro (ii) que esse erro tenha sido causado ou dissimulado pelo declaratário ou por terceiro; (iii) que o dissimulador haja recorrido a qualquer artifício, sugestão ou embuste, que se pode traduzir tanto no comportamento ativo, como numa conduta omissiva. 36. Uma vez que, como tem vindo a ser referido, o recorrido sabia da existência do erro, este deveria ter diligenciado pelo esclarecimento à recorrente sobre a verificação do mesmo. 37. Pelo que, não o fazendo, o recorrido agiu com dolo, porquanto essa falta de diligência tinha apenas o propósito de manter a recorrente em erro, e aproveitar-se da ocasião para adquirir uma viatura por um preço manifestamente inferior aos valores que poderia encontrar no mercado para viaturas semelhantes. 38. Concluindo-se assim, que o Tribunal a quo errou na interpretação jurídica do artigo 253.º, do Código Civil, uma vez que o Tribunal deveria ter considerado que o recorrido agiu dolosamente, pelo facto de não ter procurado esclarecer a recorrente quanto à existência do erro. 39. Do mesmo modo, o Tribunal a quo errou na interpretação do artigo 227.º, n.º 1, do Código Civil, porquanto seria exigível ao recorrido que este esclarece-se a recorrente quanto ao preço da viatura objeto dos presentes autos, uma vez que aquele sabia que o preço que tinha sido inicialmente indicado não correspondia ao valor de mercado do veículo. 40. De acordo com o princípio da boa-fé contratual, na celebração de contratos, devem as partes agir com lealdade, honestidade e transparência, prestando as informações necessárias para que vontade negocial da contraparte seja, efetivamente, esclarecida. 41. Sendo que, perante uma parte que se encontra em erro, a omissão propositada de informações relevantes para a determinação da vontade de celebrar um contrato, nomeadamente, a omissão do real valor de mercado de um veículo automóvel, constitui um claro confronto com as regras impostas pelo referido princípio. 42. Concluindo-se, assim, que o Tribunal a quo errou também na interpretação do artigo 227.º, n.º 1, do Código Civil, uma vez que foi o recorrido, e não a recorrente, quem faltou com o cumprimento dos deveres impostos pela boa-fé, ao não ter esclarecido a recorrente quanto ao erro em que esta se encontrava. 43. Consequentemente, no entender da recorrente, o Tribunal a quo deveria ter decidido pela anulação do contrato de compra e venda celebrado entre a recorrente e o recorrido, relativamente ao veículo com a matrícula ..-RJ-.., com fundamento em erro qualificado por dolo. 44. Por sua vez, mesmo que assim não se entenda, o Tribunal a quo sempre deveria ter anulado o negócio aqui em causa com fundamento em erro simples, nos termos dos artigos 247.º, e 251.º do Código Civil, cujos pressupostos também se encontravam, evidentemente preenchidos. 45. A anulabilidade do negócio por erro simples implica (i) a existência de erro (não imputável) do declarante, (ii) que esse erro lhe seja essencial, na medida em que, caso o erro não existisse, este nunca teria celebrado o negócio, ou, pelo menos, não teria sido celebrado nos mesmos termos e (iii) que essa essencialidade seja conhecida (ou devesse ser conhecida) pelo declaratário. 46. Sucede que, sendo evidente a verificação do primeiro e do segundo pressuposto, o Tribunal errou ao ter considerado não ter ficado demonstrada que o recorrido conhecia (ou devia conhecer) a essencialidade, para a recorrente, do erro. 47. Porquanto, o recorrido sabia que o preço de dezoito mil e trezentos euros (18.300,00€) proposto pela recorrente, não correspondia ao valor de mercado da viatura com a matrícula ..-RJ-.., pelo qual a recorrente estaria disposta a vender o veículo. 48. Concluindo-se, assim, que o Tribunal a quo errou na aplicação dos artigos 247.º, e 251.º do Código Civil, uma vez que encontrava preenchido o terceiro pressuposto de que depende a anulação do negócio por erro na formação da vontade da recorrente, i.e., a cognoscibilidade do recorrido relativamente à essencialidade do erro, na medida em que, o recorrido sabia que o preço inicialmente indicado pela recorrente era manifestamente inferior ao seu valor de mercado, pelo qual a recorrente estaria disponível para vender o veículo com a matrícula ..-RJ-... 49. Por último, sendo julgado procedente o presente recurso, e sendo anulado o contrato de compra e venda objeto dos presentes, evidentemente que deve ser igualmente imputado ao recorrido as custas processuais, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. 50. Como tal, deve ser dado provimento ao presente recurso, sendo revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que proceda às alterações da matéria de facto supra referidas, e que determine anulabilidade do contrato de compra e venda celebrado entre a recorrente e o recorrido, relativamente ao veículo com a matrícula ..-RJ-... * O Réu respondeu ao recurso, apresentando a seguinte síntese conclusiva: 1.ª A douta decisão em crise não merece censura. 2.ª O valor de mercado do veículo automóvel em causa em abril de 2020 não é um facto passível de confissão, por não ser um facto pessoal do R., nem ser um facto de que este deva ter conhecimento – V. art. 454º do Código de Processo Civil. 3.ª Foi a Apelante quem, no requerimento inicial de procedimento cautelar intentado contra L..., Lda., veio referir que o valor venal do automóvel em causa era de €17.200,00, juntando inclusivamente documento comprovativo de tal valor. 4.ª O Apelado não referiu, como pretende a Apelante, que o valor do veículo seria superior a €28.000,00. Nem tão pouco referiu com certeza qual seria o valor do veículo em causa – V. declarações de parte, constantes nos minutos 00:01 a 45:40 das gravações da audiência de discussão e julgamento realizada a 10 de maio de 2022, mais concretamente, a minutos 5:00 e 8:00. 5.ª Ainda quanto à questão do valor do veículo em Abril de 2020, a testemunha BB, chefe da unidade de remarketing na Lease Plan, no seu depoimento prestado na audiência de discussão e julgamento realizada no dia 10 de maio de 2022, gravados nos minutos 00:01 a 28:30, mais concretamente, aos minutos 23:00, quando questionada pelo Tribunal recorrido sobre o valor do veículo respondeu que não sabia. 