Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
| Processo: |
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| Relator: | TOMÉ DE CARVALHO | ||
| Descritores: | CITAÇÃO DE ESTRANGEIRO FORMALIDADES | ||
| Data do Acordão: | 03/28/2019 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | 1. Quando a falta ou a nulidade da citação tenha sido arguida pelo citando, a notificação do despacho que a atenda dispensa a renovação da citação desde que seja acompanhada de todos os elementos referidos no artigo 227º. 2. A notificação do despacho sobre a arguição é feita ao mandatário do citando, quando o haja constituído, pelo que a ele são também dirigidos os elementos exigidos pelo artigo 227º do Código de Processo Civil. (Sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo nº 598/17.4T8LAG.E1 Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Competência Genérica de Lagos – J2 * Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora: * I – Relatório: Na presente acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergente de contrato proposta por (…) contra (…) e (…), os Réus não se conformaram com o despacho que considerou intempestiva a contestação apresentada e conferiu força executiva à petição inicial. * A Autora pedia que os Réus fossem condenados a pagar-lhe a quantia total de € 7.072,50 (sete mil e setenta e dois euros e cinquenta cêntimos) correspondente a honorários no valor de € 5.750,00 (cinco mil, setecentos e cinquenta euros), acrescida de IVA à taxa legal de 23%, bem como de juros vencidos e vincendos desde a data da sua interpelação até integral pagamento. * Em 31/08/2018 (…) e (…) apresentaram requerimento a invocar a prescrição do crédito, solicitando a absolvição do pedido. * Em 13/09/2019, a Autora apresentou requerimento onde defendeu que a invocada prescrição pelos Réus não procedia e requereu que fosse conferida força executiva à petição da Autora. * Em 13/11/2018, após considerar que a contestação apresentada era extemporânea, o Tribunal «a quo» conferiu força executiva à petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 2º do diploma anexo ao DL nº 269/98, de 01/09. * Inconformados com tal decisão, os recorrentes apresentaram recurso de apelação e formularam as seguintes conclusões, as quais são manifestamente desproporcionadas à extensão e complexidade da causa e à respectiva relação com o corpo das alegações [1] [2] [3]: «a) Por sentença proferida em 13/11/2018 no âmbito da Acção Especial para Cumprimento de Obrigações Pecuniárias, que corre os seus termos no Juízo de Competência Genérica de Lagos – Juiz 2, Comarca de Faro, sob o nº 598/17.4T8LAG, contra os Réus, (…) e (…), o Tribunal a quo decidiu julgar extemporânea a oposição/defesa apresentada pelos Réus, ordenou o seu desentranhamento dos autos, condenou os Réus em 1 UC e conferiu força executiva à petição inicial. b) Na base da sua decisão, o Tribunal a quo invocou que: - “Foram os RR notificados, por ofício de 12/06/2018, com registo de leitura no Citius pela Mandatária no mesmo dia, nos termos do disposto no artigo 192º NCPC, dispensando-se assim a renovação da citação, mas entendendo-se renovado o prazo para, querendo, contestarem”; - “Considerando que os RR foram notificados por ofício de 12/06/2018 na pessoa da mandatária nos termos do disposto no art. 192º NCPC, consideraram-se os mesmos notificados no 3º dia útil subsequente (art. 248º NCPC), ou seja, 15/06/2018”; - “No caso concreto, a notificação ao patrono da sua nomeação ocorreu em 15/06/2018. Pelo que, o prazo de 20 dias para contestar teve início a 16/06/2018 e os RR dispunha para o efeito até ao dia 05/07/2018 ou com multa até 10/07/2018. Contudo, como já referido a contestação apenas foi junta aos autos a 31/08/2018. Não foi invocado justo impedimento. Atento o exposto, resulta à saciedade que, aquando da apresentação da contestação já havia decorrido o prazo peremptório para os RR o fazerem, ainda que se atendesse à apresentação até ao terceiro dia útil com multa. A contestação deduzida mostra-se por isso extemporânea, sendo que o decurso do prazo extinguiu o direito que os RR pretendiam fazer valer”; - “Em face do exposto, decide-se julgar extemporânea a oposição apresentada, ordenando-se, em consequência o seu desentranhamento e devolução aos apresentantes” e “Notificados, os RR não contestaram (…). Face ao exposto e nos termos do disposto no art. 2º do diploma anexo ao DL 269/98, de 1/09, confere-se força