Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
Descritores: | ADMISSÃO DO RECURSO EXTEMPORANEIDADE SUSPENSÃO DE PRAZO INTERPRETAÇÃO DA LEI | ||
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Data do Acordão: | 10/14/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | À luz do disposto nos artigos 9.º e 11.º do Código Civil, conclui-se pela aplicação do regime inserto na alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro, aos prazos para interposição de recurso de decisões proferidas antes da entrada em vigor desse regime. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em Conferência, os Juízes no Tribunal da Relação de Évora (…), reclamando do despacho que rejeitou o recurso por extemporaneidade, o que desde logo tinha sido invocado pelo Recorrido (…), sustenta que o referido recurso deve ser admitido. Para tanto, invoca que: - a decisão recorrida foi proferida a 30-12-2020 e notificada às partes a 04-01-2021, ou seja, a alínea d) é inaplicável, aplicando-se a regra geral da suspensão dos prazos, ou seja, o artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03; - considerar que se aplica às decisões proferidas anteriormente à vigência da lei – data anterior 22-01-2021 – é ir-se muito além da letra e do espírito da lei, jamais se podendo considerar que tal conclusão resulta de uma interpretação extensiva, dado não ter a mínima correspondência com a letra lei – n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil; - “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados” – artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil; - se o legislador disse que os prazos de recurso não se suspendiam em situações em que o tribunal viesse a proferir decisão por entender que não eram necessárias novas diligências de prova é porque não queria que se aplicassem as decisões proferidas em momento anterior à vigência da lei; - caso contrário, não fazia referência a “decisões a proferir” nem ao entendimento do tribunal em ser ou não necessário novas diligências; - se o intuito fosse o de abranger os prazos de recurso de todas as decisões proferidas antes ou depois da vigência do regime da suspensão de prazos, o legislador podia ter sido muito mais parco nas palavras, nomeadamente, ao referir, apenas, que “os prazos de interposição de recurso de decisões finais não se suspendem”; - entender-se que a exceção da suspensão dos prazos se aplica a decisões proferidas antes da vigência da lei extravasa todos os limites da interpretação extensiva, indo para o campo da analogia, o que não é possível, atendendo ao disposto no artigo 11.º do Código Civil, dado a alínea d) ser uma norma excecional; - a interpretação extensiva tem que estar afastada devido à falta da mínima correspondência verbal – n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil; - nesse sentido, alude a acórdão da Presidência do Tribunal da Relação de Évora com o seguinte sumário: “A previsão da alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 01 de fevereiro, ao aludir ‘a que seja proferida decisão final’, só pode reportar-se a situações em que foi proferida decisão final após a sua entrada em vigor”; - tem que se considerar que o prazo do recurso interposto pelo Recorrente suspendeu-se a partir de 22/01/2021, inclusive, pelo que terminou em 28 de Abril de 2021; - a alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º-B, interpretada no sentido de abranger a decisões proferidas em momento anterior à vigência da Lei n.º 4-B/2021, de 01/02 – que aditou o referido artigo 6.º-B à Lei n.º 1-A/2020, 19/03 – é inconstitucional por violar os princípios do estado de direito e da legalidade previstos nos artigos 2.º e 3.º da CRP, em virtude de ser feita uma interpretação contrária a normas de interpretação e de aplicação da lei (artigos 9.º, 10.º e 11.º do Código Civil), pondo-se em causa o Estado de Direito, e por se fazer uma interpretação e aplicação de um preceito sem o mínimo de correspondência com a letra da lei. A parte contrária apresentou resposta, reiterando ser extemporâneo o recurso interposto, já que, conforme jurisprudência que cita, não há razão plausível na economia da lei para o legislador vir salvaguardar da suspensão dos prazos de recurso decisões proferidas durante o período em vigor da lei e estabelecer essa suspensão para as decisões que foram proferidas antes da entrada em vigor da lei. Cumpre apreciar e decidir. O presente recurso foi interposto a 21/04/2021. A decisão recorrida foi notificada às partes a 30/12/2020. O prazo para interposição do recurso é de 40 dias – cfr. artigo 638.