6.ª Pelo que os pontos 40 a 42 dos factos dados como provados não merecem qualquer censura, devendo os mesmos manter-se nos seus concretos termos. 7.ª Quanto à matéria de facto julgada não provada em iv) nenhuma prova foi feita que em Março/Abril de 2020 se encontravam à venda, no Standvirtual, dois veículos automóveis com características semelhantes ao veículo em discussão nestes autos e muito menos o preço de venda desses putativos veículos. 8.ª Pelo que bem andou o Tribunal recorrido ao julgar não provada a matéria de facto que consta do ponto iv) da matéria de facto não provada. 9.ª Do mesmo modo, bem andou o Tribunal a quo ao julgar não provado que o Apelado soubesse que a Apelante se encontrava em erro. 10.ª Das declarações de parte e do depoimento da testemunha BB, forçoso era concluir, como o fez o Tribunal a quo, como não provado que o Apelado tivesse conhecimento de que a Apelante se encontrava em erro – V. declarações de parte, constantes nos minutos 00:01 a 45:40 das gravações da audiência de discussão e julgamento realizada a 10 de maio de 2022, mais concretamente, a minutos 5:00, 7:00, 9:00, 20:00, 23:00 e 32:00 em que o Apelado esclareceu que não sabia a que valores a Apelante vendia os veículos automóveis, mas considerou que, tendo o renting sido integralmente pago e estando o veículo também integralmente pago, o valor que lhe indicaram, apesar de elevado, corresponderia à margem de comercialização da Apelante. 11.ª Também a testemunha BB, a minutos 3:00 e seguintes do seu depoimento, esclareceu que os preços de venda dos veículos são definidos pela Apelante. E a minutos 16:00 do seu depoimento, a mesma testemunha referiu que foi a sua equipa quem definiu o preço de venda do veículo, não tendo o Apelado tido qualquer interferência nessa definição. 12.ª Pelo que deve, assim, o Tribunal ad quem manter a matéria de facto, tal como a mesma foi julgada em 1ª instância. 13.ª Mantendo o Tribunal ad quem, como deve ser mantida, a matéria de facto julgada pelo Tribunal recorrido, a sentença sub iudice não merece qualquer censura. 14.ª Como resulta da matéria de facto julgada, o Apelado nunca enganou a Apelante, nem contribuiu seja de que forma for para qualquer engano em que esta, sem conceder, tenha incorrido. 15.ª O Apelado não induziu a Apelante em erro, nem teve qualquer intervenção no cálculo do preço do veículo. 16.ª O Apelado não conhecia, nem tinha de conhecer, o putativo erro em que a Apelante se poderia encontrar. 17.ª A própria Apelante referiu, em ocasiões diversas, vários valores para o veículo automóvel em causa, a saber: a) €19.000,00 em 27/03/2020 – V. facto provado 22); b) €18.300,00 em 17/04/2020 – V. factos provados 23) e 24); c) €32.000,00 em Julho de 2020 – V. facto provado 39) d) €34.000,00, se forem considerados os esclarecimentos da testemunha BB na audiência de julgamento; e) €34.320,00 em 07/08/2020 – V. facto provado 30); f) €17.200,00 em 28/01/2021 – V. facto provado 41); g) €35.000,00 em 26/04/2021 – V. facto provado 42). 18.ª Entre 27.03.2020 e 7.08.2020, ou seja, durante 5 meses, a Apelante não considerou que houvesse qualquer questão ou erro com o preço que havia indicado ao Apelado. 19.ª Se a Apelante desconhecia e desconhece, e tinha obrigação de conhecer, qual o valor de mercado do veículo em causa, por maioria de razão tal valor não só é absolutamente desconhecido para o Apelado, como desconhecido era a essencialidade desse valor (que se desconhece qual seja) para a Apelante. Pelo exposto, deve esse Alto Tribunal julgar o recurso improcedente, mantendo a douta decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA. * II. Objecto do Recurso Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (art.º 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º e 663.º, n.º 2 do CPC), não sendo o recurso meio para obter decisões novas, no caso, importa apreciar e decidir: - da impugnação da matéria de facto; - se deve ser julgada inteiramente procedente a pretensão da Autora. *** III. Fundamentação III.1. O Tribunal Recorrido considerou assentes, com interesse para a boa decisão da causa, os seguintes factos: 1) A autora é uma sociedade comercial que se dedica à compra, venda, aluguer, manutenção e reparação de máquinas e veículos automóveis, bem como à Intermediação de crédito; 2) A L..., Unipessoal, Lda. é uma sociedade unipessoal por quotas, cujo respetivo capital social de €5.000,00 (cinco mil euros) é integralmente detida pelo Réu; 3) O Réu foi gerente único da referida sociedade, pelo período compreendido entre 6 de Abril de 2010 e 8 de Novembro de 2016, data em que renunciou a estas funções; 4) No dia 7 de Março de 2016, a Autora e a L..., Unipessoal, Lda., outorgaram um documento que as partes designaram por “Contrato-Quadro de Aluguer Operacional de Automóveis”, e mediante o qual, nos termos da cláusula 9.ª, n.º 1, do mencionado documento, a autora se comprometeu a prestar L... “(…) um conjunto de serviços consistente, nomeadamente, em colocar à disposição do Cliente automóveis ligeiros bem como na gestão dos custos de manutenção e de reparação.”; 5) Por sua vez, como contrapartida pela obrigação que a autora viria a assumir para com L..., ficou convencionado, que “Os serviços prestados pela Lease Plan em conformidade com o disposto no contrato individual respetivo serão retribuídos por prestações mensais.”: 6) Prestações essas que, por sua vez, se venceriam “(…) no primeiro dia do mês a que disserem respeito, com exceção do primeiro pagamento, que se vencerá no dia 1 do mês seguinte ao da entrega do automóvel.”: 7) Mais ajustaram que o “O automóvel será entregue ao Cliente, no início do aluguer, e devolvido por aquele à LeasePlan, no termo do aluguer (…)”: 8) Neste sentido, L... e a autora acordaram que “Para efectuar os pagamentos à Lease Plan, o Cliente dará ao seu banco instruções permanentes, conforme minuta que constitui o Anexo I a este contrato e