executiva à petição inicial. Custas pelos RR (art. 527º NCPC)”. c) Andou mal o Tribunal a quo ao considerar que, com a notificação do referido ofício à mandatária, deu-se a citação dos Réus. d) A notificação a que alude o artigo 192º do CPC, quando endereçada ao domicílio dos Réus, consubstancia, na prática, uma verdadeira citação. e) A citação é “o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender”. f) A citação de pessoas singulares é pessoal. g) Os Réus são pessoas singulares. h) O Tribunal a quo deveria ter endereçado e remetido a notificação aos Réus, para a morada da sua residência habitual, sita em (...), (…), (…), (…), Irlanda; i) A mandatária dos Réus não era, nem é, parte nesta acção. j) A notificação a que alude o artigo 192º do CPC é estritamente pessoal. k) A notificação a que alude o artigo 192º do CPC apenas é válida se dirigida aos Réus. l) Só aos Réus pertence o direito de contestar ou não a acção. m) Nem o Tribunal a quo ou a própria mandatária conheciam se os Réus tinham ou não interesse na manutenção da prestação dos serviços pela signatária. n) A mandatária não tinha, nem tem, legitimidade para receber citações em nome dos Réus. o) Os Réus jamais outorgaram procuração com poderes especiais a favor da mandatária para receber citações em nome dos mesmos. p) A notificação realizada pelo Tribunal a quo é nula e carece de qualquer efeito jurídico. q) A notificação realizada ao abrigo do artigo 192º do CPC não foi acompanhada de todos os elementos obrigatórios a transmitir ao citando no ato da citação referidos no artigo 227º do CPC. r) A notificação realizada ao abrigo do artigo 192º do CPC foi omissa relativamente aos seguintes elementos, obrigatórios ao abrigo do artigo 227º do CPC: - Comunicação que fica citado para acção a que o duplicado se refere; - Indicação do Tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, e - Indicação do prazo de defesa, da necessidade de patrocínio judiciário e das cominações em que incorre no caso de revelia. s) Na notificação realizada ao abrigo do artigo 192º do CPC não foi dado cumprimento ao disposto no artigo 8º do Regulamento (CE) nº 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro de 2007. t) O artigo 8º do Regulamento (CE) nº 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro de 2007 é aplicável ao Estado Português. u) Os Réus são cidadãos irlandeses. v) Os Réus residem habitualmente na Irlanda. w) Na notificação realizada ao abrigo do artigo 192º do CPC omitiu-se a menção expressa à possibilidade de recusa da receção por razão do idioma prevista no artigo 8º do Regulamento (CE) nº 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro de 2007. x) A omissão dos elementos elencados na alínea anterior das presentes conclusões, enquanto formalidades prescritas na lei, determina a invalidade da citação que ficou, assim, ferida de nulidade. y) A nulidade da citação acarretou para os Réus graves prejuízos à sua defesa. z) O Tribunal a quo considerou que a apresentação da defesa dos Réus foi extemporânea, entendendo que esta deveria ter sido entregue, mais tardar, até ao dia 05/07/2018; aa) O Tribunal a quo ordenou o desentranhamento da defesa dos Réus. bb) O Tribunal a quo considerou que os RR não contestaram. cc) O Tribunal a quo conferiu força executiva à petição inicial. dd) Se o Tribunal a quo tivesse procedido à notificação dos Réus nos termos legalmente prescritos, não poderia teria decidido como decidiu. ee) Se a notificação prevista no artigo 192º do CPC tivesse sido endereçada e enviada aos Réus, estes teriam, por lei, uma dilação de 30 dias, a que acresceria o prazo de defesa de 20 dias, num total de 50 dias (sem contabilizar os 3 dias úteis seguintes ao termo do prazo para prática do ato com multa). ff) Na hipótese dos autos, se a notificação tivesse sido expedida para a Irlanda no dia 12/06/2018, os Réus só se considerariam citados no dia 12/07/2018. gg) O primeiro dia de prazo para defesa só começaria a correr no dia seguinte, isto é, no dia 13/07/2018. hh) Considerando que as férias judiciais correram desde o dia 16/07/2018 até ao dia 02/08/2018, inclusive, o prazo de defesa em curso suspenderia no período compreendido entre 16/07/2018 até 02/09/2018, inclusive. ii) Retomada a contagem do prazo após férias, os restantes 18 dias de prazo terminariam no dia 20/09/2018 (18 dias, uma vez que 3 dias do prazo de defesa haveriam de consumir-se no dia 13/07/2018, 14/07/20108 e 15/07/2018). jj) Se