Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2085/24.5T8LLE.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: DIREITO AO REPOUSO
PROPORCIONALIDADE
RUÍDO
Data do Acordão: 05/22/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA
Área Temática: CÍVEL
Sumário: Sumário:
I. À semelhança de outros direitos fundamentais, o direito à tranquilidade, ao repouso e ao sono como constituintes do direito à integridade física não são um valor absoluto e como tal legitimados a sobrepor-se a todos os direitos ou valores.

II. Num juízo de adequação ou ponderação entre estes direitos dos Requerentes (pessoas singulares) e o direito da Requerida (61º, nº1 da C.R.P) há que ponderar que resultou provado que: as suas fracções estão situadas em plena Marina..., que é uma zona internacionalmente conhecida pela sua vida noturna, festas e discotecas durante o verão, as quais comportam naturalmente algum ruído e que é um local altamente cobiçado, especialmente em época alta, por pessoas que procuram, um ambiente mais festivo e noturno a que aquele local se presta , sendo que a maior parte da atividade comercial dos estabelecimentos na Marina... é sazonal, estando dependentes de turistas nacionais e internacionais que visitam esta região durante os meses de verão e alturas de maior calor.

III. Quem opta por ter um apartamento de férias em plena Marina... (como é o caso dos Requerentes, pessoas singulares) não pode desconhecer esta realidade e tem de aceitar (e sujeitar-se) à contrariedade e (incomodidade) de à noite ter de ouvir música, vozes e cantares dos frequentadores dos muitos estabelecimentos de diversão que em época alta atraem milhares de turistas que visitam a região.

IV. A pretensão dos requerentes de obstaculizar a que no Bar da Requerida se façam sessões de Karaoke e que encerre às 24h revela-se desadequada e desproporcionada, tendo em consideração que tais sessões são destinadas a atrair clientes e dinamizar o negócio da Requerida à semelhança de outros bares na mesma Marina... e que a maior afluência de clientes, como é típico de um bar, ocorre durante quatro horas por dia ( entre as 22h00 e as 02h00) apenas durante os meses da época alta.

V. Além disso, não há notícia que o ruído provocado pelos frequentadores do Bar exceda o limite estabelecido pela Autarquia (83DB) e pela mesma controlado através do limitador aí instalado.

Decisão Texto Integral: Processo: 2085/24.5T8LLE.E1

ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO


1 AA – SIMILARES DE HOTELARIA, S.A., BB e CC, SOCIEDADE AGRÍCOLA DD, LDA., EE-CONSULTADORIA E INVESTIMENTOS, S.A. instauraram procedimento cautelar comum, contra


1) FF e GG (que vieram posteriormente a ser absolvidos da instância por se ter considerado serem os mesmos partes ilegítimas) e


2) HH – RESTAURANTES, LDA. pedindo que:


a) seja imediatamente ordenada a cessação da produção de ruído incomodativo pela 2ª requerida, ou seja, proibidos os espetáculos de música ao vivo, karaoke e dança, pelos graves incómodos causados aos requerentes, familiares, funcionários e clientes, pois não há outra forma de evitar, no imediato, as lesões aos direitos dos requerentes, designadamente os de personalidade, dado que o espaço não tem, sequer, condições para funcionar com aquelas atividades, não tem a autorização dos requerentes para o uso de Bar e atividades referidas;


b) Seja imediatamente ordenado que a 2ª requerida, em qualquer caso, encerre o seu estabelecimento e deverá abster-se de produzir qualquer tipo de ruído, a partir das 24 horas, respeitando rigorosamente o período de descanso noturno;


c) Sejam imediatamente notificados para cessarem os seus espetáculos de música ao vivo, karaoke e dança, que perturbam e incomodam os requerentes, nas instalações do Bar...1, Marina...: Dj II; DJ JJ e KK sob pena de serem condenados, igualmente a pagarem, cada um, uma sanção pecuniária compulsória- artº 829 A do C.C. de 1.000,00 (mil euros) cada/dia, em que violarem tal proibição.


Para tanto, alegam, em síntese, que, o estabelecimento comercial explorado pela requerida HH na Marina... emite ruído incompatível com o seu direito ao descanso.


2. Os requeridos FF e GG vieram deduzir oposição, alegando que são parte ilegítima na ação uma vez que não são formulados quaisquer pedidos aos requeridos que não são proprietários do estabelecimento, nem o exploram, nem prejuízo poderá para estes advir em consequência da procedência do procedimento cautelar. Por consequência, entendem dever ser absolvidos da instância.


3. A requerida HH – Restaurantes, Lda. veio deduzir oposição, alegando em síntese que não estão verificados os requisitos necessários ao decretamento das providências cautelares requeridas, designadamente o requisito do periculum in mora e a existência de fumus boni iuris: tendo a requerida iniciado a sua atividade em 2022, não existe qualquer agravamento ou crescendo da situação que justifique a propositura desta ação em detrimento da ação de processo comum, com pleno exercício do direito do contraditório por parte da requerida; não existe qualquer dano grave e de difícil reparação uma vez que se trata de uma habitação secundária dos requerentes.


4. Realizada audiência final foi, subsequentemente, proferida decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar e, em consequência, considerou não ser de decretar as providências cautelares requeridas pelos requerentes contra a requerida HH – RESTAURANTES, LDA..


5. É desta decisão que recorrem os requerentes formulando na sua apelação as seguintes (e prolixas) conclusões:


I- LIMITAÇÕES DOS MEIOS DE PROVA –- Com violação do direito a um


processo equitativo- artº 20 nº 4 da CRP e o artº 6 nº 1 da CEDH: Imposição de limite das testemunhas;


II- OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS PROBATÓRIAS, COM INTERESSE PARA A DECISÃO DA CAUSA - Com violação do direito a um processo equitativo- artº20 nº 4 da CRP e o artº 6 nº 1 da CEDH:


- Inspecção judicial;


- Do não visionamento dos vídeos da rede social INSTAGRAM da Autier e do II, conforme links constantes do artº 66, 68, 75 e não consideração dos outros vídeos: o junto ao requerimento inicial, como doc. nº 36, captado do exterior;


- Links que a srª Juiz a quo acedeu, viu e ouviu e não considerou: a dado passo do depoimento de LL, 15/01/25, a Exmª Senhora juiz titular afirmou:


(24:47 - 25:08)


“(….) Eu fui clicar nos links hoje, doutora, para ter a certeza. Eu sei que o Tribunal, não eu, mas outro juiz de turno pronunciou-se relativamente à não junção aos autos da conservação dos vídeos como a doutora estava a requerer. Sem prejuízo, os links estão a funcionar, pelo menos eu cliquei em dois ou três e estavam a funcionar.”


- Não apreciação dos demais vídeos juntos pelos recorrentes e sua desvalorização indevida, por não terem sido filmados no quarto;


Impõe-se o visionamento e audição dos vídeos, que estão ainda hoje na rede Instagram, à data de apresentação deste recurso, cujos links, vide artº 66, 68, 75 do requerimento inicial e os demais vídeos, o que se requer, para em conjunto com a prova gravada,


Declarações de parte, Sr. BB, supra transcritos: (4:28 - 5:23), (5:24 - 5:25) com barulho brutal (…)”; Testemunha MM: (20:29) (20:54 (…) é melhor não estarmos lá, porque é absolutamente ensurdecedor e quem não está motivado para isso, não aguenta lá estar. (21:09) ;


Testemunha NN (sendo que esta testemunha reside o ano inteiro):


(8:27 - 11:24). (…) Posso dizer que é impossível. (…), até às duas da manhã, aliás, o barulho começa a aumentar a partir da meia noite e meia, até às duas, duas e um quarto, é uma batida, é como se fosse uma discoteca. (…).


O prédio, ou seja, vibra tudo, não é só o próprio barulho comprei uns tampões de silicone de mergulho, para tentar ver se conseguia dormir. Não consigo dormir. (….)


(…)E o que acontece é que é impossível, ninguém consegue dormir. Eu, por norma, acordo às sete e meia da manhã, o barulho aumenta à meia-noite e meia, vai até às duas, duas e um quarto, depois as pessoas fecharem o bar, etc., e toda a clientela é um ruído ensurdecedor. E, pronto, a única coisa que posso, até para facilitar, até posso disponibilizar um andar, veem as filmagens, ponham o som no prime com esse volume e entrem em casa e vejam se é possível alguém conseguir dormir, ou estar, ou falar, com a vibração. “


Devem ser considerados provados os factos que constam da sentença como não provados:


U) Os ruídos são de tal forma altos e contínuos que são audíveis até a o último andar, em todas as divisões dos requerentes;


BB) O Bar...1, em face do ruído produzido e do ambiente, tem as caraterísticas de uma discoteca.


- O indeferimento, na última sessão de julgamento, 23/01/25, da junção aos autos dos elementos adicionalmente pedidos, relativos aos registos do limitador de som, por requerimento em apresentado em , respeitantes às datas das medições efectuadas pelo relatório apresentado pela recorrida HH;


IV- ERROS NA APRECIAÇÃO DA PROVA E DA MATÉRIA DE FACTO:


- Valoração indevida e infundada do Relatório da ENGIRIGOR, vs. Desvalorização do Relatório da DBWave, sem fundamento:


- Falta de isenção da Câmara;


- Dbwave é um laboratório acreditado pelo IPQ e originado no ISQ;


- Metodologia incorrecta dos relatórios da Engirigor- Manipulação, quer do objecto, quer dos pressupostos:


Depoimento da testemunha Engº OO, técnico da DBwaves, no seu depoimento prestado em 19/12/24, relativamente aos relatórios elaborados pela ENGIRIGOR, apresentados pela HH:


“(…) (19:27) O que eu posso dizer é que se eu fosse perito, como já fui em muitos casos, que aquele tipo de procedimento não era aceite.” (…) e o IPQ entende que para fazer o ruído residual tínhamos que encerrar todos os estabelecimentos. (21:29 - 21:37) É que o procedimento, para mim, está errado. O procedimento de avaliação do ruído está errado.