º, n.ºs 1 e 7, do CPC. Atento o disposto no artigo 248.º do CPC, a notificação considera-se efetuada a 4 de janeiro. Nessa data, os prazos não estavam suspensos. A cessação do período de suspensão ocorreu nos termos do artigo 8.º da Lei n.º 16/2020, de 29/05, que revogou o artigo 7.º, n.º 1, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, na redação dada pela Lei n.º 4-A/2020, de 06/04, com efeitos a partir do dia 03/06/2020. A suspensão dos prazos ocorreu, no corrente ano, por via da Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, em vigor no dia seguinte ao da publicação, aditando o artigo 6.º-B à Lei n.º 1-A/2020, de 19/03. Determina a suspensão de todos os prazos para a prática de atos processuais que devam ser praticados no âmbito dos processos que correm termos nos tribunais judiciais (cfr. n.º 1 do artigo 6.º-B), o que não obsta: - a que seja proferida decisão final nos processos e procedimentos em relação aos quais o tribunal e demais entidades referidas no n.º 1 entendam não ser necessária a realização de novas diligências, caso em que não se suspendem os prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão – cfr. alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º-B. Trata-se de legislação que visa fazer face aos constrangimentos decorrentes da situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, situação de emergência de saúde pública de âmbito internacional, declarada pela Organização Mundial de Saúde, no dia 30 de janeiro de 2020. Encetou-se, então, um conjunto de medidas que, no que diz respeito à atividade jurisdicional, tinham em vista evitar o contacto físico e direto entre sujeitos, as deslocações aos Tribunais, de modo a conter-se a propagação do referido vírus. Decorre do citado regime legal que a suspensão dos prazos mencionada no n.º 1 não obsta à prolação de decisões nos processos, desde que se entenda que o processo se encontra em condições para tanto, caso em não se suspendem os prazos para interposição de recurso. E se não se suspendem os prazos para interposição de recurso de decisões proferidas na vigência do citado regime, também não se suspendem os prazos que estejam em curso para interposição de recurso. Ora vejamos. O artigo 9.º do Código Civil dispõe o seguinte relativamente à interpretação da lei: 1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Assim, “No que concerne aos elementos de interpretação, são dois os fatores essenciais – o elemento gramatical (letra da lei) e o elemento lógico (o espírito da lei) subdividindo-se este em três – o elemento racional ou teleológico, o elemento sistemático e o elemento histórico. O elemento gramatical (letra da lei) e o elemento lógico, ou seja, (o rito da lei) têm sempre que ser utilizados conjuntamente.”[1] Na análise Pires de Lima e Antunes Varela[2], mediante aquela redação normativa “afasta-se o exagero dos objetivistas que não atendem sequer às circunstâncias históricas em que a norma nasceu, na medida em que se manda reconstituir o pensamento legislativo e atender às circunstâncias em que a lei foi elaborada. Como se condena igualmente o excesso dos subjetivistas que prescindem por completo da letra da lei, para atender apenas à vontade do legislador, quando no n.º 2 se afasta a possibilidade de qualquer pensamento legislativo valer como sentido decisivo da lei, se no texto desta não encontrar um mínimo de correspondência verbal. E ao mesmo tempo que manda atender às circunstâncias (históricas) em que a lei foi elaborada, o preceito não deixa de expressamente considerar relevantes as condições específicas do tempo em que a norma é aplicada (nota vincadamente atualista). O facto de o artigo afirmar que a reconstituição do pensamento legislativo deve fazer-se a partir dos textos não significa, de modo nenhum, que o intérprete não possa ou não deva socorrer-se de outros elementos para esse efeito, nomeadamente do espírito da lei (a mens legis). O artigo 11.