Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | JOSÉ ANTÓNIO MOITA | ||
Descritores: | COMPRA E VENDA ANIMAL DEFEITOS | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 06/30/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | 1- Nos termos do disposto no artigo 920.º do Código Civil, relativamente à compra e venda de animais defeituosos, ficam ressalvadas as leis especiais ou, na falta delas, os usos. 2- Em matéria de venda de animais defeituosos, rege e vigora, ainda, não obstante a sua antiguidade, o Decreto de 16/12/1886, o qual, para além de enumerar os vícios juridicamente relevantes, altera o regime de denúncia impondo sobre o comprador o dever de requerer, dentro de dez dias completos sobre a entrega do animal, um exame médico pericial com vista a averiguar da existência do facto de onde o comprador deduz o direito que pretende exercer. 3- Não se tendo procedido em conformidade com o referido regime especial previsto no Decreto de 16/12/1886, não se mostra possível regular o caso mediante o recurso às regras constantes dos artigos 913.º e seguintes do Código Civil (que permite por remissão feita a partir do n.º 1 do dito artigo 913.º aplicar o regime de redução do preço previsto no artigo 911.º), por virtude do aludido diploma legal excluir, no seu âmbito, a aplicação do regime geral. 4- A descrição de vícios redibitórios contemplada no artigo 49.º do Decreto de 16/12/1886 deve considerar-se taxativa. (Sumário do Relator) | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 312/20.7T8BJA.E1 Comarca de Beja Juízo Central Cível e Criminal de Beja - Juiz 4 Apelantes: Monte da (…), SA,(…)e(…) Apelada: (…) *** Sumário do Acórdão (Da exclusiva responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC) (…) * Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora no seguinte: I – RELATÓRIO (…), residente em (…). 121, 81475 Munique, Alemanha, instaurou contra Monte da (…), SA, com sede no Monte da (…), (…), 7900-292, Figueira de Cavaleiros, concelho de Beja, na qualidade de única sócia da sociedade Coudelaria Unipessoal, Lda., (…) e (…), ambos residentes em Monte da (…), s/n, (…), 7900-292, Figueira dos Cavaleiros, concelho de Beja, na mera qualidade de liquidatários, a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a condenação da Ré na redução do preço do cavalo “(…)” em € 24.305,00, acrescido de juros de mora, bem como a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais no valor de € 11.243,45 (onze mil e duzentos e quarenta e três euros e quarenta e cinco cêntimos) e ainda a pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros). Regularmente citados, os Réus contestaram a ação, defendendo-se por exceção e deduziram reconvenção, pedindo especificadamente que: a) A exceção peremptória fosse julgada procedente, por provada, com a sua total absolvição do pedido, bem como provada a reconvenção, condenando-se a reconvinda a indemnizá-los no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros) e a pagar a quantia de € 4.600,00 (quatro mil e seiscentos euros) em dívida a título de IVA da factura FAC CUP/... acrescida de juros legais até efectiva restituição desse valor ou, em alternativa, b) a presente ação fosse julgada totalmente improcedente por não provada, com a sua total absolvição do pedido e a condenação da reconvinda no pagamento do valor de € 4.600,00 (quatro mil e seiscentos euros) acrescida de juros legais até efectiva restituição desse valor e, bem assim, no pagamento indemnizatório de € 5.000,00 pela ofensa causada ao bom nome e imagem das Rés. Através de articulado superveniente a Autora alegou, por um lado, que o cavalo (…) faleceu no dia 16.03.2021, e, por outro, requereu a ampliação do pedido, fundada no incremento de novas despesas hospitalares em que incorreu após a propositura da ação para o tratamento/internamento que o cavalo foi sujeito durante o período compreendido entre 14.03.2021 e 16.03.2021. Por despacho datado de 14.04.2021 foi admitido liminarmente o articulado superveniente e a ampliação do pedido formulados pela Autora. Realizou-se a audiência final a que se seguiu o proferimento de sentença da qual consta o seguinte dispositivo: “3- Dispositivo Face ao exposto, A) Julgo a ação parcialmente procedente e, em consequência: i) Condeno a Ré Monte da (…), S.A., na qualidade de única sócia da sociedade Coudelaria (…), Unipessoal, Lda. à data do encerramento da sua liquidação, ao pagamento à Autora (…), da quantia de € 23.075,00, a título de redução do preço, acrescida de juros moratórios, vencidos e vincendos, calculados à taxa supletiva legal de 4%, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento; ii) Condeno a Ré Monte da (…), S.A., na qualidade de única sócia da sociedade Coudelaria (…), Unipessoal, Lda. à data do encerramento da sua liquidação, ao pagamento à Autora (…), da quantia global de € 15.109,83, sendo € 14.109,83 referente a danos patrimoniais e € 1.000,00 a danos não patrimoniais, a título de indemnização. B) Julgo a reconvenção totalmente improcedente e, em consequência, absolvo a Autora (…) de todos os pedidos reconvencionais deduzidos pela Ré Monte da (…), S.A.. Custas da ação a cargo da Autora e da Ré Monte da (…), S.A. na proporção dos respetivos decaimentos (cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil). Custas da reconvenção igualmente a cargo da Ré Monte da (…), S.A.. Registe e notifique”. * * Inconformados com a sentença os Réus interpuseram recurso para este Tribunal Superior tendo alinhado as seguintes conclusões recursivas: (…) * * A Apelada apresentou resposta ao requerimento de recurso, pugnando pela total improcedência do mesmo e apresentou recurso subordinado alinhando quanto ao mesmo as seguintes conclusões: (…) Os Apelantes não responderam à matéria do recurso subordinado. * O recurso independente e o subordinado foram admitidos na 1ª Instância como apelação, a subir de imediato, nos próprios autos e com efeito devolutivo. * * O recurso é o próprio e foi admitido adequadamente quanto ao modo de subida e efeito. * II – OBJECTO DO RECURSO Nos termos do disposto no artigo 635.º, n.º 4, conjugado com o artigo 639.º, n.º 1, ambos do CPC, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recurso, salvo no que respeita à indagação, interpretação e aplicação das normas jurídicas ao caso concreto e quando se trate de matérias de conhecimento oficioso que, no âmbito de recurso interposto pela parte vencida, possam ser decididas com base em elementos constantes do processo , pelo que as questões a apreciar e decidir traduzem-se objectivamente no seguinte: I-Recurso independente: 1- Impugnação da decisão relativa à matéria de facto; 2- Reapreciação de mérito, abrangendo as seguintes questões concretas: a - Impedimento ao exercício do direito à redução do preço do cavalo (…) com base na invocação de vícios redibitórios no animal decorrente da falta de cumprimento pela Apelada do dever de requerer a realização de exame pericial ao dito cavalo nos dez dias subsequentes à entrega do animal; b - Falta de denúncia atempada por parte da Apelada aos Apelantes dos defeitos invocados no cavalo (…); c - Irrelevância como vício redibitório das cólicas recidivas sofridas pelo cavalo (…). d - Falta de fundamento para responsabilizar os Apelantes pelo pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais. II- Ampliação do âmbito do recurso. III-Mérito do recurso subordinado. * III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Decorre da sentença recorrida a seguinte matéria de facto: “1.1. Factos Provados Com relevo para a decisão da causa, mostram-se provados os factos seguintes: 1. A sociedade Coudelaria (…), Unipessoal, Lda., foi constituída em 21.03.2014, tendo por objeto social a criação, tratamento, cedência e comércio de equinos, exploração agrícola e florestal, organização de eventos, representações comerciais e industriais. 