Vejam-se os demais pontos transcritos supra: 21:56 - 23:14) (…) O ruído de música ambiente não devia existir. (… no IPQ, entendem que devia ser desligado os outros bares, e estamos a falar de outros bares, quanto mais no próprio bar. E seguintes..;


Depoimento PP perguntada porque razão os relatórios da ENGIRIGOR se reportarem tão somente à fonte de ruído de Karaoke, faltou à verdade, pois referiu que essa era a reclamação do Dr. MM: Vide (56:28 - 1:02:35) (….)Não, a atividade que estávamos a analisar era o karaoke. Foi o referido na reclamação da Sr. MM, que era do karaoke.


O documento nº 37 , junto ao requerimento inicial, tem como epígrafe “Reclamação sobre o funcionamento do Bar” .


Testemunha Dr. MM


(26:19) Como digo, começam com a música alta, por volta, porque não é só o karaoke, é a música alta, eles começam com a música muito alta, aí por volta das 9 da noite. (36:28) Sim, é assim, o ponto de toque se dissesse assim, se o senhora me perguntasse qual é o ponto mais incómodo, qual é o ponto mais incómodo, é o karaoke. (36:43) Agora, isso é o único ponto incómodo? (36:45) Não, não é de todo, porquê? (36:48) Porque o karaoke tem um contexto, tem um contexto, (36:51) o karaoke tem o contexto musica alta anteriori, tem o contexto musica alta a posteriori, e demais pontos(37:01) (37:10) (37:15) (37:20 (37:26) , (37:32 (37:40) (37:48) . (37:56) (38:02)


É, pois, destituído de fundamento razoável, a opção da decisão revidenda, ao reputar-se como mais credíveis os relatórios da Engirigor, apresentados pela Recorrida, HH, porquanto, não está demonstrada a isenção, antes, existem evidências da falta desta pela Câmara e resulta que os resultados dos relatórios da ENGIRIGOR não conferem com a prova apresentada, foram manipulados, mascarados, através da manutenção da música ao vivo, fazendo com que o diferencial se mantivesse dentro dos limites legais, como demonstrado pela testemunha Engº OO, por se terem circunscrito ao Karaoke, e não avaliando as outras fontes de ruído.


V- Matéria de facto – a considerar como provada, além dos referidos supra em II (U e BB):


C-O Alvará de Licença emitido pela CML relativo à atividade exercida pela 2.ª requerida encontra-se caducado.


A decisão não apreciou os factos e documentos juntos pelas partes: -O alvará de mera licença sanitária nº 639 foi emitido em 27 de fevereiro de 1980 (artº 136 da oposição) junto a esse articulado como doc.nº 12;


- O referido alvará, à data que foi emitido, apenas contemplava as fracções A e B:


- A recorrida HH, em 2010 e anos seguintes, efectuou obras não autorizadas, nem licenciadas que afectaram partes estruturais do edifício, conforme ponto 14) da sentença revidenda, juntou as fracções, A, B, C e D, como decorre do teor da sentença referida, doc. 21, junto ao requerimento inicial.


-0posição, artºs 110 e ss doc. nºs5, 6, 7 e 8, Apresentação de um projecto de licenciamento que identifica como sendo o processo nº 3503/23 Licenciamento de obras de edificação.


- A HH não apresentou nos autos qualquer documento comprovativo de licenciamento, sequer, destas últimas obras.


Em conformidade, deve ser considerado provado que o Alvará de Licença nº nº 639 foi emitido em 27 de fevereiro de 1980, caducara, por causa das obras efectuadas posteriormente e que, além da autorização dos condóminos, careciam de licenciamento de outras entidades, que a Recorrida não demonstra, nem invoca existirem.


D-A 2.ª requerida não tem licença de utilização para a atividade de bar.


O alvará de licença caducou e a recorrida HH não apresentou licença de utilização válida. tendo apresentado projectos na Câmara Municipal de Local 1, como invocou no artº 110 da oposição- doc 26 a 31,


Não juntou, invocou a existência de qualquer aprovação/licenciamento, para lá do alvará, caducado


Estava vedado outro uso que não o de comércio. E bar, com serviço de bebidas, sendo uma actividade conexa com a restauração, não é uma actividade que se espere ser efectuada numa loja, destinada a comércio, em violação do título de propriedade horizontal e não consentido. Um bar não pode estar a funcionar ilegalmente e, ademais, estar a produzir ruído e a lesar os direitos pessoais e outros dos recorrentes.


Porque tal actuação é contrária á boa-fé, aos bons costumes e constitui abuso de direito, nos termos do artº 334 do C.C..


E, no entender dos recorrentes, só estes factos seriam suficientes para a decisão revidenda deferir a providência


F-Em 2024, o Bar...1 teve espetáculos de música ao vivo e dança ao vivo.


- actuação de um DJ não é apenas colocar música a pedido e para karaoke. Um DJ é um “performer” musical, que produz e toca as suas próprias versões de músicas, com efeitos próprios, sendo a sua actuação, obviamente, ao vivo. Isto é um facto público e notório.


Depoimento de QQ testemunhou:


Música ao vivo: (39:18 - 39:28)


“Pelo menos, que eu tomei a percepção, a questão da música ao vivo, o karaoke, etc., começou em 24. E tornou-se pior, pelo menos, que eu tomei a percepção.”


Advogada HH (49:01) Isso foi o que lhe perguntei, se viu músico ao vivo, se viu instrumentos?


Pronto, música ao vivo, com instrumentos, música ao vivo. ] (49:02 - 49:04)


No momento vi pessoas a tocar, etc. (49:04 - 49:13)


Agora não foi uma banda, não eram três ou quatro, não eram. Vi um a tocar, uma vez viola, e outros instrumentos.


Todas as licenças especiais de ruído referem “Música ao vivo e Karaoke”, vide doc. doc. 26 a 31, junto ao requerimento inicial.


- O que importa é o RUÍDO.


- Valorização indevida dos depoimentos das duas testemunhas da recorrida HH, RR (filha do gerente da sociedade, advogada) e SS (filho do gerente da sociedade e gerente de facto, do estabelecimento Bar que mais não é do que a única actividade que a sociedade tem.)


Atento o próprio depoimento de RR: (08:12)


“(…)Nós, e até agora estávamos um bocado em dúvida, porque achamos que, por um lado, com toda a abertura que é, a nossa natureza não é esta e gostamos de trabalhar em paz, porque isto é o ganha-pão e com a perda do restaurante e o Covid, a nossa vida , uma vida familiar deu uma volta gigante, com muitas dívidas, com muitas coisas, portanto, há uma dependência familiar enorme para financiar aquilo no bar (…)”.


Perante esta admissão, com pode a decisão não ter tido em consideração este circunstancialismo que, seria expectável levar a depoente, assim como o seu irmão,a faltar à verdade? Veja-se, aliás, a sua descrição “angelical” das actividades de karaoke: (12:59 - 13:45)24:13 - 24:44)


G-Na maior parte dos dias, a requerida HH encerra o seu estabelecimento comercial, Bar...1, após as 02h00, sendo que os grupos de turistas, os bêbados, outros clientes e curiosos, ainda ficam nas imediações do estabelecimento comercial, a cantar e a gritar e só bastante tempo depois dispersam.


depoimentos de parte:


CC:


(5:50 - 5:55)


Advogada: Relativamente aqui ao ruído e à música ao vivo, até que horas da madrugada?


CC (5:56 - 6:02) Doutora, até às duas, três da manhã. Também varia conforme a época do ano.


Advogada:


Mas diga-me, há karaoke, por exemplo?


CC (9:10 - 9:14) Eu não consigo saber se há karaoke, se é música, compreende? Estou cá em cima, não vou lá baixo ver.


CC (9:17 - 9:21) Sim. Eu não consigo saber o que é. Sei que a música me importuna.


H-Depois de terminados os espetáculos, produzem-se os ruídos inerentes ao encerramento e de arrumação do estabelecimento, com arrastar de mesas, cadeiras, limpezas, etc. pelo que a incomodidade perdura, pelo menos até cerca das 3 horas da manhã, se não até mais tarde.


M) Os requerentes e demais familiares ou utilizadores, não conseguem estar sossegados e minimamente tranquilos a partir do entardecer – 5 horas da tarde, às vezes mais cedo, logo após o almoço - pois já nessa altura é colocada música muito alta.


Resultou da produção da prova que a partir , pelo menos das 9 horas , 9horas e meia da noite, 10 horas da noite, que os requerentes, familiares e utilizadores não conseguem estar sossegado e tranquilos: BB: (24:01 - 24:06)


Não, começa às dez da noite, às duas, três da manhã, três, três e meia.


Advogada (24:06 - 24:07)


É nessa altura que se sente mais o ruído? (24:07 - 24:28)


Exatamente. CC:


Advogada: A partir de que horas?


(8:38 - 9:03 Minha senhora, no verão, em agosto, o próprio barulho das pessoas a circular faz. Não vamos estar a omitir (?), mas a partir da meia-noite, uma da manhã, quando a pessoa se vai deitar, o barulho sai porque as pessoas deixaram de passar na marina. Mas ouve-se o barulho da música, até essa hora, mais ou menos que eu, às vezes mais.


MM: 18:44) por causa do barulho e das pessoas que cantam lá em baixo (…) (18:50) e isto começa cerca das nove da noite , agora por volta das dez da noite, dez da noite, por exemplo, aquilo começa a ficar absolutamente insuportável, nós não conseguimos estar, a não ser que nós próprios queiramos cantar. (20:54


N) É vedado aos requerentes ler um livro, ou um jornal, porque não se conseguem concentrar, nem estar só tranquilamente, a relaxar, ouvir a sua própria música, dentro das suas casas, isto, mesmo com as janelas fechadas, pois o barulho da música e dos espetáculos ao vivo é ensurdecedor e sobrepõe-se a tudo.