dele fica a fazer parte integrante, com vista à transferência para uma conta bancária da Lease Plan dos valores das facturas que a Lease Plan apresente àquele banco, quer a título dos custos totais/mês quer a título de serviços não contratados.”; 9) A Autora adquiriu e registou em seu nome, a propriedade do veículo escolhido pela L..., Unipessoal, Lda., representada pelo Réu, cujo registo de propriedade se mantém inalterado aos dias de hoje; 10) Ao preço base do veículo, de €31.344,55 (trinta e um mil e trezentos e quarenta e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos), foram acrescentados os seguintes elementos extras: i) Cor Shadow Black (€413,22); ii) Revestimento Parcial Nitrous Blue (Recaro): €0,00; iii) Sistema de Navegação + SYNC II + 10 colunas Sony (€413,22); iv) Jantes de liga leve 19”pintadas com acabamento mate (€371,90); v) Vidros escurecidos (€165,29); vi) Tejadilho de abrir eléctrico (€495,87); vii) Pinças de travão pintadas (€165,29); viii) Pack Fumador (€16,53); ix) PACK CITY com sistema auxiliar de estacionamento atrás, travagem activa em cidade e retrovisores eléctricos e recolhíveis (€413,22); x) PACK CONFORT RS com sistema de chave inteligente, câmara de visão traseira e controlo automático de velocidade (€413,22); transporte e seguro (€94,50); Logística (€47,00); ISV (€7.986,13); 11) Com os elementos aludidos no ponto anterior, a aquisição deu-se em 31 de Maio de 2016, pelo valor total bruto de €42.958,26 (quarenta e dois mil, novecentos e cinquenta e oito euros e vinte e seis cêntimos), dos quais €8.032,85 a título de IVA; 12) O valor aludido em 11) teve em consideração a dedução de €3.372,87 (três mil trezentos e setenta e dois euros e oitenta e sete cêntimos) a título de “desconto concessionário”, e €7.153,79 (sete mil cento e cinquenta e três euros e setenta e nove cêntimos) a título de “desconto campanha”; 13) Em seguida, a autora e L... outorgaram um documento designado por “Contrato Individual de Aluguer e Administração Anexo do Contrato N.º 40884/1”, tendo por objecto a locação operacional do veículo de marca Ford, modelo Focus 2.3 Ecoboost RS 350 Cv 5p, com a matrícula ..-RJ-.., pelo prazo de 48 (quarenta e oito) meses, com início a 3 de Junho de 2016 e termo a 2 de Junho de 2020, com a quilometragem máxima contratada de 80.000 (oitenta mil) quilómetros, e com um valor global mensal de €870,87 (oitocentos e setenta euros e oitenta e sete cêntimos); 14) Tal valor inclui, não só a renda propriamente dita (€667,72), mas também o preço dos demais serviços de gestão do veículo a que a autora se obrigou, enquanto sua proprietária (€203,15); 15) Nessa altura, o Réu tomou conhecimento do referido preço de aquisição do veículo; 16) Em resultado do acordado, a autora remeteu L... um documento designado por “Autorização de Débito Directo SEPA”, mediante o qual, com a sua subscrição, L... autorizou a autora a remeter à entidade bancária daquela sociedade, instruções para se proceder ao débito das quantias devidas à autora a título de prestações mensais; 17) Foi o Réu, na respetiva qualidade de gerente da L..., Unipessoal, Lda., quem assinou os contratos com a autora; 18) O referido veículo foi entregue ao réu, na qualidade de gerente da L..., Unipessoal, Lda., no dia 3 de junho de 2016; 19) A partir de então, passou a ser o Réu o principal utilizador do veículo; 20) Os valores mensais referentes ao aludido contrato foram liquidados pela L..., Unipessoal, Lda.; 21) No dia 27 de março de 2020, o Réu contactou a Autora por email, nos termos seguintes: “Pedia o favor de me dizerem se eu quiser adquirir o meu carro, a titulo particular qual o valor de compra, e qual seria as condições de pagamento do mesmo (…)”. 22) No mesmo dia, a Autora comunicou ao Réu, em email de resposta, redigido pela funcionária CC, nos termos seguintes: “Em resposta ao seu contacto, o qual mereceu a nossa melhor atenção, vimos por este meio informar o nosso melhor valor de venda da viatura, tendo sido atribuído o valor de 19.000 euros, com despesas de averbamento incluídas. O valor acima indicado é válido até 30.04.2020. O valor indicado não inclui o ajuste de quilómetros e será válido no caso e não existirem facturas por liquidar relativas ao respectivo contrato individual. (…)”; 23) Posteriormente, no dia 17 de Abril de 2020, a Autora comunicou ainda ao Réu, através da mesma funcionária, as condições para este obter um financiamento para a compra do veículo automóvel, indicando que: “Trabalhamos com o parceiro Banco Credibom, no entanto o Sr. AA poderá auscultar o seu banco, ou outro, e caso seja mais vantajoso, fazer o financiamento. Caso necessite poderemos enviar uma factura proforma. Caso aceite a proposta apresentada, solicitamos que nos seja remetida por esta via a seguinte documentação (…)”; 24) Nessa data, a Autora emitiu uma factura proforma em referência ao veículo Ford, modelo Focus 2.3 Ecoboost RS, com a matrícula ..-RJ-.., no montante de €18.300,00; 25) Por sua vez, em resposta, o Réu, no dia 23 de Abril de 2020, informou, por email: “Aceite as condições de crédito da credibom, envio em anexo os elementos solicitados, não consigo encontrar é a ficha de informações para preencher a garantia de usados, se me puder enviar o que falta para terminar o processo agradeço.” 26) Em 24 de Junho de 2020, o Réu solicitou à Autora, por email, que: “(…) actualize o valor da factura pro forma (em anexo) pois já se passaram dois meses. Mais informo que irei proceder ao pagamento logo que me envie a actualização (…)” 27) No dia 29 de junho de 2020, o Réu voltou a remeter àquela nova comunicação nos termos seguintes: “Segue em anexo o comprovativo de pagamento para aquisição da viatura ford focus, com matrícula ..-RJ-... Peço o favor de enviarem a documentação de venda, (…)” 28) Nessa data, o Réu transferiu à Autora a quantia de €18.300,00. 