Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2913/21.7T8STR.E1
Relator: JOÃO LUÍS NUNES
Descritores: CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
ACORDO
TACÓGRAFO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
ÓNUS DA PROVA
AVISO PRÉVIO
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Nada impede que o sistema retributivo do CCTV celebrado entre a ANTRAM - Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU - Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários Urbanos (publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 9, de 8 de Março de 1980, com a revisão publicada no Boletim do Trabalho e Emprego, 1.ª série, n.º 16, de 29 de Abril de 1982) seja alterado por acordo entre as partes contratantes, ou mesmo unilateralmente, através de um compromisso vinculativo para a entidade empregadora, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador;
II – compete à entidade empregadora provar que o sistema remuneratório estabelecido é mais vantajoso para o trabalhador do que o estabelecido no CCTV (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil);
III – inexiste fundamento para alterar a matéria dada como provada na 1.ª instância se a mesma não exige qualquer formalidade especial para ser dada como provada, foi impugnada pela parte contrária, e o recorrente se baseia apenas em prova documental (tacógrafos), sem força probatória plena;
IV – face ao princípio do dispositivo e da igualdade das partes, não tendo a empregadora alegado nos articulados os concretos valores que pagou ao trabalhador em determinado período e a que título, não pode em via recursória e tendo por base diversos recibos de vencimento e mapas de alimentação juntos aos autos, dar-se como provados os concretos valores pagos;
V – na ação em que for apreciada a justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador apenas são atendíveis os factos constantes da comunicação escrita de resolução remetida pelo trabalhador ao empregador;
VI – verifica-se a caducidade do direito de resolução do contrato de trabalho com fundamento no não pagamento de diuturnidades devidas até setembro de 2019 e no não pagamento do prémio TIR devido entre julho de 2009 e maio de 2018, no circunstancialismo em que se apura que a partir das referidas datas as prestações devidas a tal título passaram a ser pagas e o trabalhador apenas em 08-06-2021 resolveu o contrato de trabalho;
VII – além disso, tendo-se a falta de pagamento verificado entre os anos de 2011 e 2019, sem que o trabalhador alguma vez solicitasse, ou reclamasse da ré esse pagamento, não se verifica nexo causal entre o comportamento da empregadora e a impossibilidade de subsistência da relação de trabalho se apenas em 08-06-2021 – cerca de dois anos após cessar a violação contratual por parte daquela – o trabalhador resolve o contrato de trabalho com tal fundamento;
VIII – não se provando a justa causa de resolução do contrato, a empregadora tem direito à peticionada indemnização por falta de denúncia sem aviso prévio (artigo 401.º, n.º 1 do Código do Trabalho).
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]:

I – Relatório
AA intentou, na Comarca ... (... – Juiz ...), a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra Transportes Vieira Vacas, Lda., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de € 22.166,30, a título de créditos emergentes do contrato de trabalho, e a indemnização, por resolução do contrato com justa causa, não inferior a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fração.

Alegou para o efeito, muito em síntese, que foi admitido ao serviço da ré em 22-07-2009, para desempenhar as funções de motorista de pesados, e que em 08-06-2021 resolveu, com invocação de justa causa, o contrato de trabalho.
Mais alegou que ao longo da vigência do contrato de trabalho a ré não lhe pagou diversas prestações pecuniárias de acordo com as convenções coletivas de trabalho (CCT) aplicáveis, e daí o pedido que formulou a tal respeito, bem como não lhe foram pagas prestação vencidas com a cessação do contrato de trabalho.

Realizada a audiência de partes e não se tendo logrado obter o acordo destas, contestou a ré, alegando, também muito em síntese, que aquando do início do contrato de trabalho foi acordado com o autor um regime remuneratório mais favorável do que o previsto no CCT, nos termos do qual o autor veio a ser remunerado, sendo que a partir de 2018 veio a discriminar no recibos de vencimento o pagamento da cláusula 74.ª do CCT e o prémio TIR.
Para além disso, sustentou, a existirem créditos vencidos há mais de 5 anos encontram-se prescritos, por o autor não ter apresentado prova idónea dos mesmos, e que inexiste fundamento para a resolução do contrato com justa causa por parte do trabalhador/autor.
Reconheceu, contudo, serem devidas ao autor as diuturnidades a partir do ano de 2012 e até junho de 2019, subsídio de férias vencido em 01-01-2021, no proporcional de 9 meses, e a quantia de € 290,00, por falta de formação profissional.
Em reconvenção pediu a condenação do autor no pagamento da quantia de € 1.418,70, por falta de aviso prévio na resolução do contrato de trabalho, devendo em relação a tal quantia operar-se a compensação de créditos com outros que eventualmente sejam devidos ao autor.

Respondeu o autor, a negar a prescrição dos créditos vencidos há mais de 5 anos, e a pugnar pela improcedência do pedido reconvencional, uma vez que, sustentou, resolveu o contrato de trabalho com justa causa.

Em sede de despacho saneador, foi julgada improcedente a prescrição de créditos vencidos há mais de 5 anos – por se entender, ao fim e ao resto, que não estar em causa uma questão de prescrição de créditos mas sim de prova, por “documento idóneo”, dos factos que fundamentam o direito de crédito invocado –, admitido o pedido reconvencional, e fixado valor à causa (€ 23.585,00).

No prosseguimento dos autos, procedeu-se a audiência final, e em 11-10-2023 foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
“A. Julga-se parcialmente procedente a ação e, em consequência:
1. Condena-se a Ré TRANSPORTES VIEIRA VACAS, LDA a pagar ao Autor AA o valor global de € 25.551,36 (vinte e cinco mil, quinhentos e cinquenta e um euros e trinta e seis cêntimos), corresponde ao somatório das seguintes quantias:
a. € 2.588,36 (dois mil, quinhentos e oitenta e oito euros e trinta e seis cêntimos), a título de diuturnidades vencidas no período compreendido entre 2012 e 2019;
b. € 11.120,75 (onze mil, cento e vinte euros e setenta e cinco cêntimos), a título de ajudas de custo TIR vencidas nos anos de 2011 a 2018;
c. € 291,51 (duzentos e noventa e um euros e cinquenta e um cêntimo), a título de formação não ministrada nos anos de 2019, 2020 e 2021;
d. € 159,23 (cento e cinquenta e nove euros e vinte e três cêntimos), a título de férias do ano de 2020;
e. € 432,00 (quatrocentos e trinta e dois euros), a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal de 2021;
f. € 10.800,00 (mil e oitocentos euros), a título de indemnização pela cessação do contrato de trabalho com justa causa.
2. Absolve-se a Ré do mais contra si peticionado.
B. Julga-se improcedente o pedido reconvencional deduzido pela Ré, absolvendo-se o Autor do pagamento da quantia de € 1.418,70 (mil, quatrocentos e dezoito euros e setenta cêntimos), a título de indemnização por falta de pré-aviso.
(…)”.

Inconformados com a sentença, quer o autor quer a ré dela vieram interpor recurso.
Nas alegações que apresentou, o Autor formulou as seguintes conclusões:
“A. Nos artigos 38.º a 186.º da petição inicial, que se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, o Recorrente exigiu o pagamento de trabalho suplementar e trabalho noturno.
B. Para demonstrar os factos alegados, o Recorrente juntou As cópias de discos e talões de tacógrafo são reproduções mecânicas, na medida em que sua produção e/ou reprodução não tem auxílio humano, isto é, a informação constante dos referidos documentos não pode ser adulterada ou a sua veracidade alterada por mão humana.
C. A Recorrida na sua contestação nunca impugnou a conformidade da reprodução, apenas se limitou a dizer que não os considerava idóneos, sem mais dizer.
D. A Recorrida impugnou os valores, sem oferecer qualquer prova ou facto em sentido contrário.
E. Em momento algum foi alegada a inexactidão da reprodução.
F. Tal conformidade não foi impugnada, logo os documentos em causa fazem prova plena dos factos alegados pelo Recorrente na sua petição inicial.
G. Razão pela qual, não existe outra solução se não dar como provados os factos não provados d) a kkkk.)
H. Logo, deve esta parte da sentença recorrida ser revogada e ser substituída por outra que condene a Recorrida ao pagamento da quantia de € 2.937,98 (dois mil, novecentos e trinta e sete euros e noventa e oito cêntimos), devidos pelo trabalho suplementar, trabalho noturno e trabalho prestado em dia de descanso semanal, tal como peticionado na petição inicial.
I. Mas ainda que fosse de admitir parcialmente a tese do Tribunal a quo, também tal fundamentação nunca poderia ser aplicada a todos os anos de trabalho suplementar e noturno exigido.
J. Ou seja, a admitir-se a tese sufragada neste último aresto citado, então todo o trabalho suplementar e noturno compreendido no período dos últimos 5 (cinco) anos com referência à data da cessação do contrato de trabalho, ou seja, verifica-se também um erro notório de julgamento.
K. A presente acção entrou em 6 de Novembro de 2021, o que significa que, os talões e discos de tacógrafo fazem prova plena, pelo menos, do trabalho suplementar e noturno prestado entre 6 de Novembro de 2016 e 6 de Novembro de 2021.
L. O que significa que, na pior hipótese, nos últimos cinco anos reportados à entrada da acção, a Recorrida tinha que ser condenada ao pagamento da quantia de € 1.662,48 (mil, seiscentos e sessenta e dois euros e quarenta e oito cêntimos), a título de trabalho suplementar e noturno ocorrido entre 6 de Novembro de 2016 e 6 de Novembro de 2021, motivo pelo qual, deve a sentença recorrida ser parcialmente revogada e ser a Recorrida condenada no pagamento desta verba.
M. O Recorrente exigiu o pagamento do crédito de 120 horas de formação que não foi ministrada pela Recorrida, nos últimos 3 (três) anos de execução do contrato de trabalho.
N. Não existe nos autos a prova de ter sido ministrada qualquer formação durante a execução do contrato de trabalho, o que significa que, são devidos os últimos 3 (três) anos de formação reportados à data da cessação do contrato de trabalho.
O. Logo, nos três anos anteriores à cessação do contrato de trabalho não foi ministrada formação profissional, razão pela qual, são devidas 120 (cento e vinte) horas de créditos de hora de formação e não apenas 70:30 horas, razão pela qual, deve nesta parte a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que condene a Recorrida ao pagamento de 120 horas de formação.
P. Consta do facto não provado mmmm que “a Ré entregou ao Autor um veículo que não possuía banco do condutor, obrigando-o a conduzir e a passar horas sentado em ferro, veículo esse que não possuía as mínimas condições de circulação, designadamente por estará perder óleo, entre outras.”
Q. No depoimento da testemunha BB, realizado entre as 14:42 e as 15:03 da única sessão de julgamento, disse a minutos 6:23 da respectiva gravação que “ele [nosso, o Recorrente] deixou de trabalhar para a empresa … após ele ser operado, não sei quando ele foi operado, ora bem, tive ali 3 anos, para ai há 2 anos que ele foi operado, esteve bastante tempo em casa e depois quando veio deram-lhe uma «camioneta» que eu tive a ver a «camioneta» que não tinha condições nenhumas para andar na estrada, quanto mais para trabalhar. Foi para lhe acabar de rebentar a coluna.”
R. Acrescentou a referida testemunha a minutos 07:06 da faixa gravada entre as 14:42 e as 15:03 da única sessão de julgamento que “o banco, era por exemplo, era um cepo. A gente vai ali vai a bater com a coluna. A gente cansa-se não é? E aquela camonieta ter lá uns bancos ou uns tijolos era a mesma coisa. E depois outra coisa, não tinha condições nenhumas, vertia óleo por todo o lado, fazia barulho por todo o lado. Ele andou pouco tempo com a camioneta porque teve que pedir baixa.…”
CC, DD e EE sabiam que o Recorrente tinha sido operado à coluna e atribuíram-lhe um veículo que sabiam criar mal estar e em nada beneficiava a saúde e bem-estar do Recorrente.
T. Mas mais, andou mal o Tribunal a quo ao afirmar que a testemunha não depôs sobre a matéria. Aliás, tanto depôs como afirmou ter ciência de conhecimento sobre o estado do veículo, motivo pelo qual, o facto não provado em mmmm tem que ser dado como provado.
U. A testemunha FF gravada entre 15:04h e as 15:25h da única sessão de julgamento, após ser questionado se conhecia as razões que levaram o Recorrente a resolver o contrato, afirmou a minutos 11:54 que “quando ele voltou a trabalhar, quando saiu da baixa, do acidente de trabalho, as faltas de condições para trabalhar (…) era um carro com parcas condições, não tinha sequer condições para andar na estrada (…) Cheguei a ver o carro lá, mas já era velho e na altura já poucas condições tinha ainda quando eu estava a trabalhar, portanto, os carro deterioram-se e provavelmente estava muito pior do que estava na altura (…)”
V. A única justificação apresentada pela Recorrida e pelas testemunhas arroladas por aquela, é que o veículo tinha inspecção, cuja prova que se exige documental não existe nos autos.
W. Razão pela qual, andou mal o Tribunal a quo ao ter dado o facto não provado mmmm e, por conseguinte, deve o Tribunal a quo dar o referido como provado.
X. A Recorrida violou o disposto na alínea c) e g) do n.º 1 do artigo 127.º do Código do Trabalho, com a consciência de que o Recorrente ao laborar no referido veículo prejudicava a saúde deste, piorava a sua condição relacionada com a coluna.
Y. Logo, atendendo ao disposto no artigo 396.º do Código do Trabalho e à gravidade da conduta da Recorrida, deve a indemnização fixar-se em montante correspondente a mais de 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade, modificando a sentença recorrida nesta parte”.

Contra-alegou a ré, a pugnar pela improcedência do recurso do autor.

