Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | MANUEL BARGADO | ||
| Descritores: | ARTICULADO SUPERVENIENTE ADMISSIBILIDADE AMPLIAÇÃO DO PEDIDO | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário:
É de admitir, ao abrigo do disposto no artigo 611º do CPC, a ampliação do pedido formulada em articulado superveniente, quando estão em causa transportes de mercadorias com vicissitudes em tudo idênticas às dos transportes referidos na petição inicial, no mesmo período temporal, pelo que se pode falar em factos complementares, atenta a estreita conexão entre eles, factos que, aliás, têm manifesta influência sobre o conteúdo da relação controvertida. | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. nº 337/24.3T8STR-A.E1
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO MTNI – Transportes Nacionais e Internacionais, Serviços Logísticos, Unipessoal, Lda., instaurou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 86.951,40, acrescida dos juros de mora aplicáveis às obrigações comerciais, desde a citação até integral pagamento. Alega, em síntese, ter celebrado com a ré um contrato de seguro mediante o qual transferiu para esta a responsabilidade civil decorrente da sua atividade de transportes rodoviários de mercadorias, sucedendo que clientes da autora, por faltar mercadoria nos serviços prestados, emitiram faturas nas quais fizeram refletir essa falta, tendo a autora efetuado o pagamento dessas faturas no montante peticionado. A ré contestou, defendendo que o sinistro está excluído do contrato de seguro, o que leva à não cobertura do mesmo pela apólice em apreço, com a consequente absolvição da ré do pedido. Em 15.11.2024, a autora apresentou articulado superveniente, alegando terem ocorrido, em 14.08.2023, novos transportes de mercadorias que, não obstante carregadas, não foram entregues ao destinatário, o que, à semelhança do que sucedeu com os transportes mencionados na petição inicial, dão origem a um evento que se encontra coberto pelo contrato de seguro que celebrou com a ré, pelo que, considerando tratar-se do desenvolvimento do pedido primitivo, pediu que ao valor inicialmente peticionado acrescesse a quantia de € 15.288,55, tudo no montante de € 102.239,95. O articulado superveniente foi liminarmente admitido, tendo-se a ré oposto à ampliação do pedido por entender que, tratando-se de transportes diferentes dos que foram elencados na petição inicial, a causa de pedir é distinta, pelo que o pedido agora apresentado não é o desenvolvimento do pedido inicial. O tribunal recorrido apreciou a questão aquando do despacho saneador, tendo decidido: «Pelo exposto e de harmonia com a fundamentação que antecede: a) não admito a integração dos factos alegados no articulado superveniente no objecto do processo e nos temas da prova; b) não admito a ampliação do pedido. Custas do incidente a cargo da autora, fixando-se a taxa de justiça numa UC.» Inconformada, a autora apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com a formulação das conclusões que se transcrevem: «1ª – O autor pode ampliar o pedido até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação constituir um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, cfr., dispõe o nº 2, do art.º 265º, do CPC; 2ª – O que constitui exceção ao princípio da estabilização da instância previsto no art.º 260º, do mesmo diploma; 3ª – A autor formula na sua petição inicial contra a ré um pedido de condenação em quantia certa; 4ª – Do articulado superveniente extrai-se um aumento do mesmo; 5ª – Sendo, pois, um desenvolvimento do pedido inicial, pois, trata aquele de danos apurados e conhecidos posteriormente à propositura da ação; 6ª – Pelo que, necessário é que o pedido constituía um desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo, isto é, tenha origem comum, isto é, causa de pedir idênticas ou integradas no mesmo complexo de factos; 7ª – E o novo pedido esteja contido no deduzido inicialmente, na medida em que, o mesmo pudesse ser integrado aquando da apresentação da petição inicial, o que é o caso, já que se a autor conhecesse os danos apurados poderia tê-los integrado no pedido inicialmente deduzido; 8ª – A causa de pedir, contrato de seguro, não é diversa daquela que subjaz ao pedido primitivo, sendo a sua ampliação um seu desenvolvimento porque, entretanto, surgiram novos danos; 9ª – Por conseguinte, tem vindo a doutrina a abandonar o conceito unitário de causa de pedir, propendendo por um conceito amplo, pressupondo a não coincidência dos factos para haver alteração, porque havendo coincidência, nesse caso não haverá alteração da causa de pedir; 10ª – Ora, a causa de pedir na presente ação é constituída pelo contrato de seguro mediante o qual a ré aceitou segurar a responsabilidade da autora decorrente do incumprimento dos contratos de transporte por ela celebrados; 11ª – Pelo que, esta se está a mover dentro da causa de pedir subjacente à petição inicial e a ampliação do pedido constitui um desenvolvimento do pedido primitivo, o que lhe é permitido pelo disposto no art.