29) Através de email de 7 de Julho de 2020, o Réu dirigiu a seguinte comunicação à Autora: “Peço o favor de enviarem a documentação (…)” 30) Por comunicação de 7 de Agosto de 2020, a Autora, através da funcionária DD, endereçou ao Réu o seguinte: “Desde já apresentamos as nossas desculpas pela demora na resposta. No seguimento do seu pedido de actualização do valor de aquisição da viatura ..RJ.., foi detectado pela nossa Direcção Financeira, responsável por proceder à referida actualização, que o valor informado inicialmente em Março e cuja factura proforma foi remetida em Abril, padecia de uma incorrecção. Com efeito, o sistema calculou o valor sem ter em consideração as características específicas desta viatura. Em todo o caso, ainda que não se tivesse verificado o apontado lapso, a verdade é que a validade da factura proforma – 30 de Abril de 2020 – já tinha decorrido quando, em 24 de Junho do corrente, solicitou a actualização do valor em causa. Tendo em conta o acima exposto, solicitámos ao nosso departamento financeiro a devolução do montante que, entretanto, havia sido transferido para a nossa conta, por referência àquela proforma. Lamentamos o sucedido e, desde já, informamos que, caso mantenha o interesse na aquisição da viatura ..RJ.., o valor de venda da mesma é de 34.320 euros com iva.”; 31) Nessa data, a Autora devolveu ao Réu o montante de €18.300,00 que lhe havia sido entregue para pagamento do veículo; 32) O Réu respondeu, no mesmo dia, nos termos seguintes: “Fiz a aquisição da viatura ..-RJ-.. pelo valor que me indicaram na factura proforma n.º 2020.00084, se houve ou não erro da vossa parte não tenho culpa do sucedido, eu pedi o valor da aquisição da viatura e foi-me dado o valor de 18.300,00€ o qual foi pago no dia 29-06-2020, sendo que não vou aceitar nenhuma devolução do pagamento (…).”; 33) Ainda nessa data, a Autora remeteu nova resposta ao Réu nos seguintes moldes: “Lamentamos, mas independentemente do erro o valor da venda que constava na nossa proforma era apenas válido até 30 de Abril de 2020. Cremos que o Sr. AA tinha presente a validade da proposta, uma vez que solicitou a 24 de Junho 2020 a actualização da proforma. No entanto sem que lhe fosse comunicado o novo valor ou a actualização da referida proforma, efectuou o pagamento pelo valor já expirado. (…)”; 34) Para efetuar o cálculo do valor de venda dos veículos automóveis, o sistema informático da autora utiliza uma base de dados própria e uma base de dados da sociedade Autovista Eurotax Portugal, Sociedade Unipessoal, Lda. 35) Aquelas bases de dados realizam uma pesquisa do preço médio de venda dos respetivos veículos automóveis, em função de diferentes variáveis, tais como a marca, o modelo, a motorização, o número de quilómetros e a data de fabrico. 36) São limitadas as amostras no mercado do veículo assinalado em 13). 37) Para formular a resposta aludida em 22) e 24), a Autora utilizou os métodos aludidos em 34) e 35), incluindo na sua pesquisa veículos da mesma marca e modelo do ..-RJ-.., mas de diferente motorização e gama de equipamentos. 38) Nem os procedimentos aludidos em 34) e 35), nem o referido em 37), era do conhecimento do Réu. 39) Após o solicitado em 26), os funcionários do departamento financeiro da Autora consideraram que o valor de mercado do referido veículo era de €32.000,00 (trinta e dois mil euros). 40) Em Abril de 2020, a viatura ford focus, com matrícula ..-RJ-.., tinha um valor de mercado não concretamente apurado, mas seguramente superior a €17.200,00 (dezassete mil e duzentos euros), o qual era do conhecimento do Réu. 41) Pese embora o referido em 30) e 39), em 28/01/2021, a Autora calculou o valor venal do ..-RJ-.. em €17.200,00 (dezassete mil e duzentos euros). 42) Pese embora o referido no ponto anterior, em 26/04/2021, a Autora voltou a recalcular o valor venal do ..-RJ-.., agora no montante de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros). *** III.2. FACTOS NÃO PROVADOS COM INTERESSE PARA A CAUSA i) Que além da marca, modelo e cor, as demais características da viatura foram escolhidas pela L..., na altura representada pelo réu, enquanto sócio e gerente único. ii) O concessionário no qual o veículo foi adquirido foi determinado pelo réu, enquanto representante legal da L.... iii) Que o Réu transmitiu à autora que era absolutamente essencial adquirir esta viatura, porquanto o automóvel em causa correspondia “ao veículo dos seus sonhos”. iv) No momento em que o réu recebeu a proposta efetuada pela autora, apenas se encontrava anunciada, na plataforma eletrónica do Standvirtual, a venda de dois veículos automóveis com características semelhantes, cujos respetivos preços de venda eram de €41.850,00 (quarenta e um mil, oitocentos e cinquenta euros) e de €45.900,00 (quarenta e cinco mil e novecentos euros). v) O Réu estava ciente que a Autora se encontrava em erro. vi) Procedeu ao pagamento referido em 28), com receio de que a autora se apercebesse desse erro. * III.3. Da impugnação da matéria de facto. O objeto do conhecimento do Tribunal da Relação em matéria de facto é conformado pelas alegações e conclusões do recorrente – este tem, não só a faculdade, mas também o ónus de no requerimento de interposição de recurso e respetivas conclusões, delimitar o objeto inicial da apelação – cf. artigos 635º, 639º e 640º do Código de Processo Civil. Assim, sendo a decisão do tribunal «a quo» o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação, desde que a parte interessada cumpra o ónus de impugnação prescrito pelo artigo 640º citado, a Relação, como tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia, de acordo com os princípios da livre apreciação (artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil), reponderar as questões de facto em discussão e expressar o resultado que obtiver: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo. Por se encontrarem, no caso dos autos, minimamente preenchidos os pressupostos do artigo 640.