Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
| ||
Relator: | FRANCISCO XAVIER | ||
Descritores: | ACIDENTE DE TRABALHO RESPONSABILIDADE CIVIL DO COMITENTE | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 11/07/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - O regime da responsabilidade do comitente pelos actos praticados pelo comissário, previsto no artigo 500º do Código Civil, depende da verificação dos seguintes pressupostos: (i) A existência de uma relação de comissão; (ii) Prática de factos danosos pelo comissário no exercício da função; e (iii) Responsabilidade do comissário. II - O comitente assume a posição de garante da indemnização perante o lesado, respondendo na mesma medida da responsabilidade do comissário, gozando, em princípio, do direito de regresso contra o comissário, para se ressarcir do que haja pago. III - A norma do artigo 500º do Código Civil apenas fixa a responsabilidade do comitente pelos actos do comissário causador do evento danoso perante qualquer outra pessoa lesada, não estando afastada essa responsabilidade ainda que o lesado, vítima do acto danoso daquele comissário, esteja a executar tarefas sob as ordens e instruções daquele mesmo comitente. (Sumário elaborado pelo relator) | ||
![]() | ![]() | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação n.º 5618/19.5T8LSB.E1 Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora I – Relatório 1. AA, por si e em representação do seu filho menor BB, intentou contra SIMI – Sociedade Internacional de Montagens Industriais, SA., acção declarativa de condenação, com processo comum, na qual peticiona a condenação da R. a pagar:- Ao A. BB a quantia de € 63.000,00 (sessenta e três mil euros), correspondendo € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) pela perda do direito à vida; € 3.000,00 (três mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima antes de falecer; e € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pelo próprio; - À A. AA a quantia total de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) pela perda do direito à vida. - Tudo acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação e até integral pagamento. 2. Para tanto, alegou, em síntese, que: - A A. viveu cerca de 10 (dez) anos com CC, em condições análogas à dos cônjuges, relação que durou até ao dia 23/03/2009, data em que este faleceu, sendo o A. BB, nascido em ../../2008, filho da A. e do falecido; - CC era trabalhador da “PORTSIMI S.A.”, onde exercia as funções correspondentes à categoria profissional de serralheiro construtor de estruturas metálicas de 3ª; - O funcionário DD era trabalhador da R., sob as suas orientações, instruções e direcção, por via de contrato de contrato de trabalho celebrado entre ambos; - No dia 23/03/2009, CC foi vítima de um acidente de trabalho que lhe causou a morte; - Competia ao funcionário DD a distribuição e coordenação do trabalho de várias equipas, entre as quais, a de CC, sendo o seu superior hierárquico, assim como lhe competia verificar o cumprimento das regras de segurança relativamente aos seus subordinados. Mas o mesmo não procedeu com o cuidado devido ao desrespeitar as normas técnicas da R., bem como todas as medidas de segurança que se destinavam a evitar colocar os trabalhadores e terceiros em perigo, o que foi determinante do acidente que deu azo ao falecimento de CC; - Em consequência dos factos acima descritos, foi instaurado processo crime com o nº 113/09.... que correu termos no Tribunal Judicial Local 1 – Vara de Competência Mista, no qual DD foi condenado pela prática de um crime de violação de regras de segurança, previsto e punido pelos artigos 152°-8°, números 2 e 4, al. b), 15°, al. a) e 18°, todos do Código Penal, com referência aos artigos 3°, al. b), 15° e 69°, números 4, 5 e 6, todos da Portaria número 53171, de 03 de Fevereiro, alterado pela Portaria número 702/80, de 22 de Setembro e artigo 273°, número 2, do Código do Trabalho, na pena de 4 (quatro) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova a elaborar pelo IRS (cfr. artigo 53°, do Código Penal). Foi igualmente condenado, em sede de Pedido de Indemnização Civil, no pagamento ao Demandante BB, da quantia total de € 63.000,00 (sessenta e três mil euros), correspondendo € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) pela perda do direito à vida; € 3.000,00 (três mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima antes de falecer; e € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pelo próprio, bem como no pagamento à Demandante AA, da quantia total de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) pela perda do direito à vida. - Os AA. munidos da sentença, intentaram acção executiva contra DD para cobrança coerciva dos montantes acima referidos, que corre termos sob o número 113/09.... no Tribunal Judicial da Comarca Local 1, Juízo Central Criminal Local 1 - Juiz ..., mas das diligências de penhora resultou que o mesmo não tem quaisquer bens susceptíveis de penhora, para além de uma pensão, que já está a ser penhorada, o que faz prever que o ressarcimento das quantias que foi condenado a pagar aos AA demorará cerca de 550 meses; - Tal circunstância levou a que os AA intentassem a presente acção, em ordem a efectivar a responsabilidade objectiva da R., nos termos do disposto no artº 500º nº 1 do CC. 3. A R. apresentou contestação, onde aceita a relação de comissão em relação a DD, mas alega que idêntica relação existia para com o falecido, já que este exercia o seu trabalho, no momento do acidente, sob direcção e subordinação à R., na pessoa do seu funcionário e Chefe de Equipa, DD, e a responsabilidade objectiva do comitente prevista no artigo 500º do Código Civil, dirige-se ao ressarcimento de danos sofridos por terceiros lesados e não aos danos sofridos por comissários ou trabalhadores do comitente, assim ficando arredada a relação de solidariedade entre a R. e o funcionário DD. Por este motivo, entende a R. que não pode ser condenada a suportar a indemnização pela perda de direito à vida do trabalhador CC, ou mesmo pelos danos