2. Pela Ap. 1 de 20.12.2019 foi registada a dissolução e o encerramento da liquidação da sociedade referida em 1), sendo sua única sócia a sociedade por quotas Monte da (…), Lda. 3. Em 05.03.2015, pela Ap. 10 foi registada a transformação da sociedade Monte da (…) Lda. em sociedade anónima, sob a firma Monte da (…), S.A.. 4. A sociedade Monte da (…) S.A. tem como objeto social a promoção imobiliária, arrendamento, administração de condomínios e imóveis por conta de outrem, consultoria para a gestão de projeto e compra e venda de bens imobiliários e viaturas, exploração agrícola, pecuária e florestal, criação, tratamento, cedência e comércio de equinos, organização de eventos, representações comerciais e industriais, sendo seus sócios (…), titular de uma quota de € 12.500,00, e (…), titular de uma quota de € 12.500,00. 5. Em 26.04.2019, a Autora adquiriu o cavalo de raça puro-lusitano, de nome “(…)” ou “(…)” (de ora em diante cavalo …), nascido em 23.04.2012, à sociedade Coudelaria (…). 6. A Autora adquiriu o cavalo (…), para cavalo de recreio, visando fins exclusivamente lúdicos. 7. O preço acordado entre a Autora e a sociedade Coudelaria de (…) pela aquisição do cavalo (…) foi de € 21.260,26, acrescido de IVA à taxa legalmente em vigor, no montante de € 26.150,00. 8. Por conta de preço convencionado pela aquisição do cavalo (…), a Autora entregou as seguintes quantias monetárias: (i) em 21.09.2019, € 5.000,00, mediante transferência bancária para a conta com o IBAN (…), titulada por (…); (ii) em 21.09.2019, € 5.000, mediante transferência bancária para a conta com o IBAN (…), titulada por (…); (iii) em 21.09.2019, € 5.000,00, mediante transferência bancária para a conta com o IBAN (…), titulada por (…); (iv) em 21.09.2019, € 6.150,00, mediante transferência bancária para a conta com o IBAN (…), titulada por Coudelaria (…), Unipessoal Lda.; (v) em 21.09.2019, € 5.000,00, mediante transferência bancária para a conta com o IBAN (…), titulada por (…). 9. Em 02.04.2019, a sociedade Coudelaria (…), Unipessoal, Lda. emitiu a factura «FAC CUP/…», com vencimento em 02.04.2019, em nome de (…), no montante total de € 6.150,00, sendo € 5.000,00 a título de capital, e o valor remanescente de € 1.150,00 a título de IVA, com a descrição «puro sangue lusitano com o nome (…), com o UELN (…)». 10. Em 29.10.2019, a Autora, através dos seus mandatários, solicitou, mediante carta registada por aviso de receção enviada a (…) – Coudelaria (…), Unipessoal, Lda., que a sociedade Coudelaria (…), Unipessoal, Lda. procedesse à emissão de factura por referência ao valor totalmente entregue pela primeira por conta do preço convencionado para aquisição do cavalo (…) e não contemplado na factura referida em 9). 11. Em 31.10.2019, a sociedade Coudelaria (…), Unipessoal, Lda. emitiu a factura «FAC CUP …», com vencimento em 31.10.2019, em nome de (…), no montante total de € 24.600,00, sendo € 20.000,00 a título de capital, e o valor remanescente de € 4.600,00 a título de IVA, com a descrição «puro sangue lusitano com o nome (…), UELN (…)». 12. A Autora, em momento prévio à aquisição do cavalo (…), referiu a (…), na qualidade de sócio e representante legal da sociedade Coudelaria (…), Unipessoal, Lda., a sua intenção de realizar um exame médico ao cavalo (…), vulgarmente designado por «exame em ato de compra». 13. Nessa sequência, (…) disse à Autora que era desnecessário realizar o referido exame médico ao cavalo (…), uma vez que este detinha as qualidades adequadas à finalidade para o qual seria adquirido, para fins exclusivos de recreio. 14. A Autora não realizou qualquer exame médico ao cavalo (…) no ato da compra. 15. Em 02.05.2019, o cavalo (…) foi entregue à Autora na Alemanha, tendo ficado instalado numa «paddockbox», no estábulo «(…)». 16. Nessa ocasião, o cavalo (…) encontrava-se emagrecido e apresentava uma dentição degradada. 17. Em consequência da sua dentição degradada, o cavalo (…) foi sujeito a tratamento médico em clínica veterinária. 18. Em 29.05.2019, o cavalo (…) apresentava insuficiência de selénio, tendo recebido uma injeção para suprir tal insuficiência. 19. Em 29.05.2019, ao cavalo (…) foram administradas substâncias medicamentosas para o tratamento de candidose equina crónica, dores abdominais e úlceras gástricas. 20. Em 21.06.2019 e 27.07.2019 o cavalo (…) denotava uma contração e bloqueio ao nível da musculatura das costas. 21. No início de agosto de 2019, o cavalo (…) apresentava sintomatologia associada a cólicas recidivas, revelando dores, comportamento apático e recusa em ingerir alimentos. 22. Nessa sequência, em 15.08.2019, o cavalo (…) foi submetido a operação cirúrgica, na clínica veterinária (…), Dieben, na Alemanha, devido a um episódio de cólicas, tendo-lhe sido dada alta em 26.08.2019 com indicação para tratamento pós-operatório em ambulatório. 23. Em 25.08.2019 a Autora comunicou telefonicamente a (…), na qualidade de representante da sociedade Coudelaria (…), Unipessoal, Lda., que o cavalo (…) padecia de musculatura subdesenvolvida, candidose equina crónica, insuficiência de selénio e denotava mau estado da sua dentição e sintomatologia associada a episódios de cólicas recidivas. 24. Em 14.09.2019 o cavalo (…) foi sujeito a novo internamento na clínica (…), Dieben, em consequência de sintomatologia associada a episódios de cólicas recidivas, tendo tido alta no dia 16.09.2019. 25. Em 28.09.2019, o cavalo (…) foi sujeito a novo internamento, na clínica (…), Dieben, por manifestar dores relacionadas com episódio de cólicas recidivas, tendo sido submetido a nova operação cirúrgica no dia 06.10.2019 em consequência de tal quadro clínico. 26. Durante a operação realizada no dia 6.10.2019 foram identificados pontos isquémicos no cólon e no intestino delgado do cavalo (…), compatíveis com antigas infeções intestinais causadas por vermes, tendo o animal contraído tais infecções em momento prévio à sua aquisição pela Autora. 27. Em 17.09.2019, o cavalo (…) apresentava-se apático, e denotava o cólon cheio e gaseificado. 28. Em 18.11.2019, o cavalo (…) foi submetido a exame médico, na cavalariça (…), em (…), e apresentava lesões no tendão flexor do osso do membro traseiro direito, com cerca de 2 dedos de espessura e comprimento, e ainda distensão óssea na articulação do tornozelo do membro traseiro esquerdo. 