Devia ser considerado provado:


Os requerentes não conseguem estar só tranquilamente, a relaxar, dentro das suas casas, isto, mesmo com as janelas fechadas, pois o barulho da música e dos espetáculos ao vivo é ensurdecedor e sobrepõe-se a tudo.


Depoimentos: BB: (3:27 - 4:21) Gostaria de usar, atualmente, como usava, antigamente, vinha à quinta, sexta-feira, e regressava ao domingo ou à segunda-feira, agora, atualmente, não posso fazer isso com barulho, é insuportável.


(4:28 - 5:23) porque era insuportável o barulho, a incomodidade que havia, havia e há, como disse (…) 13:31 - 14:38)


Ouve-se pessoas a cantar e muitas, doutora, aquilo não é só karaoke, há pessoas a cantar que fazem karaoke, é em dança, é brutal. Isso só visto para acreditar, se a pessoa não vê, não consegue acreditar e podemos dizer em Portugal como há ainda pessoas que conseguem fazer este tipo de atividades num centro habitacional.


Advogada] (18:25 - 18:35) Pergunto, o Sr., quando está em sua casa, estando com as janelas fechadas, consegue ouvir os sons na mesma?


(18:36 - 19:25) Será que às vezes isso, desculpe-me, Sra. Doutora, ouço exatamente a mesma coisa, porquê? Vou explicar-lhe porquê. Como construí muito, já construí muito e estou a construir alguns, (…)o som muitas vezes transmite-se através dos pilares, através dos canos de canalização da casa de banho ou da cozinha e então é como se nós batermos aqui, temos de ouvir o som todo, aquilo é exatamente a mesma coisa, só quando tem um avançado que é em ferro, aonde eles fazem, incrível que pareça, mas estão a fazer isto, o karaoke, em duas lojas que não estão licenciadas, não está absolutamente nenhuma licenciada pela Câmara, nenhuma autorizada, (…), estão a pedir licenças (ruído, explique-se) para os 13 e 14, eles estão a fazer 15 e 16.


Advogada (19:25 - 19:29) Já percebemos que ouve, é igual a como se tivesse as janelas abertas. (19:30 - 19:38)


Portanto, eu tenho com as janelas abertas, as janelas fechadas, já tenho vidro duplo, metido em vidro duplo, mas até os vidros tremem, as janelas mexem.


(19:38 - 19:51) Advogada: Pergunto-lhe, esse ruído, portanto, impede, por exemplo, de estar sozinho na sua casa, a ouvir televisão ou a falar ou a conviver normalmente? O senhor sente-se mal no seu apartamento? (19:52 - 20:37)


Sim, doutora, eu sinto-me mal como se estivesse a ver a televisão, não consigo ouvir a televisão, tenho que meter a televisão em altos berros, mais alto do que o barulho que estão a fazer, para eu poder ouvir, o noticiário alto na televisão. Se eu não meter a televisão mais alto, no máximo, não consigo ouvir nada, nem eu nem os meus vizinhos. Eu tenho um vizinho, o doutor MM, está ao meu lado, essa aí também tem dois filhos, é brutal (…), não se consegue.


Muitas vezes, antigamente, levava amigos para passarem um fim de semana comigo, tinha todo o gosto e tenho todo o gosto de que pudesse continuar a fazer a mesma coisa, mas eles muitos chegavam ali e falavam, não, vou-me embora, vou para o hotel porque aqui não consigo estar, não consigo.


MM: (20:00) , agora por volta das dez da noite, dez da noite, por exemplo, aquilo começa a ficar absolutamente insuportável, nós não conseguimos estar, a não ser que nós próprios queiramos cantar. (20:54) Se nós quisermos participar num espetáculo, podemos estar na parada, se não quisermos participar num espetáculo, então é melhor não estarmos lá, porque é absolutamente ensurdecedor e quem não está motivado para isso, não aguenta lá estar. (21:09) E eu recordo que nós estamos na fração da nossa habitação de férias e de descanso e não conseguimos fazer. (21:18) Portanto, eu tive que deixar, tivemos que deixar, (21:22) muitas vezes de jantar lá fora, então começamos a jantar e rapidamente (21:25) depois nos retiramos, comemos à pressa, (21:28) porque a partir das dez da noite, aquilo torna-se insuportável em agosto, (21:32) em julho. MM: (18:21) temos a idade que temos e acordamos a meio da noite, (18:25) não podemos ir jantar para a varanda, (18:29) porque nunca sabemos o espetáculo que nos espera, (18:33) o nível de ruído que está lá fora, (18:36) nunca sabemos as músicas que as pessoas vão cantar, (18:40) não podemos convidar ninguém para ir para a nossa fracção (18:44) por causa do barulho e das pessoas que cantam lá em baixo


Q) As atividades ruidosas provocam aos 2.º, 3.º e 4.º requerentes e respetivos membros dos agregados familiares sequelas: fadiga, taquicardia, por causa das irritações, nervosismo, perturbações da atenção, do humor, angústia, revolta, irritabilidade, in sónias, intranquilidade e desgosto, por não poderem usufruir normalmente das suas casas, por não poderem descansar, por não poderem estar em sossego, por não poderem dormir e retemperar-se.


U)Os ruídos são de tal forma altos e contínuos que são audíveis até a o último andar, em todas as divisões dos requerentes.


BB)O Bar...1, em face do ruído produzido e do ambiente, tem as caraterísticas de uma discoteca.


Vídeos do Instagram da Recorrida e do II , cujos links estão supra mencionados (artº 66, 69 e 75 do requerimento inicial;


Vídeos filmados de fora


Vídeos entregues com os requerimentos de 17/10/24


Depoimento de MM:


Advogada dos recorrentes:


Recorda-se de ter sido dito que o bar assemelha-se a uma discoteca a céu aberto, fazendo ruído de tal forma que incomoda todos os proprietários deste edifício.


(15:20) JS Sim.


(15:21)


Advogada: O senhor recorda-se disto de ter sido dito?


JS (15:23) Sim. (15:24)


CC)O ruído excessivo produzido pela requerida HH tem o propósito de causar os maiores incómodos aos requerentes, por causa do litígio existente quanto às obras.


Foi ignorado na decisão revidenda o conteúdo do doc.22, acta 47, referido no artº 36 do requerimento inicial e os depoimentos de parte de BB e da testemunha MM:


BB: (8:15 a 10:00)


A Câmara nunca deu uma autorização a estes senhores para fazerem o tipo de bar. Agora, em relação ao que estava do ruído, em 2022, digamos, houve uma reunião, em fevereiro o Sr. Alb. E Drª Elsa, se nós não aprovássemos de bar para restaurante íamos ver negro, iam fazer karaoke MM:


Advogada:


(8:47) Ora, tem, presente, houve aqueles problemas, aquele litígio das obras e tudo o mais, mas teve presente, creio eu, uma reunião de condomínio em que a representante dos proprietários.. (9:22) Ora, isto uma Assembleia Geral de 7 de Fevereiro de 2022. (9:33) O Sr. Dr. Terá estado presente?


MM (9:36) Por videoconferência


Advogada (9:40) Por videoconferência? (9:42)


Sim. (9:43) A determinado ponto, recorda-se de uma doutora TT referir


que voltar a ser um bar de karaoke era uma possibilidade? Recordo. Foi uma ameaça que fizeram (9:57) Tomei isto como ameaça porque, obviamente, para quem passa a priori sem... (10:04) E eu lembro-me de ter reagido nesse particular instante. (10:09) Porque eu tomei isto como ameaça porque havia, digamos, um historial de conflito à volta do restaurante estar a operar sem licença, de terem afixado estruturas junto do imóvel, de terem afixado as esplanadas junto do imóvel ao imóvel (…), estarem a operar como restaurante sem licença para operarem como restaurante. (10:34) E, portanto, lembro-me que na altura o Condomínio se opôs a essa situação e que, então, a Sra. (10:44) Advogada, que na altura estava a representar o inquilino o ou o proprietário, já não sei quem era, da loja por baixo, disse então que não teriam problemas em passar a bar e, portanto, que poderiam passar a bar com karaoke. (11:01) E eu disse-lhes, na altura eu manifestei, olha, e disse mesmo, acho, de uma péssima vizinhança, (11:09) virem para a reunião do Condomínio com essa ameaça, porque vocês sabem perfeitamente (11:15) que isso vai causar imensos incómodos a quem pernoita, porque ter um karaoke a funcionar (11:21) por baixo do sítio onde as pessoas dormem não é uma coisa aceitável (…) (11:47) Eu não sei se ficou transcrito, mas foi em tom de à ameaça que ela disse, nós agora, porque não estou a impedir de fazer a operação de restaurante, vamos passar para uma coisa que é o karaoke ou para uma coisa com música. (11:59)


E isso foi uma ameaça que na altura nos fizeram, e que depois concretizou. (…)


Advogada


(14:27) Ora, e recorda-se de terem referido, nessa mesma reunião, que, dado não haver licenciamento, nem autorização dos condóminos do bar não poderia funcionar?


MM: (14:38) Sim.


OUTROS FACTOS RELEVANTES que deveriam ser considerados provados:


O bar prime não está insonorizado/isolado:


Testemunha NN:


(08:27 a 11: 24)


(…) que é impossível, e eu fiz tudo, eu fiz tudo o que era possível para tentar isolar aquele apartamento, mas, efetivamente, não pode ser mais.