não patrimoniais sofridos pelos AA., já que estes surgem na directa decorrência do acidente em causa, ou seja, estão intimamente relacionados com o próprio dano morte que não é ressarcível pela via pretendida pelos AA. Sem prejuízo, alega que a pretensão dos AA. configura um enriquecimento sem causa, já que pretendem ver duplicada a sua indemnização, porquanto se desconhece o montante já pago por DD. Concluiu pela sua absolvição do pedido e a título subsidiário pediu a intervenção provocada do funcionário DD ao processo, nos termos e para os efeitos do artigo 317º do Código de Processo Civil e a sua condenação a reembolsar a R. em tudo aquilo que viesse a ter de satisfazer aos AA.. 4. Ouvidos os AA., que nada consignaram, foi admitida a intervenção de DD, nos termos requeridos, o qual, citado, apresentou contestação, mas que foi mandada desentranhar por ter sido apresentada no terceiro dia útil após o termo do prazo, sem pagamento da penalidade devida. 5. Realizou-se a audiência prévia, onde foram equacionadas duas possibilidades: o conhecimento do mérito sem necessidade de prova ou a selecção dos temas de provas, ambas carecendo da junção de uma certidão do processo crime, que foi mandada juntar, tendo as partes concordado em que o Tribunal proferisse qualquer dos despachos equacionados, fora de audiência prévia. Junta a certidão, foi proferido o despacho que consta de fls. 324 a 330 (ref.ª. 94612152), onde se consignou que os autos iriam prosseguir, atendendo a que a responsabilidade do comitente é uma responsabilidade solidária com a do comissário. Entendeu-se nesta decisão que, sendo «… característica das obrigações solidárias, no que concerne aos devedores, que todos ficam exonerados em relação ao credor comum, desde que um dos devedores satisfaça o direito do credor (artº 523º do CC), a condenação do comissário no pagamento do montante indemnizatório aqui reclamado do comitente, à primeira vista, parecia esgotar a pretensão do credor a haver tal quantia. Mas melhor analisada a questão e de acordo com os factos alegados, os AA ainda não foram pagos do seu crédito, pelo que a condenação não equivaleu à satisfação do crédito. Paralelamente e de acordo com o disposto no artº 517º do CC, o regime da solidariedade não impede os credores de demandarem conjuntamente os devedores, pelo que se entenderá que o pedido formulado pelos AA se atem apenas à parcela do peticionado que não foi ou não for satisfeito por via da execução entretanto instaurada contra o comissário. A tudo acresce que os AA não lograram a intervenção da ora R. no pedido civil deduzido no processo crime, pelo que se tem por justificada a preterição do princípio de adesão consagrado no artº 71º do CPP.» Mais se consignou que, existindo uma decisão transitada em julgado que apreciou pela positiva a responsabilidade do comissário no acidente de que veio a falecer o companheiro e pai dos autores e porque a responsabilidade do comissário é uma questão prejudicial à responsabilidade do comitente, havia caso julgado a seu propósito. [seguiu-se, no essencial, o relatório efectuado na sentença] 6. Notificadas, não se pronunciaram as partes, tendo, então sido proferido despacho saneador tabelar, fixado o valor à causa, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova. 7. Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido. 8. Inconformados recorreram os AA., pedindo a revogação da sentença, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]: 1.ª A matéria de facto dada como provada, bem como a matéria de facto dada como não provada, vertida na douta Sentença Recorrida, encontra-se incorrectamente julgada. 2.ª Assim, deveria ter sido considerado julgado como não provado (relativamente ao ponto 45 Factos) que: «CC exercia as suas funções de serralheiro sobre as ordens e instruções da Ré». 3.ª Em sentido diametralmente oposto, deveria ter sido considerada julgado como provado que: «A CC não foi dada previamente qualquer orientação para sair do local, enquanto decorriam os trabalhos referidos em 21 - [Ponto A dos Factos Não Provados (A)». 4.ª Em bom rigor, nunca deveria o Tribunal Recorrido ter dado como provado, como o fez, o “quesito” 45 dos factos provados e o «quesito» A dos factos dados como não provados, porquanto viciou o raciocínio do silogismo judiciário, implicando critérios jurídicos na fundamentação factual, ditando desde logo o desfecho da acção, deturpando o que é a fixação da matéria de facto com critérios jurídicos e não como um juízo de subsunção fáctico-normativa. 5.ª E, mesmo tendo-o feito desta forma, fê-lo erradamente, contradizendo o seu próprio raciocínio lógico-dedutivo, face ao estabelecido no âmbito do processo 113/09.... da Extinta Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial Local 1. 6.ª Impõe a decisão proferida no âmbito do processo nº 113/09.... da Extinta Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial Local 1, documento nº 3 junto com a Petição Inicial, conforme o vertido nos articulados 18 e 25 das Alegações de Recurso, a alteração ora preconizada. 7.ª Entende o Tribunal Recorrido que «tendo em vista que o falecido aquando do sinistro trabalhava sob as ordens e instruções da Ré, ainda que por intermédio de um funcionário desta, tem de concluir-se que também entre eles existia uma relação de comissão. 8.ª Salvo melhor opinião, designadamente a de V. Exas., entende a aqui Recorrente que não assiste razão ao Tribunal Recorrido. 9.ª Pese embora, exercendo a utilizadora o poder de conformação da prestação de trabalho no âmbito de uma relação de trabalho que tem num polo a entidade empregadora e no outro a empresa utilizadora, esta representa a entidade empregadora na conformação do trabalho prestado. A forma como essa conformação é feita projecta-se sobre a relação existente entre o trabalhador e a empresa de trabalho temporário, tudo se passando como se esse poder de conformação fosse assumido pela empresa de trabalho temporário. 10.