º do CC, por sua vez, estabelece que as normas excecionais não comportam aplicação analógica, mas admitem interpretação extensiva. Tendo em consideração os motivos subjacentes ao regime inserto no artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, e os objetivos que visa alcançar no quadro a situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, que já apontámos supra, afigura-se nenhuma razão existir para dar como suspensos prazos para interposição de recurso que estejam em curso à data da entrada em vigor desse regime quando decorre deste que não se suspendem os prazos para interposição de recurso de decisões proferidas na sua vigência. «Não há razão plausível na economia da lei para o legislador vir salvaguardar da suspensão dos prazos de recurso decisões proferidas durante o período em vigor da lei e estabelecer essa suspensão para as decisões que foram proferidas antes da entrada em vigor da lei. A razão de ser num e noutro caso é a mesma. Evitar deslocações de pessoas aos tribunais, finalidade que é prosseguida de igual modo num e noutro caso.»[3] «O fim visado pelo legislador ao editar a norma contida na alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º-B foi o de impedir que operasse a suspensão nos prazos de recurso, quando se esteja perante decisão final proferida no processo, independentemente do momento em que se desse a prolação da mesma, por ser essa a interpretação que se deve dar ao texto por ser mais consentânea e correspondente quer ao pensamento legislativo quer à razão e espírito da lei.»[4] «Em face das disposições citadas, conclui-se que a partir de 22/01/2021, e durante a vigência da medida excecional de suspensão, não se iniciam nem correm os prazos processuais em processos pendentes nos órgãos e entidades referidos no n.º 1, independentemente da sua duração, com exceção dos prazos para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento da retificação ou reforma da decisão. A não suspensão dos prazos “para interposição de recurso, arguição de nulidades ou requerimento de retificação ou reforma da decisão”, tanto vale para os tenham por objeto decisões finais anteriores a 22/01/2021, como as proferidas depois desta data, por ser a mesma a razão de ser da lei: atenuar os efeitos negativos da suspensão dos prazos previstos no n.º 1 do artigo 6.º-B.»[5] Termos em que, à luz do disposto nos artigos 9.º e 11.º do Código Civil, se conclui pela aplicação do regime inserto na alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º-B da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação dada pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro, aos prazos para interposição de recurso de decisões proferidas antes da entrada em vigor desse regime. Em face do exposto, considerando que a fundamentação aqui exarada assenta, designadamente, no regime inserto nos artigos 9.º e 11.º do Código Civil, não merece acolhimento a alegação do Reclamante de que é inconstitucional a interpretação da alínea d) do n.º 5 do artigo 6.º-B no sentido aqui propugnado por violar os princípios do Estado de Direito e da legalidade previstos nos artigos 2.º e 3.º da CRP por ser feita uma interpretação contrária a normas interpretação e de aplicação da lei (artigos 9.º, 10.º e 11.º do Código Civil) e por se fazer uma interpretação e aplicação de um preceito sem o mínimo de correspondência com a letra da lei. Assim, tendo-se por efetuada a notificação da decisão recorrida a 04/01/2021, o requerimento de interposição de recurso formulado a 21/04/2021 deve ser indeferido, por extemporâneo, nos termos do disposto no artigo 641.º/2/alínea a), do CPC. Cabe, assim, desatender a presente reclamação. As custas recaem sobre o Reclamante. DECISÃO Por todo o exposto, acordam, em conferência, os juízes nesta Relação em confirmar o despacho reclamado que não admitiu o recurso. Custas pelo Reclamante. Évora, 14 de outubro de 2021 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Maria Domingas Simões Vítor Sequinho dos Santos __________________________________________________ [1] Teoria Geral do Direito Civil – 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto. [2] Cfr. CC Anotado, vol. I, 4.ª edição, páginas 58 e 59. [3] Ac. TRL de 13/05/2021, processo n.º 598/18. [4] Ac. TRE de 13/05/2021, processo n.º 2161/19. [5] Ac. STJ de 22/04/2021, processo n.º 263/19. |