29. As lesões existentes no tendão flexor do membro traseiro direito e, bem assim, a distensão óssea na articulação do tornozelo do membro traseiro esquerdo referidas em 28) são compatíveis com um quadro clínico pré-existente à data em que a Autora adquiriu o cavalo (…). 30. Em consequência das lesões supra referidas, o cavalo (…), durante o movimento a trote, apresentava dores nas patas traseiras e denotava manqueira. 31. Em consequência dos tratamentos veterinários e das operações cirúrgicas a que foi sujeito o cavalo (…), a Autora expendeu o montante global de € 11.243,45, emergente da realização de exames e tratamentos veterinários, administração de substâncias medicamentosas, internamento em clínica veterinária, consultas veterinárias e operações cirúrgicas. 32. Em 07.10.2019, a Autora enviou mensagem por correio eletrónico para (…), com o seguinte teor: «Caro Sr. (…), Eu comprei-lhe (…) em 1 de abril de 19. Estou com (…) num estábulo de exibição com as melhores condições, conhecimento e alimentação dos cavalos. No dia 15.8.19 ele foi operado pela primeira vez em virtude das cólicas. A segunda vez ontem, em 6.10.2019. (…) O cavalo chegou aqui na Alemanha com uma úlcera gástrica, bem como podridão nos cascos. Tive que despender muito dinheiro para reparar os dentes porque estavam em um estado desastroso. Entretanto, os custos ascendem a mais de 10.000 euros de despesas médicas. (…) foi diagnosticado com enterite linfo-plasmacellular. O Intestino delgado foi diagnosticado com enterite linfo-plasmacellular.» 33. Em consequência das lesões, tratamentos veterinários, e operações a que o cavalo (…) foi sujeito e do sofrimento manifestado pelo animal, a Autora sentiu-se ansiosa, nervosa, e transtornada. 34. No dia 14.03.2021, o cavalo (…) foi internado de urgência na clínica (…), em Dieben, devido a um novo episódio de cólica. 35. Durante o referido internamento, a sintomatologia associada às cólicas de que padecia o cavalo (…) foi-se agravando, tendo-lhe sido administrada medicação para esse efeito e realizados exames a amostras fecais. 36. Em face do agravamento do estado clínico do cavalo (…), a Autora assentiu que o animal fosse submetido a eutanásia, tendo esta lhe sido administrada e, consequentemente, foi declarado o seu falecimento no dia 16.03.2021. 37. A Autora despendeu o montante de € 2.509,38, com o internamento do cavalo (…), com a realização dos tratamentos, administração de medicação e eutanásia. 38. A Autora despendeu o montante de € 357,00, por conta da elaboração do relatório médico. 1.2. Factos não provados Com relevância para a boa decisão da causa, ficou por provar que: A) O preço acordado entre a Autora e sociedade Coudelaria (…), Unipessoal pela aquisição do cavalo (…) foi de € 30.750,00, já com IVA incluído. B) Que na ocasião referida em 13), (…) invocou ainda a descendência do cavalo (…), nomeadamente o seu pai “(…)” e o seu avô “(…)”, referindo que ambos também eram cavalos de 1.ª classe. C) Que nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 20), o cavalo (…) claudicava. D) Após a sua entrega na Alemanha, o cavalo (…) recusou-se a comer, rolava incessantemente sobre o chão e não se deixava montar. E) As cólicas sofridas pelo cavalo (…) na Alemanha deveram-se ao tipo e excesso de alimentação que lhe foi administrada pela Autora e ao consumo insuficiente de água. F) Todas as lesões e patologias sofridas pelo cavalo (…) desde a data da sua entrega à Autora (em 02.05.2019) deveram-se às condições em que o animal foi transportado de Portugal para a Alemanha, às condições em que foi estabulado na Alemanha, ao treino excessivo a que foi sujeito pela Autora e ainda à falta de cuidados, em particular no maneio, a que foi submetido. G) A Autora, perante terceiros, imputa factos, formula juízos e reproduz suspeitas sobre a Coudelaria (…), Unipessoal, Lda., bem sabendo que tais factos, juízos e suspeitas são desfavoráveis para a prossecução do seu objeto comercial e não correspondem à verdade”. * IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO I-Recurso Independente: 1 - Iniciemos abordando a primeira das questões objecto deste recurso respeitante à impugnação relativa à decisão da matéria de facto. Prevê o artigo 662.º, n.º 1, do CPC o seguinte: “1 – A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto , se os factos tidos como assentes , a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”. Refere a propósito deste normativo o Conselheiro António Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., 2018, Almedina, pág. 287), que: “O actual artigo 662.º representa uma clara evolução no sentido que já antes se anunciava […] , através dos nºs 1 e 2, alíneas a) e b), fica claro que a Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostrem acessíveis e com observância do principio do dispositivo no que concerne à identificação dos pontos de discórdia”. Já o artigo 640.º do CPC, que se debruça sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, prevê que: “1-Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b), do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. […]”. A este propósito sustenta o Conselheiro António Abrantes Geraldes (obra acima citada, a págs. 168-169), que a rejeição total ou parcial respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve ser feita nas seguintes situações: “a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b)); b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (artigo 640.º, n.º 1, alínea a)); c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.); d) Falta de indicação exacta, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda; e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, esclarecendo, ainda, que a apreciação do cumprimento de qualquer uma das exigências legais quanto ao ónus de prova prevenidas no mencionado n.º 1 e 2 alínea a) do artigo 640.º do CPC, deve ser feita “à luz de um critério de rigor”. Revertendo ao caso concreto verificamos da leitura das conclusões recursivas dos Apelantes, mormente da alínea D), o propósito da mesma em impugnar a decisão relativa à matéria de facto descriminada na sentença recorrida. Percebemos que os Apelantes entendem (cfr. [xi] a [xiv]), que o Tribunal a quo deveria ter incluído nos factos considerados como provados alguns factos, sendo certo que da leitura da parte reservada à motivação do recurso acabamos por descortinar que os mesmos pretendiam que tivesse sido dado como provado que: - “Nas 48 horas anteriores ao seu transporte o cavalo (…) foi visto por um médico veterinário com vista ao pedido das guias de transporte a serem emitidas pela Direcção Geral de Alimentação e Veterinária, que foram emitidas”. - “O cavalo (…) apresentava as necessárias condições de saúde para ser transportado para a Alemanha”. -“O cavalo estava saudável e em condições de no dia 02.07.2019 ser vacinado”. - “O médico veterinário (…) tinha conhecimento de que o cavalo (…) nunca padeceu de nada relevante e assinalável, desde o momento da observação de rotina do mesmo até ao momento da sua venda”. Porém, compulsando devidamente os articulados carreados para os autos e designadamente o teor da contestação-reconvenção dos Apelantes, especialmente interessados na demonstração de tais factos por os entenderem como favoráveis à sua tese de inexistência de vícios redibitórios no cavalo “(…)” à data da venda e entrega à Apelada, constatamos não terem os mesmos sido concretamente alegados pelos Apelantes. Ora, sustentando os Apelantes a recondução dos apontados factos ao segmento dos factos considerados como provados na sentença recorrida assumem que se tratarão de factos essenciais para ilustrarem matéria que rotularam de excepção invocada na contestação. Sucede, porém, que de acordo com a disposição legal prevista no n.