ª Daqui se retira que, no que diz respeito à função de garante, quando nos encontramos a tratar da questão de uma actuação de um trabalhador temporário ao ser utilizado ao abrigo de um contrato de utilização de trabalho temporário, é a empresa utilizadora considerada comissário. 11.ª Questão diferente será sempre quando nos encontramos perante a conduta de um trabalhador de uma empresa utilizadora de trabalho temporário que provoca os danos no trabalhador temporário, o qual já terá sempre de ser considerado terceiro perante a empresa de utilização de trabalho temporário. 12.ª Isto porque, no que diz respeito às relações internas entre empresa de trabalho temporário e empresa utilizadora o trabalhador temporário sempre terá de ser considerado terceiro para efeitos de aplicação do artigo 500º do Código Civil, isto porque, não obstante, entre o trabalhador temporário e a empresa utilizadora não existe qualquer vínculo jurídico, Sendo factispecie de aplicação do artigo 500 do Código Civil, por obediência ao princípio da relatividade dos contratos, que terceiro seja aquele que não possui vínculo jurídico com o garante, o que é o caso dos presentes Autos. 13.ª Prova disto mesmo é que a Ré (Simi) não foi parte, nem tinha de ser, no processo de acidente de trabalho, no qual a entidade empregadora (PortSimi) de CC foi condenada. 14.ª Assim, devendo, para o efeito, ser a Ré considerada como terceiro para efeitos de aplicação do artigo 500º do Código Civil e, consequentemente, condenada no valor integral do pedido. 9. Contra-alegou a recorrida, pugnado pela confirmação da sentença. 10. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. * O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.II – Objecto do recurso Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões: (i) Da impugnação da matéria de facto; (ii) Saber se a R. é responsável pelo ressarcimento dos danos decorrentes do falecimento do sinistrado, nos termos do artigo 500º do Código Civil, com as legais consequências. * A) - Os FactosIII – Fundamentação A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos: 1. Em consequência do acidente também em causa nestes autos, foi instaurado processo crime com o nº 113/09.... que correu termos no Tribunal Judicial Local 1 – Vara de Competência Mista, no qual DD foi condenado pela prática de um crime de violação de regras de segurança, previsto e punido pelos artigos 152°-8°, números 2 e 4, al. b), 15°, al. a) e 18°, todos do Código Penal, com referência aos artigos 3°, al. b), 15° e 69°, números 4, 5 e 6, da Portaria número 53171, de 03 de Fevereiro, alterado pela Portaria número 702/80, de 22 de Setembro e artigo 273°, número 2, do Código do Trabalho, na pena de 4 (quatro) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova a elaborar pelo IRS. 1.a). Naquele processo, BB deduziu pedido de indemnização civil contra AXA Portugal, Companhia de Seguros, SA, Portsimi-Empresa de Trabalho Temporário, S.A, AMAL- Construções Metálicas, SA, SIMI-Sociedade Internacional de Montagens Industriais, SA, EE e DD, pedindo a condenação solidária destes no pagamento de uma indemnização por danos morais sofridos pelo menor no valor de €50.00,00, pela perda do direito da vida no valor de €60.000,00, pelo dano da dor sofrida pela vítima antes da sua morte de €30.000,00 e danos patrimoniais no valor de €50.000,00, acrescidos de juros de mora desde a citação até integral pagamento. 2. Também a A. AA deduziu pedido de indemnização cível contra AXA Portugal, Companhia de Seguros, SA, Portsimi-Empresa de Trabalho Temporário, S.A, AMAL- Construções Metálicas, SA, SIMI-Sociedade Internacional de Montagens Industriais, SA, EE e DD, pedindo a condenação solidária destes no pagamento de uma indemnização por danos morais sofridos no valor de €35.00,00, pela perda do direito da vida e pelo dano da dor sofrida pela vítima antes da sua morte e danos patrimoniais no valor de € 6.750,00. 3. Por despachos datados de 24.04.2014 e de 06.05.2014 foi julgada procedente a excepção de incompetência absoluta suscitada, tendo as demandadas AXA Portugal Companhia de Seguros, SA, Portsimi-Empresa de Trabalho Temporário, S.A, AMAL- Construções Metálicas, SA e SIMI-Sociedade Internacional de Montagens Industriais, SA, sido absolvidas da instância. 4. Realizado julgamento, por acórdão proferido em 9 de Julho de 2014, foi decidido o seguinte: a) Absolver o arguido EE, da imputada prática de um crime de violação de regras de segurança, previsto e punido pelos artigos 152º Bº, números 2 e 4, al. b), 15°, al. a) e 18°, todos do Código Penal; b) Condenar o arguido DD, pela prática de um de um crime de violação de regras de segurança, previsto e punido pelos artigos 152°-8°, números 2 e 4, al. b), 15°, al. a) e 18°, todos do Código Penal, com referência aos artigos 3°, al. b), 15° e 69°, números 4, 5 e 6, todos da Portaria número 53171, de 03 de Fevereiro, alterado pela Portaria número 702/80, de 22 de Setembro e artigo 273°, número 2, do Código do Trabalho, na pena de 4 (quatro) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova a elaborar pelo IRS (cfr. artigo 53º, do Código Penal), (…); d) Julgar parcialmente procedente por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante BB e em consequência: • condenar o demandado DD, a pagar ao demandante o total de €63.000,00 (sessenta e três mil euros); sendo €35.000,00 pela perda do direito à vida; €3.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima antes de falecer; e €25,000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo próprio, • absolver o demandado EE do pedido; f) Julgar parcialmente procedente por provado, o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante AA e em consequência: - condenar o demandado DD, a pagar à demandante o montante de €35,000,00 pela perda do direito à vida; - absolver os demandados EE e AMAL, Construções Metálicas, S.A do pedido. 5. Da decisão interlocutória proferida em 24.04.2014 e 06.05.2014, recorreu o demandante BB, pugnando pela sua revogação no que toca à absolvição da instância das demandadas Simi - Sociedade Internacional de Montagens Industriais, S.A, e AMAL - Construções Metálicas, S.A. 6. Em relação a tal recurso foi proferida decisão sumária, que decidiu não tomar conhecimento do mesmo, por inobservância absoluta e completa do ónus de especificação obrigatória nas conclusões do recurso interposto do acórdão final, sobre se mantinha interesse no referido recurso retido. 