os Réus tivessem sido citados, teriam um alargamento de tempo adequado e proporcionado à circunstância de residirem no estrangeiro possibilitando, assim, em pleno, o cabal e atempado exercício do seu direito de defesa. kk) O direito de defesa dos Réus foi suprimido. ll) O direito de defesa dos Réus teria sido facultado se a notificação lhes tivesse sido dirigida e enviada, possibilitando-lhes o aproveitamento de prazo de dilação e defesa mais favoráveis e adequados às circunstâncias espaciais e pessoais dos Réus, o que não aconteceu. mm) A ausência de notificação na pessoa dos Réus impediu-os da exercer a faculdade de analisar e avaliar os documentos e elementos que lhes deveriam ter sido remetidos e decidirem, em consciência, se pretendiam apresentar ou não defesa, em que termos, e se o pretendiam ou não fazer através da mandatária constituída nos autos. nn) Mal andou o Tribunal a quo ao notificar a mandatária dos Réus e não os Réus. oo) A notificação da mandatária, quando deveria ter sido feita na pessoa dos Réus, inquinou toda a matéria de facto e de direito com base na qual o Tribunal recorrido formou a sua convicção, influindo de forma intolerável no exame e na decisão da causa em prejuízo dos Réus. pp) O desfecho da causa poderia ser bem diferente, tivessem os Réus tido a oportunidade de se defenderem. qq) O Tribunal a quo violou as normas constantes do artigo 192º conjugado com o artigo 227º e o nº 1 do artigo 225º, do artigo 239º, do nº 3 do artigo 245º conjugado com o artigo 242º, do nº 3 do artigo 3º e artigo 4º, todos do CPC e bem assim, do artigo 8º do Regulamento (CE) nº 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho e do artigo 18º da Constituição da República Portuguesa. rr) Nos termos do artigo 191º do CPC deverá este Venerando Tribunal da Relação declarar nula a notificação efectuada nos termos do artigo 192º do CPC à pessoa da mandatária dos Réus. ss) O Tribunal ad quem deverá revogar na íntegra a sentença recorrida. tt) O Tribunal ad quem deverá anular todo o processado e uu) O Tribunal ad quem deverá ordenar a notificação dos Réus nos termos e para os efeitos do artigo 192º do CPC. Nestes termos e nos mais de direito que V. Exas. suprirão deverá ser declarada a nulidade da notificação efetuada nos termos do artigo 192º do CPC e, como consequência, ser revogada na íntegra a sentença recorrida, anulado todo o processado e ordenada a notificação dos Réus nos termos e para os efeitos do artigo 192º do CPC, promovendo, assim, a justa composição do litígio em causa nos autos, com todas as consequências legais». * II – Do objecto do recurso: É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC). Da interpretação e análise das transcritas alegações de recurso apresentadas resulta que a matéria a decidir se resume à apreciação da tempestividade da apresentação da contestação, à luz da disciplina estatuída pelo artigo 192º do Código de Processo Civil. * III – Da factualidade com interesse para a justa decisão da causa[4] [5]: 1) Na petição inicial a Autora indicou os Réus como residentes, na Rua (…), Bloco C, lote 16-3º, em Lagos. 2) Frustrada a citação por via postal, foi tentada a citação por contacto pessoal a efectuar por agente de execução. 3) E, tendo-se esta igualmente frustrado, procedeu o Sr. Agente nomeado pelas 17h00m do dia 14/11/2017 à afixação de nota com indicação de hora certa para a diligência nos termos prescritos no nº 1 do artigo 232º, que ficou então marcada para o dia 22/11/2017, pelas 13H00M. 4) Esta nota foi afixada na Rua (…), Bloco D, lote 16, 3º, em Lagos. 5) Aqui regressado no dia e hora constantes do aviso, certificou o sr. Agente de Execução no dia 22 de Novembro de 2017, que "a citação foi efectuada mediante afixação na morada supra referida na nota de citação com a indicação de que o duplicado e os documentos anexos ficam à disposição do citando na secretaria judicial”. 6) Este acto foi testemunhado pelas senhoras (…) e (…). 7) Com data de 20 de Novembro de 2017, foram enviadas cartas aos notificandos para o endereço inicial, sito na R. (…), Bloco C, Lote 16, 3º C. 8) Isto a despeito do Sr. Agente de Execução ter feito consignar que a citação teria sido concretizada por afixação na Rua (…), Bloco D, lote 16, 3º, em Lagos por ter apurado «junto da administração de condomínio que os citandos residiam na Rua (…), Bloco D, lote 16-3º, em Lagos». 9) Mais informou ter sido contactado «pela Ilustre mandatária dos RR, na pessoa da Exmª Sr.