Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | EMÍLIA RAMOS COSTA | ||
| Descritores: | FACTO CONCLUSIVO ANTIGUIDADE DO TRABALHADOR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA | ||
| Data do Acordão: | 11/24/2022 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | I – O facto “À data indicada pelo Autor como sendo a que se considerava desvinculado da empresa, o mesmo já tinha pelo menos 2 anos de antiguidade” é conclusivo, uma vez que a conclusão relativa à existência, ou não, de 2 anos de antiguidade por parte do Autor terá de resultar dos factos que foram dados como provados, já não de um facto que se refere a tal existência, sem, porém, a concretizar. II – Nos termos do n.º 1 do art. 400.º do Código do Trabalho, o que releva, em termos da antiguidade do trabalhador, é a que existe à data da denúncia do contrato de trabalho e não a que venha a existir à data da cessação desse contrato, após o cumprimento do aviso prévio legalmente previsto, razão pela qual consta “conforme tenha” e não “conforme venha a ter até à cessação efetiva do contrato” até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade. III – Nos termos do art. 542.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, age como litigante de má-fé quem atua com dolo ou negligência grave na dedução de uma pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar. IV – Deste modo, para que a parte venha a ser condenada como litigante de má-fé é necessário que atue com a consciência de que não tem razão, e mesmo assim querendo essa atuação, ou que atue em circunstâncias em que lhe era manifestamente exigível saber que não tinha razão, representando esse desconhecimento uma atitude especialmente censurável de leviandade ou de descuido. V – A Ré quando, na sua contestação impugnou documentos juntos pelo Autor que, posteriormente, em requerimento autónomo veio a considerar serem válidos, confessando os factos neles inscritos, agiu negligentemente aquando da elaboração da contestação. VI – E, apesar de competir a quem contesta analisar previamente a documentação que impugna, em face da dimensão da documentação, tal negligência, ainda que reprovável, não atinge a intensidade de reprovação próxima de uma atuação dolosa, ou dito de outro modo, a censurabilidade que determine a condenação da Ré como litigante de má-fé. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1] ♣ Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:I – Relatório AA (Autor) intentou a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “Lourenço & Cristino, Lda.” (Ré), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente por provada e em consequência: - seja reconhecido que o valor mensalmente pago ao Autor a título de remuneração era composto por uma parte fixa e outra variável como contrapartida pelo trabalho prestado; - seja reconhecido que o Autor trabalhou em dia de descanso, por imposição e no interesse da Ré, e que tal trabalho não lhe foi pago; - seja a Ré condenada no pagamento de trabalho prestado em dia de descanso, acrescida de juros calculados à taxa legal em vigor até efetivo e integral pagamento; - seja reconhecido que o Autor trabalhou em dia de feriado, por imposição e no interesse da Ré, e que tal trabalho não lhe foi pago; - seja a Ré condenada no pagamento de trabalho prestado em dia de feriado, acrescida de juros calculados à taxa legal em vigor até efetivo e integral pagamento; - seja a Ré condenada no pagamento do valor correspondente à remuneração do mês de janeiro de 2021, acrescida de juros calculados à taxa legal em vigor até efetivo e integral pagamento; - seja a Ré condenada no pagamento de 80 horas de formação que não proporcionou ao Autor; e - seja a Ré condenada no pagamento de custas, bem como de procuradoria condigna e demais encargos do processo. Alegou, em síntese, que o Autor começou a trabalhar para a Ré, em 01-01-2019, mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado, para desempenhar as funções de motorista de táxi, sob a autoridade, direção e fiscalização da Ré, recebendo como contrapartida pelo trabalho prestado, a quantia remuneratória fixa, equivalente a €700,00, e