º 265º, nº 2, do CPC. Termos em que, ao não admitir o articulado superveniente mediante o qual a autora procedeu à ampliação do pedido inicial, o Mmo. Juiz “a quo”, ofendeu o disposto no nº 2, do art.º 265º, do CPC que prevê a ampliação do pedido quando esta consista num desenvolvimento ou consequência daquele. Nestes termos, revogando Vs. Ex. as o segmento do despacho recorrido, substituindo-o por outro que admita o articulado superveniente apresentado pela autora, farão a melhor JUSTIÇA.» Não foram apresentadas contra-alegações. Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II – ÂMBITO DO RECURSO Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a questão essencial a decidir é a de saber se, ao invés do decidido, devia ter sido admitida a ampliação do pedido feita pela autora no articulado superveniente. III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS Os factos relevantes para a decisão do recurso são os descritos no relatório supra. O DIREITO É sabido que a citação do réu tem o efeito de tornar estáveis os elementos essenciais da causa nos termos do art. 260º - cf. art. 564º do CPC. Deste modo, após a citação do réu a modificação dos elementos subjetivos e objetivos da instância apenas será possível nos casos em que a lei a permite e com o preenchimento dos requisitos que nesta são previstos. Interessa-nos aqui somente a modificação dos elementos objetivos da lide – causa de pedir e pedido – que pode ter lugar por acordo das partes ou sem esse acordo, nos termos que vêm regulados nos arts. 264º e 265º do CPC. Inexistindo acordo, como acontece no caso dos autos, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, mas já o pedido pode ser reduzido em qualquer altura ou ampliado até ao encerramento da discussão em 1ª instância desde que a ampliação seja o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo – cf. nºs 1 e 2 do art. 265º. Por sua vez, dispõe o art. 588º, nº 1, do CPC que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão. E o nº 2 prescreve que são supervenientes tanto os factos ocorridos posteriormente ao termo dos prazos marcados nos artigos precedentes, como os factos anteriores de que a parte só tenha tido conhecimento depois de findarem esses prazos, devendo neste caso produzir-se prova da superveniência. Com o articulado superveniente pretende a autora introduzir nesta lide algo em tudo semelhante ao que descreveu na petição inicial, mas respeitante a um outro transporte de mercadorias, no qual se verificou uma situação em tudo idêntica à factualidade descrita naquele articulado. Lê-se na decisão recorrida: «(…), com a consagração da figura do articulado superveniente a lei adjectiva pretende apenas permitir a alegação de factos que, sendo novos, digam respeito aos factos que integram a causa de pedir constante da petição inicial e não novos factos que, por si mesmos, integrariam uma causa de pedir distinta. Serve isto para dizer que o articulado superveniente não pode ser usado para introduzir uma nova causa de pedir (caso haja acordo, a causa de pedir e o pedido podem ser alterados ou ampliados, mas isto ultrapassa a figura do articulado superveniente). Salvo as excepções legais (ex. arts. 569.º do CC, 265.º e 265.º, n.