ª Dr.ª (…), com o número de telefone, em 7/12/2017, pelas 12H00M, que informou já ter recepcionado a citação através do seu constituinte (…)». 10) Em 14 de Dezembro de 2017 vieram os Réus, por intermédio da ilustre mandatária constituída, arguir a sua falta de citação, fundando-se na circunstância dos Réus não residirem em Portugal «mas antes em (…), (…), (…), Irlanda» e que «foi indevidamente utilizada a citação edital e a morada indicada – Rua (…), Bloco C, Lote 16, 3º – é uma casa de férias à qual se deslocam uma vez por ano e nem sempre». 11) A Autora opôs-se ao requerido com fundamento no facto do senhor agente ter confirmado a recepção da nota de citação pela advogada dos Réus. 12) Na apreciação do incidente suscitado o Meritíssimo Juiz, fazendo notar que os Réus «não indicaram, nem requereram, a produção de qualquer prova», decidiu que, «à míngua de qualquer elemento probatório», a citação dos Réus se encontrava regularmente efectuada, por realizada com verificação dos seus pressupostos e formalismo exigidos para o acto. 13) Inconformados, os Réus apresentaram recurso. 14) Por decisão singular datada de 10/05/2018, o Tribunal da Relação de Évora decidiu julgar procedente o recurso interposto e determinou a revogação do despacho recorrido, determinando que fosse dado cumprimento ao disposto no artigo 192º do Código de Processo Civil após descida dos autos. 15) Na sequência do decidido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora, foram os Réus notificados, por ofício de 12/06/2018, com registo de leitura no Citius pela Mandatária no mesmo dia, ao abrigo do sobredito artigo. 16) Efectivamente, nessa data, foi dirigido à srª drª (…), mandatária dos Réus, pela secretária judicial do Juízo Local de Lagos, um ofício com o seguinte conteúdo «em obediência ao determinado pelo Tribunal da Relação de Évora nos autos de recurso apelação em separado, fica deste modo V. Exª notificado, relativamente ao processo supra identificado do despacho proferido nestes autos em 23/01/2018, bem assim do teor da petição inicial e respectivos documentos (artº. 192º CPC)». 17) Por requerimento datado de 31/08/2018, os Réus vieram invocar a excepção de prescrição presuntiva da dívida reclamada. 18) A tal excepção respondeu a Autora, pugnando desde logo pela intempestividade da defesa apresentada. 19) Em 13/11/2018, após considerar que a contestação apresentada era extemporânea, o Tribunal «a quo», conferiu força executiva à petição inicial, ao abrigo do disposto no artigo 2º do diploma anexo ao DL nº 269/98, de 01/09. * IV – Fundamentação: A citação é o acto pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada acção e se chama ao processo para se defender (primeira parte do nº 1 do artigo 219º do Novo Código de Processo Civil). Com a citação, que completa o esquema da relação processual iniciado, num primeiro lance, com a proposição da acção, o réu fica constituído no ónus de contestar[6]. A citação é o acto processual mais relevante tendente a assegurar a realização dos princípios do contraditório e da transparência e que, assim, em termos abstractos, permite que sejam impulsionadas e perfectibilizadas as garantias de defesa. Apesar da prolixidade das alegações, a questão judicanda resume-se a apurar se efectivamente foi pontualmente cumprida a disciplina contida no artigo 192º[7] do Código de Processo Civil, com referência aos elementos referidos no artigo 227º[8] do mesmo diploma. A decisão deste Tribunal anteriormente referida sublinha que resulta «inequívoco que os RR tomaram conhecimento do acto, e visto o elenco constante do artº. 188.º, impõe-se concluir, tal como o Mmº Juiz correctamente considerou, que não estamos perante um caso de falta de citação. Daqui não se segue, contudo, que a citação tenha sido regularmente efectuada». E, neste quadro referencial, o Tribunal da Relação de Évora considerou que se estava perante uma mera irregularidade da citação e mais afirmou de forma vinculativa que «considerando quanto dispõe o art.º 192º, não há que repetir o acto da citação, mas apenas fornecer aos RR todos os elementos a que alude o art.