E a ré concluiu as alegações que apresentou no recurso por si interposto, formulando as seguintes (extensas) conclusões:
“I – LAPSO MANIFESTO
1. O Tribunal a quo considerou na Douta Sentença recorrida que a título de diuturnidades estava em causa o período compreendido entre 22/07/2012 e outubro de 2019, sendo devido ao Autor, a quantia total de € 2.588,36.
2. Resulta do ponto 6 da matéria de facto dada como provada, nos mapas discriminativos, os valores auferidos pelo Autor, a esse título e que a data de início do pagamento pela Ré das diuturnidades, dada como provada é junho de 2019.
3. O Tribunal a quo, considerou, erradamente, o mês de outubro de 2019, como momento a partir do qual a Ré passou a pagar ao Autor as diuturnidades devidas, e o mês de agosto de 2019, quando o Autor esteve de baixa médica, não lhe sendo devido qualquer valor a esse título.
4. Quanto ao ano de 2018, verifica-se igualmente que, apesar de decorrer da matéria de Direito, fls. 29, da Douta Sentença, que os valores constantes do clausulado da CCTV publicada em 15.09.2018, é aplicável à relação laboral a partir de outubro de 2018, a Mma. Juiz, nos seus cálculos, contabiliza o mês de setembro de 2018, como o mês em que, tais valores produziram efeitos.
5. Tais lapsos inquinaram os cálculos da Mma. Juiz do Tribunal a quo, pelo que, deverá a Douta Sentença recorrida ser corrigida como segue, no ano de 2018, teria o Autor direito a receber, a título de diuturnidade, o valor de € 489,16 e no ano de 2019, o valor de € 336,00, para a quantia global ilíquida de € 2.272,20 (dois mil duzentos e setenta e dois euros e vinte cêntimos).
6. Padece igualmente, de lapso manifesto o cálculo realizado pela Mma. Juiz do Tribunal a quo, do valor alegadamente devido pela Ré ao Autor a título do complemento da retribuição devido pelo transporte ibérico, doravante designado por Ajuda de Custo TIR, porquanto verifica-se que o ano de 2012 está duplicado, e ainda que,
7. Os cálculos efetuados pelo Douto Tribunal a quo relativamente ao ano de 2018, estão incorretos, isto porque, tal como resulta da matéria de Direito, fls. 29, da Douta Sentença, a CCTV publicada em 15.09.2018, é aplicável à relação laboral a partir de outubro de 2018.
8. Assim, para apuramento das quantias alegadamente em dívida pela Ré, o Tribunal a quo, teria de contabilizar o valor de € 105,75 de janeiro a setembro de 2018, e € 110,00 a partir de outubro de 2018 a dezembro de 2018.
9. Deve a Douta Sentença, ser corrigida por lapso manifesto, no sentido de ser alterado o valor global ilíquido devido ao Autor a título de complemento da retribuição devido pelo transporte ibérico para o valor global de € 9.741,75.
10. Nos termos do Art.º 667 n.º 1 do CPC, deve a Douta Sentença ser retificada, por lapso manifesto, quanto aos valores referentes às diuturnidades, nos anos de 2018 e 2019, ao complemento da retribuição devido pelo transporte ibérico nos anos de 2012 e 2018, bem como os respetivos valores globais, tal como acima exposto.
II - DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE A MATÉRIA DE FACTO E REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA
11. Da Douta Sentença, e com relevância para a impugnação da matéria de facto consta como provado no ponto 4 que, “Como contrapartida do trabalho prestado, a Ré comprometeu-se a pagar ao Autor uma retribuição mensal de €500, que foi sendo atualizada: em 2017 passou a ser €570; em 2018 passou a ser €580; em 2019 passou a ser €630; em 2020 passou a ser €700 e em 2021 passou a ser de € 733,07.”
12. E do ponto 6, da matéria de facto provada, consta que “A Ré, no decurso nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, pagou ao Autor as seguintes quantias:” quadros discriminativos de todas as quantias auferidas pelos Autor nesses anos, tais como vencimento base, ajudas de custo, mapa de alimentação, horas extra, etc.
13. Da instrução e discussão da causa, com interesse para a decisão da mesma, não resultaram provados os factos das alíneas a., b. e c. “a. Quando o Autor iniciou a sua relação laboral com a Ré, foi acordado o pagamento de vencimento base, ajudas de custo e alimentação e ainda um valor pelos sábados domingos ou feriados trabalhados, e trabalho suplementar, em substituição das cláusulas do CCTV.”
“b. Na base desse acordo, o Autor recebia um montante, discriminado nos recibos de vencimento e mapas de viagem, na modalidade referida, abrangendo todos os direitos aqui peticionados, independentemente do trabalho realizado, designadamente os que resultam das cláusulas 39.º, 40.º, 41.º e 47.º quando o Autor se encontrava no serviço nacional e cláusulas 20.º, n.º 3, 41.º, 47.º-A, 74.º, n.º 7 de ajuda de custo TIR, quando se encontrava no serviço ibérico, tudo com referência ao CCTV aplicável.”
“c. A Ré pagou ao Autor as ajudas de custo TIR até dezembro de 2017.”
14. Considera a recorrente, que o Tribunal a quo apreciou de forma incorreta a prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, pelo que, os factos dados como provados nos pontos 4 e 6 devem ser alterados, e consequentemente,
15. Ser aditado um novo facto dado como provado, assim como devem ser considerados como provados os factos elencados nas alíneas a., b. e c. da matéria de facto dada como não provada e em consequência serem aditados à matéria de facto provada. Senão vejamos,
16. Da prova documental, designadamente, dos recibos de vencimento e dos mapas de alimentação, juntos aos autos pela Recorrente, com a contestação sob os docs. n.º 1 a n.º 11, e com os requerimentos datados de 14.04.2022, com as referências citius ...28, ...63, ...16 e ...77, sob os docs. n.º 1 a n.º 20, que não foram impugnados pelo Autor, resulta que aquele auferia para além do vencimento base, uma quantia discriminada nos recibos de vencimento a título de ajudas de custo e uma quantia semanal, a título de alimentação, sábados, domingos e feriados.
17. Pelo que, não poderia o Tribunal a quo, ter considerado unicamente o pagamento pela Ré ao Autor do vencimento base, quando no ponto 6 da mesma matéria de facto provada, coloca todas as quantias auferidas por aquele.
18. Nesse sentido, vejam-se os depoimentos das testemunhas da Ré, cujos depoimentos foram gravados na audiência de julgamento realizada no dia 11 de setembro de 2023, CC, registado em suporte digital na aplicação H@bilus (registo 00:06:20 a 00:11:18), e de DD, registado em suporte digital na aplicação H@bilus (registo 00:03:50 a 00:06:18) e da testemunha do Autor, FF, cujo depoimento foi gravado, na mesma sessão de julgamento no dia 11 de setembro de 2023, e registado em suporte digital na aplicação H@bilus (registo 00:05:53 a 00:08:43 e 00:16:51 ao 00:19:41 ).
19. Resulta assim do acervo probatório, quer documental, quer testemunhal que, o Tribunal a quo, deveria ter dado como provado que, a Ré, se comprometeu a pagar ao Autor, como contrapartida do trabalho por este prestado, para além da retribuição base, um valor a título de ajudas de custo, um valor a título de alimentação.
20. Resulta dos depoimentos, das testemunhas CC, DD, as quais mereceram credibilidade, para o Tribunal “a quo”, pela forma isenta com que prestaram declarações, tendo indicado de modo preciso e concreto, quais os termos acordados com todos os motoristas da Ré, e em concreto os termos acordados com o Autor em termos de vencimento.
21. Vejam-se nesse sentido, a relevância dos depoimentos das testemunhas DD, cuja relação laboral com a Ré, se iniciou em 2012, e onde teve a categoria profissional de motorista de pesados até ao ano de 2018, e do Sr. FF, que, igualmente, exerceu funções de motorista na Ré.
22. Ambas as testemunhas referiram que mensalmente auferiam um valor a título de alimentação, pago semanalmente, onde se incluía o pagamento das refeições e do trabalho prestado aos sábados e feriados, para além do valor discriminado no recibo de vencimento que continha as rubricas de vencimento base e ajudas de custo.
23. Assim, face ao teor da prova documental junta aos autos e da prova testemunhal e devidamente valorada pelo Tribunal a quo, deve ser alterado o ponto 4 da matéria de facto dada como provada, consolidando-se o seguinte: “4. Como contrapartida do trabalho prestado, a Ré comprometeu-se a pagar ao Autor uma retribuição mensal base de €500, que foi sendo atualizada: em 2017 passou a ser €570; em 2018 passou a ser €580; em 2019 passou a ser €630; em 2020 passou a ser €700 e em 2021 passou a ser de € 733,07, e ainda,”
24. E consequentemente, ser aditado um novo facto à matéria de facto dada como provada: “- Um valor mensal a título de ajudas de custo, um valor semanal a título de alimentação, sábados domingos e feriados trabalhados e ainda um valor a título de trabalho extraordinário.”
25. Quanto ao ponto 6, da matéria de facto assente como provada, resulta que a Ré, no decurso dos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, pagou ao Autor todas as quantias que estão discriminadas nos quadros referentes ao discriminativo mensal das quantias pagas pela Ré ao Autor e que resultam da transcrição das quantias que constam dos recibos de vencimento e dos mapas de alimentação do Autor, juntos nos presentes autos pela Ré, sob os docs. supra identificados.
26. Tais documentos refletem na integra, quais as quantias auferidas pelo Autor e pagas pela Ré, desde o início da relação laboral até final.
27. Assim, sempre teria o Tribunal a quo que considerar todas as quantias pagas pela Ré ao Autor desde o inicio da relação laboral até ao seu final , ou pelo menos, para além daquelas, fixar ainda as quantias pagas ao Autor, nos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015 e 2016, uma vez que, tais quantias influem na decisão da causa, quer quanto à matéria de facto dada como não provada, quer quanto ao apuramento das quantias devidas ao Autor e a que título, bem como, quanto ao juízo de censura efetuado pelo Tribunal a quo no que respeita à decisão proferida quanto à matéria sobre a alegada justa causa.
28. Devendo assim, face ao teor da prova documental junta aos autos e devidamente valorada pelo Tribunal a quo e não impugnada pelo Autor, ser alterado o ponto 6 da matéria de facto dada como provada, consolidando-se que: “6. A Ré, no decurso dos anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, pagou ao Autor as seguintes quantias:”
29. Aditando-se ainda os quadros referentes ao discriminativo mensal das quantias pagas pela Ré ao Autor e que resultam da transcrição das quantias que constam dos recibos de vencimento e dos mapas de alimentação daquele, para os anos de 2011, 2012, 2013, 2014, 2015, 2016.
30. Quanto aos factos dados como não provados nas alíneas a., b., e c., não deveriam ter sido considerados como não provados, com tal simplicidade.
31. Quanto a estes factos, assume relevância o depoimento da testemunha da Ré, CC, Diretora de Recursos Humanos, gravado, na audiência de julgamento realizada no dia 11 de setembro de 2023, registado em suporte digital na aplicação H@bilus (registo 00:06:20 a 00:16:57), disse a minutos 00:06:20 da referida gravação que, “Era o ordenado base, havia depois, era pago as refeições à semana e havia ajudas de custo.” e “Tem a ver com as horas que se faz, com as saídas a Espanha... […] Se andasse, se fosse a Espanha as ajudas de custo incluíam essas deslocações, também as idas a Espanha, as deslocações, em Portugal, consoante o serviço que fizesse, se ficasse mais longe, se não ficasse, não é?”
32. O que, igualmente, resulta do depoimento da testemunha da Ré, DD gravado na audiência de julgamento realizada no dia 11 de setembro de 2023, registado em suporte digital na aplicação H@bilus (registo 00:02:26 a 00:06:18), contratado em 2012 para desempenhar as funções de motorista de pesados, a minutos 00:02:26 disse que, “O que é que acordaram em relação a quê? A salário?” […] O ordenado base, as ajudas de custo e as refeições.”
33. Á relação laboral em causa nos autos era aplicável o contrato coletivo de trabalho celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE, 1.ª série n.º 9, de 08.03.1980, com a redação conferida pelo BTE, n.º 30, de 15.08.1997, que vigorou até 19/09/2018.
34. Nos termos da nota constante do Anexo II do “Os motoristas deslocados em serviço internacional auferirão uma ajuda de custo de 21 200$ mensais.» ,operada a conversão em Euros, no valor de € 105,75.
35. Resulta do depoimento das testemunhas supratranscrito, que nas ajudas de custo, estavam incluídas as ajudas de custo quando deslocados em Espanha.
36. Veja-se ainda o que disse a testemunha do Autor, FF, motorista profissional de pesados e antigo trabalhador da Ré, o seu depoimento foi gravado, na audiência de julgamento realizada no dia 11 de setembro de 2023, registado em suporte digital na aplicação H@bilus (registo 00:04:45 a 00:08:43 e 00:16:51 ao 00:19:41), donde resulta que, eram os motoristas que preenchiam os mapas de alimentação, e que neles incluíam o trabalho suplementar prestado em dias de descanso semanal.
37. Decorre assim da prova testemunhal produzida na audiência e discussão de julgamento, e que acima se transcreveu, aquando da admissão do Autor na empresa, foi acordado que este iria auferir o ordenado base, um valor semanal a título de refeições e um valor a título de ajudas de custo, em substituição das cláusulas do CCTV aplicável à relação laboral àquela data.
38. Tal acordo era celebrado com todos os trabalhadores da Ré, para a categoria profissional de motorista de pesados.
39. Resulta assim, dos depoimentos das testemunha suprarreferidas, que, a recorrente pagava ao Autor e a todos os motoristas de pesados ao seu serviço, um valor a título de refeições em substituição da retribuição em dias de descanso semanal e feriados (cláusula 41ª), das refeições aquando deslocado no território nacional (cláusula 47ª), das refeições, alojamento aquando deslocado em território internacional (cláusula 47ª-A), e ajudas de custo, a título de ajuda de custo TIR (nota constante do Anexo II) e do regime do trabalho deslocados no estrangeiro (cláusula 74ª).
40. Porém, o que resulta da fundamentação da Douta Sentença, fls. 23, quanto à matéria de facto dada como não provada, é que “o Tribunal não se convenceu que tais ajudas de custo incluíssem o complemento salarial devido a título de ajudas de custo TIR por força do trabalho ibérico prestado, uma vez que, desde logo, os valores pagos, de acordo com a factualidade provada, ficam muito aquém do valor legalmente devido […]”
41. Isto porque a Mma. Juiz, apenas considerou como factualidade provada, no ponto 6, as quantias auferidas pelo Autor, e pagas pela Ré, no decurso dos anos 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, quando deveria ter considerado todas as quantias auferidas pelo Autor no decurso de toda a relação laboral.
42. Da prova documental junta aos autos, pela Ré com a contestação e requerimento, nos termos suprarreferidos, resulta antes sim que, o Autor auferia valores acima do valor devido, tendo auferido no Ano 2011: o total líquido de € 10.272,99; no Ano 2012: o total líquido de € 10.228,50; no Ano 2013: o total líquido de € 5.872,00; no Ano 2014: o total líquido de € 7.913,55; no Ano 2015:o total líquido de € 10.687,50; no Ano 2016: o total líquido de € 9.123,50; no Ano 2017: o total líquido de € 10.020,65;
43. Sendo que nos anos de 2018 e 2019, isto tendo em conta que, a partir janeiro de 2018, a Ré passou a discriminar nos recibos de vencimento a ajuda de custo TIR e a Cláusula 74, e que, a partir de 20.09.2018, entrou em vigor a CCTV 2018: Ano 2018: o total líquido de € 9.299,55; Ano 2019: o total líquido de € 8.022,97;
44. Da análise dessas quantias, no decurso dos anos elencados supra, e depois das quantias por aquele auferidas, após a entrada em vigor do CCTV de 2018 resulta que, o regime que foi acordado entre o Autor e a Ré, aquando do início da relação laboral, era mais favorável ao trabalhador.
45. E do confronto, das quantias supra, à exceção do ano de 2013 e parte de 2014, anos sui generis, tendo em conta o depoimento da testemunha CC, supratranscrito, decorre que, os valores da ajuda de custo TIR com base no referido acordo apesar de continuarem a ser pagos ao Autor, não vinham discriminados nos recibos de vencimento a seu pedido, porquanto existia uma ordem de penhora do seu vencimento.
46. Neste sentido, veja também, que, após a entrada em vigor da CCTV de 2018, não se verificou um aumento substancial das quantias auferidas pelo Autor, a esse título, razão pela qual, não poderia o Tribunal a quo entender que as quantias auferidas pelo Autor “ficam muito aquém do valor legalmente devido”
47. Da prova documental junta aos autos, teria a Mma. Juiz do Tribunal a quo que considerar que se encontrava provada a matéria de facto do elenco dos factos não provados, nas alíneas a., b. e c..
48. Devendo, assim, face ao teor dos depoimentos das testemunhas supra identificadas, e da prova documental junta aos autos, serem considerados como provados os factos constantes das alíneas a., b. e c., dos factos não provados, sendo dado como provado em II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO que:
49. “ - Quando o Autor iniciou a sua relação laboral com a Ré, foi acordado o pagamento de vencimento base, ajudas de custo e alimentação e ainda um valor pelos sábados domingos ou feriados trabalhados, e trabalho suplementar, em substituição das cláusulas do CCTV.
50. - Na base desse acordo, o Autor recebia um montante, discriminado nos recibos de vencimento e mapas de viagem, na modalidade referida, abrangendo todos os direitos aqui peticionados, independentemente do trabalho realizado, designadamente os que resultam das cláusulas 39.º, 40.º, 41.º e 47.º quando o Autor se encontrava no serviço Nacional e cláusulas 20.º, n.º 3, 41.º, 47.º-A, 74.º, n.º 7 de ajuda de custo TIR, quando se encontrava no serviço ibérico, tudo com referência ao CCTV aplicável.
51. - A Ré pagou ao Autor as ajudas de custo TIR até dezembro de 2017.”
DA MATÉRIA DE DIREITO:
Quanto às ajudas de custo TIR
52. Da prova documental e testemunhal produzida em audiência de julgamento, resultou provada, no ponto 6, de que a Ré, pagou ao Autor, no período compreendido entre janeiro de 2011 e dezembro de 2017, ajudas de custo, numa média mensal líquida de 450,00 €, em muito superior ao legalmente devido nos termos do CCTV aplicável, fixado em 105,75 €.
53. Tal resulta, claramente, dos recibos de vencimento, juntos pela Ré na contestação, sob os docs. n.º 1 a n.º 11 e posteriormente por requerimento (referência citius ...28), sob os docs. n.º 1 a n.º 8, não impugnados pelo Autor e que se encontram por este assinados.
54. Dispõe o CCT celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE, 1.ª série n.º 9, de 08.03.1980, com a redação conferida pelo BTE, n.º 30, de 15.08.1997, aplicável a relação laboral entre Autor e Ré, no período em referência, na nota constante do Anexo II do CCTV, que, «Os motoristas eslocados em serviço internacional auferirão uma ajuda de custo de 21 200$ mensais.» Valor este que se fixou em € 105,75 (cento e cinco euros e setenta e cinco cêntimos) após a conversão em Euros.
55. Para além da referida rubrica paga a título de ajuda de custo, o CCTV apenas dispõe sobre o pagamento de AJUDAS DE CUSTO, para reembolso das refeições, que eram pagas ao Autor semanalmente, pelos valores constantes nos mapas de alimentação juntos pela Ré, com os requerimentos referências citius ...28, ...63, ...16 e ...77, sob os docs. n.º 9 a n.º 20.
56. Pelo que, o valor mensal pago pela Ré a título de ajudas de custo, e que se encontrava discriminado nos recibos de vencimento, só pode ser imputado, à AJUDA DE CUSTO TIR, que nos termos da nota constante do Anexo II, do referido diploma, se encontrava fixada no valor de € 105,75.
57. Pelo que, andou mal o Tribunal a quo ao decidir que “não se evidenciou que a Ré tivesse pago ao Autor qualquer valor a título de ajudas de custo TIR” e que, “qualquer valor pago a título de complemento salarial, fosse em valor superior ao legalmente devido”.
58. Ao não se considerar tais valores pagos, nas ajudas de custo, o Autor claramente que teria um enriquecimento sem causa, porquanto auferiu quantias mensais a que não tinha direito.
59. Assim, resultando da matéria de facto dada como provada, no ponto 6 da Douta Sentença recorrida, que o Autor auferiu mensalmente uma quantia a título de AJUDAS DE CUSTO, deveria o Tribunal a quo ter considerado que a AJUDA DE CUSTO TIR peticionada pelo Autor se encontrava paga.
60. Logo, deve a Douta Sentença ser corrigida, absolvendo-se a Ré do pagamento da ajuda de custo TIR.
III - DA CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
A – DA ILICITUDE DE RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO COM JUSTA CAUSA
61. Considerou o Tribunal a quo, na Douta Sentença recorrida, como procedente a pretensão do Autor, quanto ao pedido de reconhecimento de justa causa para a cessação do contrato de trabalho, e em consequência condenou a Ré no pagamento ao Autor de uma indemnização no valor de € 10.800,00 (dez mil e oitocentos euros).
62. O autor invocou como sendo justa causa de despedimentos os seguintes factos: i) Por não terem sido pagas as diuturnidades ate outubro de 2019; ii) Por realizar transporte ibérico sem que fosse paga a ajuda de custo TIR; iii) Por não ter sido pago trabalho suplementar; iv) Por não ter sido pago trabalho noturno; v) Por falta de descanso semanal; vi) Por ter sido forçado a assinar uma norma técnica; vii) Por me terem atribuído um veículo sem condições de segurança; viii) Por negarem o acesso a baixa de assistência à família; ix) Por me forçarem a renunciar ao seguro de acidentes de trabalho.
63. O Tribunal a quo, para apreciação da justa causa está vinculado aos factos constantes na comunicação remetida pelo trabalhador, nos termos do Art. º 395.º, do Código do Trabalho.
64. Não foram invocados pelo trabalhador na carta rescisória, os seguintes factos: i) formação não ministrada durante cerca de três anos; ii) as férias de 2020 não pagas; iii) os proporcionais das férias, subsídios de férias e de Natal de 2021 não pagos;
65. Pelo que, o Tribunal a quo, não poderia apreciar a alegada justa causa, com base nos referidos factos, até porque as referidas quantias só se venceram no FIM da relação laboral.
66. O Tribunal a quo só poderia valorar para a apreciação da existência ou não de justa causa de rescisão e consequente determinação da indemnização, a alegada falta de pagamento das diuturnidades e da ajuda de custo TIR, e nunca as contas finais de contrato, como se verificou.
67. A Douta Sentença recorrida violou o dispositivo legal do artigo 395 do Código de Trabalho.
68. Da matéria de facto dada como provada nos pontos 6, 12 , 13 e da carta rescisória remetida pelo Autor em 07 de junho de 2021, resulta que a Ré a partir de junho de 2019 começou a liquidar diuturnidades e que as ajudas de custo TIR, passaram a estar discriminadas nos recibos de vencimento a partir de janeiro de 2018.
69. Pelo que, quando o Autor invoca em 07 de junho de 2021, os referidos factos como justa causa, já havia ultrapassado o prazo de 30 dias estipulado no n.º 1, do Art. º 395.º, do Código de Trabalho.
70. Nesse sentido, não poderia o Tribunal a quo considerar cumpridos os requisitos temporais previstos no suprarreferido artigo, pois tais factos, atento o seu carácter pessoal, eram do conhecimento do Autor desde as referidas datas.
71. Logo, deve ser a exceção da caducidade invocada pela Ré em sede de contestação, quanto ao não pagamento da diuturnidade e da ajuda de custo TIR ser considerada procedente por provada, e consequentemente, considerar improcedente a alegada justa causa de rescisão por extemporaneidade dos factos invocados, corrigindo-se a Douta Sentença.
B – DO NÃO PAGAMENTO DAS DIUTURNIDADES E DA AJUDA DE CUSTO TIR COMO FUNDAMENTO DE JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
72. No que concerne ao pagamento das diuturnidades e da ajuda de custo TIR, fundamentou o Tribunal a quo, ser a Ré devedora ao Autor do valor € 2.272,20 e de € 9.741,75, (já operada a correção) e que tal factualidade constitui fundamento para se concluir pela procedência de justa causa de despedimento, e consequentemente condenar a Ré no pagamento da indemnização.
73. A Recorrente, com o devido respeito, quanto a esta matéria, não pode concordar com a apreciação feita pelo Tribunal a quo.
74. Para que se verifique justa causa de: é necessário que da imputada atuação culposa resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que se torne inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade.
75. Ora, os valores, aqui em causa, consubstanciam o montante mensal de € 12,92 (Diuturnidade) e de € 105,75 (Ajuda Custo TIR) e que no total representam cerca de um décimo da média das retribuições mensalmente auferidas pelo Autor.
76. Não resultou da prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento, quer testemunhal, quer documental, quaisquer consequências ou impactos na vida ou na situação económica do Autor decorrentes da falta do pagamento desse montante.
77. Da prova testemunhal produzida, resulta que a Ré, tudo fez para melhorar a situação económica e familiar do Autor, acedendo aos seus vários pedidos., alias o Autor por razões pessoais solicitou à Ré a alteração do serviço e não obstantes não realizar viagens a Espanha, continuou a auferir o valor referente à ajuda de custo TIR.
78. Não existem quaisquer elementos factuais que levam a considerar que a falta de pagamento desse valor se reveste de gravidade suficiente para, por si só, justifique a impossibilidade de subsistência do contrato de trabalho, o Tribunal a quo teria que decidir em sentido diferente do que decidiu na Douta Sentença recorrida.
79. Para se apurar da existência de justa causa para um despedimento por parte do trabalhador, há que ter em conta, i) O facto praticado pela entidade patronal; ii) A culpa desta nesse mesmo facto; iii) Se tal comportamento é de extrema gravidade;
80. E, ainda que tudo isto esteja verificado, se perante tal facto e necessárias consequências, se torne imediata e praticamente impossível a manutenção do vínculo laboral.
81. Nos termos do n.º 2 do Art.º 394.º, do Código de Trabalho, exige-se, necessariamente, uma culpa consciente, a entidade patronal sabe que tem de pagar e não paga, simplesmente porque não quer pagar, ou seja, ato, que é perfeitamente premeditado, e que é efetivado sem se querer saber do resultado ilícito que tal comportamento implicará.
82. A recorrente, sempre esteve e está na convicção de ter pago ao Autor, o valor devido a título de ajudas custo TIR, valor que se encontrava discriminado nos recibos de vencimento na rubrica AJUDAS DE CUSTO.
83. Portanto, ainda que se considere que possa ter havido um comportamento negligente, nunca se poderá concluir que a Ré, atuou com a culpa, que o n.º 2 do Art.º 394.º do Código de Trabalho, necessariamente exige,
84. Não resulta da Douta Sentença recorrida, qual o facto, ou factos alegados e que se tenha logrado provar dos quais resultem o comportamento conscientemente culposo da Ré, de tal modo grave que tenha implicado consequências manifestamente danosas para o Autor.
85. Não se afigura razoável que, o facto da Recorrente, no decurso de 12 anos, dever ao trabalhador o valor total ilíquido de € 2.272,20 (dois mil duzentos e setenta e dois euros e vinte cêntimos), tal possa enquadrar um facto de extrema gravidade que implique a cessação do vínculo laboral com justa causa por parte do Autor.
86. Diga-se ainda que, mesmo que se venha a considerar, que a Ré, nunca pagou ao Autor qualquer valor a título de ajuda custo TIR, o que só por mero dever de patrocínio se concede, estará em causa a importância global ilíquida de € 12.013,95 (a que corresponde o somatório de € 2.272,20 a título de diuturnidades e de € 9.741,75 de ajuda de custo TIR).
87. Nesse sentido mantém-se a posição supra, ao fim de doze anos de vínculo laboral, e tendo em conta que só este valor poderá ser atendido, a alegada dívida não constituiu, fundamentação para justa causa de despedimento por parte do Autor.
88. E em consequência, o dano causado, não será de extrema gravidade, não será nos termos da alínea e) do n.º 2 do Art.º 394.º do Código do Trabalho, uma lesão patrimonial séria dos seus direitos, por forma a impossibilitar a manutenção do vínculo laboral.
89. Para além de que, nos termos do artigo 394.º do Código do Trabalho, cabia ao Autor, o ónus da prova dessa lesão séria, e da impossibilidade imediata da manutenção do vínculo laboral, o que não fez, não consta da Douta Sentença recorrida quaisquer referências a provas nesse sentido.
90. Incumbe deste modo ao trabalhador que pretenda ver declarada judicialmente a licitude da resolução do contrato de trabalho, por sua iniciativa, alegar e provar os factos dos quais se possa concluir que não lhe é exigível a manutenção da relação de trabalho no quadro derivado da lesão dos direitos que é invocada como fundamento dessa resolução.
91. Diga-se ainda que, não era razoável que o Autor, tendo em conta os 12 anos de vínculo com a Ré, que aquele não tentasse de forma amigável chegar a um entendimento com esta, antes de proceder à resolução do contrato.
92. Neste sentido, veja-se o Acórdão S.T.J., proc. n.º14383/16.7T8PRT.P1.S1, 04.07.2018, relator António Leones Dantas, in www.dgsi.pt.
93. Não se discute se o Autor tem direito a receber os valores devidos, ou seja, se tem direito ao pagamento do valor devido a título de diuturnidades no valor líquido de € 2.272,20 (dois mil duzentos e setenta e dois euros e vinte cêntimos, discute-se sim, é a sustentação de tal facto, como motivo único e bastante para concluir pela existência de justa causa e, consequentemente, condenar a Ré, na indemnização inerente.
94. Ora, não sendo este facto suscetível de por si só, fundamentar justa causa de despedimento, quando muito, pelo valor em dívida a título de diuturnidades, ficaria o Autor na qualidade de credor perante a Ré, ora recorrente, constituindo-se esta, como devedora, na respetiva mora.
95. Por isso, e independentemente da solução final, não é possível imputar à Ré, com o grau de reprovação, a culpa da situação assim criada, não assumindo a mesma a gravidade pressuposta como causa da impossibilidade da manutenção do vínculo.
96. Até porque, veja-se que, o modo como a Ré, efetuou o pagamento do vencimento base, das ajudas de custo, das refeições e das horas extra, serviu ao Autor durante os largos anos por que perdurou a relação laboral, pelo que, não se vê que as quantias a que provavelmente tenha direito – e de que se foi constituindo credor ao longo da constância do vínculo – assumissem uma relevância súbita tal que ditassem a imediata rutura do contrato quando o Autor por ela se decidiu.
97. A resolução contratual com justa causa pressupõe uma situação anormal e particularmente grave, que torne inexigível a permanência da vinculação do trabalhador por mais tempo, incluído o período legalmente fixado para o aviso prévio. Não é o caso.
98. Cessado o contrato de trabalho com apelo a justa causa resolutiva que não é jurisdicionalmente reconhecida, a resolução, sendo ilícita, constitui o trabalhador na obrigação de indemnização a que alude o artigo 446.º, referido ao artigo 448.º do Código do Trabalho.6
99. Pelo que, tal rescisão com alegada justa causa, não se fundou num facto atual, à data, da carta rescisória remetida pelo Autor à Ré, em 07.06.2021, que tornasse impossível a subsistência da relação laboral.
6 Vide, no mesmo sentido, o Acórdão do S.T.J. de 14.7.2010, proc. n.º 285/06.9TTCLD.L1.S1, in www.dgsi.pt
100. Se assim não se entender, sempre se dirá que, andou mal o Tribunal a quo, ao fixar uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição e diuturnidades, por cada ano completo ou fração de antiguidade no valor de € 10.800,00, tendo como referência uma média mensal de € 900,00.
101. Andou mal o Tribunal a quo, na fixação da indemnização correspondente a 30 dias de retribuição e diuturnidades, ao considerar que, o Autor em junho de 2021 interpelou a Ré para pagamentos das quantias em dívida, e que após interpelação, se manteve o incumprimento dos créditos devidos, e que a Ré se teria escusado ao pagamento integral dos direitos reconhecidos.
102. Nunca tal indemnização poderia ter sido fixada nestes termos, porque tal grau de culpa ficcionado pelo Tribunal a quo não ficou demonstrado.
103. Pelo que, nesse sentido, nos termos do n.º 1, do Art. º 396.º, do Código do Trabalho, deveria ter sido fixada uma indemnização correspondente a 15 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade, no valor total de € 4.718,82 (quatro mil setecentos e dezoito euros e oitenta e dois cêntimos). (€733,07(R. Base)+ €53,40(diuturnidade) = €786,47 / 30 x15 x 12)
104. Ainda que, assim não se entenda, e venha a ser fixada indemnização correspondente a 30 dias, nunca poderia ser no valor apurado pelo Tribunal a quo, com base em médias mensais, pois que, para cálculo da respetiva indemnização dispõe o supracitado artigo que são dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, ou fração, no valor total de € 9.437,64 ( nove mil quatrocentos e trinta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos). (€733,07(R. Base)+ €53,40(diuturnidade) = €786,47 x 12)
105. Por toda a fundamentação exposta, não se vislumbra qualquer motivo de justa causa para despedimento, pelo que deverá também neste ponto, ser a Douta Sentença de que se recorre alterada, não havendo lugar ao pagamento de qualquer indemnização.
106. E em consequência ser julgado procedente o pedido reconvencional condenando-se o Autor no pagamento do valor de € 1.418,70 (mil quatrocentos e dezoito euros e setenta cêntimos), valor este correspondente à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período aviso prévio em falta, nos termos do Art.º 401.º do Código do Trabalho.
107. Se assim, não se entender, deve a indemnização ser fixada no valor de € 4.718,82 (quatro mil setecentos e dezoito euros e oitenta e dois cêntimos), correspondente a 15 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fração de antiguidade.
108. Na mera hipótese de se concluir que é devida ao Autor indemnização por justa causa, correspondente a 30 dias, de retribuição base e diuturnidades, deve a Douta Sentença recorrida ser corrigida, fixando-se o valor total de € 9.437,64 ( nove mil quatrocentos e trinta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos).