uma parte variável, correspondendo esta a 30% do valor faturado ao Km pela Ré e apurado mensalmente, sendo a contabilização dos Km´s efetuada com o preenchimento pelo Autor de uma folha, que, no final do mês, entregava no escritório da Ré, para contabilização. Mais alegou que, quando recebeu os primeiros recibos de vencimento, o Autor constatou que o salário base nele inscrito era o equivalente ao salário mínimo nacional, tendo confrontado o legal representante da Ré, que lhe respondeu que nunca receberia menos que os €700,00 combinados, vindo o Autor a se conformar com a situação, tanto mais que precisava daquele trabalho. Alegou igualmente que, apesar de ter direito a dois dias de folga semanais, tal não era respeitado, sendo, por norma, a sua única folga semanal ao domingo, por imposição e no interesse da Ré. Alegou também que no ano de 2019, dos 102 dias de folga a que tinha direito apenas gozou 46 dias, pelo que está em falta o pagamento de trabalho prestado em dia de descanso (folga), calculado nos termos do artigo 229º n.º 4 do Código do Trabalho, de 56 dias; no ano de 2020, dos 104 dias de folga a que tinha direito apenas gozou 62 dias, pelo que falta o pagamento de 42 dias. Alegou ainda que trabalhou em dias feriado, sem que os feriados lhe fossem pagos, e que os subsídios de férias e de natal não refletiram o valor real da sua remuneração. Alegou, por fim, que a Ré também não lhe pagou a retribuição do mês de janeiro de 2021, nem lhe proporcionou qualquer formação, pelo que, no total, a Ré deve-lhe a quantia de €11.279,61. … Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo.… A Ré “Lourenço & Cristino, Lda.” impugnou a ação, quer contestando, quer reconvindo, solicitando, a final, pela improcedência parcial da ação e pela procedência total da reconvenção.Alegou, em súmula, que o Autor foi admitido, em 17-01-2019, ao serviço da Ré, por um contrato a termo certo, pelo prazo de 6 meses, utilizando nesse serviço uma viatura disponibilizada por aquela, tendo sido acordado um pagamento mensal de €600,00 e que o trabalho prestado em dias feriados, descanso complementar obrigatório ou complementar e os dias de descanso não gozados seriam pagos mediante uma compensação pecuniária por cada quilómetro percorrido, sob a rúbrica de comissões e prémio de produtividade, tendo a Ré pago ao Autor, a esse título, as quantias de €8.115,53 em 2019 e €3.704,51 em 2020, sendo tal compensação pecuniária equivalente a 30% sobre o valor faturado pela Ré às seguradoras e apurado mensalmente. Alegou igualmente que foi acordado entre as partes que o Autor tinha isenção de horário, tendo o Autor plena liberdade de aceitar ou não o serviço que as companhias solicitavam, sendo que as folhas com o serviços e quilómetros realizados pelo Autor eram conferidas mensalmente por uma funcionária administrativa, pelo que impugna os documentos juntos pelo Autor, uma vez que tais documentos não passam de escritos elaborados pelo Autor. Alegou também que as partes acordaram que o sábado era dia normal de trabalho, sendo que não tem direito a qualquer dia de férias, que todos os valores de férias e natal foram pagos ao Autor em duodécimos e que pagou a formação inicial ao Autor. A título de reconvenção, alegou, por fim, que o Autor, ao rescindir o contrato de trabalho com a Ré, estava obrigado a cumprir 60 dias de aviso prévio, porém, só deu 29 dias, pelo que incorreu na obrigação de indemnizar a Ré pelo valor correspondente a 31 dias, ou seja, no valor de €656,16, montante esse que pretende que seja compensado no valor da remuneração relativa ao mês de janeiro de 2021. … Proferido despacho saneador, foi admitido o pedido reconvencional, fixado o valor da causa em €11.935,77, dispensada a audiência prévia e a enunciação dos temas da prova e apreciados os requerimentos de prova, tendo sido deferida a notificação da Ré, requerida pelo Autor, para juntar aos autos os registos do tempo de trabalho do Autor.… Em resposta a tal notificação, a Ré, em 02-04-2022, veio afirmar que:1- O Autor foi contrato pela Ré com a categoria profissional de motorista de táxi. 2- Para o efeito, foi – lhe entregue a viatura automóvel com a matrícula ..