Eu, às vezes, passo, não frequente, acho que não há o mínimo de respeito pelos outros, quando passo, vejo, têm as marquises abertas e que não há isolamento, contratam discos-jockeys, a música está no exterior, por isso. (14:14 - 14:42) (…)


Primeiro, o isolamento de vidro é o que é. Mas eles recolhem os vidros, não chove. Têm as mesas ali naquele varandim Testemunha MM:


(18: 57) Eu acordo, uma da manhã, uma e meia, (19:03) com as pessoas a cantar em inglês, em português, o que for, (19:09) alcoolizadas a cantarem e o som vem pela canalização do prédio, (19:14) não há de qualquer insonorização feita por estabelecimento, (19:17) não fizeram nada, eu já mudei as minhas janelas do quarto, (19:22) e no entanto aquilo vem pela canalização da casa do banho, (19:27) acabo por acordar no quarto, com barulho de música e pessoas a cantar.


 Omissões de pronúncia que geram nulidade da decisão proferida na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil (CPC), é nula a sentença :


- Ilegalidade do estabelecimento: Caducidade do alvará, inexistência de licença e de insonorização do estabelecimento Qual é o reflexo: é que a decisão, desfavorável aos recorrentes, pressupôs um conflito de direitos- Erradamente. Porque inexiste o direito à actividade comercial pela recorrida.


Assim, apenas haveria que decidir pela prevalência dos direitos dos recorrentes, à tranquilidade e ao sossego, O direito ao repouso, à tranquilidade e ao sono, são aspectos do direito à integridade pessoal (art.º 25, n.º 1 da CRP), que fazem parte do elenco dos direitos fundamentais, do acervo de direitos, liberdades e garantias pessoais. e direitos patrimoniais como peticionado no requerimento inicial


- Questão da indevida emissão de licenças especiais de ruído, com fraude à lei, com violação dos artº 14 e 15 do Regulamento geral do ruído DL 9/2007 , suscitada nos artºs 50 e ss do requerimento inicial . A recorrida pediu sucessivas licenças especiais de ruído, que lhe foram sendo sucessivamente renovadas, de março a dezembro, de cada ano, constituem uma actividade sazonal.


A decisão revidenda também não se pronunciou sobre esta questão, nem os reflexos que poderiam ter na decisão da causa:


Ora, tendo a 2ª requerida solicitado sucessivas Licenças especiais de ruído (LER), que só deveriam ser concedidas com carácter excepcional, devidamente fundamentadas e com limites temporais, o que se verificou, outrossim, em clara fraude à lei, foi:


- Erro na decisão revidenda : a incomodidade causada aos recorrentes (que aliás, é


dada como provada, não pode ser preterida, caso o ruído produzido fosse inferior ou


atinente aos limites legais da Lei do Ruído: basta que haja incomodidade para que os direitos de personalidade


Não é admissível que se interprete a lei no sentido da prevalência do direito ao exercício de uma actividade comercial e lucrativa, mesmo que se respeitasse os limites legais, com preterição dos direitos da personalidade, enquanto possível ofensa à personalidade física ou moral de alguém (art.ºs 25, n.º 1 da CRP e 70, do CC).


Termos em que deve ser revogada a decisão proferida e decretadas as medidas cautelares, porque se verificam os requisitos de perigo e ameaça aos direitos de personalidade , ao sossego, repouso e tranquilidade, com o que se fará JUSTIÇA!


6. Contra-alegou a recorrida defendendo a manutenção do decidido.


7. 1. Questão prévia


Nas suas alegações, os recorrentes insurgem-se contra várias decisões proferidas no processo que no seu entender configuram “Limitações dos Meios de Prova”: imposição de limite de testemunhas; indeferimento de inspecção judicial; indeferimento do visionamento de vídeos ; indeferimento na última sessão de julgamento da junção aos autos de elementos adicionalmente pedidos relativos aos registos do limitador de som.


Olvidaram-se, porém, que tais decisões cabem no âmbito da previsão da alínea b) do n.º 2 do artigo 644º do C.P.C. que prevê o recurso autónomo, “[d]o despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova”, o qual é interposto no prazo de 15 dias (cfr. artigo 638º, n.º 1, do CPC).


E, por consequência, se delas discordavam, deveriam os recorrentes ter interposto recurso autónimo, nos termos da alínea d) do nº 2, do artigo 644º do CPC pelo que não o tendo feito, tais decisões transitaram em julgado, estando vedada a sua (re) apreciação por este Tribunal. É o que se decide, delas não se conhecendo.


7.2. Assim, o objecto do recurso- que é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 608º, nº2, 609º, 635º nº4, 639º e 663º nº2, todos do Código de Processo Civil – fica circunscrito à apreciação das seguintes questões:


a) Nulidade da decisão;


b) Impugnação da matéria de facto;


c) Reapreciação da decisão jurídica da causa: se se verificam os pressupostos para decretar a providência cautelar.


II. FUNDAMENTAÇÃO


8. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida:


“Com relevo para a decisão da causa, resultaram indiciariamente provados os seguintes factos:


I – DA IDENTIFICAÇÃO DAS PARTES E DO PRÉDIO OBJETO DA PRESENTE AÇÃO


1. Encontra-se inscrita [compra] a favor da requerente AA – Similares de Hotelaria, S.A. a aquisição das frações autónomas designadas pelas letras E, F, G, do prédio urbano situado no Bloco ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 9576/20051007, da freguesia de ..., concelho de Local 1 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 2883. [Certidão do Registo Predial e Caderneta Predial juntas com o requerimento inicial]


2. Encontra-se inscrita [compra] a favor do requerente BB e de UU a aquisição da fração autónoma designada pela letra H, do prédio urbano situado no Bloco ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 9576/20051007-H, da freguesia de ..., concelho de Local 1 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 2883. [Certidão do Registo Predial e Caderneta Predial juntas com o requerimento inicial]


3. Encontra-se inscrita [sucessão e dissolução da comunhão conjugal] a favor do requerente CC e de VV a aquisição da fração autónoma designada pela letra I, do prédio urbano situado no Bloco ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 9576/20051007-I, da freguesia de ..., concelho de Local 1 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 2883. [Certidão do Registo Predial e Caderneta Predial juntas com o requerimento inicial]


4. Encontra-se inscrita [compra] a favor do requerente WW e XX a aquisição da fração autónoma designada pela letra J, do prédio urbano situado no Bloco ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 9576/20051007-J, da freguesia de


..., concelho de Local 1 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 2883. [Certidão do Registo Predial e Caderneta Predial juntas com o requerimento inicial]


5. Encontra-se inscrita [compra] a favor da requerente Sociedade Agrícola do DD, S.A. a aquisição da fração autónoma designada pela letra L, do prédio urbano situado no Bloco ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 9576/20051007-L, da freguesia de ..., concelho de Local 1 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 2883. [Certidão do Registo Predial e Caderneta Predial juntas com o requerimento inicial]


6. Encontra-se inscrita [compra] a favor da requerente EE – Consultadoria e Investimentos, S.A. a aquisição da fração autónoma designada pela letra M, do prédio urbano situado no Bloco ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 9576/20051007-M, da freguesia de ..., concelho de Local 1 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 2883. [Certidão do Registo Predial e Caderneta Predial juntas com o requerimento inicial]


7. Encontra-se inscrita [compra] a favor dos requeridos FF e de GG, casados sob o regime da comunhão de adquiridos, a aquisição das frações autónomas designadas pelas letras A, B, C e D, do prédio urbano situado no Bloco ..., descrito na Conservatória do Registo Predial deLocal 1 sob o n.º 9576/20051007, da freguesia de ..., concelho de Local 1 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 2883. [Certidão do Registo Predial e Caderneta Predial juntas com o requerimento inicial]


8. O prédio urbano situado no Bloco ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Local 1 sob o n.º 9576/20051007-M, da freguesia de ..., concelho de Local 1 e inscrito na matriz urbana sob o artigo 2883 possui rés-do-chão e primeiro andar, confronta a norte com o parque de estacionamento e Edifício 1; sul, arruamento; nascente – acesso e praça da Marina...; poente – acesso que o separa do Edifício 2, encontrando-se sujeito a propriedade horizontal desde 22/05/1978 – Ap. 9.


9. O prédio mencionado no ponto 7. é composto por 12 frações autónomas, letras A a M, com as permilagens de 22,4 (A a D), 87,2 (E), e 117,6, cada uma das restantes (F a M).


10. As frações A, B, C e D são destinadas a comércio.


11. A 2ª requerida é uma sociedade comercial cujo objeto é a atividade de restauração, exploração de estabelecimentos hoteleiros e similares [certidão permanente junta a 20/09/2024]


12. Através de contrato de arrendamento, os requeridos FF e GG cederam o gozo temporário das frações descritas no ponto 7. à requerida HH – Restaurantes, Lda..


II – DOS ANTECEDENTES ENTRE AS PARTES


13. A 2.ª Requerida era arrendatária das frações, A e B (nºs 13 e 14), onde explorou a atividade de bar, sob a denominação “Bar...2”.


14. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º 2707/13.3... que correu termos no Juízo Central Cível de Faro – Juiz 1, já transitada em julgado (confirmada por Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação de Évora e Supremo Tribunal de Justiça), os requeridos foram condenados, em regime de solidariedade, a: i. Procederem à reposição das condições de segurança e estabilidade do edifício, antes das obras por si efetuadas, em 2010 e 2011 nos moldes fixados no ponto 69.º dos factos provados (tratamento da fendilhação observada em guardas corpos das varandas e zonas comuns, com posterior pintura da zona intervencionada; anulação de fixação de elementos metálicos de cobertura da esplanada a vigas do prédio, garantindo a sua sustentação por meio de pilares; reconstituição da parede resistente P6); ii. Determinar que as obras em causa sejam iniciadas no prazo de 30 (trinta) dias, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, com prazo para sua conclusão que se fixa em 90 (noventa) dias, sendo que, caso os réus não cumpram o prazo para início das obras, ou o de conclusão, o autor/condomínio poderá, a expensas solidárias dos réus, iniciar e executar as referidas obras. C) Condenar os réus a absterem-se de ceder, utilizar, ou por qualquer outra forma usufruir, ou permitir que terceiros o façam, independentemente do título, das frações A a D do edifício em causa, para outros fins que não sejam os de comércio, declarando a ineficácia perante o autor/condomínio do contrato de arrendamento celebrado entre os 1.ºs réus e a 2.ª ré, para o exercício da indústria de restauração e a proibição do exercício da atividade industrial de restauração nas frações em causa.