º do Código de Processo Civil nas alegações de recurso dos Recorrentes, passamos à apreciação da referida impugnação. Procedeu-se à audição integral da prova produzida em audiência de julgamento bem como à respetiva confrontação com a prova documental constante dos autos. E da concatenação de todos esses meios de prova, não pode discordar-se do juízo probatório realizado nestes pontos pelo Tribunal recorrido. Vejamos porquê. *** Entende a Recorrente que os factos considerados provados nos pontos 40., 41. e 42. deveriam ter sido considerados não provados, e bem assim que o Tribunal errou ao considerar não provados os factos referidos nos pontos iv) e v). Recordemos os factos em causa: 40) Em abril de 2020, a viatura ford focus, com matrícula ..-RJ-.., tinha um valor de mercado não concretamente apurado, mas seguramente superior a €17.200,00 (dezassete mil e duzentos euros), o qual era do conhecimento do Réu. 41) Pese embora o referido em 30) e 39), em 28/01/2021, a Autora calculou o valor venal do ..-RJ-.. em €17.200,00 (dezassete mil e duzentos euros). 42) Pese embora o referido no ponto anterior, em 26/04/2021, a Autora voltou a recalcular o valor venal do ..-RJ-.., agora no montante de €35.000,00 (trinta e cinco mil euros). iv) No momento em que o réu recebeu a proposta efectuada pela autora, apenas se encontrava anunciada, na plataforma electrónica do Standvirtual, a venda de dois veículos automóveis com características semelhantes, cujos respectivos preços de venda eram de €41.850,00 (quarenta e um mil, oitocentos e cinquenta euros) e de €45.900,00 (quarenta e cinco mil e novecentos euros). v) O Réu estava ciente que a Autora se encontrava em erro.
Ora, no que respeita ao valor do veículo referido em 40 dos factos provados, importa começar por referir que o que de tal facto consta é o que resulta de documento obtido pela ora Apelante quando lhe foi pedida pelo Autor, cotação para compra do veículo. Sustenta a Autora que o ora Réu declarou que o valor do veículo é superior a vinte e oito mil euros. Tal indicação surge completamente descontextualizada da versão dos factos apresentada pelo Réu em audiência, nos termos da qual não tem qualquer conhecimento da atividade de compra e venda de veículos, porquanto sempre esteve ligado à atividade de limpezas, que o veículo em causa tinha sido objeto de contrato celebrado entre a ora Autora e a sociedade unipessoal de que era gerente, tendo sido sempre utilizado pelo Réu, que foram pagas 48 mensalidades de €870,00, num total que referiu ser de cerca de 41.000€ ou €42.000, pelo que, quando lhe foi apresentado o preço de aquisição pela Autora, de 18.300€ o considerou caro, por entender que o valor total pago pelo mesmo iria rondar os €60.000,00. Entendeu que, com o valor das prestações a Autora tinha já realizado o valor que havia pago pelo veículo, pelo que os 18.300€ seriam o “lucro” que a Autora faria com o “negócio” deste veículo. E se é certo que referiu que efetuou consultas na “internet” para averiguar o valor do veículo, e que ali lhe apareceram valores superiores, certo é também que não apontou com conhecimento e certeza para qualquer valor, e sublinhou sempre que ainda que aparecessem valores superiores, sempre seriam de considerar como valor de aquisição para qualquer terceiro que não tivesse relação com o veículo, o que não era a situação dos autos. Note-se que o teor do depoimento da testemunha BB em nada infirmou a versão dos factos apresentada pelo Réu, porquanto o mesmo confirmou que o valor de compra foi indicado ao Réu depois de consulta ao sistema de que a Autora se serve para realizar cálculos semelhantes, e que nunca, até o ora Réu ter pedido para lhe ser atualizado o valor - uma vez que entretanto tinha pago mais duas prestações, pretendendo que o respetivo valor fosse descontado do valor proposto - se apercebeu a Autora de qualquer problema com o valor proposto, apenas tendo detetado o alegado erro quando, nessa sequência, foi realizada uma reavaliação do veículo. Tal depoimento demonstra que se o Réu se tivesse apercebido de qualquer “erro” por parte da Autora no valor que propôs, por ser mais baixo que o de mercado, rapidamente se apressaria a fechar o negócio, pagando tal valor, em vez de fazer novos pedidos de desconto. De resto, não demonstrou a Apelante o valor de mercado do veículo à data em que apresentou a proposta, até porque como a referida testemunha declarou, o veículo em causa foi, no âmbito de uma promoção que vigorava no início do contrato de “renting” quando o veículo foi adquirido pela Autora, objeto de melhorias e “packs” especiais que faziam com que o preço se distinguisse dos demais veículos da sua gama, e que não houvesse por isso, historial para o cálculo do valor. No que concerne aos factos vertidos nos artigos 41º e 42º, os mesmos, para além de resultarem do teor dos 2 e 4 juntos com a contestação, documentos produzidos pela Autora, foram plenamente confirmados pelas declarações prestadas pelo Réu, quer até pela testemunha BB, que referiram as duas indicações de preços a que a Autora procedeu, sendo que a referida testemunha esclareceu até o Tribunal acerca da forma como ambos os valores foram obtidos e do motivo - ligado ao programa informático que utilizam na Autora nestes casos – pelo qual entende que o programa não funcionou bem quando o valor apresentado ao Réu foi de €18.300, antes tendo estado do seu ponto de vista, certo, aquando da apresentação do valor de aquisição de 34.320€. Quanto à matéria de facto vertida no ponto iv) há a referir que não foi efetivamente produzida prova que demonstrasse a respetiva realidade. A própria testemunha BB apontou para um valor que rondaria os €32.000, o que, porém, fez de forma vaga e sem grande rigor, porquanto referiu igualmente que existiam muito poucos veículos com características semelhantes às do veículo dos autos, o que dificultou a perceção do valor de mercado. E o Réu, como se mencionou já, para valores muito inferiores. Afigura-se que ainda hoje a própria Autora não tem certezas quanto ao valor do veículo em causa. Como se referiu na decisão recorrida: “(…)Sucede que já depois da percepção do invocado duplo lapso (primeiro, propondo a venda por €19.000,00 e depois por €18.300,00), a Autora produziu uma avaliação em 28/01/2021, em que calculou o valor venal do ..