-LI-... 3- Viatura que o Autor passou a dispor a tempo inteiro, até para uso pessoal. 4- Dado que a tinha ao seu cuidado 24 sobre 24 horas. 5- Recebendo os serviços por telemóvel. 6- Estando assim disponível para aceitar qualquer serviço que aparecesse. 7- Não necessitando de se deslocar ao estabelecimento da Ré, nem para ir buscar a viatura, nem picar o ponto. 8- Considerando assim a Ré como suficiente as folhas que o Autor apresentava todos os meses e que consubstanciam os docs.1 a 296, após serem conferidas por ela. 9- Uma vez que nessas folhas constam os dias e horas de trabalho. 10-Face ao exposto, considera a Ré que o registo de trabalho requerido pelo Autor já se encontra junto aos autos. … Em sede de julgamento, a Ré foi convidada a pronunciar-se sobre uma eventual condenação como litigante de má-fé, o que fez no requerimento junto em 19-04-2022, afirmando que a condenação como litigante de má-fé deve corresponder a situações particularmente reprováveis, que não se confundem com a mera existência de factos controvertidos ou contraditórios, sendo que quando a Ré impugnou os documentos juntos pelo Autor fê-lo por não serem os documentos finais, ou seja, os documentos conferidos pela Ré.… Por requerimento junto em 27-04-2022, o Autor solicitou a correção do pedido na sua petição inicial, o qual, por mero lapso não ficou a constar da parte final dessa petição, requerendo que fosse acrescentado que:- seja a Ré condenada no pagamento dos valores resultantes da média mensal auferida nos anos de 2019 e 2020 no pagamento dos subsídios de férias e de natal, desses mesmos anos, conforme alegado e peticionado nos artigos 21º e 22º da petição inicial. … Ouvida a Ré sobre tal requerimento, a mesma não se opôs.… Após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença em 19-05-2022, com a seguinte decisão:Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se julgar a acção parcialmente procedente e, em consequência, absolvendo-a do demais peticionado, condenar a ré “LOURENÇO & CRISTINO, LDA.” a pagar ao autor AA a quantia ilíquida de €5.529,35 (cinco mil, quinhentos e vinte e nove euros e trinta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora contados à taxa legal desde 28/01/2021 e até efectivo e integral pagamento. Condena-se a ré “LOURENÇO & CRISTINO, LDA.”, como litigante de má fé, na multa de 4 (quatro) Unidades de conta. Custas por autor e ré, em função do seu respectivo decaimento (cf. artigo 527º do Código de Processo Civil), que se fixa em 50,98/100 para o autor e 49,02/100 para a ré. Registe e notifique. … Não se conformando com a sentença, veio a Ré “Lourenço & Cristino, Lda.” interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:A. Andou mal do douto tribunal quando não deu como procedente o pedido reconvencional deduzido pela ré. B. Ao considerar como provado que o Autor e a Ré, em Janeiro de 2019, haviam acordado que o Autor passaria a desempenhar as funções de motorista de táxi, por conta, sob autoridade e fiscalização da Ré, C. E considerando provado também o teor da carta que o Autor endereçou à Ré a 30/12/2020, na qual este se desvinculava da empresa a partir do dia 28/01/2021, D. Deveria ter dado como provado que à data indicada pelo Autor como sendo a que se considerava desvinculado da empresa, o mesmo já tinha pelo menos 2 anos de antiguidade. E. Até porque o tribunal “a quo” baseou a sua convição em toda a prova, quer testemunhal, quer documental. F. Resultando claramente das declarações do Autor prestadas que este iniciou funções a 17/01/2019 - [00:01:11] Autor: Eu recordo-me a trabalhar para a empresa, inicialmente trabalhei a recibos verdes. Depois pedi que me fosse efetuado um contrato de trabalho porque estava a pagar muito de IRS o que se aprontaram a fazer, contrato que eu nunca vi até à data, nunca assinei contrato nenhum e comecei a trabalhar a partir de 17 de janeiro … G. Resultando também dos documentos entregues pelo Autor e os documentos entregues pela Ré, (inscrição do Autor na Segurança Social) – Doc. 3 da contestção, que este iniciou funções a 17/01/2019. H. Daí resultando que o pedido