º 227º, dispositivo a que a 1ª instância deverá dar cumprimento». O incumprimento de formalidades previstas na lei para a efectivação da citação ou a realização de actos que não estão previstos ou são executados de modo distinto daquele que é ordenado pode significar que esse desrespeito pelo rito estabelecido se revela de todo o inócuo «para a efectiva defesa do citado», pode suscitar dúvidas «quanto à real interferência na organização da defesa» ou não ter «qualquer interferência na defesa do citado»[9]. Acolitando-nos na lição de Abrantes Geraldes, quando exista esta inocuidade ou falta de interferência na defesa do citado, «em qualquer destas situações, ainda que envolvam o imperfeito cumprimento dos trâmites legais relativos ao acto de citação, não deverá determinar-se a anulação do acto»[10]. Aquela convocada decisão filia-se no entendimento que houve uma irregularidade no acto de citação que não é susceptível de prejudicar de forma relevante a defesa do réu. Caso em que, como sublinha Anselmo de Castro, «deixou de observar-se uma formalidade legal, mas apesar disso não se anula coisa alguma: considera-se irrelevante a falta cometida»[11]. Na esteira de Antunes Varela, a pretérita decisão deste Tribunal da Relação de Évora entendeu que não se estava perante um caso de preterição de formalidades essenciais da citação e que a situação deveria ser catalogada como uma mera «irregularidade de citação (feita com preterição de formalidade não essencial, em termos de não prejudicar a defesa do citando)»[12]. Como já dissemos anteriormente neste colectivo de desembargadores, o caso julgado previne decisões contraditórias concretamente incompatíveis e confere força vinculante ao acto de vontade do juiz que definiu uma hipótese jurisdicional num determinado contexto histórico, factual e jurídico[13]. E aqui, inequivocamente, este Tribunal está vinculado ao sentido decisório do aresto anterior, face à imodificabilidade dessa decisão e ao alcance do caso julgado. Deste modo, as considerações sobre a violação artigo 8.º do Regulamento (CE) nº 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de Novembro de 2007 não têm aqui aplicação, bem como as reflexões quanto à integração da citação num contexto de falta ou de nulidade principal da citação, as quais já foram afastadas pelo acórdão que determinou o cumprimento do ritual processual inscrito no artigo 192º do Código de Processo Civil. A pretérita decisão do Tribunal da Relação é assim vinculativa erga omnes e transparece que a agora recorrente não compreendeu exactamente qual era o conteúdo da determinação prévia ao considerar que existia uma mera irregularidade. Aquele veredicto colocou ponto final à discussão a respeito da falta e da nulidade da citação e confinou as respectivas consequências processuais da actuação futura do Tribunal de Primeira Instância. Na realidade, estávamos perante uma arguição feita pelos próprios citandos e, assim, por imperativo lógico, o conhecimento da existência da acção era inequívoco e incontestável. E daqui decorre que, conforme assinalam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, a posterior realização do acto de citação corresponderia a uma «formalidade inútil e como tal contrária ao princípio da economia processual». No entanto, a dupla de professores adverte que «esta consideração não leva, porém, sem mais à dispensa do acto de citação: dada a importância de que este se reveste, exige-se, para que ela se dê, que a notificação do despacho que atende a arguição seja acompanhada de todos os elementos que, segundo a norma geral do art. 227º, constituem conteúdo obrigatório do acto»[14]. E, por conseguinte, não existe qualquer alongamento ou dilação do prazo. Nesta ordem de ideias é absolutamente legítimo concluir, como o fez o decisor de Primeira Instância, que a notificação ao patrono da sua nomeação ocorreu em 15/06/2018 e, como tal, «o prazo de 20 dias para contestar teve início a 16/06/2018» e o prazo para o efeito terminava a 05/07/2018 ou com multa até 10/07/2018. Como a contestação deu entrada a 31/08/2018 e uma vez que não foi invocado o justo impedimento, de modo certeiro, o Juízo Local de Lagos formula o juízo conclusivo que «aquando da apresentação da contestação já havia decorrido o prazo peremptório para os RR o fazerem, ainda que se atendesse à apresentação até ao terceiro dia útil com multa». Porém, ainda poderia sobejar uma dúvida procedimental relativamente ao destinatário da vinculação legal. No fundo e em função disto, aquilo que se poderia perguntar era se o cumprimento deste comando poderia ter sido concretizado na pessoa da mandatária dos Réus ou se se tornava exigível uma intervenção pessoal dos citandos com as consequências que naturalmente daí adviriam nesta segunda hipótese? A situação