III – DA ATIVIDADE EXERCIDA PELA REQUERIDA HH E O ESPAÇO ENVOLVENTE


15. ... é uma zona internacionalmente conhecida pela sua vida noturna, festas e discotecas durante o verão, as quais comportam naturalmente algum ruído.


16. A Marina..., em especial, é um sítio emblemático há mais de 40 anos, com centenas de lojas, restaurantes e bares, frequentado pelos chamados “moradores de Verão” do Algarve, principalmente entre o início da tarde e as 02h da manhã.


17. A Marina... é um local altamente cobiçado, especialmente em época alta, por pessoas que procuram, um ambiente mais festivo e noturno a que aquele local se presta.


18. A maior parte da atividade comercial dos estabelecimentos na Marina... é sazonal, estando dependentes de turistas nacionais e internacionais que visitam esta região durante os meses de verão e alturas de maior calor.


19. No verão de 2022, a 2ª requerida iniciou a sua atividade de bar, sendo que a parte de atendimento ao público se localiza na esplanada fechada que se localiza na parte da frente do prédio objeto da presente ação.


20. À frente dessa esplanada fechada há o passeio público da Marina..., onde as pessoas caminham nos dois sentidos.


21. A seguir ao passeio público, a requerida ainda explora um “deck” onde tem instalada uma segunda esplanada que arrenda diretamente à Marina... (Zona C).


22. O Bar...1 funciona das 15h às 02h00 – abrindo excecionalmente às 13h caso haja um jogo de futebol de interesse para transmitir na televisão.


23. Atualmente, o Bar...1 encontra-se encerrado entre meados de dezembro e meados de março.


24. O Bar...1 organiza sessões de karaoke para atrair clientes e dinamizar o seu negócio, à semelhança de outros bares na mesma Marina....


25. As sessões de karaoke são os momentos mais animados que, realmente, produzem mais ruído do que todas as outras atividades e têm maior pico de afluência de clientes entre as 22h00 e as 02h00.


26. A atividade de karaoke consiste na colocação de músicas pelo DJ, a solicitação dos clientes, sendo passada música ambiente quando o karaoke não está a decorrer.


IV – DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS DE PERSONALIDADE - RUÍDO


27. Desde o início da atividade da requerida em 2022, mas com maior intensidade a partir de 2023, os requerentes WW e CC e seus familiares sentem-se incomodados com o ruído produzido pelos espetáculos de karaoke e música ambiente.


28. Os 2.º, 3.º e 4.º requerentes e os seus familiares utilizam as frações mencionadas nos pontos 2. a 4. como habitação secundária, não sendo a sua habitação própria e permanente.


29. O ruído sentido nos apartamentos dos requerentes WW e CC e seus familiares é sentido com maior intensidade a partir das 22h00.


30. Ainda que tenham as janelas fechadas, os requerentes WW e CC conseguem ouvir o ruído produzido pelo karaoke, maioritariamente os sons graves, nas suas habitações e sentem dificuldades em dormir antes da hora de encerramento do estabelecimento da requerida.


31. O requerente WW tem dificuldade em ouvir televisão e em falar com amigos e familiares quando a requerida está a fazer sessões de karaoke.


32. As músicas altas, os cantares, os berros, as palmas dos participantes do karaoke, interferem com as conversas do requerente WW, uma vez que se vê várias vezes impossibilitado de comunicar sem gritar.


33. Por causa do ruído causado pelo karaoke, em 2023 e 2024 os requerentes WW e CC reduziram o tempo que permanecem nas suas habitações secundárias, quer nos fins-de-semana quer no período de férias.


34. A primeira requerente, AA, explora uma pizzaria, nas fracções E e F, com arrumos e arquivo na fracção G., contíguo ao estabelecimento explorado pela requerida HH.


35. Quando a requerida faz sessões de karaoke, os empregados do estabelecimento gerido pela requerente ... têm dificuldade em ouvirem-se, uns aos outros, em ouvirem os clientes e vice-versa.


36. A partir do início dessa atividade os requerentes têm apresentados requerimentos e reclamações, para pôr termo aos incómodos decorrentes da música ao vivo e karaoke, junto do município, GNR e Marina....


37. Em 28/03/2023, pelos requerentes foi enviada uma exposição/reclamação ao Presidente da Câmara Municipal de Local 1, questionando, em face das reclamações apresentadas, estando o estabelecimento a funcionar sem licença, sem ter cumprido a sentença de reposição da estrutura e segurança das partes comuns, qual o motivo para o município nada ter feito e pedindo que o município atuasse, fosse cumprida a lei, quer quanto às obras, quer quanto ao ruído.


38. Em 2023, por imposição da Câmara Municipal deLocal 1, a 2.ª requerida procedeu à instalação de um limitador sonoro no estabelecimento com o limite de 87 dB, o qual se encontra ligado ininterruptamente e mantém-se conectado online à plataforma respetiva, de forma a ser acessível pelos serviços da Câmara Municipal.


39. Após a apresentação das queixas, em 2024, o limitador de som tem o limite de 83dB.


40. A Câmara Municipal de Local 1 tem acesso à informação relativa ao ruído detetado no estabelecimento através de uma plataforma online.


V – DA PROPOSITURA DA AÇÃO


41. A presente ação foi proposta pelos requerentes em 29/07/2024.


(…)Com relevância para a boa decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos não compagináveis com os acima indicados, designadamente:


A) O estabelecimento comercial da 2.ª requerida utiliza as frações A, B, C e D descritas no ponto 7., para armazenamento de bebidas e frutas e usados para casa-de-banho do pessoal do Bar...1.


B) O bar está instalado numa esplanada fechada, que já não se situa nessas mencionadas frações, mas sim na via pública, pagando a 2.ª requerida uma quantia à Inframoura - Empresa de Infraestruturas de ..., E.M pela sua ocupação.


C) O Alvará de Licença emitido pela CML relativo à atividade exercida pela 2.ª requerida encontra-se caducado.


D) A 2.ª requerida não tem licença de utilização para a atividade de bar.


E) As obras mencionadas na sentença indicada no ponto 14. ainda não foram realizadas.


F) Em 2024, o Bar...1 teve espetáculos de música ao vivo e dança ao vivo.


G) Na maior parte dos dias, a requerida HH encerra o seu estabelecimento comercial, Bar...1, após as 02h00, sendo que os grupos de turistas, os bêbados, outros clientes e curiosos, ainda ficam nas imediações do estabelecimento comercial, a cantar e a gritar e só bastante tempo depois dispersam.


H) Depois de terminados os espetáculos, produzem-se os ruídos inerentes ao encerramento e de arrumação do estabelecimento, com arrastar de mesas, cadeiras, limpezas, etc. pelo que a incomodidade perdura, pelo menos até cerca das 3 horas da manhã, se não até mais tarde.


I) Todos os outros estabelecimentos encerram às 00h00, sendo que o único estabelecimento da Marina... que está a funcionar até às 2 horas e muitas vezes excedendo esse horário é o da requerida HH.


J) Todos os pedidos de intervenção às autoridades policiais e ao município solicitadas pelos requerentes reclamantes foram, até à presente data, inúteis e ineficazes.


K) A atividade ruidosa e incomodativa da requerida HH é exercida com o consentimento e instigação dos Requeridos FF e de GG nas frações de que são proprietários (com as aparelhagens na esplanada concessionada) e em proveito económico de todos os requeridos.


L) É muito difícil aos referidos requerentes, 2º, 3º e 4º, poderem usufruir de jantares ou ceias nas respetivas varandas, por causa das sessões de karaoke da requerida.


M) Os requerentes e demais familiares ou utilizadores, não conseguem estar sossegados e minimamente tranquilos a partir do entardecer – 5 horas da tarde, às vezes mais cedo, logo após o almoço - pois já nessa altura é colocada música muito alta.


N) É vedado aos requerentes ler um livro, ou um jornal, porque não se conseguem concentrar, nem estar só tranquilamente, a relaxar, ouvir a sua própria música, dentro das suas casas, isto, mesmo com as janelas fechadas, pois o barulho da música e dos espetáculos ao vivo é ensurdecedor e sobrepõe-se a tudo.


O) Os 2.º, 3.º e 4.º requerentes são empresários, têm vidas muito stressantes e necessitam de repousar e de ter momentos de lazer para descontrair e recarregar energias e quereriam, obviamente, que tal sucedesse nas casas que lhes pertencem.


P) Os 2º, 3º e 4º requerentes são empresários, têm vidas muito stressantes, gostam de receber amigos e conviver, mas tudo lhes está a ser vedado, por causa dos elevados níveis de ruído que se fazem sentir, desde cerca das 17 horas, mas que piora ao pôr-do-sol e pela noite dentro.


Q) As atividades ruidosas provocam aos 2.º, 3.º e 4.º requerentes e respetivos membros dos agregados familiares sequelas: fadiga, taquicardia, por causa das irritações, nervosismo, perturbações da atenção, do humor, angústia, revolta, irritabilidade, insónias, intranquilidade e desgosto, por não poderem usufruir normalmente das suas casas, por não poderem descansar, por não poderem estar em sossego, por não poderem dormir e retemperar-se.


R) Com o elevado ruído da música e do karaoke produzido no Bar...1 pela 2ª requerida e Dj´s contratados, muitos clientes da 1ª Requerentes pedem para mudar de mesa, queixando-se do ruído e grande parte deles, não conseguindo aguentar os incómodos, vão-se embora, sem consumir.