7. Foi indeferida a reclamação dessa decisão. 8. No que concerne à decisão final, foi negado provimento aos recursos, mantendo-se a decisão recorrida. 9. O acórdão transitou em julgado em 30.09.2016. 9.a). Os AA. intentaram acção executiva contra DD para cobrança coerciva dos montantes acima, que corre termos sob o número 113/09.... no Tribunal Judicial da Comarca Local 1, Juízo Central Criminal Local 1 - Juiz .... 9.b). Das diligências de penhora ali encetadas, resultou que o mesmo não tem quaisquer bens susceptíveis de penhora, para além de uma pensão, que já está a ser penhorada. 10. A A. AA viveu cerca de 10 (dez) anos com CC, em condições análogas à dos cônjuges, partilhando com este a mesma habitação e leito, como se de marido e mulher se tratasse. 11. A relação de ambos durou até ao dia 23/03/2009, data em que aquele faleceu. 12. Da relação, nasceu em ../../2008, BB. 13. A R. é uma empresa de metalomecânica que exerce a sua actividade no sector das montagens industriais, organizada para a prestação de serviços diversos, desde a engenharia, fornecimento, montagem e comissionamento de todo o tipo de tubagem industrial, equipamentos mecânicos, tanques de armazenagem, estruturas metálicas especiais, fornos de vidro e manutenção de unidades fabris. 14. O funcionário DD trabalhava sob as orientações, instruções e direcção da R., em virtude do contrato de trabalho celebrado entre ambos. 15. CC, trabalhador da “PORTSIMI – EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁIO, SA”, exercia as funções correspondentes à categoria profissional de serralheiro construtor de estruturas metálicas de 3ª. 16. Desenvolvendo tais funções nas instalações da EMP01..., em Local 1, local onde a ora R. se encontrava a prestar serviços, relacionados com a montagem de tubagens e equipamentos. 17. No dia 23/03/2009, CC, em obediência às ordens e instruções de DD, executava as suas funções de serralheiro de estruturas metálicas na montagem de colectores, numa bancada móvel, sita a nível térreo, no interior das instalações acima referidas. 18. CC, encontrava-se devidamente equipado, tendo colocado na cabeça o respectivo capacete. 19. Nas referidas instalações encontravam-se a decorrer trabalhos de colocação de uma conduta num rack na parte superior da nave da fábrica. 20. No perímetro envolvente e nas proximidades onde estava colocada a bancada onde CC trabalhava, existia ainda uma estrutura de betão, onde estava colocada uma bomba, que possuía um parafuso saliente e que se encontrava sem qualquer protecção. 21. O referido local situava-se por debaixo da zona onde estava a ser colocada a referida conduta, sendo que essa zona se entende como a área envolvente do local onde se encontrava a máquina giratória, atento o raio de acção desta e a dimensão da tubagem metálica. 22. Eliminado. 23. A área onde estavam a ser efectuados os trabalhos de colocação de tubagens não tinha sido delimitada com qualquer perímetro de segurança. 24. Nem havia sido interditada, de forma a impedir o acesso a tal área de qualquer trabalhador. 25. Antes era utilizada como local e apoio para o trabalho em curso. 26. Existiam ao longo da nave da fábrica outras bancadas como aquela em que CC trabalhava, de apoio à execução de trabalhos em curso. 27. Cerca das 10:45 horas, desse dia de 23/03/2009, quando se procedia à colocação de um tubo na referida conduta, com recurso a uma "manitu giratória", o tubo que estava a ser colocado embateu num outro tubo já colocado nos suportes, provocando a queda deste último, que não se encontrava fixo. 28. Durante a sua queda, o referido tubo metálico, com um peso aproximado de uma tonelada, veio a atingir CC, embatendo com grande violência, na região frontal e parietal esquerda do crânio deste. 29. Que ficou de imediato prostrado no solo, na zona onde veio a cair o referido tubo, que atingiu a pena esquerda. 30. Em resultado daquele acidente, CC sofreu lesões traumáticas crânio-encefálicas, com afundamento da calote craniana, hemorragia epicraniana frontal e parietal esquerda, fracturas múltiplas do andar anterior da base do crânio, lacerações traumáticas dos lobos frontais, parietais e temporais e ainda fractura exposta dos ossos da perna direita e ferida contusa na região frontal, acabando por falecer no local em virtude daquelas lesões. 31. Eliminado. 32. A vítima mortal tinha 43 anos de idade. 33. O A. BB, a essa data tinha cinco meses de idade. 34. Sofreu com o desaparecimento do seu pai, deixando de sorrir. 35. A A. AA ficou bastante abalada com a perda do seu companheiro, tendo inclusive perdido peso e sono, refugiando-se e isolando-se. 36. A A. sentiu/sente uma responsabilidade acrescida de criar o filho de ambos, carecendo de muita ajuda dos seus familiares. 37. Os AA. ainda hoje sofrem com o desaparecimento de CC e não conseguem aceitar o seu falecimento. 38. O trabalhador DD era, à data dos factos aqui vertidos, funcionário da aqui R., exercendo as funções de Chefe de Equipa. 39. Competia-lhe a distribuição e coordenação do trabalho de várias equipas, entre as quais, a de CC, sendo o seu superior hierárquico. 40. Adicionalmente, competia ao funcionário da ora R., verificar o cumprimento das regras de segurança relativamente aos seus subordinados, cabendo-lhe ainda proceder à comunicação do chefe de segurança do início dos trabalhos para que este se deslocasse ao local para avaliação dos riscos envolvidos. 41. Sucede que, naquele dia, o funcionário da ora R. deu instruções para procederem à montagem de tubos, sem que tenha alertado atempadamente o responsável de segurança para o início dos trabalhos a realizar e que envolviam riscos, designadamente o de queda de tubos para solo, como efectivamente se veio a concretizar. 