é clássica e resposta a esta pergunta tem tratamento doutrinal. Com efeito, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre frisam que «a notificação do despacho sobre a arguição é feita ao mandatário do citando, quando o haja constituído (art. 247-1), pelo que a ele são também dirigidos os elementos exigidos pelo art. 227»[15]. A finalizar, não existe qualquer supressão ou limitação no direito de defesa dos Réus, antes, nesta situação, perpassa o sentimento que ocorreu uma errada interpretação do significado e do alcance da anterior decisão do Tribunal da Relação de Évora e da própria abrangência da norma legal que condicionou a actividade processual da parte mas que não pode ser minimamente assacada à actividade desenvolvida pelo Juízo de Competência Genérica de Lagos. Assim, no presente contexto lógico-temporal, no culminar deste raciocínio silogístico, é incontroverso que a contestação deduzida foi apresentada fora de prazo e o Tribunal teve razão ao conferir força executiva à petição inicial, mantendo-se assim a decisão recorrida. * V – Sumário: 1. Quando a falta ou a nulidade da citação tenha sido arguida pelo citando, a notificação do despacho que a atenda dispensa a renovação da citação desde que seja acompanhada de todos os elementos referidos no artigo 227º. 2. A notificação do despacho sobre a arguição é feita ao mandatário do citando, quando o haja constituído, pelo que a ele são também dirigidos os elementos exigidos pelo artigo 227º do Código de Processo Civil. * VI – Decisão: Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida. Custas a cargo do apelante nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil. Notifique. * (acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil). * Évora, 28/03/2019 José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho Isabel Maria Peixoto Imaginário Maria Domingas Simões __________________________________________________ [1] Como se afirma no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 137/97, de 11/03/1997, processo nº 28/95, in www.tribunalconstitucional.pt «a concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso e não como um entrave burocrático à realização da justiça». [2] A este propósito, de acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2013, in www.dgsi.pt «o recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida)». [3] O Tribunal ad quem não determinou que fossem sintetizadas, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada ex vi no nº 2 do artigo 639º do Código de Processo Civil, dado que, infelizmente, por norma, a aplicação prática desta norma apenas tem efeitos dilatórios no regular andamento dos recursos. [4] A matéria referida de 1) a 13) resulta da análise dos dados de factos contidos na decisão sumária do Tribunal da Relação de Évora proferida no âmbito do prévio recurso interposto nesta acção registada sob o nº 598/17.4T8LAG.E1. [5] Esta matéria e a demais aqui contida resulta igualmente da análise do histórico do processo. [6] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, Sampaio da Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª edição, 1985, pág. 274. [7] Artigo 192º (Dispensa de citação) Quando a falta ou a nulidade da citação tenha sido arguida pelo citando, a notificação do despacho que a atenda dispensa a renovação da citação desde que seja acompanhada de todos os elementos referidos no artigo 227º. [8] Artigo 227º (Elementos a transmitir obrigatoriamente ao citando): 1 - O acto de citação implica a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, comunicando-se-lhe que fica citado para a acção a que o duplicado se refere, e indicando-se o tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição. 2 - No acto de citação, indica-se ainda ao destinatário o prazo dentro do qual pode oferecer a defesa, a necessidade de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia. [9] Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, vol. I, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 109. [10] Temas Judiciários, vol. I, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 110. [11] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, 1982, pág. 124. [12] Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 389. [13] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17/01/2019, in www.dgsi.pt. [14] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 374. [15] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 374. |