reconvencional deveria ter procedido. I. Das declarações do sócio gerente da Ré e das declarações do Autor resultam cleramente que os documentos impugnados pela Ré, referiam-se aos documentos antes da serem conferidos pela empresa Ré. [00:03:57] Mandatária do Autor - Pronto é isso que agora ia perguntar, com que regularidade entregava estas folhas nos serviços administrativos? [00:04:04] Autor - Dependia, final de semana… às vezes a meio da semana… Todas as semanas entregava. Uma vez, duas vezes, dependia das folhas que tivesse. Se tivesse muitas entregava mais rápido, se tivesse menos entregava mais tarde. [00:35:52] Mandatária da Ré - Está-me agora a dizer Sr. AA... E depois entregava estas folhas na contabilidade, já explicou. A dona BB conferia. [00:36:00] Autor – Sim... [00:36:01] Mandatária da Ré – E conferia estes km aqui não era? [00:36:05] Autor - Não, não! Conferia para ela, para mim não! Nunca me foi entregue nada disso, pois aí é que está o problema! É que a mim nunca me mostraram contas nenhumas. [00:36:12] Mandatária da Ré – E o senhor durante estes 2 anos que lá trabalhou não pediu esta folha depois de conferida? [00:36:19] Autor – Sra. Dra. eu já disse que sim! Não vale a pena estarmos a entrar aí! Mais alguma questão? J. Não deveria o tribunal a quo ter condenado a Ré como litigante de má, quando esta impugnou esses documentos, quando resultou à saciedade que esses documentos eram entregues para serem conferidos pela Ré e que após essa conferencia pela contabilidade poderia resultar coisa diferente – [00:36:05] Autor - Não, não! Conferia para ela, para mim não! Nunca me foi entregue nada disso, pois aí é que está o problema! É que a mim nunca me mostraram contas nenhumas. K. Ademais o tribunal “a quo” deu como provado que – “O Autor apontava em folhas fornecidas pela Ré, os serviços e os quilómetros realizados, folhas essas que no final do mês eram entregues no escritório da Ré para efeito de conferência dos quilómetros e posterior pagamento”. L. Valorando diferentemento o alegado pela Ré e o alegado pelo Autor. M. Quando este deduziu que lhe fossem pagas as férias, quando tinha referido na carta que entregou para denuncia do contrato, que prescindia do gozo das mesmas para cumprimento do aviso prévio, N. E quando nos artigos 18º e 23º da p.i. o mesmo entrou em contradição. O. No artigo 18º diz que apenas gozou 2 dias de férias no ano de 2020, para depois vir dizer no artigo 23º que entrou em gozo de férias no dia 20/12/2020. P. Claramente se vê que foram mais de 2 dias … Q. Também, salvo melhor opinião, a Recorrente entende sempre cooperou com o Tribunal “a quo” exercendo a sua defesa de forma digna, onde alegou factos e impugnou outros, convicta de que o fazia no uso do direito à sua defesa, que não violou o preceito consignado no n.º 2, do artigo 542º do Código de Processo Civil. R. Razão pela qual é nosso entendimento que a condenação da Ré, como litigante de má-fé, encontra-se desprovida de razoabilidade, pelo que, o Tribunal “a quo” ao decidir diferentemente, violou o disposto no n.º 4, do artigo 607.º do CPC., impondo-se a revisão tomada nos termos, do artigo 662.º do CPC. Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por douto Acórdão que considere o pedido reconvencional procedente e absolva a Ré da litigancia de má fé. Assim se fazendo JUSTIÇA! … O Autor AA apresentou contra-alegações, terminando com as seguintes conclusões:A)- Considera-se pois que não pode prevalecer a tese da Apelante, por ter sido corretamente interpretado e aplicado o Direito e que face à prova produzida e aos factos dados como provados, correta foi a decisão do MMº. Juiz “a quo”, não tendo havido incorreta aplicação dos preceitos legais, nem da livre apreciação da prova que ao Juiz do processo assiste. B)- A prova produzida em julgamento não foi de molde a confirmar de uma forma cabal e segura a versão apresentada pela Ré em sede de Contestação. C)- O MMº. Juiz elaborou a aliás douta sentença corretamente, com sabedoria, equilíbrio e boa administração da Justiça, devidamente alicerçada na matéria de facto que resultou provada e aplicação dos preceitos legais adequados