42. Em consequência, com a conduta acima descrita o funcionário da ora R. não procedeu com o cuidado devido ao desrespeitar as normas técnicas pela ora R., bem como todas as medidas de segurança que se destinavam a evitar colocar os trabalhadores e terceiros em perigo, cf. disposto no art.º 3º al. b), 15º e 69º n.º 4, 5 e 6 da Portaria n.º 53/71, de 03 de Fevereiro, alterado pela Portaria n.º 702/80, de 22 de Setembro e art.º 273º n.º 2 do Código do Trabalho. 43. Ora, pese embora o funcionário da ora R. soubesse que antes do início dos trabalhos de montagem dos tubos tinha que chamar o responsável de segurança o qual tinha a capacidade para implementar as medidas de segurança necessárias, a verdade é que não o fez, e assim agindo, bem sabia que tal conduta era proibida e punida por lei penal. 44. A morte de CC poderia ter sido evitada se o perímetro de trabalho estivesse isolado. 45. CC exercia as suas funções de serralheiro sob as ordens e instruções da Ré e do funcionário DD. * A.2. E consideraram-se como não provados os seguintes factos:A) A CC não foi dada previamente qualquer orientação para sair do local, enquanto decorriam os trabalhos referidos em 21. B) CC teve consciência que iria morrer e deixar de ver o seu filho e companheira. C) CC era uma pessoa robusta, saudável, alegre e com projectos para si próprio, para o seu filho e companheira. * B) – Apreciação do Recurso/ O Direito1. Os AA. discordam da sentença recorrida, que julgou improcedente a acção, começando por manifestar o seu inconformismo quanto à matéria de facto, concretamente quanto ao ponto 45 dos factos provados e à matéria do ponto A) dos factos não provados, indicando as provas em que fundam a sua pretensão de alteração e o sentido decisório pretendido, dando, assim, cumprimento aos ónus de impugnação a que está adstrito o recorrente que impugna a matéria de facto, como previsto no artigo 640º do Código de Processo Civil. Vejamos, então, os factos impugnados. 2. No ponto 45 deu-se como provado que: «45. CC exercia as suas funções de serralheiro sob as ordens e instruções da Ré e do funcionário DD.» Para tanto, aduziu-se na sentença recorrida a seguinte fundamentação: «No que respeita à matéria do ponto 45, atendeu-se ao seguinte: conforme resulta dos pontos antecedentes, CC, era trabalhador da “PORTSIMI – EMPRESA DE TRABALHO TEMPORÁIO, SA ”, exercendo as funções correspondentes à categoria profissional de serralheiro construtor de estruturas metálicas de 3ª, nas instalações da EMP01..., em Local 1, local onde a R. se encontrava a prestar serviços, relacionados com a montagem de tubagens e equipamentos. Ou seja a Ré era a empresa utilizadora do funcionário falecido, nos termos do contrato de utilização de trabalho temporário junto a fls. 81 a 83, celebrado entre a Portsimi e a Ré, e onde consta, sob a cláusula 4ª, que a ETT (Porsimi) delega na UTILIZADORA (Ré), o seu poder de direcção sobre os trabalhadores temporários, mantendo o exercício do poder disciplinar. A testemunha FF, funcionário da Ré, que disse não ter contacto pessoal com o falecido, mas saber quem ele era, referiu que esta costuma contratar trabalhadores temporários, uma vez que a área da empresa tem picos, o que determina que só em determinados períodos haja necessidade de trabalhadores além do quadro. Estas pessoas são integradas na equipa da SIMI, que determina os trabalhos a realizar à equipa que está em obra, procedendo à respectiva organização. Paralelamente, resultou provado que no dia do acidente, CC executava as suas funções em obediência às ordens e instruções de DD, que por sua vez trabalhava sob as orientações, instruções e direcção da R., de que era funcionário. Ou seja, DD chefiava uma equipa de que fazia parte o falecido, dando-lhe algumas ordens no sentido de serem executadas as tarefas que haviam sido determinadas pela entidade que na altura, tinha poderes de direcção em relação à prestação funcional de ambos, o que equivale a dizer que CC exercia as suas funções sob as ordens e instruções da Ré e do funcionário DD, assim se justificando a matéria em motivação.» (fim de citação) Os recorrentes discordam do assim decidido, pretendendo que se dê como não provado que CC exercia as suas funções de serralheiro sobre as ordens e instruções da Ré. Ou seja, entendem os recorrentes que apenas se deve manter como provado que o falecido CC exercia as funções de serralheiro em obediência às ordens e instruções do funcionário DD, invocando, no essencial, que na apreciação da matéria em causa se tiveram em conta considerações jurídicas e o decidido no processo criminal [cfr. matéria de facto da decisão junta aos autos: «3. A empresa “AMAL – Construções Metálicas S.A” e “SIMI, S.A.”, haviam estabelecido um contrato de subempreitada, sendo esta última quem executava a obra; 4. A empresa “SIMI, S.A.”, por sua vez, mantinha um contrato de utilização de trabalho temporário com a empresa “PORTSIMI – Empresa de Trabalho Temporário, S.A.”; 5. De acordo com este contrato de trabalho temporário CC, trabalhador da “PORTSIMI – Empresa de Trabalho Temporário, S.A.”, prestaria a sua actividade à empresa “SIMI, S.A.”, de acordo com as instruções desta; 6. CC, exercia as funções correspondentes à categoria profissional de serralheiro construtor de estruturas metálicas de 3ª”; 7. No dia 23 de Março de 2009, cerca das 10H45, CC em obediência às ordens e instruções do arguido DD, executava as suas funções de serralheiro de estruturas metálicas na montagem de coletores”.»] Como se sabe, nem sempre é fácil distinguir entre o que é matéria de facto e de direito, sendo, no entanto consensual que tudo o que respeita ao apuramento de ocorrências da vida real é questão de facto e é questão de direito tudo o que respeita à interpretação e aplicação da lei. Por outro lado, importa reter que há expressões relacionadas com preceitos jurídicos que vêm sendo utilizadas como realidades fácticas, como tal sendo consideradas, independentemente da sua valoração jurídica. Ora, a expressão “sob as ordens e direcção”, no que se reporta à matéria de facto, corresponde à designação porque comumente se refere o desempenho de actividade exercida sem autonomia e a mando ou sob a orientação de outrem, devendo aqui