-RJ-.. em €17.200,00 (dezassete mil e duzentos euros). Para se provar um facto, o Juiz deve ficar convencido – de forma segura – da sua realidade. Neste caso, são vários e variados os elementos divergentes. Basta atentar que a Autora já indicou 7 (sete)! valores ao veículo: €19.000,00 em 27/03/2020 (facto 22); €18.300,00 em 17/04/2020 (facto 23 e 24); €32.000,00 (em Julho de 2020 – facto 39) ou €34.000,00, se forem considerados os esclarecimentos do funcionário que lançou a informação dos €32.000,00; €34.320 em 07/08/2020 (facto 30); €17.200,00 em 28/01/2021 (facto 41); e €35.000,00 em 26/04/2021 (facto 42). Por outro lado, o Réu indicou um (€28.000,00) “a olho” (por ter consultado uma plataforma informática), não ficando esclarecido se foram contempladas todas as características exactas do veículo (quilometragem, extras, data da matricula, estado geral do veículo, etc.). Acresce que o valor dos “extras” deste veículo não foi expressivo, como já se fez notar na fundamentação dos factos 10) a 12) e 14) e 15), ascendendo somente a €2.206,60+IVA (num contexto de um veículo de mais de €40.000,00), não se podendo concluir que, dentro desta categoria, era um veículo especialmente equipado e de valor com especial realce sobre outros equivalentes. Por tudo isto, o Tribunal apenas pode afirmar, com segurança, que o veículo vale mais que a mais baixa das avaliações feitas pela própria Autora, quem, aliás, sendo a proprietária do veículo e profissional do ramo, melhor que ninguém deveria ter a preparação para afirmar um valor coerente e consentâneo com as características do veículo.(…)” Acresce que os valores superiores a que a Apelante faz alusão já constam dos factos provados 39º e 42º. Finalmente importa apurar se se provou que o Réu soubesse que a Autora estava em erro quando apresentou o valor de 18.300€, e, atento o que já se expôs, não pode deixar de considerar-se que a resposta é manifestamente negativa. Desconhecia o negócio dos carros, o sistema de cálculo de que a Autora se servia para determinar em cada altura, o valor de mercado respetivo, não havia veículos semelhantes à venda em quantidade que permitisse considerar desadequado o preço, e, como se expôs já, até o achou caro. Só assim se compreende que tivesse ido ainda tentar um desconto depois de ter pago duas prestações durante o período em que decorreram as negociações, pois que caso quisesse aproveitar-se de um erro que conhecesse, o normal seria aceitar de imediato o preço proposto, sendo que foi esse pedido que deu origem à reavaliação do veículo pela Autora. Nenhum elemento de prova permite, pois, concluir que o Réu, sequer se tivesse apercebido da existência de um erro. Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto, pois que os factos provados e não provados foram julgados em conformidade com o que resultou da prova produzida, como se viu, nenhuma razão existindo para dissentir do juízo probatório realizado pelo Tribunal Recorrido. Não procedendo a impugnação da matéria de facto, é pois, em face dos factos apurados na decisão recorrida, que cumpre apreciar e decidir se a Recorrente demonstrou os pressupostos de que dependia a procedência da ação. É o que averiguaremos de seguida. *** III. 2. De Direito. Como com acerto se referiu na decisão recorrida, no caso em apreço está em causa contrato de compra e venda celebrado entre Autora e Réu relativamente ao veículo mencionado, contrato cujos contornos foram devidamente identificados na sentença. Resultando do artigo 874.º do Código Civil que, “compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço” e tendo em consideração que se trata de um “contrato consensual quad effectum, uma vez que, acordados quanto às condições (nomeadamente, objecto e preço), dá-se a transferência da propriedade (cf. arts.º 232.º, 408.º n.º 1, 875.º e 879.º al. a) do CCiv.)”, sendo “o acordo das partes que determina a formação do contrato, não dependendo esta nem da entrega da coisa, nem do pagamento do preço respectivo”, no caso ficou demonstrado que: - o Réu questionou da possibilidade de adquirir o veículo em dia 27 de Março de 2020, nomeadamente, sobre o valor de compra e condições de pagamento; - no mesmo dia, a Autora respondeu que o valor de venda seriam €19.000,00, em proposta válida até 30.04.2020; - o Réu, em 23.04.2020, informou a Autora que aceitava as condições e solicitou os elementos em falta para terminar o processo. - no prazo fixado pela Autora, pois, o Réu aceitou as condições de aquisição do referido veículo, dando-se a transferência da propriedade com aquele encontro de vontades; - não sendo o pagamento do preço (ou sua falta) requisito da perfeição de celebração de negócio jurídico consensual, como é a compra e venda de veículo automóvel, irreleva a circunstância de o preço não ter sido pago até ao dia 30.04.2020, já que o pagamento do preço não influi na eficácia do contrato de compra e venda (artigos 408.º, 875.º e 879.º al. a) e 886º do Código Civil.) O thema decidendum limita-se à averiguação dos vícios da vontade alegados pela Autora, cujos pressupostos foram julgados inverificados na sentença recorrida. No recurso, a Recorrente continua a insistir se encontram preenchidos todos os pressupostos de que depende a anulação do negócio, com fundamento em erro qualificado por dolo, nos termos do disposto no artigo 253º, n.º 1 do Código Civil, na culpa do Réu nos termos do disposto no artigo 227º do Código Civil, ou, quando assim não se entenda, com fundamento em erro simples, nos termos dos artigos 247º e 251º do Código Civil. Todos estes institutos jurídicos se encontram criteriosamente definidos na sentença recorrida, pelo que aqui nos dispensamos de os voltar a caracterizar, para a sentença remetendo nessa parte. E subscrevemos inteiramente o juízo ali formulado para a afastar a respetiva verificação: “Em primeiro lugar, da factualidade provada não existe qualquer facto que nos permita concluir que o Réu tenha feito uso de qualquer tipo de artifício lícito (n.º 2 do art.º 253.º do CCiv.) ou ilícito (n.º 1 do art.º 253.