S) Os trabalhadores da 1ª requerente queixam-se, frequentemente, do excesso de ruído e dos incómodos que sofrem: cefaleias constantes e sensação de zumbidos e perdas de audição.


T) Muitos dos trabalhadores da requerente AA, que trabalham no restaurante YY não aguentam, havendo bastante rotatividade do pessoal, motivado em grande parte pela penosidade do trabalho, em função da sujeição a elevados níveis de ruído, sendo um ambiente de trabalho nocivo para a saúde dos trabalhadores.


U) Os ruídos são de tal forma altos e contínuos que são audíveis até ao último andar, em todas as divisões dos requerentes.


V) As sociedades requerentes bem como os requerentes, pessoas singulares, pretendem proceder a arrendamentos de curta duração, os chamados arrendamentos de vilegiatura.


W) Não há interessados em arrendar casas num prédio onde está a funcionar um estabelecimento comercial, com karaoke, até às 02h00.


X) Um apartamento na zona menos nobre da Marina..., tem para os meses de agosto um valor por noite de 288,00 euros, valor que aumentaria nos apartamentos da 1ª linha da Marina....


Y) Ao não conseguirem arrendar as frações por causa da atividade ruidosa da requerida HH, os requerentes veem defraudada a expectativa de rendimento passível de ser gerada através arrendamentos de curta duração, para férias.


Z) As 5ª e 6ª requerentes, sociedades comerciais, de carácter familiar, adquiriram as frações L e M, destinadas a habitação, para serem usadas pelos sócios, gerentes e trabalhadores, para respetivo gozo de férias e descanso, noutros períodos e também para obtenção de rendimento.


AA) Os trabalhadores, sócios, gerentes e respetivos familiares das empresas proprietárias requerentes sofrem os mesmos danos mencionados para as outras pessoas singulares.


BB) O Bar...1, em face do ruído produzido e do ambiente, tem as caraterísticas de uma discoteca.


CC) O ruído excessivo produzido pela requerida HH tem o propósito de causar os maiores incómodos aos requerentes, por causa do litígio existente quanto às obras.


**


Não se consideraram os demais «factos» insuscetíveis de prova pela sua natureza conclusiva, probatória ou de direito.”.


9. Do mérito do recurso


9.1. Nulidade da decisão


Os recorrentes apodam a decisão recorrida de nula à luz da alínea d) do nº1 do art.º 615º do CPC por, segundo percebemos, a mesma ter considerado determinados factos atinentes ao licenciamento do estabelecimento como não provados o que determinou, no seu entendimento, que tivesse “ evitado pronunciar-se sobre elementos de prova existentes nos autos” e, bem assim sobre as questão da “ indevida emissão de licenças especiais de ruído, com fraude à lei”.


Vejamos.


Como certeiramente se salienta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.03.20141 : “(…), começaremos por dizer que, infelizmente, vai-se tornado cada vez mais frequente que os recorrentes, irresignados com o desfecho judicial do litígio, venham arguir nulidades da decisão recorrida, designadamente, invocando omissão ou excesso de pronúncia, com todo o cortejo de inconvenientes, quando improcedentes, que tais arguições implicam necessariamente para a parte triunfante e, sobretudo, na medida em que retardam a finalização do litígio, prejudicando a celeridade processual.


As nulidades não são, em regra, vícios que inquinem a maioria das vicissitudes processuais que as partes consideram como tal, pois o legislador português foi cauteloso em não fulminar com nulidade toda e qualquer omissão ou insuficiência que a parte entenda ter ocorrido, aliás em consonância com a orientação perfilhada por vários ordenamentos jurídicos tendo, como trave mestra, o vetusto princípio francês «pas de nulité sans texte».


Por outro lado, de há muito que a nossa jurisprudência, designadamente a deste Supremo Tribunal, tem densificado o conceito de todas as nulidades legalmente previstas, sendo incontestável que em matéria de sentenças e acórdãos a lei teve o cuidado de criar um regime tipológico ou taxativo (numerus clausus) que é o consagrado no artº 668º do CPC (actual 615º no NCPC/2013).”.


É apodíctico que no caso em apreço não ocorre qualquer nulidade da sentença recorrida - basta lê-la - sendo que, para além disso, as questões suscitadas pelos recorrentes não se configuram como nulidade, designadamente as suscitadas pela recorrente.


Na verdade, o vício suscitado relaciona-se exclusivamente com a omissão de conhecimento de questões jurídicas que tenham sido submetidas ao Tribunal e não com a resposta que os factos controvertidos mereceram.


Além disso, se as licenças especiais de emissão de ruído foram no entender dos recorrentes indevidamente emitidas pela Câmara Municipal não é, como está bem de ver, este Tribunal que disso deve cuidar. O que este Tribunal deve cuidar, e cuidou, é que elas foram emitidas e o fez consignar na decisão de facto.


Improcede sem necessidade de ulteriores considerações a nulidade suscitada.


9.2. Impugnação da matéria de facto


Os recorrentes insurgem-se apenas contra a resposta que foi dada a “factos não provados” mais concretamente aos vertidos nas alíneas c), d) f), g h) m)n q , u), bb),cc) pugnando igualmente pela inserção de determinados factos no rol dos provados.


Comecemos por aqueles.


Como se viu, o Tribunal deu como “Não Provados” os seguintes factos:


“C) O Alvará de Licença emitido pela CML relativo à atividade exercida pela 2.ª requerida encontra-se caducado” e “D) A 2.ª requerida não tem licença de utilização para a atividade de bar.”.


Porém, a sua pretensão não faz o menor sentido, tendo em consideração que têm vindo a ser concedidos pela Câmara Municipal de Local 1 alvarás de licença especial de ruído, sendo o penúltimo de 29.7.2024 e o último de 13.9.2024, à Requerida, o que não sucederia se o alvará de licença sanitário estivesse caducado ou se a mesma não dispusesse de licença para a actividade de bar, o que, todavia, resulta do documento de fls. 13 junto aos autos.


Termos em que improcede a sua pretensão de os ver “Provados”.


Quanto ao facto vertido em F) ( Em 2024, o Bar...1 teve espetáculos de música ao vivo e dança ao vivo) referem os recorrentes que o depoimento de QQ o confirmou.


O Tribunal “ a quo” justificou deste modo o motivo porque não o considerou provado: “Relativamente à existência de música e dança ao vivo no Bar...1, por SS [gerente do estabelecimento comercial] foi esclarecido que em 2022 começaram apenas com um DJ a emitir música, posteriormente em 2023 experimentaram outro DJ e uma banda ao vivo e, por não ser apelativo para as pessoas, começaram a fazer o karaoke que por ser uma animação bem-sucedida ficou a imagem de marca do Bar...1. Nega assim que em 2024 tenham tido espetáculos de música ao vivo e dança. LL [filha do legal representante da sociedade HH] também confirmou que no Bar...1 não havia nem música ao vivo nem dança. Pese embora este facto não tenha grande relevância para a causa (não é relevante a fonte do ruído, mas sim se o ruído que está a ser emitido é incomodativo e lesa direitos pessoais), verifica-se que é a atividade de karaoke que estará aqui em causa e gera mais incómodo para os requerentes. Estas testemunhas foram credíveis e a única testemunha que refere que viu música ao vivo, NN, também referiu que não é frequentador do bar – não sabe assim o que estaria a ocorrer e de que forma estaria a ocorrer. Quer os requerentes, quer as testemunhas arroladas pelos requerentes não são frequentadores, não sabendo por isso como decorre a atividade do bar. Em face do exposto, entende-se dar como não indiciariamente provada a factualidade constante da alínea F)”.


Não vemos qualquer motivo sério para não acompanhar o assim decidido:


Ouvimos o depoimento da dita testemunha NN que se intitulou amigo do requerente BB, cujo apartamento está situado a “30 metros do Bar” e que disse espontaneamente, durante o interrogatório inicial, que vem “atestar que não consegue dormir”.


Apesar de ter descrito pormenorizadamente os incómodos que tem em consequência da actividade do bar, falou de DJ e Karaoke mas salientou sobretudo o barulho que é causado pelos frequentadores do bar após o seu encerramento, acabando por reconhecer que até às 24h não lhe causa grande incómodo. Quanto à música ao vivo, apenas se referiu a uma ocasião em que viu um indivíduo a tocar viola, o que não é suficiente, como se disse, para alterar o decidido.


Quanto aos factos vertidos em G) (Na maior parte dos dias, a requerida HH encerra o seu estabelecimento comercial, Bar...1, após as 02h00, sendo que os grupos de turistas, os bêbados, outros clientes e curiosos, ainda ficam nas imediações do estabelecimento comercial, a cantar e a gritar e só bastante tempo depois dispersam ) e H) (Depois de terminados os espetáculos, produzem-se os ruídos inerentes ao encerramento e de arrumação do estabelecimento, com arrastar de mesas, cadeiras, limpezas, etc. pelo que a incomodidade perdura, pelo menos até cerca das 3 horas da manhã, se não até mais tarde ) limitam-se a aludir ao depoimento de parte de CC para sustentar a sua impugnação relativamente ao primeiro, nada dizendo quanto ao segundo.


A fundamentação do Tribunal “a quo” afigura-se-nos irrepreensível.


Recuperemo-la: “Relativamente ao horário de encerramento do estabelecimento comercial, foi produzida prova em ambos os sentidos – a prova produzida pelos requerentes foi no sentido de que várias vezes o estabelecimento comercial é encerrado após as 02h00. As testemunhas arroladas pelos requeridos, designadamente SS e LL disseram que são cumpridos os horários. Certo é que facilmente os requerentes poderiam ter junta prova documental (designadamente, vídeos) que demonstrassem tal incumprimento (tanto que foram juntos vídeos com os interlocutores a mencionar a hora). Em face do exposto, entende-se que não foi feita prova cabal desse incumprimento (que se admite até poder ter ocorrido num dia com mais clientes) nem da sua reiteração (este ponto sim potencialmente relevante para a violação dos direitos invocados pelos requerentes).