ao caso Sub Judice. D)- O MMº. Juiz faz constar da douta sentença todos os elementos essenciais e constando igualmente da mesma os factos dados como provados, bem como o Direito aplicado ao caso, fundamentado em pleno e sem contradição a sua decisão. E)- O Autor prestou trabalho, por imposição e no interesse da Ré, nos dias 01 de janeiro, 19 e 25 de abril, 01 de maio, 10 e 20 de junho, 15 de agosto, 05 de outubro, 01 de novembro, 01 e 08 de dezembro de 2019; e nos dias 25 de abril, 10 e 11 de junho, 15 de agosto, 05 de outubro, 01 e 08 de dezembro de 2020. F)- A Ré declarou à Segurança Social ter pago ao Autor, a título de retribuição do mês de janeiro de 2021, a quantia de 598,50€. G)- A Ré pagou ao Autor valores mensais por conta dos subsídios de férias e natal. H)- Provando o Autor, pelo menos, ter trabalhado em dias de descanso obrigatório (10 em 2019 e 14 em 2020), não provou a Ré ter pago o valor do trabalho suplementar (a remunerar de acordo com a cláusula 34ª da citada CCT): com um acréscimo de 200%. I)- Resultou provado que o Autor trabalhou em 11 feriados em 2019 e em 7 feriados em 2020. J)- Terminando o contrato o Autor teria direito a gozar férias antes de terminado o contrato (e não provou a Ré que o Autor já tinha gozado as férias). K)- Assim, terá direito à retribuição relativa aos 28 dias de janeiro de 2021. L)- Não provou a Ré, como lhe competia, ter fornecido qualquer tipo de formação ao Autor ou pago, após cessação do contrato, qualquer valor a esse título, pelo que o valor é devido. M)- A Ré sabia, quando impugnou a veracidade dos documentos apresentados pelo Autor, que os mesmos eram por si considerados como correspondendo ao tempo de trabalho daquele mas, ainda assim, impugnou-os genericamente sem aludir a essa circunstância, pretendendo obstar a que o Autor provasse o alegado nos referidos artigos da petição inicial. N)- A atuação da Ré, impugnando documentos que apenas serviam para documentar os dias de trabalho do Autor e que, nessa parte, sabia serem verdadeiros, significa que a mesma deduziu oposição (nessa parte) sabendo da sua falta de fundamento. O)- A atuação é dolosa e é claramente suscetível de se enquadrar na alínea a) do n.º 2 do artigo 542º do Novo Código de Processo Civil. P)- Não existe pois qualquer motivação para a Recorrente peticionar a revogação da decisão do Tribunal de 1ª Instância, como alega. Q)- Não enferma a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância de qualquer vício, falta de fundamentação ou errónea interpretação dos preceitos legais adequados ao caso, encontrando-se antes sim a Sentença bem fundamentada e corretamente alicerçada nos fundamentos de direito e aspetos processuais / formais que se impõem ao julgador, R)- inexistindo nulidades que imponham decisão diferente da proferida que leve à alteração das respostas dadas e plasmadas na fundamentação da douta Sentença em apreço. NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, deverá ser negado provimento ao presente Recurso e em consequência ser mantida a aliás Douta Sentença, Com o que farão V. Ex.ªs a tão costumada JUSTIÇA!!! … O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo tal recurso sido mantido nos seus exatos termos neste Tribunal.Em cumprimento do disposto no art. 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, devendo a sentença ser mantida na íntegra. O Autor veio responder a tal parecer, manifestando a sua concordância. A Ré não apresentou resposta ao parecer. Após os autos terem ido aos vistos, cumpre agora apreciar e decidir. ♣ II – Objeto do RecursoNos termos dos arts. 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil). No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Impugnação da matéria de facto; 2) Procedência do pedido reconvencional; e 3) Inexistência de fundamento para a condenação da Ré como litigante de má-fé. ♣ III – Matéria de FactoO tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos: 1.1 Em Janeiro de 2019 autor e ré acordaram que o primeiro passaria a desempenhar as funções de motorista de táxi, por conta, sob autoridade e fiscalização da segunda, mediante retribuição mensal e para transportes de passageiros solicitados a esta por companhias de seguros e Automóvel Club de Portugal, nomeadamente serviços de assistência em viagem. 