ser tida na sua expressão factual e não jurídica como reveladora de poderes de direcção. Depois, o facto em causa mais não é do que a conclusão que se retira dos factos provados enunciados nos pontos 14, 15, 16, e 17 da matéria de facto, que não foram impugnados, de onde resulta, inequivocamente, que o funcionário DD trabalhava sob as orientações e instruções da R., sendo funcionário desta, e era este funcionário que, em virtude das funções exercidas, transmitia ao falecido CC as ordens e instruções para o desempenho da actividade de serralheiro que o mesmo exercia nas instalações onde a R. prestava serviços. Ou seja, o funcionário da R., mais não era do que o responsável da R. na transmissão das orientações do trabalho a executar pelo CC, o que também resulta dos factos 26 e 27 dos factos apurados no processo criminal. Acresce que resulta do contrato de cedência do trabalhador em causa, como, aliás, se consignou no processo criminal (cfr. ponto 5 dos factos provados), que de acordo com o contrato de trabalho temporário, CC, Trabalhador da Portsimi, SA., prestaria a sua actividade à empresa Simi, SA., de acordo com as instruções desta. Por conseguinte, está demonstrado que a actividade que CC exercia nas instalações onde a R. laborava era desempenhada sob as ordens e instruções da R., que eram transmitidas pelo funcionário DD, sendo este o sentido do facto impugnado. Mas, ainda que se entendesse ser de eliminar o ponto 45 dos factos provados, não pelas razões invocadas pelos recorrentes, mas por se tratar de facto conclusivo, sempre se alcançaria a mesma conclusão em sede de subsunção jurídica da actividade exercida para a R. pelo falecido CC. Por conseguinte, não se justifica a alteração do facto em causa. 3. No ponto A) considerou-se como não provado que: «A) A CC não foi dada previamente qualquer orientação para sair do local, enquanto decorriam os trabalhos referidos em 21.» Na sentença considerou-se não ter sido feita prova desta matéria. Porém, dizem os recorrentes que, como resulta da factualidade apurada no âmbito do processo n.º 113/09.... da Extinta Vara de Competência Mista do Tribunal Judicial Local 1, é incorrecto afirmar-se que não foi produzida qualquer prova quanto ao «quesito A» da matéria de facto dada como não provada, posto que se deu como provado no processo crime que: «12. No dia 23 de Março, pelas 10h45, quando estava a ser colocado um destes tubos na estrutura, com recurso à referida empilhadora, o tubo que estava a ser colocado embateu num outro tubo que já se encontrava nos suportes mas não estava fixado provocando a queda deste último; 13. Durante a queda o referido tubo metálico veio a atingir CC que naquele momento, laborava na bancada móvel referida em 8., tendo aquele sofrido uma pancada violenta na região frontal e parietal esquerda do crânio.» Assim, concluem que, “dado a experiência comum e a velocidade dos acontecimentos, nenhuma orientação foi dada a CC para sair do local enquanto decorria, os trabalhos referidos em 21.”. Tais factos foram dados como provados no processo criminal, e integrando os mesmos os pressupostos da punição de que foi alvo o ali arguido são os mesmos oponíveis na presente acção cível, nos termos previstos no artigo 623º do Código de Processo Civil. E, como tal, tal matéria foi aqui considerada, como resulta dos pontos 27 e 28 dos factos provados, mas deles não resulta que não tenha sido dada orientação a CC para sair do local. De resto, tal facto é inócuo para a decisão, pois está apurado que o acidente que vitimou CC, como se conclui no processo criminal, decorreu do facto ilícito e culposo do funcionário da R., que ali foi condenado, e não de qualquer actuação do falecido, o que constitui facto incontrovertido nos autos. Assim, permanece inalterado o facto não provado em causa. 4. Deste modo, improcede o recurso quanto à matéria de facto. 5. No que se reporta ao direito, importa referir que com a presente acção pretendem os AA. efectivar a responsabilidade da R. pelo pagamento das indeminizações pelo dano morte e danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes, na sequência da morte de CC, companheiro da 1ª autora e pai do 2º autor, pelas quais foi condenado o funcionário da R. – DD –, no processo criminal n.º 113/09...., e que ainda permaneçam em dívida, com fundamento na responsabilidade objectiva da R., nos termos previstos no artigo 500º do Código Civil. Na sentença, embora se tenha considerado existir uma relação de comissão entre a R. (comitente) e o seu funcionário (comissário), que foi condenado no processo criminal pelo acidente que vitimou CC, concluiu-se pela exclusão da responsabilidade da R., sob o entendimento de que o comitente só assume a posição de garante, em regime de solidariedade com o comissário, ao abrigo do artigo 500º do Código Civil, perante um terceiro lesado, e não perante outro comissário, como era o caso do falecido que desempenhava as tarefas sob as ordens e instruções da R., convocando, a este respeito, o decidido no acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-03-2018 (proc. n.º 940/14.0TBCBR.C1.S1), disponível, como os demais citados sem outra indicação, em www.dgsi.pt [«II - Existe uma relação de comissão entre a ré, comitente, e os dois trabalhadores sinistrados, comissários, porquanto estes eram empregados daquela e dela receberam ordens para proceder à abertura de uma vala (ainda que um deles por intermédio do outro, seu chefe), em cuja execução veio a ocorrer um aluimento de terras. III - Os danos da perda do direito à vida dos referidos trabalhadores, não são indemnizáveis pela ré comitente com o fundamento no disposto no artigo 500º do Código Civil, por aqueles terem a qualidade de comissários e não de terceiros lesados.»]. Os AA./Recorrentes discordam deste entendimento, defendendo, no essencial, que o trabalhador sinistrado (funcionário da empresa de trabalho temporário), é terceiro para efeitos da aplicação da norma do artigo 500º do Código Civil. Por sua vez a R./recorrida não concorda, sufragando o entendimento seguido pela decisão recorrida. Vejamos. 