Admitidos os recursos (do autor e da ré) na 1.ª instância – como de apelação, com subida imediata e efeito meramente devolutivo –, subidos os autos a esta Relação, neles a exma. procuradora-geral-adjunta emitiu douto parecer, ao abrigo do disposto no artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do trabalho, no qual concluiu pela procedência parcial de ambos os recursos.
A ré respondeu ao parecer, a manifestar a sua discordância e reiterando, em síntese, o constante das alegações e contra-alegações por ela anteriormente apresentadas.

Elaborado projeto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II – Objeto do recurso
Sabido como é que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
1. do recurso do autor:
a) saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto;
b) se deve condenar-se a ré no pagamento de € 2.937,98, a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e trabalho prestado em dia de descanso semanal;
c) se deve condenar-se a ré no pagamento de 120 horas – e não 70.30 horas considerados na sentença recorrida – por créditos de horas de formação não ministrada;
d) se deve a indemnização por resolução do contrato fixar-se em montante superior a 30 dias de remuneração base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fração.

2. do recurso da ré:
a) saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto;
b) se existe lapso no cálculo do valor global devido a título de diuturnidades;
c) se o sistema remuneratório adotado pela Ré/recorrida, e de acordo com o qual pagou ao Autor/recorrente a contrapartida da prestação do trabalho, é mais vantajoso para este que o que resulta do CCTV aplicável ao sector;
d) se é devido ao autor o pagamento da ajuda de custo TIR e se existe lapso no cálculo do mesmo efetuado pelo tribunal a quo;
e) se é(foi) (i)lícita a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, o que envolve a subquestão de saber se ocorre caducidade do direito do autor à resolução do contrato;
f) em função da resposta dada à questão anterior, se deve proceder o pedido reconvencional por falta de aviso prévio na resolução do contrato de trabalho.

III – Factos
A) A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
1. O Autor e a Ré celebraram um contrato de trabalho a termo certo no dia 22/07/2009, pelo prazo de 1 ano, que se convolou em contrato sem termo volvido um ano.
2. O Autor foi contratado pela Ré para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, desempenhar as funções de motorista de pesados.
3. Até ao ano de 2018, o Autor desempenhou as suas funções em território nacional e, a partir do ano de 2011 e até 2018, uma a duas vezes por mês, também efetuava viagens para Espanha.
4. Como contrapartida do trabalho prestado, a Ré comprometeu-se a pagar ao Autor uma retribuição mensal de €500, que foi sendo atualizada: em 2017 passou a ser €570; em 2018 passou a ser €580; em 2019 passou a ser €630; em 2020 passou a ser €700 e em 2021 passou a ser de € 733,07.
5. O período normal de trabalho do Autor era de oito horas diárias, 40 horas semanais.
6. A Ré, no decurso nos anos de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021, pagou ao Autor as seguintes quantias:


7. A ré forneceu ao autor a seguinte formação anual:
Em 2017 – 35 horas
Em 2018 – 35 horas
Em 2019 – 12 horas
Em 2020 – 0 horas
Em 2021 – 0 horas.
8. O Autor, no dia 19/10/2020, sofreu um acidente de trabalho, tendo ficado de baixa atribuída pela seguradora, desde o dia 20/10/2020 e até ao dia 30/03/2021.
9. Do dia 30/03/2021 e até ao dia 30/04/2021, o Autor sofreu 30% de incapacidade parcial para o trabalho.
10. No dia 20/04/2021, o Autor teve alta da seguradora com 0% de incapacidade.
11. No dia 24/05/2021, o Autor apresentou baixa médica da segurança social até ao dia 11/06/2021.
12. A relação laboral cessou no dia 08/06/2021, mediante resolução do contrato de trabalho, pelo Autor, com invocação de justa causa por facto imputável à Ré.
13. Para o efeito, o Autor enviou à Ré carta registada com aviso de receção e com o seguinte teor:











14. No dia 20/11/2020, a Ré pagou ao Autor a quantia de € 540,77 a título de 17 dias de férias dos proporcionais do ano de 2020.

B) A 1.ª instância deu como não provada a seguinte factualidade:
a. Quando o Autor iniciou a sua relação laboral com a Ré, foi acordado o pagamento de vencimento base, ajudas de custo e alimentação e ainda um valor pelos sábados domingos ou feriados trabalhados, e trabalho suplementar, em substituição das cláusulas do CCTV.
b. Na base desse acordo, o Autor recebia um montante, discriminado nos recibos de vencimento e mapas de viagem, na modalidade referida, abrangendo todos os direitos aqui peticionados, independentemente do trabalho realizado, designadamente os que resultam das cláusulas 39.º, 40.º, 41.º e 47.º quando o Autor se encontrava no serviço nacional e cláusulas 20.º, n.º 3, 41.º, 47.º-A, 74.º, n.º 7 de ajuda de custo TIR, quando se encontrava no serviço ibérico, tudo com referência ao CCTV aplicável.
c. A Ré pagou ao Autor as ajudas de custo TIR até dezembro de 2017.
d. No dia 23 de agosto de 2012, o Autor realizou 00:30 horas de trabalho noturno que não foi pago pela Ré;
e. No dia 13 de maio de 2013 o autor iniciou a jornada às 06:15horas, realizando 45 minutos de trabalho noturno;
f. No dia 21 de maio de 2014, o Autor iniciou a jornada laboral às 20:30 horas, terminando às 24 horas do dia 22 de maio de 2014, realizando 14:30h de trabalho noturno;
g. No dia 5 de julho de 2014, o Autor iniciou a sua jornada às 04:00 horas, realizando 3 horas de trabalho noturno;
h. No dia 3 de agosto de 2014 o Autor iniciou a sua jornada às 23 horas terminando às 21:30 horas do dia 4 de agosto de 2014.
i. O Autor realizou 13:30 horas de trabalho suplementar.
j. No dia 5 de agosto de 2014, o Autor iniciou a jornada às 07:30 horas e terminou às 21:30 horas, tendo realizado 2:30h de trabalho noturno e 5 horas de trabalho suplementar.
k. No dia 6 de agosto de 2014, o Autor iniciou a jornada às 06:30 e terminou às 21:00 horas, realizando 2:30 horas de trabalho noturno e cinco horas de trabalho suplementar.
l. No dia 7 de agosto de 2014, o Autor iniciou a jornada às 05:30 horas e terminou às 18:30 horas, realizando assim 1:30 horas de trabalho noturno e 4 horas de trabalho suplementar.
m. No dia 8 de agosto de 2014, o Autor iniciou a jornada às 05:30 horas e terminou às 17:30 horas, realizando assim 1:30 horas de trabalho noturno e 3 horas de trabalho suplementar.
n. No dia 9 de agosto de 2014, o Autor iniciou a jornada às 07:00 e terminou às 18:30horas, realizando 4:30 de trabalho suplementar.
o. No dia 22 de outubro de 2014 o Autor iniciou a jornada às 18 horas tendo terminado às 19 horas do dia 23 de outubro de 2014, tendo realizado 11 horas de trabalho noturno e realizou 15 horas de trabalho suplementar.
p. No dia 16 de março de 2015, o Autor iniciou a jornada laboral às 07:30 horas e terminou às 18:30 horas, tendo realizado 4 horas de trabalho suplementar.
q. No dia 1 de maio de 2016, Domingo e Feriado, o Autor iniciou a sua jornada às 09:17 horas e terminou às 19:25 horas.
r. No dia 17 de maio de 2016, o Autor iniciou a sua jornada às 03:28 horas e terminou às 18:30 horas, perfazendo 15:02 horas de trabalho, sendo 03:30 horas em horário noturno e 06:02 horas de trabalho suplementar.
s. No dia 29 de maio de 2016, Domingo, o Autor iniciou a sua jornada às 14:25 horas e terminou às 21:31 horas, perfazendo 07:06 horas de trabalho em dia de descanso.
t. O Autor realizou 13:23 horas em dia de descanso, 06:02 horas de trabalho suplementar e 03:30 horas de trabalho noturno.
u. No dia 2 de junho de 2016, o Autor iniciou a sua jornada às 19:01 horas e terminou às 02:41 horas, perfazendo 05:38 horas de trabalho noturno.
v. No dia 2 de julho de 2016, Sábado, o Autor iniciou a sua jornada às 05:34 horas e terminou às 15:07 horas, perfazendo 09:33 horas de trabalho em dia de descanso.
w. No dia 3 de julho de 2016, Domingo, o Autor iniciou a sua jornada às 20:36 horas e terminou às 03:28 horas do dia seguinte, perfazendo 06:52 horas de trabalho em dia de descanso.
x. No dia 10 de julho de 2016, Sábado, o Autor iniciou a sua jornada às 19:01 horas e terminou às 01:45 horas do dia seguinte, realizando uma jornada de trabalho de 06:44 horas em dia de descanso obrigatório.
y. No dia 17 de julho de 2016, Domingo, o Autor iniciou a sua jornada às 10:59 horas e terminou às 22:51 horas, perfazendo 11:52 horas de trabalho em dia de descanso, realizando 33 horas em dia de descanso.
z. No dia 7 de agosto de 2016, Domingo, o Autor iniciou a sua jornada às 11:00 horas e terminou às 23:27 horas, perfazendo 12:27 horas de trabalho em dia de descanso.
aa. No dia 21 de agosto de 2016, Domingo, o Autor iniciou a sua jornada às 14:13 horas e terminou às 21:29 horas, perfazendo 07:16 horas de trabalho em dia de descanso.
bb. No dia 28 de agosto de 2016, Domingo, o Autor iniciou a sua jornada às 14:00 horas e terminou às 21:21 horas, perfazendo 07:21 horas de trabalho em dia de descanso, realizando assim 26:30 horas em dia de descanso.
cc. No dia 4 de setembro de 2016, Domingo, o Autor iniciou a sua jornada às 16:34 horas e terminou às 01:17 horas, perfazendo 08:43 horas de trabalho em dia de descanso.
dd. No dia 11 de setembro de 2016, Domingo, o Autor iniciou a sua jornada às 16:24 horas e terminou às 22:58 horas, perfazendo 06:34 horas de trabalho em dia de descanso.
ee. No dia 25 de setembro de 2016, Domingo, o Autor iniciou a sua jornada às 15:45 horas e terminou às 22:14 horas, perfazendo 06:29 horas de trabalho em dia de descanso, realizando 21:00 horas em dia de descanso.
ff. No dia 8 de dezembro de 2016, Feriado, o Autor iniciou a sua jornada às 04:50 horas e terminou às 17:04 horas, perfazendo 12:14 horas de trabalho em dia feriado.
gg. No dia 8 de janeiro de 2017, Domingo, o Autor iniciou a sua jornada às 15:06 horas e terminou às 21:16 horas, perfazendo 06:10 horas de trabalho em dia de descanso.
hh. No dia 15 de janeiro de 2017, Domingo, o Autor iniciou a sua jornada às 12:32 horas e terminou às 19:44 horas, perfazendo 07:12 horas de trabalho em dia de descanso.
ii. No dia 22 de janeiro de 2017, Domingo, o Autor iniciou a sua jornada às 14:16 horas e terminou às 21:46 horas, perfazendo 07:30 horas de trabalho em dia de descanso, realizando assim 21:00 horas em dia de descanso.
jj. No dia 5 de maio de 2017, o Autor iniciou a sua jornada às 04:30 horas e terminou às 20 horas, realizando assim 2:30 horas de trabalho noturno e 6:30 de trabalho suplementar.
kk. No dia 10 de setembro de 2017, o Autor iniciou a sua jornada à 1:00 horas e terminou às 10:00 horas, tendo assim prestado 6 horas de trabalho noturno.
ll. No dia 4 de março de 2018 o Autor iniciou a jornada às 04:00 horas e terminou às 14:00 horas, realizando assim, 3 horas de trabalho noturno e 1 hora de trabalho suplementar.
mm. No dia 17 de março de 2018, o Autor iniciou a jornada às 2:00 horas e terminou às 19 horas, realizando assim 5 horas de trabalho noturno e 6 horas de trabalho suplementar.
nn. No dia 18 de março de 2018, o Autor iniciou a jornada às 04:30 horas e terminou às 08:00 horas, realizando assim 1:30 horas de trabalho noturno.
oo. No dia 23 de março de 2018, o Autor iniciou a jornada às 08:00 horas e terminou às
pp. No dia 14 de abril de 2018, o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 02:30horas e terminou às 15:30 horas, realizando assim 04:30 de trabalho noturno e 2 horas de trabalho suplementar.
qq. No dia 21 de abril de 2018, o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 03:00horas e terminou às 14:00 horas, realizando assim 4 horas de trabalho noturno.
rr. No dia 20 de maio de 2018 o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 04:30horas e terminou às 13:00 horas, realizando assim 1:30 horas de trabalho noturno.
ss. No dia 26 de maio de 2018 o Autor iniciou a sua jornada às 16 horas e terminou às 23:30 horas, realizando assim 03:30 horas de trabalho noturno.
tt. No dia 4 de junho de 2018 o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 17:00horas e terminou às 22:00 horas, realizando 2 horas de trabalho noturno.
uu. No dia 19 de junho de 2018, o Autor iniciou a sua jornada de trabalho à 01:00hora e terminou às 10:00 horas, realizando assim 6 horas de trabalho noturno.
vv. No dia 3 de julho de 2018 o Autor iniciou a sua jornada às 06:00 horas e terminou às 14:00 horas, realizando assim 1 hora de trabalho noturno.
ww. No dia 7 de julho de 2018, o Autor iniciou a sua jornada às 04:30 horas e terminou às 14:00 horas, realizando assim 02:30 horas de trabalho noturno e 00:30 horas de trabalho suplementar.
xx. No dia 12 de julho de 2018, o Autor iniciou a sua jornada às 03:00 horas e terminou às 13:00 horas, realizando assim 4 horas de trabalho noturno e 1 hora de trabalho suplementar.
yy. No dia 14 de julho de 2018, o Autor iniciou a sua jornada às 02:30 horas e terminou às 10:00 horas, realizando assim 04:30 horas de trabalho noturno.
zz. No dia 15 de julho de 2018, o Autor iniciou a sua jornada às 02:00 horas e terminou às 13:30 horas, realizando assim 5 horas de trabalho noturno e 00:30 horas de trabalho suplementar.
aaa. No dia 20 de julho de 2018, o Autor iniciou a sua jornada às 03:00 horas e terminou às 14:30 horas, realizando assim 4 horas de trabalho noturno e 2:30 horas de trabalho suplementar.
bbb. No dia 21 de julho de 2018, o Autor iniciou a sua jornada às 04:00 horas e terminou às 16:00 horas, realizando assim 3 horas de trabalho noturno e 3 horas de trabalho suplementar.
ccc. No dia 3 de agosto de 2018, o Autor iniciou a sua jornada às 02:30 horas e terminou às 14:30 horas, realizando assim 04:30 horas de trabalho noturno.
ddd. No dia 4 de agosto de 2018, o Autor iniciou a sua jornada às 03:30 horas e terminou às 16:30 horas, realizando 03:30 horas de trabalho noturno e 4 horas de trabalho suplementar.
eee. No dia 10 de agosto de 2018, o Autor iniciou a sua jornada às 04:00 horas e terminou às 17:00 horas, realizando 3 horas de trabalho noturno e 4 horas de trabalho suplementar.
fff. No dia 21 de agosto de 2018, o Autor iniciou a sua jornada às 04:30 horas e terminou às 16:30 horas, realizando assim 02:30 horas de trabalho noturno e 3 horas de trabalho suplementar.
ggg. No dia 5 de setembro de 2018, o Autor iniciou a sua jornada às 02:00 horas e terminou às 12:00 horas, realizando assim 5 horas de trabalho noturno.
hhh. No dia 18 de setembro de 2018 o Autor iniciou a sua jornada às 04:30 horas e terminou às 13:00 horas, realizando assim 02:30 horas de trabalho noturno.
iii. No dia 24 de fevereiro de 2018, o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 2 horas terminando às 10 horas do dia seguinte, retomando o trabalho nesse dia às 22 horas e terminado às 10 horas do dia 25 de fevereiro de 2018.
jjj. No dia 2 de abril de 2019 o Autor iniciou a sua jornada às 05:00 horas e terminou às 09:00 horas, trabalhando assim 2 horas de trabalho noturno.
kkk. No dia 29 de abril de 2019, o Autor iniciou a sua jornada às 02:30 horas e terminou às 09:00 horas, realizando assim 04:30 horas de trabalho noturno.
lll. No dia 6 de maio de 2019, o Autor iniciou a prestação de trabalho às 03:30 horas e terminou às 12:00 horas, realizando assim, 03:30 horas de trabalho noturno.
mmm. No dia 17 de julho de 2019, o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 00:00horas e terminou às 11:30 horas, realizando assim 7 horas de trabalho noturno e 02:30horas de trabalho suplementar.
nnn. No dia 24 de dezembro de 2019, o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 01:30 horas e terminou às 11 horas, realizando assim 05:30 horas de trabalho noturno.
ooo. No dia 15 de janeiro de 2020 o Autor iniciou a sua jornada às 02:00 horas e terminou10:30 horas, realizando 5 horas de trabalho noturno.
ppp. No dia 29 de janeiro de 2020, o Autor iniciou a sua jornada às 00:00 horas e terminou às 09:00 horas, realizando 7 horas de trabalho noturno.
qqq. No dia 24 de fevereiro de 2020 o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 22:00 horas e terminou às 06:00 horas do dia seguinte, realizando, assim, 8 horas de trabalho noturno.
rrr. No dia 11 de março de 2020 o Autor iniciou a sua jornada às 05:00 horas e terminou às 15:00 horas, trabalhando assim 2 horas noturnas e 1 hora de trabalho suplementar.
sss. No dia 8 de abril de 2020 o Autor iniciou a jornada de trabalho às 03:30 horas e trabalhou 8 horas, prestando, assim, 03:30 horas de trabalho noturno.
ttt. No dia 22 de abril de 2020, o autor iniciou a jornada de trabalho às 05:00 horas e terminou às 16:00 horas, prestando 2 horas de trabalho noturno.
uuu. No dia 23 de abril de 2020, o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 04:00 horas, tendo trabalho 8 horas e, por conseguinte, prestou 3 horas de trabalho noturno.
vvv. No dia 6 de maio de 2021 o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 03:00horas e terminou às 15:00 horas, realizando 4 horas de trabalho noturno e 3 horas de suplementar.
www. No dia 25 de maio de 2021, o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 03:00horas e terminou às 17:00 horas, realizando 4 horas de trabalho noturno e 5 horas de trabalho suplementar.
xxx. No dia 3 de junho de 2020 o Autor iniciou a sua jornada às 05:00 horas e terminou às 17:00 horas, prestando assim 2 horas de trabalho noturno e 3 horas de trabalho suplementar.
yyy. No dia 17 de junho de 2020, o Autor iniciou a sua jornada às 05:00 horas e terminou às 15:30 horas, prestando assim 2 horas de trabalho noturno e 1:30 horas de trabalho suplementar.
zzz. No dia 29 de julho de 2020, o Autor iniciou a sua prestação de trabalho às 03:30 horas e terminou às 17:00 horas, tendo prestado 03:30 horas de trabalho noturno e 5 horas de trabalho suplementar.
aaaa. No dia 4 de abril de 2021 o Autor iniciou a jornada de trabalho às 22 horas e terminou às 20 horas do seguinte, realizando 9 horas de trabalho noturno e 13 horas de trabalho suplementar.
bbbb. No dia 6 de abril de 2021, o Autor iniciou a sua jornada às 06:00 horas e terminou às 19:00 horas, tendo assim prestado 1 hora de trabalho noturno e 4 horas de trabalho suplementar.
cccc. No dia 20 de abril de 2021 o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 03:30 horas e terminou às 10:00 horas, tendo prestado 03:30 horas de trabalho noturno.
dddd. No dia 27 de abril de 2021, o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 02:30 horas e terminou às 09:30 horas, tendo assim prestado 4:30 horas de trabalho noturno.
eeee. No dia 29 de abril de 2021, o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 04:00 horas e terminou às 11 horas, tendo prestado 3 horas de trabalho noturno.
ffff. No dia 30 de abril de 2021, o Autor trabalhou entre as 19:00 e as 21:00 horas, tendo prestado 1 hora de trabalho noturno.
gggg. No dia 7 de maio de 2021, o Autor iniciou a sua jornada às 05:30 horas e cumpriu o seu horário diário, tendo prestado 01:30 horas de trabalho noturno.
hhhh. No dia 10 de maio de 2021, o Autor iniciou a sua jornada às 05:30 horas e cumpriu o seu horário diário, tendo prestado 01:30 horas de trabalho noturno.
iiii. No dia 19 de maio de 2021, o Autor iniciou a sua jornada de trabalho às 07:30 horas e terminou às 21 horas, tendo prestado 1 hora de trabalho noturno e 04:30 horas de trabalho suplementar.
jjjj. No dia 20 de maio de 2021, o Autor iniciou a sua prestação de serviço às 07:00 horas e terminou às 20:00 horas, tendo prestado 4 horas de trabalho suplementar.
kkkk. No dia 21 de maio de 2021, o Autor iniciou a sua prestação de serviço às 07:00 horas e terminou às 20:00 horas, tendo prestado 4 horas de trabalho suplementar.
llll. Em abril de 2021, o Autor foi forçado a assinar uma “Norma Técnica” da Jerónimo Martins, em que o obrigaram a declarar que tinha tido formação e conhecimento da carta de riscos das instalações, dos procedimentos a adotar em caso de emergência e em que me encontrava habilitado a operar com equipamentos de movimentação mecânica de cargas, bem como outros equipamentos disponibilizados nas instalações da Jerónimo Martins.
mmmm. A Ré entregou ao Autor um veículo que não possuía banco do condutor, obrigando-o a conduzir e a passar horas sentado em ferro, veículo esse que não possuía as mínimas condições de circulação, designadamente por estar a perder óleo, entre outras.
nnnn. A Ré pressionou e forçou o Autor a renunciar ao direito de assistência à família e a renunciar ao seguro de acidentes de trabalho.
oooo. O Autor, semanalmente, abastecia os seus veículos pessoais, nas instalações e a custo da Ré.