1.2 A parte variável da retribuição acordada entre autor e ré correspondia a 30% do valor faturado ao quilómetro pela Ré e apurado mensalmente. 1.3 O Autor apontava em folhas fornecidas pela Ré, os serviços e os quilómetros realizados, folhas essas que no final do mês eram entregues no escritório da ré para efeito de conferência dos quilómetros e posterior pagamento. 1.4 Quando recebeu os primeiros vencimentos o Autor constatou que o salário base inscrito no documento elaborado pela ré era o equivalente à retribuição mínima mensal garantida. 1.5 A ré pagou ao Autor, em cada um dos anos de 2019 e 2020 a média mensal (1/14) de remuneração de 1.276,75€ para o ano de 2019 e de 986,54€ para o ano de 2020. 1.6 No ano de 2019, o Autor só não trabalhou nos dias 06, 13, 20 e 27 de Janeiro; 03, 17 e 24 de Fevereiro; 02, 03, 09, 10, 17, 30 e 31 de Março; 01, 07, 14, 21, 26, 27 e 28 de Abril; 05, 12 e 19 de Maio; 02, 08, 09, 16, 23 e 30 de Junho; 14 e 28 de Julho; 25 de Agosto; 01, 08, 15, 22 e 29 de Setembro; 06, 13, 20, 24 e 27 de Outubro; 03, 10, 16, 17, 24 e 27 de Novembro; 15, 22 e 25 de Dezembro. 1.7 No ano de 2020, o Autor só não trabalhou nos dias: 01, 02, 04, 05, 12, 19, 23 e 26 de Janeiro; 02, 06, 09, 11, 12, 13, 14, 16, 19, 20, 21 e 25 de Fevereiro; 08, 15, 22, 25 e 29 de Março; 01, 02, 03, 04, 05, 06, 10, 12, 15, 18, 19, 21 e 26 de Abril; 01, 03, 17, 24 e 31 de Maio; 21 de Junho; 05, 19 e 26 de Julho; 06, 11, 27, 29 e 30 de Setembro; 18 e 31 de Outubro; 01, 08, 13, 14, 21, 22 e 29 de Novembro; 04, 12 e 20 de Dezembro. 1.8 O Autor prestou trabalho, por imposição e no interesse da Ré, nos dias 01 de Janeiro, 19 e 25 de Abril, 01 de Maio, 10 e 20 de Junho, 15 de Agosto, 05 de Outubro, 01 de Novembro, 01 e 08 de Dezembro de 2019; e nos dias 25 de Abril, 10 e 11 de Junho, 15 de Agosto, 05 de Outubro, 01 e 08 de Dezembro de 2020. 1.9 No dia 30 de dezembro de 2020, o Autor endereçou correspondência à Ré, com o seguinte teor: “venho, por meio desta carta, informar relativamente à minha intenção de rescindir a ligação contratual que me liga à vossa empresa. A rescisão do meu contrato tornar-se-á efectiva a partir do dia 30 de Dezembro de 2020, o que significa que estou a cumprir com a obrigação legal de vos informar relativamente à minha rescisão de contrato com uma antecedência mínima de trinta dias, relativa a dois anos de trabalho, conforme o artigo 400.º do Código do Trabalho. Noto que tenho o direito ao período de férias de que tenho direito até á data da rescisão de contrato, sendo que no ano de 2019 dos 20 dias a que tinha direito usufrui de 6 dias de férias, restando um total de 14 dias e no ano de 2020, dos 22 dias úteis a que tenho direito usufrui de 2 dias para tratar de assuntos pessoais, restando 20 dias, ficando assim com um total de 34 dias de férias. Como não pretendo ser ressarcido monetariamente do valor relativo às férias não gozadas, pretendo ser ressarcido monetariamente do valor relativo às férias não gozadas, pretendo que estes dias sejam descontados no aviso prévio de 30 dias, deixando de ter qualquer vínculo laboral com a empresa a partir do dia 28 de Janeiro de 2020. Relembro também que os valores relativos aos subsídios de Natal e de férias devem ser-me ressarcidos no final do contrato, na proporção relativa aos dias em que trabalhei, nos anos de 2019 e ano de 2020”. 1.10 A Ré declarou à Segurança Social ter pago ao Autor, a título de retribuição do mês de Janeiro de 2021, a quantia de 598,50€. 