6. Em causa nos autos está a aplicação do artigo 500º do Código Civil, onde se prevê: «Artigo 500.º (Responsabilidade do comitente) 1. Aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar. 2. A responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada. 3. O comitente que satisfizer a indemnização tem o direito de exigir do comissário o reembolso de tudo quanto haja pago, excepto se houver também culpa da sua parte; neste caso será aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 497.º». Como resulta deste preceito, o regime da responsabilidade do comitente pelos actos praticados pelo comissário depende da verificação dos seguintes pressupostos: (i) A existência de uma relação de comissão; (ii) Prática de factos danosos pelo comissário no exercício da função; e (iii) Responsabilidade do comissário. Na previsão normativa em causa, está, pois, uma responsabilidade objectiva do comitente, pois este responde independentemente de culpa sua, mas desde que sobre o comissário recaia a obrigação de indemnizar. O comitente assume a posição de garante da indemnização perante o lesado, respondendo na mesma medida da responsabilidade do comissário, gozando, em princípio, do direito de regresso contra o comissário, para se ressarcir do que haja pago (cf. n.º 3 do artigo 500º do Código Civil). De facto, como afirma Menezes Leitão, “a responsabilidade do comitente é uma responsabilidade objectiva pelo que não depende de culpa sua na escolha do comissário, na sua vigilância ou nas instruções que lhe deu. No entanto, essa responsabilidade objectiva apenas funciona na relação com o lesado (relação externa), já que posteriormente o comitente terá na relação com o comissário (relação interna) o direito a exigir a restituição de tudo quanto pagou ao lesado, salvo se ele próprio tiver culpa, caso em que se aplicará o regime da pluralidade de responsáveis pelo dano (art. 500º, nº3)” (Direito das Obrigações, vol. I, pág.322). Mas, como referem Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª Edição revista e actualizada, pág. 507, “[o] comitente poderá, no entanto, responder independentemente de culpa do comissário, se tiver procedido com culpa (culpa in eligendo, in instruendo, in vigilando, etc.). Nesse caso, já não haverá responsabilidade objectiva, mas responsabilidade por actos ilícitos, baseada na conduta culposa do comitente”. A aplicabilidade do artigo 500º do Código Civil, depende da existência de uma relação de comissão, a qual “… pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário, que autorize aquele a dar ordens ou instruções a este. Só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo”, sendo que, “[o] termo comissão não tem aqui o sentido técnico, preciso, que reveste nos artigos 266º e seguintes do Código Comercial, mas antes o sentido amplo de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade traduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual, etc.”. (cf. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit. pág. 507-508, Menezes Leitão, ob. cit., pág.323, e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, pág. 640). E, como adianta Nuno Morais (Revista Julgar, n.º 6, pág. 53) “… a existência de uma relação laboral pode ser, por si, indicador da existência de uma relação de comissão, mas não esgota em si a possibilidade de criação de relações de comissão por via contratual …”. 7. No caso em apreço, em face dos factos apurados, está demonstrado nos autos que foi o funcionário da R., DD, quem deu causa ao evento danoso, do qual resultou a morte de CC, tendo aquele sido condenado “pela prática de um de um crime de violação de regras de segurança, previsto e punido pelos artigos 152°-8°, números 2 e 4, al. b), 15°, ai. a) e 18°, todos do Código Penal, com referência aos artigos 3°, al. b), 15° e 69°, números 4, 5 e 6, todos da Portaria número 53171, de 03 de Fevereiro, alterado pela Portaria número 702/80, de 22 de Setembro e artigo 273°, número 2, do Código do Trabalho, na pena de 4 (quatro) anos de prisão suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova a elaborar pelo IRS” (cf. ponto 4 dos factos provados). E também não subsistem dúvidas de que entre a R. e este seu trabalhador se verifica uma relação de comissão, desempenhando o referido trabalhador as suas funções laborais e executando as tarefas que lhe estavam confiadas sob as ordens e direcção da R., como resulta dos factos apurados, o que não é, sequer, controvertido. Assim, sendo, entende-se que estão reunidos todos os pressupostos exigidos pelo artigo 500º do Código Civil para que o comitente, no caso a R., responda solidariamente pelos actos danosos causados pelo seu comissário, não se encontrando fundamento material bastante para se afastar esta responsabilidade do comitente pelo facto de o lesado estar dependente na conformação da sua prestação das ordens e instruções da R.. É verdade que o lesado, CC, embora não fosse trabalhador da R., como sucedia no caso julgado no processo do Supremo Tribunal de Justiça supra referido, era trabalhador da empresa de trabalho temporário “Portsimi – Empresa de Trabalho Temporário, SA.”, e exercia as funções correspondentes à categoria profissional de serralheiro construtor de estruturas metálicas, nas instalações da EMP01..., em Local 1, onde a ora R. se encontrava a prestar serviços, sob as ordens e instruções da R., que era a empresa utilizadora. Como se diz no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 6/2013 (DR. N.º 45, Série I, de 05/03/2021), a respeito do trabalho temporário, constante dos artigos 172º e 192º do Código do Trabalho: «O regime do trabalho temporário caracteriza-se pelo desdobramento do estatuto da entidade empregadora entre a empresa de trabalho temporário e o utilizador, mantendo o trabalhador um vínculo com a empresa de trabalho temporário, mas ficando a prestação de trabalho sujeita ao poder de direcção do utilizador, ou seja do destinatário da prestação de trabalho .