Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS | ||
| Descritores: | DIREITO DE REGRESSO DA SEGURADORA ACIDENTE EM AUTO-ESTRADA CARGA DO VEÍCULO | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | A aquisição, pela empresa de seguros, de um direito de regresso contra o responsável civil, nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, depende da verificação dos seguintes pressupostos: i) os danos terem sido causados pela queda de carga de um veículo; e ii) essa queda ter resultado do deficiente acondicionamento da carga transportada. (Sumário do Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 5267/23.3T8STB.E1
Autora/recorrente: (…) – Companhia de Seguros, S.A.. Réus/recorridos: (…) – Transportes, Lda., e (…). Pedido: Condenação dos réus a pagarem, à autora, a quantia de € 28.187,96, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal de 4%, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento, bem como todas as demais quantias que a autora vier a despender na regularização do sinistro que se venham eventualmente a verificar. Sentença recorrida: Julgou a acção improcedente, absolvendo os réus do pedido. Conclusões do recurso: a. O recurso interposto da sentença que julgou a acção «totalmente improcedente e, consequentemente absolve os Recorridos (…) – Transportes Lda. e (…) do pedido formulado» pela Recorrente, com o qual a Recorrente não se conforma. b. O tribunal fez uma aplicação da lei sem ter em consideração «ratio normativa» ou «ratio legis», ignorando o propósito ou objectivo subjacente a norma aplicável à situação fáctico-jurídica em causa, bem como o objectivo final que se pretende atingir com a aplicação da lei aplicável ao caso concreto, não se tendo socorrido de elementos interpretativos e analógicos, que lhe permitiriam obter uma decisão em consonância com os mais elementares princípios de direito e de justiça. c. Tendo presente os factos provados transcritos em sede de alegações, a solução jurídica do tribunal a quo, também transcrita em sede de alegações, deveria ter sido outra. d. Contrariamente ao sustentado pelo tribunal, entende a recorrente que o legislador, com a utilização da palavra «queda» na alínea e) do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, não pretendeu salvaguardar o direito de regresso da seguradora apenas para situações em que se verificam danos na sequência de queda de carga mal-acondicionada. e. Pretendeu, outrossim, reconhecer o direito de regresso da seguradora para todas as situações em que, na sequência e/ou em virtude da carga mal-acondicionada, são provocados danos a terceiro que a seguradora, ao abrigo de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, se vê obrigada a ressarcir. f. O veículo com a matrícula (…), seguro junto da recorrente, transportava uma máquina ultrapassando, largamente, a altura legalmente permitida e, por tal facto, embateu no pórtico da auto-estrada devidamente identificados nos autos, provocando-lhe danos. g. Foi o facto de a carga estar mal-acondicionada – facto imputável aos recorridos –, causa exclusiva pela ocorrência do acidente em causa nos presentes autos e dos danos provocados, os quais a recorrente ressarciu à Brisa, terceiro lesado, ao abrigo do mencionado contrato de seguro. h. Nenhuma razão existe para que (i) não se estenda o direito de regresso da seguradora a situações de carga mal-acondicionada em que não se verifica uma queda efectiva da carga; (ii) as situações em causa tenham um tratamento jurídico distinto quando decorrem do mesmo facto: o mau acondicionamento de carga; (iii) seja reconhecido à seguradora direito de regresso numa situação em que são provocados danos a terceiro na sequência de «queda» de carga mal-acondicionada, e não seja reconhecido tal direito quando são provocados danos na sequência de carga mal-acondicionada na qual inexiste queda. i. O legislador, na redacção da alínea e) do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, não logrou expressar exprimir o seu pensamento em termos adequados. j. Mesmo que se considere que a norma tem carácter excepcional, não nos parece que o legislador tenha utilizado «intencionalmente» a expressão «queda», entendendo a recorrente que não está abrangida pelo direito de regresso apenas a «indemnização paga relativamente a danos causados a terceiros em virtude de queda ou projeção causada pelo deficiente acondicionamento de carga e não qualquer dano causado pela carga em si». k. Socorrendo-nos do «estatuído no artigo 11.