Relativamente aos grupos de turistas alcoolizados ou sóbrios que ficam nas imediações do estabelecimento, entende-se que, tendo a Marina... um vasto leque de oferta, quer restaurantes, quer bares que têm os mesmos horários, não se poderá imputar só à requerida tal aglomeração de pessoas – a requerida é obrigada a encerrar às 02h00. Não é obrigada a fazer evacuar da Marina... as pessoas que aí escolhem permanecer. E ao contrário do que os requerentes afirmaram, quer PP, quer ZZ, quer SS, quer LL confirmaram que os outros bares da Marina... também funcionam até às 02h00 e não até à 00h00 (sendo este facto facilmente atestado via online).


Relativamente aos barulhos inerentes à arrumação do estabelecimento, os mesmos não foram demonstrados na diligência de produção de prova.”.


Como está bem de ver, o depoimento transcrito da parte não tem, só por si, a virtualidade de levar a inflectir o decidido.


Para justificar os demais factos indiciariamente “Não Provados” insertos nas alíneas L) a CC) – que contemplam os demais impugnados pelos recorrentes por ausência de prova bastante nesse sentido, referiu-se na sentença:


Relativamente à impossibilidade de jantares e ceias na varanda, atividades de leitura, audição de música, não ficou demonstrado, por ausência de prova nesse sentido, que os requerentes não consigam fazer estas atividades da vida diária. A acrescer, os dois requerentes que prestaram declarações referem que a atividade de karaoke é maioritariamente a partir das 21h00/22h00 – é aí que o som aumenta de forma a atrair os turistas que estão na Marina... (após o jantar). A acrescer, e tal como já ficou demonstrado que o estabelecimento comercial da Marina... não é o único a exercer atividade – são vários os bares que estão abertos na Marina..., são vários os restaurantes, sendo a Marina... reconhecida pela sua atividade noturna (ainda que apenas até às 02h00 uma vez que não existem discotecas em funcionamento). Não é assim credível que o único ruído audível e limitador do descanso, pelo menos até as 21h00, seja o Bar...1 até porque a requerente AA tem um restaurante em pleno funcionamento, até pelo menos à 00h00/ 01h00 que se situa ao lado do Bar...1. Do mesmo modo, também não ficou demonstrado o ruído sentido dentro das frações dos requerentes – tanto que até o relatório junto pelos requerentes não menciona se as janelas estavam ou não abertas aquando da emissão do ruído (sendo que nas imagens o medidor de som se localiza na varanda). Não tem assim o tribunal qualquer noção do ruído sentido pelos requerentes na sua fração sem prejuízo de se entender que os mesmos lograram demonstrar que o karaoke é audível nas frações, que os impede de descansar antes do horário de encerramento da atividade e que lhes traz incómodo. Certo é que também foi produzida prova de que a Câmara Municipal de Local 1 teve o cuidado de testar o ruído sentido e de reduzir os decibéis do limitador de som, tendo em consideração o apartamento mais próximo do bar (na qualidade de recetor). Tudo o mais alegado pelos requerentes, designadamente, as atividades que deixam de fazer (com exceção de ver televisão), a vida stressante que levam, os estados emocionais sentidos não foram demonstrados.


Relativamente aos danos e incómodos sentidos pelos funcionários e clientes do restaurante explorado pela requerente ..., sempre se diga que não foi feita prova de que os clientes deixem de frequentar o estabelecimento por causa da atividade exercida da requerida HH. AAA apenas referiu que por vezes não se ouve o que os clientes pedem, existindo erros nos pedidos e que tentam fazer rotação de funcionários de forma a que os funcionários que se sentem mais incomodados com o ruído possam trabalhar em outra zona. Não obstante, não foi demonstrado que exista uma quebra de faturação da requerida por conta da atividade exercida pela requerida, tendo ainda SS referido que o restaurante se encontra sempre com vários clientes e que muitos dos empregados frequentam, após o trabalho, o Bar...1.


Não foi ainda feita qualquer prova relativamente à intenção de arrendamento por parte dos proprietários das frações nem da impossibilidade de o fazer por conta da atividade da requerida (até porque a vontade e necessidade de uma família ter descanso poderá não ser a mesma vontade que os eventuais arrendatários de curta duração/ turistas têm ao arrendar uma fração em plena Marina..., com restaurantes, lojas, bares e muita animação – até poderá ser um fator atrativo durante o período de férias). Também não foi demonstrado o valor locatário das frações uma vez que o documento junto com o requerimento inicial não poderá ser suficiente para o demonstrar.


Também não ficou demonstrado o intuito com que as empresas requerentes, 5.ª e 6.ª requerente adquiriram as frações por ausência de prova. É certo que MM esclareceu que a família utiliza a fração como casa de férias e fins-de-semana, mas não ficou demonstrado para que efeitos a mesma foi adquirida nem qual é o objeto da sociedade.


Relativamente ao facto de o Bar...1 ter as características de uma discoteca, entende-se que não foi feita prova nesse sentido. É do conhecimento geral que não costuma existir karaoke numa discoteca, mas sim apenas Djs e música ambiente, as discotecas não encerram às 02h00 e os decibéis poderão rondar os 97 (nas palavras do técnico de som ZZ).


Relativamente à existência de ruído excessivo com o propósito de causar danos aos requerentes, entende-se que não foi feita prova nesse sentido. Não é credível que determinadas pessoas prossigam uma atividade económica para prejudicar outras. Decorridos vários anos, por sentença já transitada em julgado, foi decidido que a requerida não poderia prosseguir com a atividade industrial de restauração. Por esse motivo e por entenderem que seria legal, fizeram remodelações e abriram o Bar...1 – se o bar não faturasse e não tivesse qualquer propósito em estar aberto, ainda se poderia afirmar que o ruído poderia ser criado como forma de vingança – certo é que são os próprios requerentes que afirmam que o Bar é um sucesso – está sempre cheio, atrai várias pessoas e são vários os seus clientes – tanto que em 2024 foi dos bares que encerrou mais tarde no ano. Por esse motivo, não se poderá considerar que a requerida prossegue a atividade tão e só para prejudicar os requerentes mas sim porque é uma atividade rentável (tendo ainda em consideração que SS e LL referiram que este é o único estabelecimento explorado pela requerida e que caso tenham que encerrar mais cedo ou sejam proibidos de poder de fazer as sessões de karaoke o negócio irá diminuir a faturação de tal forma que a empresa não terá outro motivo senão requerer a sua insolvência)”.


Mais uma vez não podemos deixar de acompanhar o decidido, não tendo os recorrentes feito prova minimamente consistente no sentido pretendido.


É preciso notar que “para que a decisão da 1ª instância seja alterada haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada nas respostas que se deram aos factos, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova (REMÉDIO MARQUES, Acção Declarativa, à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, pág. 638 -641).


Os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo, a qual não se funda meramente na prova oral produzida, sendo a mesma conjugada com todos os demais meios de prova que a podem confirmar ou infirmar, e apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas.


Como ensina MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, “[a]lgumas das provas que permitem o julgamento da matéria de facto controvertida e a generalidade daquelas que são produzidas na audiência final (…) estão sujeitas à livre apreciação do Tribunal(…) Esta apreciação baseia-se na prudente convicção do Tribunal sobre a prova produzida (art.º 655.º, n.º1), ou seja, as regras da ciência e do raciocínio e em máximas da experiência” (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pág. 347). (…)


Deste modo, a Relação aprecia livremente as provas, de acordo com o princípio constante do n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, ou seja, a tudo o que possa concorrer para a formação da sua livre convicção acerca de cada facto controvertido.


Por outro lado, não invalida a convicção do tribunal o facto de não existir uma prova directa e imediata da generalidade dos factos em discussão, sendo legítimo que se extraiam conclusões em função de elementos de prova, segundo juízos de normalidade e de razoabilidade, ou que se retirem ilações a partir de factos conhecidos.


Não se pode, porém, esquecer que nesta sua tarefa a Relação padece de constrangimentos decorrentes da circunstância de os depoimentos não se desenvolverem presencialmente, pelo que na reapreciação dos depoimentos gravados, a Relação tem apenas uma imediação mitigada, pois a gravação não transmite todos os pormenores que são captáveis pelo julgador e que vão contribuir para a formação da sua convicção.


Assim, a alteração da matéria de facto pela Relação deve ser realizada ponderadamente, em casos excepcionais e pontuais, e só deverá ocorrer se, do confronto dos meios de prova indicados pelo recorrente com a globalidade dos elementos que integram os autos, se concluir que tais elementos probatórios, evidenciando a existência de erro de julgamento, sustentam, em concreto e de modo inequívoco, o sentido pretendido pelo recorrente, o que no caso não sucede.2


Pretendem igualmente os recorrentes que seja aditado aos factos provados um outro facto, a saber: “O Bar prime não está insonorizado/isolado” porque as testemunhas que indica, assim o afirmaram.


Em primeiro lugar, não vemos que tal facto tenha sido sequer alegado. Em segundo lugar, a afirmação da (in) existência de insonorização/isolamento não se pode bastar com a mera percepção de testemunhas. Por isso, a pretensão dos recorrentes não pode ser atendida.


c) Reapreciação da decisão jurídica da causa: se se verificam os pressupostos para decretar a providência cautelar.


Permanecendo inconformados apesar da sentença da 1ª instância ter muito consistentemente negado o seu intento de que seja “imediatamente” ordenada a cessação da produção de ruído incomodativo pela Requerida e que a mesma encerre o seu estabelecimento a partir das 24 horas, vieram os recorrentes insistir pelo deferimento da providência.