º do CCiv.): o Réu não propôs preços, não exigiu ou negociou condições e, de um modo geral, limitou-se a aderir a uma proposta da Autora. Poder-se-ia sustentar (como, aliás, faz a Autora), que o Réu sabia que a Autora estava em erro e se manteve em silêncio, quando tinha um dever de advertir para um eventual equívoco. Em abono da autora, demonstrou-se que o Réu soube o preço de aquisição do veículo e conhecia a viatura que tinha em mãos. É, no entanto, um argumento reversível, já que não sendo um veículo desconhecido do Réu (nem física nem juridicamente), e que o mesmo, aliás, negociou os termos contratuais da locação existente (e que rapidamente se aproximava do seu termo de quatro (4) anos), poderiam existir conexões entre ambos os negócios (nomeadamente, um desconto comercial). Embora seja correcto afirmar-se que são dois contratos autónomos e distintos (o da locação existente com L..., Lda. e o de compra e venda proposto), não se conexionando de modo algum, excepto quanto ao interlocutor (Réu, em nome pessoal e em nome da L..., Unipessoal, Lda.), foi a Autora quem deu relevância a uma tal conexão, potenciando eventuais equívocos: note-se que a primeira proposta da Autora foi de €19.000,00 (a 27 de Março de 2020); mas decorrido um mês (46.ª renda do contrato de locação), a própria Autora, sem qualquer solicitação do Réu, actualizou a proposta para €18.300,00 (17 de Abril de 2020). Note-se que as rendas tinham um valor significativamente aproximado ao do desconto feito. É, por isso, legitimo que um declaratário normal (e não jurista), colocado na posição do Réu, entendesse e até concluísse que as rendas que estavam a ser pagas (pela sociedade da qual era titular), eram um factor a ser considerado (ou se seria considerado) na determinação do preço ou na sua formação. Aliás, corolário lógico é que decorridos dois meses (rendas 47.ª e 48ª), em 24 de Junho de 2020, o Réu solicitou a actualização do valor “da factura pro-forma (em anexo) pois já se passaram dois meses” (facto 26). Aliás, como é reconhecido pela Autora (art.º 90.º da PI), aquela interpelação do Réu tinha “o propósito adquirir esta viatura por um montante inferior”, o que aliás se afigura legítimo face à conduta da Autora adoptada em 22) a 24). Não resulta, daqui qualquer factor que nos permita concluir que o Réu sabia ou devia saber que a Autora estava em equívoco, mas pelo contrário, se pretendia adquirir por montante inferior era porque na sua óptica o valor estava acima daquele que deveria vir a ser o valor final. Não podemos dar relevância de significado à proximidade das datas referidas em 26) e 27), pois daí apenas especulação se trata. Em segundo lugar, não é aceitável que, na fase pré-contratual, as partes induzam o parceiro contratual em erro, seja por acção, seja por omissão, já que se pressupõe que para finalizar o contrato, as partes estão na posse de todas as informações pertinentes. Fala-se, a este propósito, dos deveres acessórios de conduta, onde se encontram os deveres de informação10 (sendo, aliás, especialmente visíveis e controversos no âmbito pré-contratual: art.º 227.º do CCiv.). Mas estes deveres são especialmente intensos quando se trate de proteger uma parte especialmente vulnerável, perante outra, mais poderosa. Na prática, trata-se de um aspecto especialmente sensível na área da tutela do consumidor, quando negocia com profissionais (art.º 2.º n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho). Pois bem, o profissional, neste caso, é a Autora (facto 1). É sobre a Autora que impedem especiais deveres de informação (art.º 8.º n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho), nomeadamente, sobre as características principais do bem a vender (art.º 8.º n.º 1 al. a) da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho), do seu preço final (art.º 8.º n.º 1 al. c) da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho) e do modo de cálculo do preço, se aplicável, eventualmente em função de eventuais danos ou pequenos defeitos existentes no veículo ou quilometragem (art.º 8.º n.º 1 al. d) da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho). Note-se que dos factos provados, não resulta que a Autora houvesse tomado semelhantes diligências, já que recorreu a métodos profissionais para fixar o valor ao veículo (factos 34 e 35), não os tendo dado a saber ao Réu (facto 38). As informações prestadas são as que constam da factualidade provada. A relevância de se prestar informação correcta e completa à parte contrária, importa também na susceptibilidade da autocensura quanto a eventuais lapsos. Das explicações surgem, não raras vezes, a necessidade de actualizar dados, de pormenorizar novas políticas comerciais e de ponderar, ponto por ponto, a fidedignidade da informação transmitida à parte contrária. Ora, dito isto, o especial dever de estar em alerta para equívocos impedia, em primeiro lugar, sobre a Autora. Tratava-se de um veículo automóvel, propriedade da Autora e por esta comprado, cujo valor de mercado deve ser por si conhecido com exactidão, cabendo-lhe ter os procedimentos adequados para enquadrar as propostas correctamente. Acresce que não repugna aceitar a proposta contratual apresentada ao Réu como um valor descabido ou que suscitasse o alerta – tanto mais que não suscitou qualquer alerta aos funcionários da Autora ao longo de meses! –, se considerado que a Autora é profissional do sector e junto do Réu, já tinha potenciado a obtenção de lucro comercial quanto à referida viatura, em montante não muito díspar do da sua aquisição, sendo perfeitamente lógico que a proposta apresentada se destinasse a assegurar o lucro comercial. E, por isso, não custa aceitar que o Réu tomasse a proposta da Autora com algum tipo de conexão com uma locação de 48 meses (na qual o mesmo Réu fora interveniente), que no conjunto das rendas quase atingiu o custo de aquisição da viatura. E, em terceiro lugar, ficou claro, no decurso da acção que – salvo o evidente devido respeito –, a Autora não careceu de qualquer conduta do Réu para se equivocar ou de pelo menos revelar