º do Código Civil, impõe-se a presunção de que o legislador se soube exprimir em termos adequados», contudo, não obstante tal presunção, deverá recorrer-se aos demais mecanismos que a lei coloca à disposição do aplicador, com vista a obter uma solução justa, equitativa e de acordo com fim da norma aplicável. l. O legislador, na redacção da norma, não se soube exprimir, uma vez que é certo que não pretendeu excluir o direito de regresso da seguradora perante situações em que, pelo facto da carga estar mal-acondicionada, mesmo que a mesma não caia, são provocados danos a terceiro que a seguradora tem de ressarcir junto do terceiro lesado. m. Não nos parece que o legislador pretendesse excluir tal direito de regresso em situações como a situação fáctico-jurídica em causa nos presentes autos em que, por responsabilidade do proprietário e motorista do veículo seguro – os aqui recorrentes –, e em virtude da carga esta mal acondicionada – acondicionada de forma a ultrapassar largamente a altura para circulação na via pública – são provocados danos a terceiro que a aqui recorrente, enquanto seguradora, se viu obrigada a ressarcir ao abrigo do contrato de seguro de responsabilidade civil responsabilidade civil automóvel. n. É para a recorrente claro que o legislador pretendia, na norma em causa, também abranger a situação fáctico-jurídica em causa nos presentes autos, uma vez que nenhuma razão existe para tratar as situações em causa de forma diferente. o. Qual a razão para o condutor – ou proprietário – de um veículo que transporta carga mal-acondicionada que cai, e causa danos a terceiro, estar sujeito a um «juízo de censurabilidade» e estar a «agravar o risco de ocorrência de acidente», e o condutor – ou proprietário – de um veículo que transporta carga mal acondicionada que não cai, mas que causa danos a terceiro decorrente da altura do material transportado ser superior à legalmente admissível, não estar sujeito a tal «juízo de censurabilidade» e não estar a «agravar o risco de ocorrência de acidente»? A resposta a tal questão é simples: nenhuma razão existe! p. Tanto está sujeito a tal «juízo de censurabilidade» e tanto está a «agravar o risco de ocorrência de acidente», o condutor – ou proprietário – do veículo que transporta carga mal-acondicionada que cai, como aquele que, não obstante a carga não cair, não a acondiciona de forma correcta, isto é, de forma a não causar danos, a não provocar acidentes, e/ou a não aumentar o risco de ocorrência de acidente. q. O motorista e o proprietário do veículo seguro junto da recorrente, ao transportarem a carga nos termos em que o faziam – e nos termos em que foi considerado provado pelo tribunal a quo – estão sujeitos a um «juízo de censurabilidade», e actuaram de forma a «agravar o risco de ocorrência de acidente», mesmo a carga não tendo caído. r. Nenhuma razão existe para considerar que o legislador, ao colocar a palavra «queda» na norma em causa, pretendeu reconhecer o direito de regresso apenas em situações em que a carga mal-acondicionada cai, e não todas as situações sujeitas a um «juízo de censurabilidade» e que contribuem para «agravar o risco de ocorrência de acidente», como é o caso do mau acondicionamento decorrente do transporte em altura, do qual resultaram danos. s. O tribunal a quo, ao decidir como decidiu na aplicação da norma, não teve em consideração «ratio normativa» ou «ratio legis», ignorou o propósito ou objectivo subjacente a norma aplicável à situação fáctico-jurídica em causa nos presentes autos, sendo tal propósito reconhecer à seguradora o direito de regresso em situações de carga mal-acondicionada que merecendo um «juízo de censurabilidade» e que contribuem para «agravar o risco de ocorrência de acidente», causam danos a terceiro. t. Tendo ignorado o objectivo final que se pretende atingir com a aplicação da lei aplicável ao caso concreto – o reconhecimento do direito de regresso à seguradora e situações de carga mal-acondicionada que merecendo um «juízo de censurabilidade» e que contribuem para «agravar o risco de ocorrência de acidente», causam danos a terceiro –, não se tendo socorrido de elementos interpretativos e analógicos, que lhe permitiriam obter uma decisão em consonância com os mais elementares princípios de Direito e de Justiça. u. Deveria o tribunal a quo, na aplicação da alínea e) do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, ter recorrido ao disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil; ter considerado o n.