º 1, do artigo 5.º, do CPC, tais factos devem ser concretamente alegados. Destarte, improcede, quanto aos ditos factos, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto. Já no tocante à discordância manifestada em [ix], [x] e [xvi], verificamos pelo cotejo com a motivação recursiva pretenderem os Apelantes a alteração da redacção dos factos contidos no segmento dos factos considerados como provados vertidos sob os pontos 14 e 22 (com consequente eliminação do facto considerado como não provado sob a alínea E)) no sentido do primeiro passar a conter “a menção de que a Recorrida voluntária e conscientemente não realizou qualquer exame no ato de compra, prescindindo do mesmo em Portugal e não requisitando qualquer outro exame no prazo de 10 dias após a compra” e do segundo “incluir a referência a que o Médico Veterinário que operou o cavalo atestou que a provável causa da cólica sofrida era o excesso de alimentação”. Desde logo percebemos que os Apelantes não cumpriram satisfatoriamente, no tocante a ambos os factos, o dever decorrente da alínea c), do n.º 1, do artigo 640.º, do CPC, que alude à obrigatoriedade de especificar: “c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” Na verdade, só assim teriam procedido caso tivessem explicitado inequivocamente, sem qualquer margem de obscuridade, a redacção integral pretendida para tais pontos de facto, até para permitir à parte contrária pronunciar-se sem a possibilidade de dúvidas sobre a respectiva decisão pretendida. De todo o modo, sempre se acrescenta no tocante à impugnação do facto vertido sob o ponto 14 que a expressão “voluntária e conscientemente”, além de reservar em si ampla conotação jurídica, nada adianta de relevante à redacção conferida ao ponto de facto em apreço pelo Tribunal a quo, que, recorde-se, tem a seguinte redacção: “A autora não realizou qualquer exame médico ao cavalo (…) no ato da compra”. Na realidade, de nenhum outro facto elencado no segmento reservado na sentença recorrida à matéria de facto assente, mormente os descritos sob os pontos 12 e 13, é razoável retirar e menos ainda concluir, que a Apelada tivesse agido sob coação, ameaça, ou num quadro de incapacidade acidental, sendo certo que quanto ao que demais se pretende seja feita menção mais não se refere que juízos eminentemente conclusivos, que poderão, ou não, estar correctos, pressupondo prévia reapreciação conjugada com os demais factos considerados como assentes. Dito isto improcede ainda a impugnação no tocante aos factos considerados provados vertidos sob os pontos 14 e 22. Nas conclusões recursivas e de forma bem mais explícita verifica-se também (cfr. [xvii), que os Apelantes entendem ter sido incorrectamente julgado o facto vertido sob a alínea F) do segmento atinente aos factos considerados como não provados na sentença recorrida, considerando que o mesmo deveria ter sido considerado como provado. O dito facto tem o seguinte teor: “F) Todas as lesões e patologias sofridas pelo cavalo (…) desde a data da sua entrega à Autora (em 02.05.2019) deveram-se às condições em que o animal foi transportado de Portugal para a Alemanha, às condições em que foi estabulado na Alemanha, ao treino excessivo a que foi sujeito pela Autora e ainda à falta de cuidados, em particular no maneio, a que foi submetido”. Para sustentar a decisão diversa da recorrida pela qual pugnaram os Apelantes indicaram como meios probatórios excertos (que transcreveu no segmento dedicado à motivação do recurso), dos depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência final, por si arroladas, (…), veterinário, (…), cavaleiro profissional, e funcionário dos Apelantes entre 2018 e 2020 e (…), funcionária administrativa dos Apelantes. Na sentença recorrida o Tribunal a quo motivou a posição assumida quanto ao facto em apreço do seguinte modo: “A prova negativa dos factos consignados em A), E) e F) deveu-se, essencialmente, à prova positiva dos factos apurados em 7), 22), 24), 25), 26), 27), 28), 29), e 30). Em especial no que concerne à factualidade mencionada em E) e F) cumpre mencionar que […], nenhuma das testemunhas por si arroladas e inquiridas em sede de audiência final revelou deter conhecimento direto das condições em que o animal foi transportado para a Alemanha, foi estabulado nesse pais, nem a que tipo de cuidados foi sujeito pela Autora”. Interessa ainda recordar o que mencionou o Tribunal a quo a propósito das testemunhas salientadas pelos Apelantes: “Por outro lado, o depoimento de (…) não foi crível aos olhos deste Tribunal, desde logo, pela falta de solidez quanto à sua razão de ciência […]. Acresce que, a referida testemunha depôs de forma comprometida, sendo evidente o ascendente que a Ré Monte da (…), SA, na qualidade de sua entidade patronal, tem sobre si, o que não abonou a que fosse conferida qualquer credibilidade ao seu testemunho” […] “O depoimento de (…) não foi valorado por este Tribunal, atenta, na nossa opinião, a sua falta de razão de ciência sólida, uma vez que, apesar de ser veterinário de profissão e, nesse âmbito ter prestado os seus serviços para a Coudelaria (…), Unipessoal, Lda., arrogando-se de larga experiência profissional fundada na circunstância de tal experiência remontar ao ano de 2002 […], a verdade é que não revelou deter um conhecimento direto das condições de saúde e estado geral do cavalo (…) à data da sua aquisição pela Autora. Na verdade, no início do seu depoimento a testemunha (…) admitiu não se recordar «muito bem» do cavalo (…), esclarecendo o Tribunal que o único exame médico que efetuou ao cavalo foi de cariz radiológico, em 10.11.2016 […]. Com efeito, a testemunha (…), ao longo do seu depoimento, limitou-se a falar de forma genérica e abstrata das possíveis causas para as patologias alegadas pela Autora de que o cavalo (...) padecia, não tendo, contudo, revelado um conhecimento atual do estado de saúde do cavalo, considerando que a única vez que o analisou, no exercício de tais funções, foi no ano de 2016, isto é, cerca de 3 anos antes do animal ter sido adquirido pela Autora razão pela qual o seu depoimento não abalou, na opinião deste Tribunal, a credibilidade que foi conferida à testemunha (…).” […] Quanto à testemunha […], a mesma apresentou uma versão segundo a qual o cavalo (…) não padecia de qualquer problema de saúde, à data em que o mesmo foi