IV – Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais a decidir, é o momento de analisar, de per se, cada uma delas, tendo em conta a precedência lógica que apresentam.
Preliminarmente, importa referir – o que se entende por consensual –, que até setembro de 2018 é aplicável à relação entre as partes o contrato coletivo de trabalho celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional dos transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e outros, publicado no BTE, 1ª série n.º 9, de 08-03-1980, com as alterações introduzidas em posteriores revisões (publicadas nos BTEs 16/1982, 18/1986, 20/1989, 18/1991, 25/1992, 25/1993, 24/1994, 20/1996, 30/1997 e 32/1998), por força das Portarias de Extensão publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, n.º 30, de 15 de agosto de 1980 e no mesmo Boletim, 1ª Série, n.º 33, de 8 de Setembro de 1982; a partir de Outubro de 2018 é aplicável o CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS in BTE n.º 34 de 15/09/2018 e Portaria de Extensão in Separata do BTE n.º 40 de 17/09/2018, a partir de Janeiro de 2020 o CCTV celebrado entre a ANTRAM, a ANTP e a FECTRANS in BTE n.º 45 de 08/12/2019 e a Portaria de Extensão in BTE n.º 49/2020 de 26/02 e, ainda, o DL 109- A/2020, DR n.º 253, de 31/12 ( 1ª Série, 3º Suplemento), tendo em conta que a ré /recorrente se dedica ao transporte rodoviário nacional e internacional de mercadorias, bem como as funções de motorista que o Autor desempenhava ao seu serviço (factos 1 a 3).
Importa também atender que da interpretação conjugada dos artigos 3.º e 476.º do Código de Trabalho decorre que as disposições de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador.
Assim, ainda que existisse um acordo entre as partes quanto ao sistema remuneratório alegadamente adotado pela ré/recorrente, para que o mesmo pudesse/possa prevalecer em relação ao que decorre do CCTV sempre terá que se demonstrar que ele é mais favorável ao trabalhador.
E o ónus da prova compete ao empregador (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
Com efeito, como a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado – inclusive no âmbito de anterior legislação –, nada impede que o sistema retributivo do CCTV seja alterado por acordo entre as partes contratantes, ou mesmo unilateralmente, através de um compromisso vinculativo para a entidade empregadora, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador [neste sentido, vejam-se, entre outros, os acórdãos de 05-05-2010 (Recurso n.º 119/07.7TTMTS.S1), de 27-06-2012 (Recurso n.º 248/07.7TTVIS.C1.S1) e de 15-05-2013 (Recurso n.º 446/06.0TTSNT.L2.S1), todos da 4.ª Secção e disponíveis em www.dgsi.pt].
Também este tribunal tem afirmado este entendimento, como pode ver-se, a título de exemplo, o acórdão de 30-03-2017 (Proc. n.º 345/16.8T8EVR.E1), relatado pelo também ora relator e disponível em www.dgsi.pt.
Não provando a empregadora, como lhe competia, que essa alteração remuneratória é mais favorável ao trabalhador, haverá que considerar a mesma nula, por violação das normas legais supra referidas, tal como se encontra previsto no artigo 280.º, n.º 1, do Código Civil.
Deixada esta nota preliminar, avancemos na análise das várias questões suscitadas pelas partes.

1. Da impugnação da matéria de facto
Consigna-se que, com vista à resolução desta questão, se procedeu à audição dos depoimentos gravados.

1.1. Recurso do autor
1.1.a) Sobre esta matéria, o autor começou por sustentar que os factos que foram dados como não provados sob as alíneas d). a kkkk). – ao fim e ao resto, trabalho suplementar e noturno que alegou ter prestado – devem ser dados como provados.
Para tanto ancorou-se nas “cópias de discos e talões de tacógrafo” que juntou, e na não alegação pela ré da inexatidão desses documentos, pelo que concluiu que se trata de documentos que fazem prova plena.
O tribunal a quo justificou a resposta de “não provado” a tais factos nos seguintes termos:
“A factualidade elencada nos pontos d. a kkkk, assim resultou, porque não foi feita prova segura do concreto trabalho suplementar e noturno alegado e não pago pela Ré, nos termos alegados pelo Autor. Cumpre aqui referir que os documentos em que o Autor ancora a sua pretensão, designadamente cópia de discos de tacógrafo, não são documentos autênticos, não assumindo, pois, força probatória plena em relação aos factos concretos a que se reportam, tratando-se, sim, de documentos particulares, que apenas fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (cfr. artigo 376.º, n.º s 1 e 2, do Código Civil). E no caso, não só não estão em causa documentos diretamente emanados da Ré, como esta impugnou os factos a que os mesmos se referem na contestação oferecida. Ainda que os documentos possam constituir elementos probatórios relevantes da prestação de trabalho suplementar e noturno, o certo é que apenas com base neles não pode afirmar-se uma resposta diferente daquela que se deu, quando qualquer outra prova (designadamente testemunhal) foi produzida a respeito. A prova documental junta aos autos apresenta-se, pois, insuficiente para dar como provada a pretendida factualidade. Por outro lado, tal factualidade também não pode ser considerada provada assente numa eventual inversão do ónus da prova. Constitui, pois, princípio geral que àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil). Mas, de acordo com o disposto no artigo 344.º, n.º 2 do mesmo compêndio legal, há inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado. Daqui resulta a necessidade de dois requisitos para que se verifique a inversão do ónus da prova: a) Que a conduta da parte tenha sido culposa; b) Que tenha tornado impossível a prova ao onerado. Desta forma, procura-se evitar que a parte a quem cabe o ónus da prova fique impossibilitada de a produzir por culpa da outra parte, o que não seria justo. Mas, como tem sido entendido pela jurisprudência e pela doutrina8, só a impossibilidade de prova dos factos pela parte com ela onerada, determina a sua inversão, nos termos do artigo 344.º, n.º 2, do Código Civil. Ora, no caso em apreço, o Autor alegou a prestação de trabalho suplementar e noturno em determinado período: como facto constitutivo do pagamento desse trabalho suplementar e noturno competia-lhe provar a prestação do mesmo. A lei não determina que tal facto apenas possa ser provado por escrito, não afastando, por isso, a prova testemunhal (cfr. artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil e artigos 392.º e 393.º do Código Civil), tanto assim que o Autor também indicou prova testemunhal. E da circunstância de a Ré não ter procedido à junção de documentos que o atestassem, nos termos requeridos pelo Autor, sem prejuízo da alegação que fez de não os possuir atendendo à não obrigatoriedade legal de os conservar no tempo, não decorre, por si só, que o Autor estivesse impossibilitado de fazer prova por outros meios do trabalho suplementar e noturno prestado: poderia, tão só e eventualmente, dificultar a prova, mas não determinar a inversão do ónus da prova. E não tendo sido feita essa prova, inexiste fundamento para dar como provada a factualidade articulada a respeito”.

Adiante-se, desde já, que se concorda com a não prova dos factos em causa e respetiva fundamentação.
Com efeito, como se escreveu no acórdão deste tribunal de 25-05-2017 (proc. n.º 1216/15.0T8TMR.E2, disponível em www.dgsi.pt), também relatado pelo ora relator e em que o 2.º adjunto foi o mesmo dos presentes autos, (…) os documentos em que o autor ancora a sua pretensão não são documentos autênticos, não assumindo, pois, força probatória plena em relação aos factos concretos a que se reportam, tratando-se, sim, de documentos particulares, que apenas fazem prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor (cfr. artigo 376.º, n.º s 1 e 2, do Código Civil).
E no caso, não só não estão em causa documentos directamente emanados da empregadora, como esta impugnou os factos a que os mesmos se referem (…); dir-se-á até que os documentos em causa poderiam até justificar que sobre os mesmos incidisse prova pericial.
Por isso, ainda que os documentos possam constituir elementos probatórios relevantes da prestação de trabalho suplementar, o certo é que apenas com base neles não pode afirmar-se que se “imponha” a este tribunal alterar a resposta à matéria de facto impugnada, no sentido de dar como provada a prestação de trabalho suplementar alegada pelo Autor no artigo 17.º da p.i.
Daí que fosse legítimo que o tribunal a quo baseasse a resposta à matéria de facto não só nos documentos juntos, como também noutra prova produzida, designadamente prova testemunhal, prova esta em relação à qual vigora o princípio da livre apreciação da prova (artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil)”.
Estes princípios valem quer estejam em causa (alegados) créditos por trabalho suplementar vencidos há mais de 5 anos ou inferiores a esta data.
Especificamente quanto ao “documento idóneo” para efeitos do artigo 337.º, n.º 2, do Código do Processo do Trabalho, escreveu-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10-02-2014 (proc. n.º 397/11.7TTMTS.P1, disponível em www.dgsi.pt), também relatado pelo ora relator e posteriormente confirmado por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-12-2014 (proc. n.º 397/11.7TTMTS.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt):
“Como a jurisprudência tem repetidamente afirmado (vide, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-12-2007, Proc. n.º 3788/07 e de 16-11-2011, Proc. 2026/07.4TTPRT.P1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt), “documento idóneo” para prova de trabalho suplementar, realizado há mais de cinco anos, é um “documento escrito, emanado da própria entidade empregadora e que, por si só, tenha força probatória bastante para demonstrar a existência dos factos constitutivos do crédito, sem recurso a outros meios de prova, designadamente prova testemunhal”.
Ora, no caso, os alegados “documentos idóneos” invocados pelo recorrente reportam-se a mapas de viagem elaborados pelo trabalhador e a tacógrafos.
Não emanando os mesmos da entidade empregadora afigura-se cristalino que não poderão assumir a característica indicada, tanto assim que o recorrente parece ter sentido a necessidade de reforçar/corroborar a prova por tais documentos com prova testemunhal, para afirmar a “credibilidade” e “fidelidade” dos documentos.
Não pode, por isso, dar-se como provado o trabalho suplementar prestado há mais de cinco anos em relação à propositura da acção”.
Segundo se entende, o que se deixa transcrito encontra-se em consonância com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-11-2021 (proc. n.º 439/14.4T8FIG.1.C2.S1, disponível em www.dgsi.pt), convocado pela exma. procuradora-geral adjunta no seu douto parecer, pese embora este acórdão verse apenas sobre a questão de saber se o tacógrafo poder ser ou não considerado “documento idóneo” para efeitos do artigo 337.º, n.º 2, do Código do Trabalho.
Aí se escreveu:
“O tacógrafo é um equipamento instalado a bordo dos veículos rodoviários para indicação, registo e armazenamento dos dados sobre a marcha desses veículos e sobre certos períodos de trabalho dos condutores, cuja instalação e utilização era, à data do período temporal em apreço, obrigatória, em regra, para os veículos pesados de mercadorias e passageiros e decorria dos Regulamentos (CEE) n.ºs 3820/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro e 1360/2002, da Comissão, de 13 de Junho.
No tacógrafo é colocada uma folha de registo, vulgo “disco” que recebe e fixa os registos da distância percorrida, a velocidade de referência, os tempos de trabalho e a velocidade instantânea. A tais registos efetuados pelo aparelho, acrescem espaços destinados ao preenchimento manual pelo motorista, com os seguintes campos: (i) identificação do condutor; (ii) local de saída e local chegada; (iii) data de utilização (viagem); (iv) identificação da viatura; (v) quilómetros à saída e quilómetros à chegada.
Assim sendo, no disco do tacógrafo são registados alguns elementos pelo próprio tacógrafo e outros pelo motorista.
Deste modo, admitindo-se que o disco de tacógrafo poderá ser um documento idóneo para comprovar os registos automatizados gerados pelo próprio tacógrafo (distância, velocidade e tempos de trabalho, que são elementos que as autoridades de trânsito controlam), sem necessidade de recurso a outros meios de prova, já quanto aos elementos preenchidos manualmente pelo motorista, nada de substancial o distingue de qualquer outro documento particular elaborado e preenchido pelo trabalhador.
(…)
Ao trabalhador que pretenda fazer valer o direito à remuneração do trabalho suplementar prestado, incumbe a alegação e prova dos factos constitutivos do direito, ou seja, a prova da prestação efetiva desse trabalho e de que foi efetivado com o conhecimento e sem oposição da entidade empregadora, pelo que o Recorrente pretendendo a remuneração de trabalho suplementar prestado no estrangeiro, cabia-lhe alegar e provar em que condições de tempo, modo e lugar foi prestado esse trabalho e o conhecimento e não oposição da Ré.
Ora, os elementos registados pelo próprio tacógrafo nas folhas de registos (discos) não se referem, desde logo, a um trabalhador específico, nem ao dia e local de circulação, nem mesmo atestam qual o veículo em concreto em causa. Tais elementos, que se reportam a factos constitutivos do direito invocado pelo recorrente, apenas se conseguiriam obter através da análise da parte manuscrita pelo trabalhador, que não tem por isso força probatória bastante, carecendo de conjugação com outros meios de prova”.