º 3 do artigo 9.º do Código Civil nos termos da doutrina citada nas alegações desconsiderando a presunção aí plasmada; deveria ter seguido o disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Código Civil e não se ter cingido à letra da lei e feito uma interpretação tendo «em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada». v. Deveria ter feito uma interpretação extensiva (ou restritiva, ignorando a expressão «queda») da norma e, não obstante a letra da lei, considerar, também, situações em que, não obstante a carga transportada não cair, causa danos a terceiros em virtude do mau-acondicionamento, uma vez que nenhuma razão existe para que não sejam consideradas situações em que, em consequência de transporte de carga mal-acondicionada, são provocados danos a terceiros não obstante a carga transportada não cair. w. Sendo de salientar, que, mesmo que se considere a norma excepcional, tais normas, «admitem interpretação extensiva», conforme resulta do artigo 11.º do Código Civil, devendo ser feita uma interpretação extensiva (ou restritiva, da norma, ignorando a expressão «queda») e considerar que a norma em causa abrange situações em que são provocados danos a terceiros na sequência de carga mal-acondicionada, mesmo que os danos não resultem da queda da carga, ou que a carga não caia. x. Sendo de salientar, a respeito do artigo 11.º do Código Civil, a doutrina citada em sede de alegações. y. Deverá este tribunal seguir todo o procedimento e/ou método interpretativo vindo de referir e, tendo presente tudo quanto se alegou, fazer uma interpretação e aplicação da alínea e) do artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, tendo em consideração «ratio normativa» ou «ratio legis», o propósito ou objectivo subjacente à norma e à situação fáctico-jurídica em causa, e/ou faça uma interpretação extensiva (ou restritiva ou mesmo analógica) e, em consequência, revogue a sentença recorrida, sendo a mesma substituída por acórdão que reconheça à recorrente o direito de regresso sobre os recorridos, no que respeita aos custos suportados ao abrigo do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, referente a indemnização paga a terceiro decorrente dos danos causados a terceiro em virtude de carga mal-acondicionada, não obstante tal carga não ter caído e os danos não decorrerem de tal queda. z. Deverá a decisão recorrida ser revogada, e substituída por uma outra que, reconhecendo razão à recorrente, condene solidariamente os recorridos a reembolsar a recorrente pelos danos suportados por esta junto de terceiro provocados pelo facto do veículo seguro junto da recorrente, circular com carga mal-acondicionada, não obstante a mesma não ter caído. aa. Tendo presente os factos considerados como factos provados, se a interpretação da norma for concretizada nos termos alegados, estão reunidos os pressupostos para que os recorrentes sejam solidariamente condenados a pagar à recorrente as quantias por esta peticionadas. bb. Tendo presente tais factos provados, aquando do acidente em causa nos presentes autos (i) estava em vigor um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel celebrado com a recorrente; (ii) o veículo em causa foi interveniente num acidente causado em consequência de carga mal acondicionada (transportava carga com uma altura aproximada de 5,30m, tinha uma autorização caducada em que o limite de carga era de 4,60m, e embateu num pórtico de portagem com altura de 5,10m devidamente sinalizada pela concessionária); (iii) o acidente provocou danos à concessionária no valor de € 27.147,81, causados em virtude da carga estar mal acondicionada; (iv) a recorrente pagou à concessionária a quantia de € 27.147,81, referente à reparação dos danos provocados em virtude da carga estar mal-acondicionada e despendeu a quantia de € 178,35 e de € 861,80 em diligências de averiguação e peritagem; e (v) a responsabilidade