vendido à Autora. Ora, o Tribunal não considerou credível o seu depoimento, desde logo, atenta a circunstância de a referida testemunha não ser médico veterinário, e nessa perpectiva, não deter os conhecimentos técnicos necessários para contrariar o depoimento do veterinário (…). A este propósito, cumpre referir que algumas das patologias alegadas pela Autora, como sejam as antigas infecções por vermes, são vícios ocultos (ou seja, não detetáveis a olho nu). Assim, e na medida em que (…) montou e ensinou o cavalo (…), durante 6/7 meses, não tendo efetuado qualquer exame clínico ao animal, a verdade é que tais defeitos – (como a existência de infeções por vermos no intestino do animal) podem ter passado despercebidos”. Ora, lendo os excertos dos depoimentos selecionados pelos próprios Apelantes, percebemos que desde logo nenhuma das três testemunhas invocou conhecimento directo (ou indirecto), sobre as condições em que o cavalo “(…)” foi transportado de Portugal para a Alemanha, assim como sobre as condições em que o mesmo foi estabulado na Alemanha, bem como sobre o treino que lhe terá sido ministrado neste último País e ainda sobre os cuidados no maneio a que tenha sido submetido. E assim sendo naturalmente que não poderá considerar-se como demonstrado que tais condições, que as ditas testemunhas não revelaram conhecer, terão sido causa de “todas as lesões e patologias sofridas pelo cavalo (…)” desde 02/05/2019, data em que o animal foi entregue à Apelada. Termos em que improcede, ainda, a impugnação apresentada pelos Apelantes relativamente ao facto vertido sob a alínea F) do segmento da sentença relativo aos factos considerados como não provados, julgando-se, em consequência, totalmente improcedente a impugnação apresentada pelos Apelantes contra a decisão relativa à matéria de facto. 1-Reapreciação de mérito. a - Quanto à falta de cumprimento por parte da Apelada do ônus de requerer a realização de exame pericial ao cavalo “(…)” no prazo de dez dias completos sobre a data da entrega do animal. Em sede de compra e venda de coisa defeituosa dispõe o artigo 920.º do Código Civil, epigrafado “venda de animais defeituosos”, o seguinte: “Ficam ressalvadas as leis especiais ou, na falta destas, os usos sobre a venda de animais defeituosos”. Ora apesar de se tratar indiscutivelmente de um diploma antigo certo é que existe e ainda em vigor (como veremos melhor infra), legislação que regula especialmente a venda de animais defeituosos, concretamente o Decreto de 16/12/1886, o qual dispõe designadamente nos seus artigos 49.º a 58.º sobre a compra e venda, ou troca, de animais domésticos defeituosos, indicando no artigo 49.º relativamente a cavalos (jumentos, mulos, bois, carneiros e porcos), as doenças que deverão qualificar-se como vícios redibitórios, entendendo-se como taxativa a enumeração aí feita, não podendo incluir-se nessa descriminação outras patologias, ou doenças, por interpretação analógica (veja-se a este propósito o acórdão proferido pelo STJ em 09/07/1965, publicado in BMJ, 149.º- 323). Por seu turno, diz-nos o artigo 50.º do vetusto Decreto de 1886 o seguinte: “Será permitida a acção de redução de preço quando, sendo pedida pelo comprador, o vendedor não preferir antes reaver o animal ou animais vendidos, restituindo o custo da venda e indemnizando o comprador pelas perdas e damnos soffidos.” Já do artigo 52.º, ainda do identificado Decreto, resulta que: “Quando qualquer entender que tem fundamento para pedir a rescisão da venda ou da troca, ou a redução do preço, por vício redhibitório do animal ou animaes comprados ou trocados, terá de requerer, dentro de dez dias completos, comprehendendo o da entrega do animal, exame ou vistoria de peritos, para se averiguar o facto de que quizer deduzir o seu direito.” No artigo 53.º, sempre do mesmo Decreto, estatuiu-se que “O exame deverá ser requerido nos termos do código de processo civil…”, ao passo que no artigo seguinte (54.º), ficou previsto que a nomeação dos peritos (um ou dois), para a realização do aludido exame ficaria a cargo do juiz, o qual nomearia um terceiro “em caso de empate”, cumprindo aos ditos peritos nomeados “verificar o estado do animal ou animaes, recolher todos os esclarecimentos uteis e afirmar, sob juramento, a sua opinião.” Aqui chegados, impõe-se relembrar que a actual versão do Código de Processo Civil em vigor continua a prever a prova pericial, quer na variante singular, quer na colegial ou interdisciplinar, mormente nos seus artigos 467 a 489. Ora da leitura do artigo 52.º acima transcrito resulta que o exercício pelo comprador do direito, através da competente acção judicial, à redução do preço de animal adquirido fundada em alguma das moléstias descriminadas no artigo 49.º do Decreto de 1886 (vícios redibitórios), depende da realização de exame pericial feito ao animal com vista a averiguar da existência daquela(s), a requerer no prazo de dez dias (inclusive), a contar da entrega do animal ao comprador, pelo que a ausência de prova por banda deste último interessado de que requereu a realização desse exame no dito prazo preclude, ou torna impeditivo, o exercício do mencionado direito à redução do preço com base em vicio redibitório típico. Regressando ao caso vertente sabemos que os Apelantes aludiram expressamente na sua contestação-reconvenção à relevância jurídica do não cumprimento pela Apelada no prazo de dez dias sobre a entrega do cavalo “(…)” do dever de requerer exame pericial ao mesmo tendo em vista subsequente pedido de redução do preço pago pelo dito animal assente em eventuais defeitos ou vícios redibitórios típicos revelados no mesmo, sendo certo que era à própria Apelada que competia, ao demandar judicialmente os ora Apelantes peticionando a redução do preço do cavalo fundada em cumprimento defeituoso da prestação por parte destes últimos, provar que cumprira tal dever. Baixando ao plano dos factos descriminados na sentença recorrida percebemos serem essenciais para aquilatar da questão que ora ainda nos prende a matéria vertida sob os pontos 12. a 18. do segmento dos factos considerados como provados. Da leitura conjugada dessa factualidade temos de concluir não ter resultado provado ter sido requerida pela Apelada a realização de exame pericial médico (vulgo “exame em ato de compra”), ao cavalo “(…)” no prazo de dez dias sobre a data da entrega do mesmo à Apelada concretizada no dia 02/05/2019. Na verdade, a mera intenção, dada a conhecer pela Apelada ao legal representante da sociedade Coudelaria (…), Unipessoal, Lda., (…), de realizar em momento prévio à sua aquisição um exame médico ao animal não pode subsumir-se juridicamente à figura do requerimento para exame médico previsto no artigo 52.