Justificar-se-á tal pretensão face à matéria de facto que resultou indiciariamente provada?


Os requerentes fundam-na essencialmente nos direitos à integridade pessoal (descanso, sono, tranquilidade e sossego) e ao ambiente sadio.


Os direitos de personalidade, pertencentes à categoria dos direitos subjectivos, caracterizam-se por serem absolutos (oponíveis erga omnes), não patrimoniais (insusceptíveis de avaliação pecuniária), indisponíveis (irrenunciáveis e, em regra, insusceptíveis de limitação) e intransmissíveis, encontrando-se previstos no artigo 70º do Código Civil.


Nesta norma, se consagra uma verdadeira cláusula geral de tutela da personalidade, aí se dispondo que a “lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física e moral” e que “independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da ameaça ou atenuar os efeitos da ameaça já cometida”.


Acresce que grande parte dos direitos de personalidade merecem também consagração constitucional, enquanto direitos fundamentais, veja-se, no que ora releva, o direito à integridade moral e física das pessoas, à intimidade da vida privada e familiar e a um ambiente humano sadio e ecologicamente equilibrado (cfr. artigos 25º, n.º 1, 26º e 66º nº1 da Constituição da República).


Em conformidade com o que se vem expendendo, dúvidas não restam que os Requerentes BB, CC, e BB são titulares de tais direitos subjectivos já que os direitos de personalidade invocados são inerentes à pessoa humana.


Restará, contudo, analisar se tais direitos se encontram fundadamente ameaçados em razão da utilização que a Requerida dá ao seu estabelecimento ( Bar...1) situado em plena Marina... que é “um sítio emblemático há mais de 40 anos, com centenas de lojas, restaurantes e bares, frequentado pelos chamados “moradores de Verão ” do Algarve, principalmente entre o início da tarde e as 02h da manhã”( ponto 16).


Conforme resulta da factualidade indiciariamente provada:


- O Bar...1 funciona das 15h às 02h00 – abrindo excecionalmente às 13h caso haja um jogo de futebol de interesse para transmitir na televisão ( ponto 22);


- Atualmente, o Bar...1 encontra-se encerrado entre meados de dezembro e meados de março ( ponto 23);


- O Bar...1 organiza sessões de karaoke para atrair clientes e dinamizar o seu negócio, à semelhança de outros bares na mesma Marina... ( ponto 24);


- As sessões de karaoke são os momentos mais animados que, realmente, produzem mais ruído do que todas as outras atividades e têm maior pico de afluência de clientes entre as 22h00 e as 02h00 (ponto 25);


- A atividade de karaoke consiste na colocação de músicas pelo DJ, a solicitação dos clientes, sendo passada música ambiente quando o karaoke não está a decorrer ( ponto 26);


- Desde o início da atividade da requerida em 2022, mas com maior intensidade a partir de 2023, os requerentes WW e CC e seus familiares sentem-se incomodados com o ruído produzido pelos espetáculos de karaoke e música ambiente ( ponto 27);


- Os 2.º, 3.º e 4.º requerentes ( pessoas singulares ) e os seus familiares utilizam as frações mencionadas nos pontos 2. a 4. como habitação secundária, não sendo a sua habitação própria e permanente ( ponto 28);


- O ruído sentido nos apartamentos dos requerentes WW e CC e seus familiares é sentido com maior intensidade a partir das 22h00 ( ponto 29);


- Ainda que tenham as janelas fechadas, os requerentes WW e CC conseguem ouvir o ruído produzido pelo karaoke, maioritariamente os sons graves, nas suas habitações e sentem dificuldades em dormir antes da hora de encerramento do estabelecimento da requerida ( ponto 30);


- O requerente WW tem dificuldade em ouvir televisão e em falar com amigos e familiares quando a requerida está a fazer sessões de karaoke ( ponto 31);


- As músicas altas, os cantares, os berros, as palmas dos participantes do karaoke, interferem com as conversas do requerente WW, uma vez que se vê várias vezes impossibilitado de comunicar sem gritar ( ponto 32);


- Por causa do ruído causado pelo karaoke, em 2023 e 2024 os requerentes WW e CC reduziram o tempo que permanecem nas suas habitações secundárias, quer nos fins-de-semana quer no período de férias ( ponto 33);


- Em 2023, por imposição da Câmara Municipal de Local 1, a 2.ª requerida procedeu à instalação de um limitador sonoro no estabelecimento com o limite de 87 dB, o qual se encontra ligado ininterruptamente e mantém-se conectado online à plataforma respetiva, de forma a ser acessível pelos serviços da Câmara Municipal ( ponto 38);


- Após a apresentação das queixas, em 2024, o limitador de som tem o limite de 83dB ( ponto 39)


A Câmara Municipal deLocal 1 tem acesso à informação relativa ao ruído detetado no estabelecimento através de uma plataforma online ( ponto 40).


À semelhança de outros direitos fundamentais, o direito à tranquilidade, ao repouso e ao sono como constituintes do direito à integridade física não são um valor absoluto e como tal legitimados a sobrepor-se a todos os direitos ou valores. " Este é, em definitivo um atributo que a ordenação jurídica democrática não reconhece a qualquer direito ". (…) A ideia de limite vai, assim, implicada no próprio conceito de direito, decorrendo das necessidades que as várias esferas jurídicas têm de se limitar reciprocamente, a fim de poderem coexistir no interior do respectivo ordenamento jurídico.3


Seguindo de perto a lição de Vieira de Andrade, dir-se-á que o problema dos limites dos direitos fundamentais coloca-se, na maior parte dos casos, como um conflito prático entre valores - entre os valores próprios dos direitos ou entre esses e outros valores comunitários.4


E isto ocorre ainda que, também como refere Vieira de Andrade, mesmo que os preceitos de direitos fundamentais não prevejam restrições.


Neste juízo de adequação ou ponderação entre o direito dos Requerentes ( pessoas singulares) e o direito da Requerida (61º, nº1 da C.R.P) não é despiciendo considerar que, como dissemos, as suas fracções estão situadas em plena Marina..., que é uma zona internacionalmente conhecida pela sua vida noturna, festas e discotecas durante o verão, as quais comportam naturalmente algum ruído ( ponto 15) e que é um local altamente cobiçado, especialmente em época alta, por pessoas que procuram, um ambiente mais festivo e noturno a que aquele local se presta ( ponto 17) , sendo que a maior parte da atividade comercial dos estabelecimentos na Marina... é sazonal, estando dependentes de turistas nacionais e internacionais que visitam esta região durante os meses de verão e alturas de maior calor ( ponto 18).


Quem opta por ter um apartamento de férias em plena Marina... (como é o caso dos Requerentes, pessoas singulares) não pode desconhecer esta realidade e tem de aceitar (e sujeitar-se) à contrariedade e (incomodidade) de à noite ter de ouvir música, vozes e cantares dos frequentadores dos muitos estabelecimentos de diversão que em época alta atraem milhares de turistas que visitam a região.


Trata-se da conhecida figura dogmática da área do Direito Penal, transponível, vantajosamente, para a jurídico-civil, designada por adequação social (do alemão sozial Adäquanz, expressão cunhada por Hans Welzel), que constata a tolerância comunitária para certos condutas que, em abstracto se poderiam considerar como infracções, mas que, em homenagem às concretas necessidades da convivência social e aos valores preponderantes na interacção comunitária, em dado momento histórico, são comummente suportadas como toleráveis.5


Isto porque, como é sabido, a convivência social em determinados e típicos locais de diversão e animação, sobretudo noturna, determina algumas restrições de interesses individuais.


Daí que não baste falar-se em abstracto na prevalência ou preponderância de uma espécie de direitos fundamentais em relação a outra, como parece ser a tese dos Recorrentes, antes se exigindo a avaliação concreta do circunstancialismo fáctico de cada situação, tendo em consideração os referidos princípios.


Se bem que possamos compreender a “contrariedade” dos Requerentes em ter um bar tão próximo das suas casas consideramos que a sua pretensão de obstaculizar a que o mesmo faça sessões de Karaoke e que encerre às 24h se revela desadequada e desproporcionada, tendo em consideração que tais sessões são destinadas a atrair clientes e dinamizar o negócio da Requerida à semelhança de outros bares na mesma Marina... (ponto 24) e que a maior afluência de clientes, como é típico de um bar, ocorre durante quatro horas por dia ( entre as 22h00 e as 02h00) apenas durante os meses da época alta.


Além disso, não há notícia que o ruído provocado pelos frequentadores do Bar exceda o limite estabelecido pela Autarquia (83DB) e pela mesma controlado através do limitador aí instalado ( pontos 38, 39 e 40).


Os direitos dos Requerentes (pessoas singulares) – que voluntariamente optaram por adquirir uma habitação secundária numa zona de animação noctura - tem naquelas ocasiões de se restringir, sob pena de uma intolerável e inadmissível ingerência do direito de exercício de uma actividade económica (art.61º da CRP).


Em conclusão: A apelação não tem como proceder perante a justeza da decisão recorrida.


III. DECISÃO


Por todo o exposto se acorda em julgar a apelação improcedente e em manter a sentença recorrida.


Custas pelos apelantes.


Évora, 22 de Maio de 2025


Maria João Sousa e Faro (relatora)


Ana Pessoa


Manuel Bargado

_____________________________________________

1. Relatado pelo Conselheiro Álvaro Rodrigues e consultável na Base de Dados do IGFEJ.↩︎

2. Assim, Acórdão desta Relação de 16.12.2024 proferido no processo n.º 738/22.1T8STR.E1↩︎

3. Assim, Ac. Tribunal Constitucional de 10.7.84 in DR,I, de 11.9.84.↩︎

4. In “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, Coimbra, 1983, pag. 216 e segs..↩︎

5. Assim, Acórdão do STJ de 30.9.2010 ( Álvaro Rodrigues).↩︎