pela carga mal-acondicionada e, em consequência, dos danos provocados, recai sobre os recorridos, respectivamente, motorista e proprietário do veículo. cc. Em face de tudo quanto se alegou, deve a sentença recorrida ser revogada, sendo substituída por acórdão que, reconhecendo razão à recorrente, condene solidariamente os recorridos no pagamento à recorrente das quantias por esta suportada em consequência do acidente em causa nos presentes autos, ocorrido em virtude do veículo seguro junto da ré circular com a carga mal-acondicionada. dd. Ao decidir em tais termos, decidirá este tribunal de acordo com lei – e sua interpretação – e reporá a devida Justiça! Questão a decidir: Interpretação do artigo 27.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto. Factos julgados provados pelo tribunal a quo: 1 – A autora é uma sociedade que se dedica à actividade de seguradora no ramo «não vida». 2 – No exercício da sua actividade profissional, celebrou com a ré «(…) Transportes, Lda.» um contrato de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, titulado pela apólice n.º (…), que teve por objecto o veículo automóvel da marca MAN, com a matrícula (…). 3 – O veículo acima referido corresponde a um «CAMIÃO PARTICULAR – SUP. 20.000 KG P. BRUTO» e encontrava-se segurado para utilização das galeras L-(…), L-(…) e SE-(…). 4 – No dia 14 de Dezembro de 2019, pelas 13:31 horas, na A 12, ao km 20,500 S/N, em Setúbal, o veículo com a matrícula (…), conduzido por (…), quanto utilizava a galera SE-(…), realizava um serviço de transporte para um cliente, transportando uma plataforma aérea autopropulsora com braço telescópico utilizada para elevar trabalhadores até 42 metros, entre Setúbal e o Pinhal Novo. 5 – O veículo referido em 2, ao passar o primeiro pórtico da A12, no sentido acima referido, mais concretamente, na via verde (via 115), embateu com a máquina transportada na viga de suporte da pala do pórtico da portagem com altura de 5,10 metros, devidamente assinalada no site da BRISA. 6 – O embate acima referido foi participado à autora. 7 – A mencionada máquina possui um comprimento de 14,50 metros, mas para transporte o comprimento mínimo são 12,30 metros, virando o cesto para o lado. 8 – Aquando do embate, a máquina em causa era transportada com a lança levantada e o cesto inclinado. 9 – A máquina, quando a lança se encontra na horizontal, possui uma altura de 3,05 metros, mas é transportada com a lança ligeiramente levantada de modo a que o cesto recue, e, assim, diminua o comprimento total, de modo a caber no reboque, atingindo uma altura de 3,90 metros. 10 – Por sua vez, o reboque do veículo seguro junto da autora – galera SE-(…) –, é um estrado porta-máquinas, no qual a zona engate ao tratar possui uma elevação tipo degrau. 11 – Na zona plana, o reboque tem uma altura ao solo de 0,90 metros, e, no degrau, tem uma altura ao solo de 1,40 metros. 12 – Aquando do embate, a máquina acima identificada era transportada no reboque do veículo acima referido com a lança para a frente e com o cesto apoiado em cima do degrau, sendo a altura total do conjunto, medida do solo até à parte mais elevada da máquina, aproximadamente, 5,30 metros. 13 – A autorização especial de trânsito para transporte de máquinas caducou em 9 de Maio de 2018 e apenas permitia o transporte de carga a uma altura máxima de 4,60 metros. 14 – O 2º réu, (…), carregou a máquina no reboque segundo ordens e instruções da 1ª ré, sem assegurar que a mesma ficava acondicionada de modo a respeitar a altura máxima permitida e a conseguir passar no pórtico acima referido. 15 – Em consequência directa do referido embate, registou-se a afectação na face interior da viga de betão da pala do pórtico de portagens da BRISA, mais concretamente na via 115 (Via Verde) e na lateral do lado direito interior da portagem, com exposição das armaduras interiores e estribos existentes, com uma afetação com uma área de aproximadamente 1,50 metros x 0,60 metros. 16 – Após o embate foi realizada a colocação de sinalização de corte de duas vias das portagens e colocada estrutura de contenção provisória no local do embate. 17 – Foi necessário realizar um estudo estrutural, por forma a ser possível verificar se a resistência da viga teria sido afetada pelo embate, tendo-se concluído que a mesma não havia ficado afectada, razão pela qual não foi necessário proceder à sua substituição integral. 