ºs 4 e 5, do CPC), a causa de pedir identificada na petição inicial deve permanecer inalterada, apenas se permitindo, nos seus estritos limites de facto, o chamamento de novos factos que, também sendo dela constitutivos, não a transmutem em algo distinto ou não levem a uma “soma de causas de pedir”. Ora, não é isto o que sucede com o articulado superveniente apresentado pela autora. Na verdade, e como bem assinala a ré, nele foram identificados novos factos e novos eventos cobertos pelo contrato de seguro (transportes que não chegaram ao destino), suficientes para, por si mesmos, formarem uma outra causa de pedir, que acresceria à causa de pedir inicial.» Não sendo caso de aplicação aos autos do disposto no art. 569º do Código Civil, poderia, prima facie, entender-se, como na decisão recorrida, não ser admissível o articulado superveniente apresentado pela autora. Mas será assim? Na decisão da questão, não se pode olvidar o que dispõe o art. 611º, nº 1, do CPC, que nos diz que a decisão final deverá corresponder à situação existente no momento do encerramento da discussão, donde para tal haverá todo o interesse em admitir a alteração da causa de pedir e do pedido requerida pela autora. Admissão que é também aconselhada pelo princípio da plenitude, que rege a obrigação a cargo da ré, por força do contrato de seguro, e que leva a que essa obrigação compreenda todos os prejuízos sofridos pela autora, permitindo a esta reclamar quantia mais elevada, se o processo vier a revelar danos superiores aos que foram inicialmente indicados. De resto, também o princípio da economia processual aponta no sentido da admissão do requerido pela autora. Com efeito, este princípio significa que se deve procurar o máximo resultado processual com o mínimo emprego de atividade e, nesta conformidade, deve cada processo resolver o máximo possível de litígios, comportando tão-só os atos e formalidades indispensáveis ou úteis.1 Neste contexto, há toda a conveniência em que nos presentes autos, evitando-se a eventual propositura de uma outra ação, se conheça também da quantia peticionada pela autora no articulado superveniente, quando estão em causa transportes de mercadorias com vicissitudes em tudo idênticas às dos transportes referidos na petição inicial, no mesmo período temporal, pelo que se pode falar em factos complementares, atenta a estreita conexão entre eles, factos que, aliás, têm manifesta influência sobre o conteúdo da relação controvertida. Não podem, assim, a nosso ver, no presente caso, as normas processuais respeitantes à admissibilidade da alteração do pedido e da causa de pedir e de articulados supervenientes (arts. 265º e 588º do CPC) servir de argumento para impedir esse conhecimento. E se a modificação da causa de pedir quanto a aspetos complementares e a consequente ampliação do pedido são processualmente admissíveis, desde que não implicando convolação para relação jurídica diversa da controvertida, não pode a preclusão prevista no art. 588º, nº 3, do CPC com os apertados marcos temporais aí estabelecidos obstar ao deferimento do requerido pela autora. Lê-se, a propósito, no sumário do acórdão da Relação do Porto de 14.06.20162: «I - Em sede de articulado superveniente devem ser carreados para os autos novos factos fundamentais, enquadráveis no tatbestand da norma aplicável à pretensão ou à exceção e reconduzíveis a uma alteração da causa de pedir que alicerce a modificação do pedido. II - Quando estejam em causa factos complementares que determinem a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir e que sejam desenvolvimento do pedido primitivo, podem os mesmos ser deduzidos até ao encerramento da discussão em 1.ª instância, desde que o objeto da ação mantenha um nexo estreito com o pedido inicial e com a originária causa petendi e não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.» Há, pois, que julgar procedente o recurso com a consequente revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que admita a alteração (complementar) da causa de pedir e a ampliação do pedido requeridas pela autora através da apresentação de articulado superveniente. As custas do recurso são a cargo da ré que, não obstante não ter apresentado contra-alegações, opôs-se à a admissão do articulado superveniente, sendo, por isso, parte vencida - art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC. Sumário: (…) IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido que se substitui por outro que admite a alteração (complementar) da causa de pedir e a ampliação do pedido requeridas pela autora através da apresentação de articulado superveniente. Custas pela recorrida. * Évora, 30 de outubro de 2025 Manuel Bargado (relator) Filipe Aveiro Marques Susana da Costa Cabral (documento com assinaturas eletrónicas)
______________________________________ 1. Cf. MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pp. 387-388.↩︎ 2. Proc. 991/09.6TBMCN-B.P1, in www.dgsi.pt. No mesmo sentido, inter alia, o acórdão da Relação do Porto de 08.02.2022., proc. 1466/19.0T8AMT-A.P1, no mesmo sítio.↩︎ |