º do Decreto de 1886 e menos ainda a resposta conferida por aquele representante à Apelada pode ser interpretada como um qualquer indeferimento a um tal requerimento. Com efeito, confrontada com a opinião manifestada pelos Apelantes de que não seria necessária a realização de exame médico ao cavalo “(…)” pelo facto do mesmo deter as qualidades adequadas à finalidade para que seria adquirido (recreio), a Apelada não ficou de forma alguma impossibilitada de prosseguir com as diligências necessárias à realização do “exame em ato de compra”, não tendo resultado minimamente comprovado que tenha sido física, ou moralmente, coagida a não o fazer. Da conjugação entre si da matéria de facto vertida designadamente nos pontos 13 e 14 apenas se pode retirar, por presunção, que a Apelada terá confiado que seria desnecessário no acto de compra realizar o exame médico ao cavalo, não se afigurando, ao invés, adequado presumir que os Apelantes tenham agido com dolo, consubstanciado na intenção de esconder problemas de saúde e maleitas de que o cavalo “(…)” já padecesse e que fossem, ou devessem necessariamente ser, do seu conhecimento. Pensamos que para se poder concluir inequivocamente no sentido de uma tal actuação dolosa por parte dos Apelantes seria necessário que tivesse resultado provado na sentença recorrida que o cavalo “(…)” já padecera anteriormente à compra e venda celebrada com a Apelada de problemas de saúde reconhecidos em exames ou relatórios médicos, o que não decorre da matéria de facto que resultou assente na dita sentença, não nos parecendo suficiente extrair tal comportamento doloso da singela referência constante da parte final dos factos vertidos sob os pontos nºs 26 e 29 do segmento atinente à matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida. A mera sugestão quanto à desnecessidade de realização do exame pericial médico ao cavalo “(…)” à data da compra e venda sem arrimo noutros factos concretos provados ilustradores de anterior situação documentada de saúde do animal não deve, salvo melhor opinião, ser entendida a nível de actuação dolosa, conforme o concluiu o Tribunal a quo na sentença recorrida. Dito isto, deve entender-se que ultrapassado o prazo legal para requerer exame pericial médico ao cavalo “(…)” com vista a avaliar alguma maleita relevante susceptível de poder fundamentar um pedido de redução do preço acordado entre Apelantes e Apelada para a compra e venda do animal por cumprimento defeituoso da prestação por parte da vendedora ficou a compradora impossibilitada de exercer o direito de pedir tal redução de preço. Na sentença recorrida entendeu o Tribunal a quo aplicar-se ao caso vertente o regime jurídico da “Venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas”, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 67/2003, de 08/04, alterado pela última vez pelo Dec.-Lei n.º 84/2021, de 18/10, para desse modo sustentar a revogação tácita de alguns artigos do Decreto de 16 de Dezembro de 1886, concretamente os artigos 52.º a 54.º, dado estarem em oposição com o prazo de garantia conferido aos consumidores no caso de venda de bem móvel defeituoso (2 anos), previsto designadamente no artigo 5.º, n.º 1, do mencionado Dec.-Lei, mais defendendo ainda uma interpretação actualista dos artigos 49.º e 50.º do mencionado diploma legal, considerando o “carácter antigo e desatualizado” de tal diploma, ancorando-se, ademais, na posição doutrinária do Prof. Calvão da Silva expendida na obra “Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança”. Salvo o devido respeito pela tese seguida julgamos, porém, não dever aplicar-se ao caso em apreço. Na verdade, aos lermos o artigo 1.º-B do Dec.-Lei 67/2003, de 08/04, na sua versão mais recente, deparamos com a seguinte previsão: “Para efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei, entende-se por: a) «Consumidor», aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho; b) «Bem de consumo», qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo, incluindo os bens em segunda mão; […]”. Ora, sucede que por força da entrada em vigor da Lei n.º 8/2017, de 03/03, o que ocorreu em 01/05/2017, o Código Civil passou a conter no título II do Livro I epigrafado “Das relações jurídicas”, precisamente entre o Subtítulo I denominado “Das pessoas” e o Subtítulo II, denominado “Das coisas” um novo Subtítulo I-A denominado “Dos animais”, abrangendo o mesmo os artigos 201.º-B a 201.º-D, estatuindo-se no artigo 201.º a definição de “animais” do seguinte modo: “Os animais são seres vivos dotados de sensibilidade e objeto de proteção jurídica em virtude da sua natureza.” Por conseguinte, os animais que até à entrada em vigor da mencionada Lei n.º 8/2017 eram classificados como coisas, concretamente coisas móveis ao abrigo do disposto no artigo 205.º do CC, deixaram de o ser passando a ser considerados como seres vivos. “Ser vivo” é uma denominação específica que conhece relevância jurídica recente afigurando-se-nos não poder estar contida, por não integrar a sua previsão, na denominação “Bem de consumo” constante da alínea b) do artigo 1.º-B do Dec.-Lei n.º 67/2003, de 08/04. Com efeito, julgamos que a referência a “qualquer bem imóvel ou móvel corpóreo”, contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 1.º-B do Dec.-Lei n.º 67/2003, de 08/04 visa conter essencialmente o conceito de coisa imóvel e móvel salvaguardado nos artigos 204.º e 205.º do Código Civil. Por conseguinte, se é verdade que um animal é, por regra, móvel, certo é que desde a entrada em vigor da Lei n.º 8/2017, de 03/03 deve ser reconhecido como ser vivo móvel e não apenas como bem móvel corpóreo. Acresce que no artigo 201.º-D do CC prevê-se que “Na ausência de lei especial, são aplicáveis subsidiariamente aos animais as disposições relativas às coisas, desde que não sejam incompatíveis com a sua natureza”. Na conformidade exposta, reiteramos que o Decreto de 16 de Dezembro de 1886, sem embargo de ser inegavelmente antigo e vetusto, deve ser considerado como estando ainda em vigor também quanto aos seus artigos 49.º, 50.º e 52.º a 54.º, sendo a descrição das maleitas e defeitos, passíveis de ilustrarem vícios redibitórios, descritas no artigo 49.º do dito diploma legal, taxativa e não meramente enunciativa. Neste sentido, veja-se o parecer de António Pinto Monteiro e Agostinho Cardoso Guedes sobre “Venda de animal defeituoso (in CJ, ISSN 0870-7979, Ano XIX, tomo 5, 1994, pág. 5) de cujo resumo retiramos as seguintes notas: “Com a ressalva contida no artigo 920.º do CC pretendeu o legislador subtrair ao domínio da aplicação dos artigos 913.º e seguintes do CC a venda de animais defeituosos, mantendo essa questão na alçada do Decreto de 16-12-1886, o qual, além de enumerar os vícios juridicamente relevantes, altera também o regime de denúncia, impondo sobre o comprador o ónus de requerer dentro de dez dias completos, um exame ou vistoria de peritos, para se averiguar a existência do facto de onde o mesmo comprador deduz o seu direito. Assim, ou o defeito do animal cabe na enumeração do artigo 49.º do Decreto de 16-12-1886 e a tutela dos compradores resume-se à dos artigos 50.º e seguintes do mesmo Decreto, ou o defeito não cabe nessa enumeração e é então juridicamente irrelevante”. Também a jurisprudência tem dado no essencial acolhimento a este último entendimento. No acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto em 16/01/1996 (Processo n.