(…) Deste modo, embora a relação de trabalho se estabeleça entre o trabalhador temporário e a empresa de trabalho temporário, que é a verdadeira entidade empregadora, a conformação da prestação de trabalho vai ser assumida, não pela entidade empregadora como no contrato de trabalho geral, mas sim pela empresa utilizadora que recebe a prestação de trabalho do trabalhador cedido. Deste modo, apesar de a utilizadora receber e conformar a prestação de trabalho não tem o estatuto de entidade empregadora que continua a ser a empresa de trabalho temporário. Resulta do disposto no nº 2 do artigo 185º do Código do Trabalho, que tem por epígrafe «condições de trabalho de trabalhador temporário», que «durante a cedência, o trabalhador está sujeito ao regime aplicável ao utilizador no que respeita ao modo, lugar, duração do trabalho e suspensão do contrato de trabalho, segurança e saúde no trabalho e acesso a equipamentos sociais», estabelecendo, contudo, o n.º 4 do mesmo artigo, que «durante a execução do contrato, o exercício do poder disciplinar cabe à empresa de trabalho temporário. (…)» E, como se refere neste aresto, «…, o utilizador, como destinatário do trabalho prestado, tem o direito de enquadrar e de orientar a prestação, definindo os termos e as condições em que esse trabalho é prestado. Nesta parte, o utilizador exerce componentes do poder de direcção do trabalho que assiste em geral à entidade empregadora e é por força desta assunção de poderes que originariamente pertencem à empresa de trabalho temporário que se refere que o utilizador exerce esses poderes por delegação, neste caso, ope legis.». Ora, é precisamente no âmbito deste poder delegado da entidade empregadora do trabalhador na entidade utilizadora que se desenvolve o poder de conformação pela R. da prestação da actividade do lesado CC, no caso exercida através das instruções e ordens transmitidas pelo trabalhador da R., DD, que foi o responsável pelo evento danoso, causador da morte de CC. Mesmo entendendo-se que do exercício deste poder delegado da entidade empregadora do trabalhador temporário, de conformação da prestação de trabalho pela entidade utilizadora, com o poder de dar ordens e instruções na execução das tarefas a desempenhar pelo trabalhador cedido, resulta uma relação de comissão entre a empresa utilizadora e o trabalhador temporário, este continua a ter a posição de lesado pelos actos praticados pelo comissário da empresa utilizadora, causador do evento danoso, e tanto basta para que a empresa utilizadora responda pelos danos causados pelo seu funcionário, nos termos do artigo 500º do Código Civil. Salvo o devido respeito por opinião contrária, a norma do artigo 500º do Código Civil apenas fixa a responsabilidade do comitente pelos actos do comissário perante qualquer outra pessoa lesada, responsabilidade esta que, em relação às pessoas colectivas se mostra genericamente ínsita na previsão do artigo 165º do Código Civil [“As pessoas colectivas respondem civilmente pelos actos ou omissões dos seu representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos seus comissários”]. 8. Deste modo, considerando-se estarem reunidos os pressupostos de aplicação do artigo 500º do Código Civil, a R. responde pelo pagamento das indemnizações aos AA. fixadas na decisão criminal, a título de dano morte e pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima e, bem assim, pelos danos não patrimoniais dos aqui AA., fixados na decisão do processo criminal n.º 113/09...., da Vara Mista do Tribunal Judicial Local 1, ou seja: - Ao A. BB a quantia de € 63.000,00 (sessenta e três mil euros), correspondendo € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) pela perda do direito à vida; € 3.000,00 (três mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pela vítima antes de falecer; e € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) pelos danos não patrimoniais sofridos pelo próprio; - À A. AA aa quantia total de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) pela perda do direito à vida. Note-se que a R. não contesta o montante dos valores fixados, que, aliás se têm por justificados em função dos factos apurados. O que a R. disse com relevância na contestação, é que os AA., ao peticionarem a condenação da ora R. no exacto valor que o funcionário DD foi já condenado a pagar (no processo criminal), visam obter um enriquecimento sem causa, nos termos do artigo 473.º, pretendendo os AA. ver duplicada a indemnização. Mas não é assim, posto que no despacho de 28/04/2022 se entendeu que o pedido formulado pelos AA. se atém apenas à parcela do peticionado que não foi ou for satisfeito por via da execução entretanto instaurada contra o comissário. Ou seja, a condenação da R. no pagamento dos montantes indemnizatórios fixados na sentença criminal restringe-se aos valores que ainda se encontrem em dívida, sem prejuízo do direito de regresso que lhe assiste, nos termos do n.º 3 do artigo 500º do Código Civil. Não existindo nos autos elementos suficientes para o apuramento dos valores já pagos na execução movida contra o funcionário da R., o montante concreto a pagar pela R. terá que ser apurado em liquidação posterior (cf. artigo 609º, nº 2, do Código de Processo Civil) E sendo pedidos juros moratórios desde a citação, os mesmos só poderão incidir sobre os valores em dívida àquela data (cf. artigo 804º e 805º, n.º 1, do Código Civil). 9. Por conseguinte, procede a apelação, com a consequente revogação da sentença recorrida e a condenação da R. no pagamento das quantias supra indicadas. * Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida e condenar a R. no pagamento aos AA. das quantias em que o seu funcionário DD foi condenado no processo criminal n.º 113/09...., da Vara Mista do Tribunal Judicial Local 1, deduzidas dos montantes que entretanto tenham sido pagos, a liquidar oportunamente, como referido no ponto 8., sendo devidos juros moratórios, à taxa legal, sobre os montantes que se mostrem estar em dívida à data da citação e até integral pagamento.IV – Decisão Custas a cargo a cargo da Apelada. * Évora, 7 de Novembro de 2024 Francisco Xavier Maria José Cortes Maria João Sousa e Faro (documento com assinatura electrónica) |