O mesmo se verifica, mutatis mutandis, no caso em apreço: na petição inicial (artigos 38.º a 186.º), o autor/recorrente alegou a prestação de trabalho suplementar e noturno, arrimando-se, como meio de prova, nas cópias dos tacógrafos que juntou.
Em contestação (artigo 41.º e segts), a ré afirmou, em suma, que competia ao autor a prova dos factos em causa e que os documentos que juntou não são idóneos para os factos como provados.
E da prova testemunhal nada se retira em concreto quanto a tal factualidade.
O que se deixa referido vale, como se disse, não só quanto aos (alegados) créditos vencidos por trabalho suplementar há mais de 5 anos, como inferiores a esse período: o que releva é que os documentos em causa não podem ser qualificados como documentos autênticos, com força probatória plena.
Por isso, não merece qualquer censura a decisão do tribunal a quo, que considerou os factos como não provados.

1.1.b) Mas o autor/recorrente pretende também que se considere que são devidas 120 horas de formação, e não apenas as 70.30h consideradas na sentença recorrida.
Para tanto sustenta que não existe nos autos prova de ter sido ministrada qualquer formação durante a execução do contrato, pelo que são devidos os últimos 3 anos de formação reportados à data da cessação do contrato.
Quanto a esta matéria haverá que ter presente que no facto n.º 7 foi dado como provado que em 2019 o autor recebeu 12 horas de formação e 0 horas nos anos de 2020 e 2021.
E o tribunal a quo motivou a resposta no “certificado de formação ministrada junto pela Ré”.
Tendo o autor alegado na petição inicial a falta de formação, e tendo a ré provado que ministrou a formação descrita, não se alcança o que pretende o recorrente com a alegação de que deverão ser consideradas 120 horas de formação, tanto mais que o conjunto de horas que não foi dada formação não consta especificamente da matéria de facto, mas apenas da fundamentação jurídica: mas se com essa alegação pretende impugnar a matéria de facto, maxime o referido n.º 7, quanto ao dar-se como provado que no ano de 2019 foram-lhe ministradas 12 horas de formação (em relação aos anos de 2020 e 2021 não lhe tendo sido ministrada qualquer hora de formação não parece que queira impugnar essa factualidade…), deveria tê-lo feito nos termos previstos no artigo 640.º do Código de Processo Civil, mais concretamente indicando o facto impugnado, os meios de prova que, no seu entender, impõem decisão diversa e a decisão que deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada (artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Não o tendo feito, tal constitui motivo de rejeição do recurso nesta parte.
Porém, indo ao encontro da verdade material, sempre se acrescenta que, face ao certificado junto pela empregadora e aos próprios depoimentos das testemunhas CC (Diretora de Recursos Humanos desta) e GG (trabalhadora administrativa da ré)– ambas no sentido de o autor ter recebido formação – não se vislumbra qualquer fundamento para a alteração do facto.
Mas se o recorrente pretende com tal alegação, suscitar apenas a questão jurídica sobre o cômputo das horas a considerar como de crédito por falta de formação, infra se analisará esta matéria.

1.1.c) Finalmente o autor pretende que se dê como provado o facto que consta da alínea mmmm) dos factos não provados, ou seja, “A Ré entregou ao Autor um veículo que não possuía banco do condutor, obrigando-o a conduzir e a passar horas sentado em ferro, veículo esse que não possuía as mínimas condições de circulação, designadamente por estar a perder óleo, entre outras”.
A sentença recorrida, motivou a resposta, de “não provado”, nos seguintes termos:
(…) a factualidade elencada no ponto mmmm., assim resultou, porque não foi feita qualquer prova a respeito. De facto, dos depoimentos prestados pelas testemunhas inquiridas a mesma não ficou demonstrada. BB, motorista de pesados e colega de trabalho do Autor quando ambos trabalhavam para a Ré, tendo deixado de trabalhar para a Ré no início do ano de 2018, não depôs sobre o referido facto. FF e HH, motoristas de pesados e colegas de trabalho do Autor quando ambos trabalhavam para a Ré, tendo aquele primeiro deixado de trabalhar para a Ré no início do ano de 2019 e o segundo em junho de 2021, não revelaram conhecimento direto de tal facto, apenas referindo que o Autor se queixou das condições do veículo que a Ré lhe atribuiu depois de ter estado de baixa médica, isto é, que o banco não tinha suspensão. Por outro lado, CC, empregada da Ré na área financeira e de recursos humanos, a respeito, apenas referiu que o Autor sofreu um acidente de trabalho, esteve um longo período de baixa médica e, quando regressou, durante cerca de um mês, utilizou um veículo para “desenrascar”, uma vez tratar-se de uma situação provisória, sabendo que o Autor se queixava do veículo. Contudo, não revelou saber as condições do estado do veículo. DD, gestor de tráfego desde 2018 por conta da Ré e antes motorista de pesados, também por conta da Ré, a respeito, corroborando o depoimento da testemunha CC, disse que, após regressar de um longo período de baixa, durante cerca de um mês, enquanto estava a ser preparado um outro veículo, o Autor conduziu um veículo que ainda hoje circula e que tem a inspeção em dia. No mesmo sentido, depôs EE, administrativa da Ré desde 2009, a qual declarou que o veículo em causa tinha a inspeção em dia. Ora, da prova testemunhal produzida não resultou que a Ré entregou ao Autor um veículo que não possuía banco do condutor, obrigando-o a conduzir e a passar horas sentado em ferro, bem assim que o veículo em causa não possuísse as mínimas condições de circulação, designadamente por estar a perder óleo”.
Adiante-se que se entende não existir fundamento para a alteração da resposta ao facto em causa.
Com efeito, é certo que as testemunhas (motoristas) que foram colegas de trabalho do autor (BB, FF e HH) afirmaram, embora de forma algo genérica, que o veículo não tinha condições para “andar na estrada”: a testemunha BB chegou a afirmar que o banco do condutor era um “cepo”, que ter lá um banco do condutor ou ter lá tijolos era a mesma coisa.
Todavia, a testemunha DD, num testemunho que se afigurou imparcial, embora reconhecendo, ainda que implicitamente, que o veículo, face a outros mais recentes, não oferece as melhores condições de conforto ao condutor, contrariou claramente aqueles depoimentos, ao afirmar, designadamente, que o veículo ainda hoje trabalha, que faz a inspeção periódica todos os anos e que o banco do motorista é pneumático (o que significará que não será um “cepo”, ou o equivalente à dureza de assento em tijolo) .
E a testemunha GG afirmou que era responsável por alertar os responsáveis da ré quanto ao período para realização da inspeção periódica de cada veículo e, caso fosse necessário, esse veículo ia previamente a uma oficina fazer a reparação de quaisquer deficiências.
Ora, não se afigura conforme às regras da normalidade e experiência comum, não só que um veículo – que de acordo com o alegado pelo autor não possuía banco do condutor, obrigando este a conduzir e a passar horas sentado em ferro e a perder óleo –, fosse inspecionado e fosse aprovado para circular nessas condições descritas pelo autor, como também que circulasse (como alegado pelo autor) na via pública em trabalho sujeito a fiscalizações rodoviárias, mais frequentes em veículos de transportes de mercadorias.
Por fim, mas não menos relevante, não poderá deixar de ter-se presente que de acordo com o disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil, a dúvida sobre a realidade de um facto decide-se contra a parte a quem o facto aproveita (neste caso o autor).
Tudo para reafirmar que inexiste fundamento para alterar a resposta ao facto, “não provado”, mmmm).

1.1.d) Assim, em conclusão, improcedem as conclusões das alegações de recurso do autor quanto à pretendida alteração da matéria de facto.

1.2. Recurso da ré
1.2.a) O facto n.º 4 tem a seguinte redação: “Como contrapartida do trabalho prestado, a Ré comprometeu-se a pagar ao Autor uma retribuição mensal de €500, que foi sendo atualizada: em 2017 passou a ser €570; em 2018 passou a ser €580; em 2019 passou a ser €630; em 2020 passou a ser €700 e em 2021 passou a ser de € 733,07”.
Nas extensas conclusões que apresentou – que estão longe, muito longe de serem sintéticas, tal como prescreve o n.º 1 do artigo 639.º, do Código de Processo Civil, mas que por razão de economia processual e uma vez que das mesmas é possível apreender quais as concretas questões suscitadas, se optou por não convidar a recorrente a sintetizá-las (n.º 3 do mesmo artigo) –, a ré sustentou que ao facto em causa se acrescente, ou que seja aditado um novo facto, com o seguinte teor: “Um valor mensal a título de ajudas de custo, um valor semanal a título de alimentação, sábados domingos e feriados trabalhados e ainda um valor a título de trabalho extraordinário.”
Não se anui a tal entendimento: e isto porque, pese embora as testemunhas CC e DD tenham afirmado que tal era acordado com todos os motoristas, não se afigura que, perante tal referência genérica, possa vir a ser dado como provado em relação ao autor, designadamente que a ré se “comprometeu” a pagar-lhe prestações pelos títulos indicados.
Os intervenientes no contrato não prestaram declarações no processo e as testemunhas aludiram ao procedimento habitual em relação aos motoristas: mas tal não permite que, com algum grau de segurança, se dê como provado o pretendido pela ré.
Isto não significa, naturalmente, que ao longo do contrato a ré não pudesse ter pago algumas prestações ao autor por aqueles, ou por alguns daqueles títulos: o que não se alcança é qualquer “comprometimento” no sentido desse pagamento.
Mantém-se, pois o facto dado como provado nos termos em que o foi na 1.ª instância.

1.2.b) No ponto 6 da matéria de facto constam os valores pagos pela ré ao autor nos anos de 2017 a 2021.
De acordo com a motivação da matéria de facto da 1.ª instância, estes quadros foram dados como provados com base nos recibos juntos pela ré, que não foram impugnados.
Se bem se extrai das conclusões da ré, pretende que a tal facto n.º 6 se acrescentem as quantias pagas ao autor nos anos de 2011 a 2016, que constam dos recibos de vencimento e dos mapas de alimentação daquele.
Compulsada a contestação (aperfeiçoada) apresentada pela ré em 02-05-2022, verifica-se que na mesma só vêm alegados (artigos 74.º a 77.º), por referência a quadros que são apresentados, os valores pagos ao autor nos anos de 2017 a 2021: na referida peça processual não são apresentados quaisquer valores quanto aos anos de 2011 a 2016.
A pugnar pela alteração do facto, pretenderá a ré que este tribunal faça o “levantamento” de todos os recibos de vencimento e mapas de alimentação que constam dos autos referentes aos anos de 2011 a 2016 e os inscreva na factualidade provada?
Ora, se assim é, haverá que ter presente que às partes cabe alegar os factos essenciais, tendo em conta o objeto da ação, que constam da causa de pedir e aqueles em que baseiam as exceções (artigo 5.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); e na contestação deve o réu, além do mais, expor os fundamentos de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor e expor os factos essenciais em que baseia as exceções deduzidas, especificando-os separadamente, sob pena de os factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação (artigo 572.º, alíneas b) e c) do mesmo compêndio legal).
Assim, se a ré na contestação não alegou os factos em causa, o mesmo é dizer os valores que constam dos recibos de vencimento e dos mapas de alimentação no período de 2011 a 2016 – ainda que tenha junto diversa documentação referente a recibos de vencimento e mapas de alimentação – não pode pretender, em via recursória, que este tribunal proceda à contabilização de todos esses valores que constam da diversa documentação e os insira na matéria de facto provada: seria, em violação do princípio do dispositivo e da igualdade das partes, o tribunal substituir-se à ré.
Não se procede, pois, à alteração do facto em causa.

1.2.c) Pretende também a ré que os factos constantes das alíneas a.), b.) e c.), da matéria de facto não provada, passem a ser considerados provados.
E isto porque, conclui, dos depoimentos prestados e da prova documental resulta que as quantias pagas ao autor são em montante superior ao que seria devido nos termos do CCTV.
Recorde-se que os factos em causa são do seguinte teor:
“a. Quando o Autor iniciou a sua relação laboral com a Ré, foi acordado o pagamento de vencimento base, ajudas de custo e alimentação e ainda um valor pelos sábados domingos ou feriados trabalhados, e trabalho suplementar, em substituição das cláusulas do CCTV.
b. Na base desse acordo, o Autor recebia um montante, discriminado nos recibos de vencimento e mapas de viagem, na modalidade referida, abrangendo todos os direitos aqui peticionados, independentemente do trabalho realizado, designadamente os que resultam das cláusulas 39.º, 40.º, 41.º e 47.º quando o Autor se encontrava no serviço nacional e cláusulas 20.º, n.º 3, 41.º, 47.º-A, 74.º, n.º 7 de ajuda de custo TIR, quando se encontrava no serviço ibérico, tudo com referência ao CCTV aplicável.
c. A Ré pagou ao Autor as ajudas de custo TIR até dezembro de 2017”.
A 1.ª instância fundamentou a resposta a estes factos nos seguintes termos:
“A factualidade elencada no ponto a., assim resultou, porque não foi feita qualquer prova de um qualquer concreto acordo entre o Autor e a Ré quanto à forma de pagamento dos direitos em causa em substituição do previsto no CCT aplicável. Com efeito, não obstante a testemunha CC ter referido que foi acordado com o Autor, para além da retribuição base, o pagamento do subsídio de alimentação à semana, bem como, a título de ajudas de custo, o serviço prestado para fora de Portugal, o Tribunal não se convenceu que tais ajudas de custo incluíssem o complemento salarial devido a título de ajudas de custo TIR por força do trabalho ibérico prestado, uma vez que, desde logo, os valores pagos, de acordo com a factualidade provada, ficam muito aquém do valor legalmente devido, com ressalva do ano de 2018, em que expressamente a Ré, nos recibos, fez alusão ao referido complemento, contudo, nem sempre correspondente ao efetivamente devido. Disse também esta testemunha que, nos anos de 2013 e 2014, durante cerca de um ano, as ajudas de custo não eram espelhadas nos recibos para evitar a penhora do salário do Autor. Contudo, tal não se mostra bastante para concluir que o referido complemento era efetivamente pago ao Autor, o que poderia ter sido evidenciado por transferências bancárias ou declarações subscritas pelo Autor nesse sentido. De todo o modo, desconhecendo-se os valores alegadamente pagos a respeito, nunca poderia a Ré pretender fazer prova de que os mesmos foram pagos, pelo menos, de acordo com o contrato coletivo de trabalho em vigor e aplicável à relação contratual havida com o Autor. Por fim, a alegada circunstância de o Autor nunca ter reclamado as quantias que agora reclama, conforme afirmado por esta testemunha, também não coarta o direito do Autor a recebê-las, uma vez estarmos diante direitos irrenunciáveis ou indisponíveis durante a vigência da relação laboral, tal como resultado do artigo 337.º, n.º 3 do Código do Trabalho.
A factualidade elencada no ponto b., assim resultou, porque não foi feita qualquer prova para além do que resultou evidenciado a respeito e que se mostra elencado no facto 6. nos termos já deixados expressos.
A factualidade elencada no ponto c., assim resultou, porque não foi feita qualquer prova a respeito”.
Para além do que já foi referido sobre os anteriores factos impugnados pela ré, importa acrescentar que à mesma competia provar que o pagamento efetuado ao autor foi mais favorável do que o que resulta do CCTV: no entanto, face à factualidade provada não é possível chegar a essa conclusão.
Desde logo, como se viu, em relação aos anos de 2011 a 2016 não tendo sido alegado nos articulados o que efetivamente foi pago, não é possível fazer uma comparação rigorosa entre o que efetivamente foi pago e o que seria devido face ao CCTV.
Além disso, a ré alegou que foi acordado o pagamento de vencimento base, ajudas de custo e alimentação e ainda um valor pelos sábados domingos ou feriados trabalhados, e trabalho suplementar, em substituição das cláusulas do CCTV.
Ora, se é certo que em relação aos factos provados sob o n.º 6, referentes aos anos de 2017 a 2022, nos respetivos quadros consta, de forma discriminada, o que foi pago a cada título, o mesmo não resulta em relação aos anos anteriores; por exemplo, em que rubrica era paga, segundo sustenta a ré, o prémio TIR? nas ajudas de custo? noutra rubrica?
Fica-se sem saber, sendo que da prova produzida nada se extrai de seguro sobre essa matéria.
Por isso, mais uma vez, tendo em conta a dúvida sobre a realidade dos factos (artigos 414.º do Código de Processo Civil) terá que ser resolvida contra a parte a quem os factos aproveitam, no caso a ré.
Mantêm-se, pois, como não provados os factos analisados.