º 9520808), disponível para consulta in www.dgsi.pt escreveu-se a propósito no respectivo sumário o seguinte: “II - Nos termos do artigo 920.º do Código Civil, sobre a venda de animais defeituosos ficam ressalvadas as leis especiais ou, na falta destas, os usos. III - Por via disso, está em vigor o Decreto, de 16 de Dezembro de 1886 que fixa o regime geral sobre a venda de animais defeituosos, o qual, além de enumerar os vícios juridicamente relevantes, altera também o regime de denúncia e impõe sobre o comprador o ónus de requerer, dentro de dez dias completos, um exame ou vistoria de peritos para se averiguar a existência do facto de onde o mesmo comprador deduz o direito reclamado.” Na mesma esteira veio a pronunciar-se o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa de 22/05/2007 (Processo n.º 920/2007-7), igualmente disponível para consulta in www.dgsi.pt: “I – Em matéria de venda de animais defeituosos rege ainda o Decreto de 16.12.1886. II – No tocante a gado bovino, de acordo com os seus artigos 49.º e 50.º, a única doença passível de ser considerada como defeito para efeitos de resolução do contrato é a tísica tuberculosa, a verificar mediante o exame ou vistoria aí previsto. III – Não se tendo procedido em conformidade com este regime, não é possível procurar regular o caso mediante o recurso às regras constantes dos artigos 913.º e seguintes do Código Civil, por aquele diploma ser um regime especial que exclui, pelo menos no seu âmbito, a aplicação do regime geral. Mais recentemente pronunciou-se de novo em acórdão proferido em 24/11/2020 o Tribunal da Relação do Porto (Proc.º n.º 35976/19.5YIPRT.P1), do qual destacamos a seguinte passagem: “O artigo 920.º, respeitante à venda de animais defeituosos, ressalva a aplicação das “leis especiais ou, na falta destas, os usos sobre a venda de animais defeituosos.” E a lei especial contém-se no vetusto mas não revogado Decreto de 16.12.1886, sendo controversa na doutrina a aplicação supletiva das normas gerais relativas à compra e venda de coisa defeituosa”. Conforme já deixamos evidenciado supra, acompanhamos o entendimento doutrinário e jurisprudencial acabado de expor nos anteriores parágrafos pelo que nessa conformidade procedem as conclusões recursivas dos Apelantes no seu recurso independente no tocante à primeira questão objecto do dito recurso. b - Falta de denúncia atempada por parte da Apelada aos Apelantes dos defeitos invocados no cavalo “(…)”. Tendo em atenção a posição que seguimos relativamente à questão anterior somos em crer que não tendo resultado demonstrado o cumprimento pela Apelada do ónus que sobre si impendia de requerer no prazo de dez dias completos sobre a data de entrega do animal um exame pericial médico ao cavalo “(…)” para se apurar de eventuais vícios redibitórios relevantes no mesmo passíveis de fundar uma acção judicial assente em cumprimento defeituoso da prestação por parte dos Apelantes visando a redução do preço pago pelo animal inicialmente acordado, não se mostra viável o recurso ao regime de denúncia de defeitos prevenido nos artigos 913.º e seguintes do Código Civil, por virtude do regime aplicável ao caso em apreço prevenido no Decreto de 16/12/1886 ser regime especialmente aplicável à compra e venda de animais defeituosos excluindo desse modo a aplicação de regime geral sobre a matéria por não prever no seu âmbito qualquer remissão para o mesmo. Porém, em face da matéria de facto provada na sentença recorrida entendemos que ainda que se enveredasse pela aplicação do regime de denúncia de defeitos previsto, designadamente, no artigo 916.º do CC, sempre teríamos que concluir necessariamente pela extemporaneidade da denúncia. Vejamos porquê. Dispõe o artigo 916.º mencionado nos seus n.ºs 1 e 2 o seguinte: “1-O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, exceto se este houver usado de dolo. 2-A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.” Ora, recordando o que supra já dissemos sobre essa matéria em que discordamos da posição seguida na sentença recorrida, não sendo de qualificar a actuação dos Apelantes perante a Apelada como dolosa teria esta última que comunicar os vícios no prazo de trinta dias após ter tomado conhecimento dos mesmos e dentro de seis meses após a entrega da coisa. Note-se que somente os vícios redibitórios juridicamente relevantes poderiam ser levados em linha de conta sendo esses apenas os constantes do artigo 49.º do Decreto de 16/12/1886, cuja enumeração, conforme supra já o dissemos, é tida como taxativa. Sucede que da devida conjugação da matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida sob os n.ºs 15, 16, 18, 19, 20, com os factos também considerados como provados sob o n.º 23 e n.º 32, impõe-se concluir que a denúncia relativa à “musculatura subdesenvolvida, candidíase equina crónica, insuficiência de selénio e mau estado da dentição”, tal como a relativa a “úlcera gástrica” foi feita pela Apelada aos Apelantes após o decurso do prazo de trinta dias contabilizado do conhecimento pela Apelada de qualquer uma das ditas maleitas reveladas no cavalo “(…)”, sendo certo, por outro lado, que nenhum daqueles vícios está contemplado na enumeração do artigo 49.º do Decreto de 16/12/1886. Já a “manqueira” referida no facto descrito sob o n.º 30 constitui vicio redibitório respeitante aos cavalos conforme decorre da alínea f) do artigo 49.º do identificado Decreto, resultando, porém, do facto considerado como provado vertido sob o n.º 28 que tendo tal vicio sido conhecido já na data de 18/11/2019, ou seja cerca de seis meses e meio volvidos sobre a data de entrega do cavalo à Apelada, naturalmente que não foi denunciado atempadamente aos Apelantes. No tocante às “cólicas recidivas” sofridas pelo cavalo “(…)”, conjugando entre si a matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida sob os n.ºs 21, 22 e 23, podemos aceitar ter sido tal moléstia comunicada ou denunciada aos Apelantes dentro do prazo de um mês após ser conhecida pela Apelada. Sem embargo, como veremos já de seguida no tratamento da próxima questão, é nosso entendimento que as ditas “cólicas recidivas” não integram nenhum dos vícios redibitórios juridicamente relevantes. Procede, pois, em face do exposto também a segunda questão objecto do recurso independente dos Apelantes. c- (Ir)relevância como vício redibitório das cólicas recidivas sofridas pelo cavalo “(…)”. No início da abordagem desta questão impõe-se salientar que a mesma sempre se revelaria à partida prejudicada pela solução a que chegamos supra quanto às duas questões anteriores. Em todo o caso sempre se acrescentará que ao contrário do sustentado pela Apelada e do decidido na sentença recorrida entendemos que as “cólicas recidivas”, sem embargo de certamente terem sido fonte de assinalável sofrimento para o animal, não estão contempladas no rol dos vícios redibitórios previstos no já largamente mencionado artigo 49.º do Decreto de 16/12/1886, os quais, voltamos a recordar e sublinhar, se tem entendido estarem taxativamente descritos. Recordemos o que se prevê no tocante aos cavalos nesse artigo: “Artigo 49.