excessiva incerteza negocial quanto à avaliação (e subsequente proposta de venda) do veículo que lhe pertencia, dado que antes e depois de fazer a proposta, apresentou as seguintes considerações avaliativas sobre o mesmo veículo: a) €19.000,00 em 27/03/2020 (facto 22); b) €18.300,00 em 17/04/2020 (facto 23 e 24); c) €32.000,00 (em Julho de 2020 – facto 39) ou €34.000,00, se forem considerados os esclarecimentos do funcionário que lançou a informação dos €32.000,00; d) €34.320 em 07/08/2020 (facto 30); e) €17.200,00 em 28/01/2021 (facto 41); f) €35.000,00 em 26/04/2021 (facto 42); Pois bem, se a própria Autora não revelou, ao longo do tempo, coerência, certeza e estabilidade na proposta feita, só se pode queixar dos procedimentos adoptados na sua estrutura empresarial, mas não apontar uma conduta dolosa ao Réu que não se logra existir. Não se verifica, consequentemente, o preenchimento dos pressupostos da existência de dolo negocial, nomeadamente, a causalidade na sua versão omissiva.(…) São assim pressupostos da anulação do negócio jurídico, com base no chamado “erro-vício”: a) erro do declarante por divergência não intencional entre a sua vontade real e o sentido objectivo da sua declaração; b) essencialidade do erro, no sentido de que, se o erro não existisse, o declarante não teria celebrado o negócio ou celebrá-lo-ia em termos distintos; c) conhecimento ou dever de conhecer por parte do declaratário da essencialidade do elemento sobre o qual recaiu o erro do declarante. Tendo-se provado que para efectuar o cálculo do valor de venda dos veículos automóveis, a Autora recorre a um sistema informático que comporta uma base de dados própria e uma base de dados da sociedade Autovista Eurotax Portugal, Sociedade Unipessoal, Lda., através das quais é realizada uma pesquisa do preço médio de venda dos respectivos veículos automóveis, em função de diferentes variáveis, tais como a marca, o modelo, a motorização, o número de quilómetros e a data de fabrico e que o resultado dessas bases de dados gerou conclusões erradas em função do número limitado de amostras no mercado do veículo em causa, verifica-se ocorrer, efectivamente, uma situação de erro do declarante por divergência não intencional entre a sua vontade real e o sentido objectivo da sua declaração, pois para formar a sua vontade, confiou nos dados que o seu sistema informático lhe deu, sendo que aqueles resultados foram inquinados por uma deficiente amostragem. Por outro lado, não custa aceitar a essencialidade do erro, no sentido de que, se o erro não existisse, o declarante não teria celebrado o negócio ou celebrá-lo-ia em termos distintos, já que se trata da fixação do preço de venda e, na formação de um negócio de compra e venda, o preço é naturalmente elemento essencial do contrato (cfr. art.º 874º do CCiv.). O primeiro e segundo pressupostos estão, pois, preenchidos.(…) Dito isto e sabendo que a essencialidade era o preço, a questão é: mas que preço era o essencial? A particularidade deste caso é que não se trata de um único erro, mas de vários e diferentes, não sendo até possível discernir o efectivo valor de mercado do veículo tal a disparidade de preços apresentados pela própria Autora. Numa primeira fase propôs €19.000,00 (facto 22). Na execução de um outro negócio paralelo (mas não conexo: a locação existente sobre o veículo, onde o Réu era interveniente indirecto), sem questões colocadas pelo Réu, a Autora indicou um segundo preço: €18.300,00 (facto 24) Mais tarde, invocando ter incorrido em lapso, indicou o preço como correspondendo a €34.320,00 (facto 30), quando o preço resultante da fórmula de recurso utilizada pela Autora, sinalizava o valor de mercado do veículo como sendo de €32.000,00 (facto 39). E, na verdade, para tomarmos a essencialidade do preço para a Autora (para daí partimos para o conhecimento ou dever de não ignorar essa essencialidade pelo Réu), encontramos difíceis escolhos de superar, já que mesmo depois de se aperceber dos diferentes erros (€19.000,00 e €18.300,00), a Autora continuou a apontar diferentes e substanciais valores ao veículo: €17.200,00 em 28/01/2021 (facto 41); e €35.000,00 em 26/04/2021 (facto 42). É por isso que não resultou provado o valor de mercado exacto e concreto do veículo, nem a título de aproximação, sabendo-se tão só que valerá algo mais do que a mais baixa das várias avaliações indicadas pela Autora. Neste prisma, bem se compreende a dificuldade apresentada ao Réu, não existindo uma lógica de coerência por parte da Autora que, afinal de contas e melhor do que ninguém, sendo profissional do foro e proprietária do veículo, deveria conhecer qual o seu correcto e exacto valor de mercado, estabelecendo a partir daí uma proposta contratual devidamente fundamentada e esclarecida, não o tendo feito. Deste modo, como poderia o Réu saber qual o preço essencial? Não resultam preenchidos, deste modo, os pressupostos da anulação do negócio jurídico por erro na formação da vontade, improcedendo o pedido nesta parte, pelo que, consequentemente, fica prejudicada a apreciação da tutela indemnizatória pedida pela Autora ao Tribunal.(…)” Vamos mesmo mais longe do que a decisão recorrida. A diversidade de preços propostos pela Autora ao longo do tempo constitui demonstração de que a venda pelo valor que a Autora alega nos autos não constituía elemento essencial do negócio para a Autora, pois que teria vendido por qualquer dos anteriormente propostos se tivessem sido imediatamente aceites pelo comprador – desde logo se este não tivesse pedido o desconto das prestações, como foi referido pela testemunha BB, em audiência. Conclui-se desta forma pela improcedência da apelação. * As custas serão suportadas, porque vencida, pela Apelante (n.ºs 1 e 2 do art.º 527.º do CPC). * IV. Dispositivo Pelo exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento à apelação, mantendo-se a sentença apelada. Custas pelo apelante. Registe. Notifique.
Évora, 2023-03-16 Ana Pessoa José António Moita Maria da Graça Araújo __________________________________________________ |