1.2.d) Assim, em conclusão, improcedem as conclusões das alegações de recurso da ré quanto à pretendida alteração da matéria de facto.

2. Do valor devido a título de diuturnidades (recurso da ré)
O Tribunal a quo condenou a ré, a este título e referente ao período de 22-07-2012 a outubro de 2019, no pagamento ao autor da quantia total de € 2.588,36, assim discriminada:
- Ano de 2012: € 90,44 [12,92 x 1 diuturnidade x 7meses];
- Ano de 2013: € 180,88 [12,92 x 1 diuturnidade x 14meses];
- Ano de 2014: € 180,88 [12,92 x1 diuturnidade x14meses];
- Ano de 2015: € 90,44 [12,92 x 1 diuturnidade x 7meses];
- Ano de 2015: € 180,88 [12,92 x 2 diuturnidades x 7meses];
- Ano de 2016: € 361,76 [12,92 x 2 diuturnidades x 14meses];
- Ano de 2017: € 361,76 [12,92 x 2 diuturnidades x 14meses];
- Ano de 2018: € 180,88 [12,92 x 2 diuturnidades x 7meses];
- Ano de 2018: € 467,60 [12,92 x 3 diuturnidades x 2 meses + € 16,00 x 5 meses];
- Ano de 2019: € 492,84 [12,92 x 3 diuturnidade + € 16,00 x 9meses].
A ré discorda do valor apurado, desde logo porque, como resulta do n.º 6 dos factos provados, em junho de 2019 iniciou o pagamento mensal das diuturnidades (com exceção de agosto desse ano, que não pagou e não é devido, por o autor ter estado de baixa médica), pelo que o valor a apurar deve ser até esse mês de junho, e não outubro.
Além disso, em relação ao ano de 2018, apenas a partir de outubro de 2018 é devido o valor previsto no CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS in BTE n.º 34 de 15/09/2018 e Portaria de Extensão in Separata do BTE n.º 40 de 17/09/2018.
Entende-se ser manifesto assistir razão à ré, pois o CCTV em causa – que fixou o valor da diuturnidade em 16,00 – apenas entrou em vigor em outubro de 2018 (cláusula 2.ª, 47.ª e anexo III).
Assim, tal como referido pela ré, em relação ao ano de 2018 é devido ao autor, a título de diuturnidades, o valor de € 489,16 (e não € 648,48 determinados na sentença recorrida), assim apurado:
(i) (janeiro a junho + subsídio de férias) 7 meses x 2 diuturnidades (€ 12,92 cada) = € 180,88;
(ii) (julho a setembro) 3 meses x 3 diuturnidades (€ 12,92 cada) = € 116,28;
(iii) (outubro a dezembro + subsídio de natal) 4 meses x 3 diuturnidades (€ 16,00 cada) = € 192,00.
E em relação ao ano de 2019 verifica-se também lapso, uma vez que, como consta dos factos provados (n.º 6), a partir de junho a ré passou a pagar as diuturnidades (não tendo pago o mês de agosto por o autor ter estado de baixa médica).
Assim, em relação a esse ano são devidos 5 meses de diuturnidades + subsídio de férias e de natal, sendo 3 as diuturnidades em cada mês e no valor unitário de € 16,00, o que corresponde ao valor total de € 336,00 (7 x € 16,00 x 3 diuturnidades).
Nesta sequência, o valor total devido pela ré ao autor, a título de diuturnidades, é de € 2.272,20 (e não € 2.588,36 fixados na sentença recorrida).
Procedem, por isso, nesta parte as conclusões de recurso da ré.

3. Quanto a saber se deve condenar-se a ré no pagamento ao autor da quantia de € 2.937,98, a título de trabalho suplementar, trabalho noturno e trabalho prestado em dia de descanso semanal (recurso do autor)
A pretensão do autor nesta matéria era tributária da alteração da matéria de facto.
Não se tendo procedido a essa alteração, e não tendo o autor provado a prestação de tal trabalho, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil), terá forçosamente que soçobrar a pretensão em causa.
Improcedem, por consequência, nesta parte as conclusões das alegações de recurso do autor.

4. Quanto ao pagamento por créditos de formação não ministrada (recurso do autor)
Sobre esta problemática a sentença recorrida discorreu assim:
“Dispõe o artigo 131.º, n.º 2 do Código do Trabalho, na redação conferida pela 93/2019, de 4-09, sob a epígrafe “Formação contínua” que O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de quarenta horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, a um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano. Dispondo a redação anterior, conferida pela Lei n.º 7/2009, de 12.02, que O trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de quarenta horas de formação contínua ou, sendo contratado a termo por período igual ou superior a três meses, a um número mínimo de horas proporcional à duração do contrato nesse ano.
E prevê o artigo 132.º, n.º 1 do Código do Trabalho que as horas de formação previstas no n.º 2 do artigo anterior, que não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento, transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador, com a advertência de que o crédito de horas para formação que não seja utilizado cessa passados três anos sobre a sua constituição, conforme artigo 132.º, n.º 6 do mesmo Código.
Finalmente, como efeito da cessação do contrato de trabalho no direito a formação, estabelece o artigo 134.º do Código do Trabalho que cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação.
Do teor dos citados preceitos legais resulta que cessando o contrato de trabalho, o trabalhador tem direito a receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação que não lhe tenha sido proporcionado, ou direito ao crédito de horas para formação de que seja titular à data da cessação. Assim, o trabalhador tem direito, em cada ano, a um número mínimo de 35 horas de formação (após as alterações de setembro de 2019, 40 horas), horas estas que se vencem anualmente e caso não sejam asseguradas pelo empregador até ao termo dos dois anos posteriores ao seu vencimento transformam-se em crédito de horas em igual número para formação por iniciativa do trabalhador, que caducam decorridos três anos. Cessando o contrato de trabalho, o trabalhador poderá ter horas de formação vencidas, mas que ainda não se converteram em crédito de horas para formação, podendo ter também crédito de horas para formação, por formação não ministrada há mais tempo. Nesse caso deverá receber a retribuição correspondente ao número mínimo anual de horas de formação não proporcionadas pelo empregador e que já se tenham vencido, bem como deverá receber a retribuição correspondente ao crédito de horas para formação de que beneficie e não tenha ainda caducado.
(…)
Volvendo ao caso dos autos e considerando os factos provados podemos afirmar que o Autor tem direito a receber a retribuição correspondente às horas de formação vencidas e que à data da cessação do seu contrato (08/06/2021) ainda não lhe tinham sido proporcionadas pela entidade empregadora e ao crédito de horas para formação de que beneficia por não lhe ter sido ministrada formação, isto é, no ano de 2019 – 23 horas; no ano de 2020 – 40 horas e no ano da cessação do contrato de trabalho, 2021 – 16 horas e 30 minutos (proporcional a 5 meses, considerando que o contrato de trabalho cessou no dia 08/06)”.
O autor/recorrente rebela-se contra tal entendimento, argumentando, ao fim e ao resto, que tem direito a que lhe sejam pagas 120 horas de formação.
Ora, a matéria de facto assente colide frontalmente com tal pretensão, uma vez que em 2019 teve 12 horas de formação (e note-se que nessa altura o número mínimo era de 35) e no ano de cessação do contrato foi calculado o proporcional de horas correspondente ao período em que trabalhou.
Daí que, sem necessidade de mais considerandos, seja de afirmar que a sentença recorrida, nesta parte, não merece censura.
Improcedem, pois, também nesta matéria, as conclusões das alegações de recurso do autor.

5. Quanto a saber se o valor pago pela ré ao autor é mais favorável que o resultante de CCTV (recurso da ré)
Como já se deixou afirmado, nada impede que o sistema retributivo do CCTV seja alterado por acordo entre as partes contratantes, ou mesmo unilateralmente, através de um compromisso vinculativo para a entidade empregadora, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador; e, atento o disposto no artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, o ónus da prova desse regime mais favorável compete ao empregador).
No caso em apreço, a ré sustentou que pagou ao autor as(…) cláusulas 39.º, 40.º, 41.º e 47.º quando o Autor se encontrava no serviço nacional e cláusulas 20.º, n.º 3, 41.º, 47.º-A, 74.º, n.º 7 de ajuda de custo TIR, quando se encontrava no serviço ibérico, tudo com referência ao CCTV aplicável.
Ora, como também já se deixou afirmado, a propósito da impugnação da matéria de facto, na contestação a ré nem sequer alegou quais os concretos valores que, para além da retribuição base, pagou ao autor no período de 2011 a 2016, tendo-se limitado a juntar diversa documentação com referência a pagamentos efetuados ao autor.
Por isso, nem sequer é possível, com um mínimo de segurança e certeza jurídica, fazer comparação entre o que foi pago pela ré ao autor no período em referência e o que lhe era devido nos termos do CCTV.
Acresce, ainda, que não resulta da matéria de facto que nesses pagamentos efetuados estivessem incluídas cláusulas dos CCTV cujo pagamento é peticionado na ação pelo autor, designadamente o “prémio TIR” ou ajuda de custo TIR: por isso, mesmo que a ré tenha adotado unilateralmente um pagamento ao autor diverso do previsto no CCTV, não se mostra mais favorável ao mesmo, pelo que é nulo, não havendo aqui, tendo em conta o objeto da ação, que ordenar qualquer restituição do recebido pelo autor, pois não se demonstra que o por este peticionado, maxime quanto ao prémio TIR ou ajuda de custo TIR, tenha sido pago, ainda que parcialmente e sob outra rubrica ou denominação.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso da ré.

6. Das ajudas de custo TIR (recurso da ré)
Face à resposta dada anteriormente, já resulta que o autor tem jus a receber da ré o prémio TIR ou ajuda de custo TIR, prevista nos CCTV (anexo II do CCTV de 1980, alterado pelo BTE n.º 30, de 15-08-97, cláusula 60.ª do CCTV de 2018 e cláusula 64.ª do CCTV de 2019).
A 1.ª instância fez suficiente e adequada fundamentação sobre a matéria.
Contudo, como sublinha a recorrente, incorreu em lapsos no cálculo do concreto apuramento do valor devido a esse título.
Assim, verifica-se desde logo que em relação ao ano de 2012 se encontra em duplicado, pelo que há que retirar € 1.374,75 ao valor apurado na 1.ª instância.
Além disso, tendo o CCTV de 2018, que fixou diferente valor de ajuda de custo TIR para motorista ibérico (€ 110,00), entrado em vigor em outubro de 2018, esse valor apenas será devido a partir dessa data.
Assim, em relação ao valor de 2018, é devido o valor de € 118,50, assim calculado; [€ 105,75 x 10 meses (aqui incluído o subsídio de férias) + € 110,00 x 3 meses - € 1.269,00].
Nesta sequência, no valor apurado na 1.ª instância são devidos menos € 1.379,00 (€ 1.374,75 + € 4,25), o significa que é devido pela ré ao autor, a título de prémio TIR a quantia de € 9.741,75 (€ 11.120,75 - € 1.379,00)
Procedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso da ré.

7. Da resolução do contrato de trabalho pelo autor (recurso do autor e da ré)
Recorde-se que a relação laboral cessou no dia 08-06-2021, mediante resolução do contrato de trabalho, pelo autor, com invocação de justa causa por facto imputável à ré (facto n.º 12).
Na carta registada que remeteu à ré, o autor fez constar, em síntese, os seguintes fundamentos para a resolução do contrato (facto n.º 13):
(i) não pagamento de diuturnidades na totalidade, ou pelo valor devido até setembro de 2019, sendo que apenas a partir do mês de outubro desse ano passaram a ser pagas nos termos e pelo valor devido [I) da carta de resolução];
(ii) não pagamento do subsídio TIR Ibérico nos termos e pelo valor devido entre julho de 2009 e maio de 2018 [II) da carta de resolução];
(iii) não pagamento do trabalho noturno e do trabalho suplementar [n.º III) da carta de resolução];
(iv) ter sido “forçado” a assinar uma “Norma Técnica” da Jerónimo Martins, indicativa de que tinha tido formação e conhecimento da carta de riscos das instalações, o que não corresponde à verdade, ter conduzido um veículo que não possuía condições de circulação, uma vez que “não possuía banco de condutor, obrigando-me a conduzir e a passar horas sentado em ferro”, e ainda a empregadora ter-lhe negado o aceso a baixa de assistência á família e a renunciar ao seguro de acidentes de trabalho.

A 1.ª instância concluiu verificar-se haver justa causa de resolução do contrato de trabalho, desenvolvendo, para tanto e no essencial, a seguinte fundamentação:
“considerando as diuturnidades não pagas durante cerca seis anos; considerando as ajudas de custo TIR não pagas durante cerca sete anos; considerando a formação não ministrada durante cerca de três anos; considerando as férias de 2020 não pagas; considerando os proporcionais das férias, subsídios de férias e de Natal de 2021 não pagos; considerando que a comunicação de cessação rececionada pela Ré no dia 08 de junho de 2021 apresenta e concretiza factual e circunstancialmente as causas da cessação e que essas causas merecem parcialmente provimento nesta decisão; considerando ainda o valor global dos créditos em dívida, o contexto laboral e o vencimento mensal da Autor, temos que se verifica, à suficiência, justa causa de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do Autor e com efeitos a 8 de junho de 2021, nos termos do artigo 394.º, n.º 1 e 2, als. a) e b) do Código de Trabalho, e cujo grau de ilicitude no contexto casuístico da relação laboral vigente entre as partes determina, necessariamente, a insubsistência e impossibilidade de manutenção do vínculo laboral, procedendo, assim, o pedido de reconhecimento de justa causa”.
A ré/recorrente discorda de tal entendimento, sustentando que não só o tribunal a quo se baseou em factos não alegados para fundamentar a justa causa de resolução, como em relação a outros em que se baseou verifica-se a caducidade do direito a essa resolução.
Analisemos.