º São reputados vícios redibitórios e tornam resilível o contrato de compra e venda ou troca dos animais domésticos, salvo convenção em contrario estabelecida pelos contrahentes, as moléstias ou defeitos seguintes: Para os cavallos, jumentos e mulos: a) O mormo, o laparão; b) A imobilidade; c) O empysema pulmonar; d) O sybilo chronico da respiração; e) A birra; f) As manqueiras intermitentes devidas a moléstia antiga; g) A fluxão periódica dos olhos; h) As manhas, que tornem o animal impróprio para os usos a que é destinado”. Da leitura das várias alíneas a) a g) percebemos, sem margem para rebuços, não ser possível subsumir as mencionadas “cólicas recidivas” sofridas pelo cavalo “(…)” a qualquer uma das ditas alíneas. A própria Apelada tão pouco o defendeu, entendendo, porém, serem as “cólicas recidivas” subsumíveis à previsão da alínea h), que considera como vício redibitório no caso dos cavalos “As manhas, que tornem o animal impróprio para os usos a que é destinado”. Julgamos, todavia, que tal entendimento não deve ser aceite. Com efeito, a expressão “manhas” não poderá abarcar as ditas cólicas recidivas. “Manha” significa “destreza”, “habilidade”, “astúcia”, “argúcia”, “defeito difícil de perder”, “mania” e “segredo” (cfr. “Dicionário Universal da Língua Portuguesa”, Texto Editora, Lisboa, 1995, pág. 934), onde não tem cabimento o conceito de “cólica” que significa “dor muito forte na cavidade abdominal” (cfr. obra referida supra a pág. 363). d- Falta de fundamento para responsabilizar a Apelante pelo pagamento de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais. Aqui chegados cumpre apenas salientar que os pedidos de indemnização por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais em cujo pagamento a Apelante Monte da (…), S.A., veio a ser condenada foram apresentados pela Apelada, ao abrigo do disposto no artigo 911.º, ex vi do artigo 913.º, n.º 1, ambos do Código Civil, em cumulação com o pedido essencial formulado pela mesma de redução do preço do cavalo “(…)” fundado em cumprimento defeituoso da prestação por parte dos Apelantes por alegados vícios redibitórios existentes no animal e estribou-se nas despesas tidas com tratamentos, medicamentos, exames médicos e intervenções cirúrgicas, bem como em ansiedade e transtornos de que a Apelada alegou ter padecido resultante do sofrimento manifestado pelo animal devido aos alegados vícios. Tendo-se concluído na apreciação do presente recurso e pelas razões supra expostas no sentido da falta de fundamento da Apelada para exercer tal direito à redução do preço do cavalo “Herodes”, carece naturalmente de fundamento responsabilizar a Co-Apelante em apreço pelo pagamento das ditas indemnizações, procedendo também esta última questão objecto do recurso independente intentado pelos Apelantes. II- Ampliação do objecto do recurso. Veio a Autora “para prevenir a hipótese de procedência das questões suscitadas pelos Recorrentes” impugnar a decisão relativa à matéria de facto descriminada na sentença recorrida ao abrigo do disposto no artigo 636.º, n.º 2, do CPC, considerando que o Tribunal a quo “deveria ter inserido na lista de factos provados o facto de o exame levado a cabo por (…) ter sido um exame meramente superficial que, por isso, não permitia excluir a existência ou o surgimento de outros vícios sérios”. Prevê o n.º 2 do artigo 636.º do CPC o seguinte: “2. Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.” Ora sucede que no tocante à questão da impugnação da matéria de facto não foi dada razão por este Tribunal ad quem aos Apelantes, tendo improcedido tal impugnação suscitada expressamente no recurso independente de apelação. Na conformidade exposta mostra-se prejudicada a apreciação da impugnação de matéria de facto apresentada pela Autora, sendo de indeferir a requerida ampliação do objecto do recurso. III-Recurso subordinado. Resulta do artigo 633.º do CPC, epigrafado “Recurso independente e recurso subordinado” o seguinte: “1. Se ambas as partes ficarem vencidas, cada uma delas pode recorrer na parte que lhe seja desfavorável, podendo o recurso, nesse caso, ser independente ou subordinado.” O vencimento, ou decaimento da parte na acção afere-se essencialmente a partir da análise do dispositivo da sentença recorrida. No presente caso o Tribunal julgou a presente acção “parcialmente procedente” pelo que se deve entender que houve decaimento da Autora, Apelada no recurso independente e Apelante neste recurso subordinado, o que de facto sucedeu designadamente no tocante ao montante indemnizatório peticionado aos Réus a título de danos não patrimoniais, a que a compradora se refere, embora de forma muito breve, nas conclusões do recurso subordinado, assim como no tocante à ampliação da valor de redução do preço na sequência da morte do cavalo “(…)” para valor próximo de nulo e ainda quanto à condenação apenas da Ré (Apelada neste recurso), Monte da (…), SA, dado a Autora ter peticionado a condenação solidária dos três Réus implicando isso que fossem igualmente condenados no pagamento das quantias determinadas nas alíneas a) e b) do dispositivo da sentença recorrida os Réus (ora Apelados neste recurso), (…) e (…). Sucede que tendo sido julgado inteiramente procedente o recurso independente interposto pelos Réus, o que implicará sempre a revogação da sentença no atinente às alíneas a) e b) do dispositivo da sentença recorrida com a consequente absolvição dos Réus, fica naturalmente prejudicada a reapreciação de qualquer uma das três pretensões acima destacadas, ao abrigo do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 1ª parte e 663.º, n.º 2, parte final, ambos do CPC, sempre se acrescentando que o pedido de ampliação em articulado superveniente continuou a alicerçar-se no quadro da originariamente pretendida redução do preço do cavalo “(…)” e não em resolução ou anulação do contrato de compra e venda. Na conformidade exposta improcede na totalidade o recurso subordinado apresentado pela Autora. Destarte, procede inteiramente o recurso independente interposto pelos Réus-Apelantes e improcede na totalidade o recurso subordinado interposto pela Autora-Apelante. * V- DECISÃO Termos em que, face a todo o exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar inteiramente procedente o recurso de Apelação independente interposto pelos Apelantes Monte da (…), SA, (…) e (…) e totalmente improcedente o recurso subordinado interposto pela Apelante (…), decidindo-se, em consequência, o seguinte: 1-Revogar a sentença recorrida no tocante aos segmentos i) e ii) do dispositivo da dita sentença; 2-Julgar-se a presente acção totalmente improcedente absolvendo-se os Réus dos pedidos formulados contra si pela Autora; 3-Confirmar, no restante (reconvenção), a sentença recorrida. * Custas do recurso independente e do recurso subordinado a cargo da Autora (…) por ter decaído na totalidade em ambos (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). * Évora, 30 de Junho de 2022 José António Moita (Relator) Mata Ribeiro (1º Adjunto) Maria da Graça Araújo (2º Adjunto) |