18 – Foi necessário proceder ao reforço estrutural na zona do embate para restabelecer a resistência original da viga, tendo tal reforço consistido na colocação de chapas metálicas com ligações aparafusadas na envolvente da viga afectada. 19 – Como consequência do embate, a BRISA viu-se obrigada a cortar a passagem das vias 115 e 116, e optar pela colocação de escoramento provisório na viga, até conclusão do estudo estrutural da resistência da viga. 20 – Na sequência do supra referido, a autora procedeu ao pagamento, à BRISA, em 03.06.2020, da quantia de € 27.147,81, correspondente a: i. Sinalização temporária – esquema F 01 (uni.), no valor de € 54,53; ii. Limpeza, recolha e transporte de destroços e vazadouro, no valor de € 890,00; iii. Montagem, aluguer e desmontagem de escoramento provisório da viga, no valor de € 5.847,02; iv. Reparação da viga sul da pala (via 115), no valor de € 20.356,26. 21 – A autora, com o relatório de averiguação do sinistro, procedeu ao pagamento, nos dias 4 de Março de 2020 e 19 de Junho de 2020, das quantias de € 178,35 e de € 861,80. Factos julgados não provados pelo tribunal a quo: A) O 2º réu carregou a máquina com a parte do cesto virada para trás do reboque. B) O 2º réu fotografou a máquina assim carregada e enviou fotografia para o chefe de serviço – (…) – para o número de telemóvel (…). C) Após, o chefe (…) telefonou ao 2º réu a dizer que máquina estava mal carregada e que teria de colocar a mesma com o braço e o cesto virados para a dianteira do camião e apoiadas na parte mais elevada no reboque. D) O 2º réu, por indicação do chefe de serviço, colocou a máquina nos termos referidos em C. E) A autora, através de carta registada com aviso de recepção, interpelou os réus para pagamento das quantias acima referidas. * O tribunal a quo considerou que não se verificam os pressupostos do direito de regresso da empresa de seguros previstos no artigo 27.º, n.º 1, alínea e), do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, porquanto um desses pressupostos é a queda da carga transportada no veículo e tal não aconteceu no caso dos autos. A recorrente insurge-se contra esta interpretação, considerando que aquela norma abrange «todas as situações em que, na sequência e/ou em virtude da carga mal-acondicionada, são provocados danos a terceiro que a seguradora, ao abrigo de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, nos termos do Decreto-Lei n.º 291/2007, de 21 de Agosto, se vê obrigada a ressarcir». Com base na interpretação que propõe, a recorrente conclui que, apesar de a máquina transportada no veículo pertencente à 1ª recorrida e conduzido pelo 2º recorrido não ter caído, o simples facto de a mesma máquina se encontrar mal acondicionada e, por essa razão, ter causado danos a terceiro, é suficiente para gerar o direito de regresso que se arroga. Em abono da interpretação do artigo 27.º, n.º 1, alínea e), do DL 291/2007, que propõe, a recorrente argumenta em termos que assim resumimos: 1 – O legislador não logrou exprimir o seu pensamento em termos adequados; 2 – Nenhuma razão existe para que seja reconhecido, à empresa de seguros, direito de regresso numa situação em que são provocados danos a terceiro na sequência da queda de carga mal-acondicionada, e não seja reconhecido tal direito quando são provocados danos na sequência de carga mal acondicionada; a semelhança entre as duas hipóteses reclama tratamento unitário; 3 – O juízo de censura a formular em qualquer das duas hipóteses referidas em 2 é idêntico, pelo que o seu tratamento jurídico também terá de coincidir; 4 – Pelo que deverá ser feita uma interpretação extensiva da norma, ignorando a palavra «queda». Analisemos a questão. A redacção do artigo 27.