Decorre do disposto no artigo 394.º do Código do Trabalho que ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato (n.º 1).
No mesmo preceito procede-se à distinção entre a justa causa subjetiva, ou culposa (n.º 2) e a justa causa objetiva, ou não culposa (n.º 3), sendo que só quando a resolução se fundamenta em conduta culposa do empregador tem o trabalhador direito a uma indemnização.
A justa causa é apreciada nos termos previstos no n.º 3 do artigo 351.º, do Código do Trabalho, com as necessárias adaptações, ou seja, tendo em conta o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do trabalhador, o carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
Porém, como adverte Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Edição, Almedina, pág. 1011) não poderão apreciar-se tais elementos em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar: a dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador assim o impõem.
Isto é, e dito de outro modo: na apreciação de justa causa de resolução pelo trabalhador o grau de exigência tem de ser menor que o utilizado na apreciação de justa causa de despedimento – uma vez que o trabalhador perante o incumprimento contratual do empregador não tem formas de reação alternativas à resolução, enquanto este perante o incumprimento contratual do trabalhador pode optar pela aplicação de uma sanção conservatória do vínculo laboral, em detrimento da sanção mais gravosa de despedimento.
De acordo com o que se encontra estatuído no referido artigo 394.º, exigem-se três requisitos para que se verifique uma situação de justa causa subjetiva para a resolução do contrato com justa causa:
(i) um requisito objetivo, traduzido num comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador;
(ii) um requisito subjetivo, consistente na atribuição desse comportamento ao empregador;
(iii) um requisito causal, no sentido de que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjetiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, ou seja, é necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral.
Como princípio geral, a culpa do empregador presume-se, nos termos do artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, de acordo com o qual «incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o incumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua».
Por isso, quando ocorra a violação de um qualquer dever contratual por parte do empregador, vale a regra ínsita no artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil, o que significa que, demonstrados os comportamentos que configuram, na sua materialidade, violação de deveres contratuais imputados ao empregador (cuja prova, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, compete ao trabalhador), a culpa do mesmo presume-se, havendo de ter-se por verificada, caso a presunção não seja ilidida pelo empregador.
Todavia, a lei expressamente qualifica de culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta até ao termo daquele prazo (n.º 5 do artigo 394.º).
Mas, como já se afirmou e importa realçar, a justa causa de resolução é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações (n.º 4 do artigo em referência): isto é, da existência de culpa no não cumprimento pontual de uma obrigação não decorre, forçosamente, justa causa para a resolução do contrato pelo trabalhador; esta terá de aferir-se nos termos do n.º 3 do artigo 351.º do Código do Trabalho, por remissão feita pelo n.º 4 do artigo 394.º, pelo que deve atender-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre este e a sua entidade empregadora, aos demais envolvimentos e circunstâncias precedentes e posteriores ao comportamento invocado como constituindo justa causa [neste sentido, e embora no domínio da anterior legislação, podem ver-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 02-04-2008 (Proc. n.º 2904/07 – 4.ª Secção) e de 18-02-2009 (Proc. n.º 3442/08 – 4.ª Secção), ambos disponíveis em www.dgsi.pt].
Tudo isto com o fim de apurar se a violação culposa por parte do empregador tornou praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Mas para além disso, e não menos relevante, importa atender ao procedimento para a resolução do contrato de trabalho.
Assim, estipula o n.º 1 do artigo 395.º do Código do Trabalho, que o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos; e nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, em conjugação com o n.º 5 do artigo 394.º, do compêndio legal em referência, considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, nessa situação se contando aquele prazo a partir do termo deste período de 60 dias.
Importa ainda ter presente que na ação em que for apreciada a justa causa de resolução apenas são atendíveis os factos constantes da referida comunicação escrita (n.º 3 do artigo 398.º).
Assim, para que possa ser lícita a resolução do contrato de trabalho é, desde logo, necessário que se observem os requisitos procedimentais: (i) comunicação escrita, (ii) com indicação sucinta dos factos que justificam a resolução, (iii) a ser feita nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
A observância de tais requisitos constitui condição da licitude da resolução, pois dela depende a atendibilidade dos factos invocados para justificar a cessação imediata do contrato: [s]ignifica isto que, perante a respectiva preterição, tudo se passa como se o trabalhador tivesse feito cessar o contrato invocando uma justa causa não verificada” (Joana Vasconcelos, Pedro Romano Martinez e outros, Código do Trabalho Anotado, 9.ª Edição, 2013, pág. 834).

Recorde-se que de acordo com os fundamentos da resolução do contrato pelo autor referidos em I) e II) verificou-se o incumprimento do pagamento devido quanto às diuturnidades até setembro de 2019 e do prémio TIR até junho de 2018.
A ré sustentou a caducidade do direto do autor à resolução do contrato com fundamento nesses factos.
Conforme dispõe o artigo 298.º, n.º 2, do Código Civil, quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição.
A caducidade é uma exceção perentória, que nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, importa a absolvição do pedido e consiste na invocação de factos que impedem ou extinguem o efeito jurídico dos factos articulados pelo autor.
Ora, como se assinalou no acórdão deste tribunal de 13-07-2022 (proc. n.º 3295/19.2T8STR.E1, disponível em www.dgsi.pt), (…) para efeitos do início de contagem do prazo de caducidade previsto no art. 395.º do Código do Trabalho torna-se relevante distinguir, quanto aos factos ilícitos motivadores da resolução do contrato com justa causa, se estamos perante factos instantâneos, factos instantâneos com efeitos duradouros ou factos continuados. Na realidade, na primeira situação, tal prazo inicia-se após o conhecimento pelo trabalhador da sua prática; na segunda situação, tal prazo inicia-se apenas quando os efeitos provocados pela prática desses factos atingem tamanha gravidade no âmbito da relação laboral que tornam tal manutenção praticamente impossível; e na terceira situação, tal prazo inicia-se apenas quando o último ato violador do contrato de trabalho tiver sido praticado [].”.
No caso em apreço, a prática dos factos em referência, ou seja, o não pagamento das prestações em causa, ocorreu, no limite, até setembro de 2019: e o contrato foi resolvido, além do mais, com fundamento em tais factos em 08-06-2021.
Deste modo, quer se considere que aquela falta de pagamento das diuturnidades e prémio TIR configura facto instantâneo com efeitos duradouros, quer se considere que configura ato continuado, o certo é que tendo o último ato violador ocorrido em setembro de 2019 (referente às diuturnidades, sendo que relação ao prémio TIR se verificou em junho de 2018), em 08-06-2021, quando o autor comunicou a resolução do contrato, há muito que havia decorrido o prazo previsto no referido artigo 395.º do Código do Trabalho, pelo que não podem tais factos/fundamentos ser atendidos para a resolução.
E quanto aos restantes [n.ºs iii) e iv)], o autor alegou mas não provou os mesmos, pelo que também não podem ser atendidos (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Daqui decorre a inexistência de justa causa da resolução do contrato de trabalho.

Sempre se acrescenta, numa perspetiva apenas de justiça material, que ainda que não se verificasse a caducidade do direito do autor a fundamentar a resolução do contrato na falta de pagamento do prémio TIR e diuturnidades em referência, sempre seria de concluir pela inexistência de justa causa de resolução do contrato.
Com efeito, a falta de pagamento das prestações verificou-se desde 2011 até 2019: não resulta dos autos que ao longo desse período o autor alguma vez tenha solicitado ou “reclamado” desse não pagamento: por isso, se essa falta de pagamento do prémio TIR e diuturnidades não determinou ao longo do tempo que o autor solicitasse/reclamasse da ré tal pagamento, não pode, diremos subitamente, decorridos quase dois anos sobre essa última violação, vir a pôr em causa a subsistência da relação de trabalho e determinar a resolução do contrato pelo trabalhador.
Como se assinalou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-04-2008 (Recurso n.º 149/08, disponível em www.dgsi.pt), numa situação com contornos semelhantes à dos presentes autos, (…) embora o não pagamento do trabalho suplementar se traduza numa violação dos direitos do trabalhador, que se tem de considerar culposa, nos termos do art.º 799.º, n.º 1, do C.C., e embora a falta de pagamento pontual da retribuição faça parte do elenco de situações que a lei considera constitutivas de justa causa de rescisão imediata do contrato por parte do trabalhador (art.º 35.º, n.º 1, al. a), da LCCT), a verdade é que, arrastando-se essa situação há já vários anos, não se compreende por que razão é que o autor só em 3.2.2003 a considerou suficientemente grave para rescindir o contrato de trabalho.
Reconhece-se que o não pagamento pontual da retribuição constitui uma violação grave dos direitos do trabalhador e que, em regra, essa violação é susceptível de integrar o conceito de justa causa, pelas consequências pessoais, familiares e sociais que normalmente lhe são inerentes.
Todavia, no caso em apreço, não está provado que assim tenha acontecido. O lapso de tempo decorrido, sem que o autor tivesse efectuado qualquer reclamação junto da ré (não se provou que tal reclamação tivesse sido feita nem ele alegou nada nesse sentido), demonstra que a falta de pagamento do trabalho suplementar, ao longo dos anos, não foi considerada pelo autor impeditiva da manutenção da relação laboral que mantinha com a ré. Isto é, demonstra que aquela falta de pagamento nunca assumiu, para ele, acentuada gravidade.
Ora, não se tendo provado que tal situação tenha sido alterada, pela ocorrência de algum facto recente, não vemos razões para dar por verificada a justa causa, com base no aludido fundamento (…)”.
Refira-se, a finalizar a análise desta questão, que para fundamentar a resolução do contrato de trabalho a 1.ª instância arrimou-se não só nos factos constantes da comunicação de resolução por parte do trabalhador, como noutros factos (como a formação não ministrada, férias não pagas e proporcionais de férias, subsídio de férias e de natal): todavia, é manifesto que estes factos não podem aqui ser atendíveis, pois, como resulta do já referido, na ação que aprecia a ilicitude da resolução apenas são atendíveis os factos constantes da comunicação escrita de resolução por parte do trabalhador (artigo 398.º, n.º 3, do Código do Trabalho).
Aqui chegados, importa concluir pela procedência das conclusões das alegações de recurso da ré quanto à ilicitude da resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador, pelo que inexiste fundamento legal para a condenação da ré em indemnização pela resolução do contrato, ficando, por consequência, prejudicada a questão suscitada pelo autor quanto ao valor da indemnização por resolução do contrato de trabalho (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).

8. Da falta de aviso prévio na resolução do contrato (recurso da ré)
Tendo-se concluído pela inexistência de justa causa de resolução do contrato de trabalho, é agora o momento de analisar se deve proceder o pedido reconvencional por falta de aviso prévio na resolução do contrato de trabalho.
De acordo com o disposto no artigo 399.º do Código do Trabalho, não se provando a justa causa de resolução do contrato o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401.º.
E face ao estatuído neste preceito legal, o trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou da obrigação assumida em pacto de permanência.
Em anotação ao artigo 399.º do Código do Trabalho, assinala Joana Vasconcelos (in Código do Trabalho, Anotado, 9.ª edição, Almedina, Pedro Romano Martinez et alii, pág. 843) que [i]ntegram a sua previsão, para além das situações de justa causa não verificada ou insuficientemente provada, outras em que a sua invocação se fez com preterição do requisito procedimental insuscetível de correção (…). Porque só relevam como suporte da justa causa os factos cuja indicação se conforme com o disposto no n.º 1 do artigo 395º (…), perante uma resolução meramente verbal ou efetuada já depois do prazo legalmente fixado ou, ainda, sem indicação de facto adequados a evidenciar a impossibilidade de manutenção da relação laboral, forçosamente o Tribunal julgará não provada a justa causa invocada, declarando ilícita a resolução e condenando o trabalhador a indemnizar o empregador”.
No mesmo sentido, Pedro Furtado Martins (Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Principia, págs. 530-531) afirma que se o trabalhador não respeitar o prazo de resolução do contrato, mantém-se esta, mas inutilizam-se as vantagens da qualificação de justa causa, (…) ou seja, a exoneração do dever de avisar previamente o empregador e a constituição do direito à indemnização. Nestas hipóteses, uma vez que permanece obrigado a cumprir o aviso prévio, o trabalhador constitui-se na obrigação de pagar a indemnização pela resolução inopinada do contrato de trabalho (…)”.
Assim, regressando ao caso em apreço, verificando-se que a resolução foi efetuada depois do prazo legalmente fixado e ainda que não se verificam factos que justifiquem a impossibilidade de manutenção da relação laboral, sendo, pois, de qualificar ilícita, o trabalhador terá que indemnizar a empregadora na indemnização prevista no artigo 400.º, n.º 1 e 401.º, n.º 1 do Código de Trabalho, isto é, numa indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta.
Não resulta explicitamente da matéria de facto qual a concreta data em que a ré terá rececionado a comunicação do autor de resolução do contrato: apenas se sabe que o contrato de trabalho cessou em 08-06-202.
Considerando que a carta do trabalhador remetida à ré se encontra datada de 07-06-2021, seria legítimo presumir que esta a recebeu no dia seguinte, o da cessação do contrato, pela que a indemnização por falta de aviso prévio corresponderia a 60 dias, sendo que a retribuição base mensal era à data de € 733,07 e as diuturnidades de € 53,40, o que perfazia a totalidade de € 1.572,94 (703,07 x 2 + € 53,40 x 2).
Todavia, considerando o valor do pedido de indemnização (€1.418,70), a condenação ficará sujeita a este limite (cfr. artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).

Embora não sendo claramente explícita nas extensas conclusões das alegações de recurso, intui-se que a ré pretende a compensação de créditos.
Para que opere a compensação, causa de extinção das obrigações, exige-se a verificação cumulativa dos seguintes requisitos (artigo 847.º, do Código Civil): (i) que duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor (reciprocidade de créditos); (ii) que o crédito a compensar seja judicialmente exigível, não se verificando contra ele qualquer exceção, perentória ou dilatória, de direito material; (iii) que as duas obrigações tenham por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
No casso, sem necessidade de mais delongas, entende-se inequívoco que se verificam os requisitos da compensação, pelo que deve operar-se a mesma.
Assim, compensando o crédito do autor sobre a ré no montante de € 12.896,69, com o contracrédito desta sobre aquele no montante de € 1.418,70, deverá a ré ser condenada a pagar ao autor a importância total de € 11.477,99 (€ 12.896,69 - € 1.418,70).

9. De acordo com o disposto no artigo 527.º, do Código de Processo Civil, as custas deverão suportadas pela parte vencida, na proporção em que o for.
Assim, as custas do recurso da ré deverão ser suportadas por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 50% para cada uma delas; já as custas do recurso do autor deverão ser por ele suportadas.
Deixa-se consignado, acompanhando o ensinamento de Salvador da Costa (As Custas Processuais, Análise e Comentário, 9.ª Edição, Almedina, pág. 8), que face ao disposto nos artigos 607.º, n.º 6, 663.º, n.º 2 e 679.º, todos do Código de Processo Civil, não compete a este tribunal, nesta sede, fixar as custas na 1.ª instância.

V – Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo autor e conceder parcial provimento ao recurso interposto pela ré e, em consequência, revoga-se a sentença recorrida, que se substitui pelo seguinte:
1. declara-se que a ré deve ao autor a importância de € 12.896,69, correspondente ao somatório das seguintes quantias:
a) € 2.272,20 a título de diuturnidades referentes ao período compreendido entre 2012 e 2019;
b) € 9.741,75 a título de ajudas de custo TIR, ou prémio TIR, do período compreendido entre 2011 e 2018;
c) € 291,51 a título de formação não ministrada noas anos de 2019, 2020 e 2021;
d) € 159, 23 a título de férias do ano de 2020;
e) € 432,00 a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de natal de 2021.
2. Julga-se procedente o pedido reconvencional da ré e, em consequência, declara-se que o autor deve àquela a quantia de € 1.418,70, a título de indemnização por falta de aviso prévio.
3. Operando a compensação do crédito da ré com o crédito do autor, vai aquela condenada a pagar a este a quantia total de € 11.477,99 (€ 12.896,69 - € 1.418,70).

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Évora, 9 de maio de 2024
João Luís Nunes (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Mário Branco Coelho, (2) Paula do Paço.