º do DL 291/2007 é, na parte que nos interessa, a seguinte: 1 – Satisfeita a indemnização, a empresa de seguros apenas tem direito de regresso: (…) e) Contra o responsável civil por danos causados a terceiros em virtude de queda de carga decorrente de deficiência de acondicionamento. Carece manifestamente de fundamento a proposta de interpretação desta norma no sentido de estender o seu âmbito de aplicação a todas as hipóteses em que terceiros sofram danos em consequência do deficiente acondicionamento da carga de um veículo, independentemente de ter, ou não, ocorrido a queda dessa carga. Tal interpretação contraria frontalmente a letra da lei. Esta condiciona a existência do direito de regresso à verificação de dois pressupostos cumulativos: i) que os danos sejam causados pela queda de carga de um veículo; e ii) que essa queda resulte do deficiente acondicionamento da carga transportada. Pelo que não há direito de regresso: i) se a carga não cair, tenha ou não sido devidamente acondicionada; ou ii) se a carga cair por causa diversa do seu deficiente acondicionamento. É isto que resulta, com toda a clareza, da redacção do artigo 27.º, n.º 1, alínea e), do DL 291/2007. Sendo assim, deve ter-se em conta o disposto no n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil, cuja interpretação tem de ser feita em conjugação com o n.º 1. No n.º 1, estabelece-se que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dos textos, o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. Porém, o n.º 2 estabelece um limite intransponível à interpretação da lei: não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha, na letra da lei, um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. É precisamente isto que acontece com a interpretação proposta pela recorrente: carece de um mínimo de correspondência com a letra do artigo 27.º, n.º 1, alínea e), do DL 291/2007. Na realidade, tal interpretação contraria frontalmente a redacção desta norma, ao pretender que um dos seus elementos fundamentais (a exigência da queda de carga do veículo) seja, pura e simplesmente, ignorado, daí resultando um âmbito de aplicação significativamente mais amplo que aquele que o legislador estabeleceu. O argumento segundo o qual nenhuma razão existe para o tratamento diferenciado, em matéria de direito de regresso da empresa de seguros, das situações em que a carga de um veículo se encontre mal acondicionada, consoante os danos sofridos por terceiro resultem, ou não, da queda dessa carga, poderá ter cabimento no plano de uma discussão sobre o direito a constituir, mas não em sede de interpretação do direito constituído. Como anteriormente demonstrámos, o artigo 27.º, n.º 1, alínea e), do DL 291/2007, é claríssimo ao condicionar a existência do direito de regresso à queda de carga do veículo. Esta norma prevê dois nexos de causalidade sucessivos: por um lado, entre os danos e a queda de carga do veículo; por outro, entre esta queda e o mau acondicionamento da carga. Não se prevê um nexo de causalidade directa entre o mau acondicionamento da carga e os danos sofridos por terceiro que possa fundar um direito de regresso da empresa de seguros. Para que este direito exista, entre o deficiente acondicionamento da carga e os danos sofridos por terceiro tem de mediar a queda de carga. Mesmo no plano do direito a constituir, a recorrente não teria razão. A queda de carga transportada num veículo constitui um facto com uma gravidade tal, que se destaca face às restantes hipóteses de deficiente acondicionamento dessa carga. A queda de carga indicia um acondicionamento particularmente deficiente e descuidado desta e é causadora de riscos particularmente intensos para pessoas e bens, que justifica um juízo de censura agravado. Certamente foi por esta a razão que o legislador autonomizou, através do artigo 27.º, n.º 1, alínea e), do DL n.º 291/2007, esta última hipótese, para o efeito de só a ela atribuir o efeito de gerar, na esfera jurídica da empresa de seguros, um direito de regresso contra o responsável civil. Seja como for, parece-nos evidente que a recorrente não é titular do direito de regresso que se arroga. Isto, note-se, independentemente da natureza excepcional, ou não, do artigo 27.º, n.º 1, alínea e), do DL 291/2007. As regras hermenêuticas que invocámos são válidas para a interpretação de qualquer norma jurídica, excepcional ou não. Concluindo, o tribunal a quo decidiu bem a causa, devendo a sentença recorrida ser confirmada e o recurso ser julgado improcedente. * Dispositivo: Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida. Custas a cargo da recorrente. Notifique. * Sumário: (…) 30.10.2025 Vítor Sequinho dos Santos (relator) Cristina Dá Mesquita (1ª adjunta) Mário João Canelas Brás (2º adjunto) |