1.11 A ré pagou ao autor valores mensais por conta dos subsídios de férias e Natal. … E deu como não provados os seguintes factos:a. O Autor passou a desempenhar as suas funções em 1 de Janeiro de 2019; ou foi admitido ao serviço da Ré por um contrato a termo certo, pelo prazo de 6 meses, em 17 de Janeiro de 2019. b. Autor e Ré acordaram que a parte fixa da contraprestação pelo trabalho prestado seria de 700,00€. c. Foi acordado que, como contrapartida pelo trabalho, a ré pagaria a parte fixa de €600,00 mensais. d. Acordado ficou também, que o pagamento do trabalho prestado em dias feriados, de descanso complementar obrigatório ou complementar e os dias de descanso não gozados seriam pagos mediante uma compensação pecuniária por cada quilómetro percorrido, sob a rúbrica de comissões e prémio de produtividade. e. Tendo pago, a Ré na sequência deste acordo, as quantias de € 8.115,53 em 2019 e €3.704,51 em 2020, equivalente a 30% sobre o valor faturado pela Ré às seguradoras e apurado mensalmente. f. Foi acordado entre a Ré e o Autor, que este tinha isenção de horário. g. Tendo o Autor plena liberdade de aceitar ou não, o serviço que as companhias solicitavam. h. O Autor pediu à Ré para que, independentemente dos serviços que realizasse, receberia sempre o ordenado mínimo, acrescido de uma percentagem por cada quilometro realizado, tudo no interesse do autor. i. O acordado entre a Ré e o Autor foi que este trabalharia também aos sábados, e que seria remunerado por isso como se de um dia normal se tratasse. j. Questionado o legal representante da Ré sobre o valor constante dos recibos de vencimento, o mesmo disse ao autor “não te preocupes, que nunca receberás menos dos 700,00€ combinados”. k. No dia 20 de dezembro de 2020, o Autor entrou em gozo de férias. l. Todo o trabalho suplementar e feriados trabalhados foram pagos como prémio de produtividade. m. Quando o Autor começou a trabalhar com a Ré, esta pagou-lhe formação inicial. ♣ IV – Enquadramento jurídicoConforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) a sentença recorrida fez um incorreto julgamento da matéria de facto; (ii) se o pedido reconvencional deveria ter sido julgado procedente; e (iii) se inexistem fundamentos para a condenação da Ré como litigante de má-fé. … 1 – Impugnação da matéria de factoConsidera a Apelante que deveria ter sido dado mais um facto como provado, em face das declarações do Autor e do documento 3 junto com a contestação; e que existe contradição entre os artigos 18.º e 23.º da petição inicial. Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º. Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre a Apelante, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016:[2] I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe. II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado. IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, máxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica. Relativamente à apreciação da matéria de facto em sede de recurso, importa acentuar que o disposto no art. 640.º do Código de Processo Civil consagra atualmente um duplo grau de jurisdição, persistindo, porém, em vigor o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz da 1.ª instância, previsto no art. 607.º, n.º 5, do mesmo Diploma Legal. No entanto, tal princípio da livre apreciação da prova mostra-se condicionado por uma “prudente convicção”, competindo, assim, ao Tribunal da Relação aferir da razoabilidade dessa convicção, em face das regras da experiência comum e da normalidade da vida, da ciência e da lógica. Veja-se sobre esta matéria o sumário do acórdão do STJ, proferido em 31-05-2016:[3] I - O tribunal da Relação deve exercer um verdadeiro e efectivo 2.º grau de jurisdição da matéria de facto e não um simples controlo sobre a forma como a 1.ª instância respondeu à matéria factual, limitando-se a intervir nos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, pois que só assim se assegurará o duplo grau de jurisdição, em matéria de facto, que a reforma processual de 1995 (DL n.º 329-A/95, de 12-12) visou assegurar e que o actual Código confirmou e reforçou. II - Desde que o recorrente cumpra as determinações ínsitas no art. 640.º, o tribunal da Relação não poderá deixar de fazer a reapreciação da matéria de facto impugnada, podendo alterar o circunstancialismo dado como assente na 1.ª instância. Cita-se ainda o sumário do acórdão do TRG, proferido em 04-02-2016:[4] I- Para que a decisão da 1ª instância seja alterada, haverá que averiguar se algo de “anormal” se passou na formação dessa apontada “prudente convicção”, ou seja, ter-se-á que demonstrar que na formação da convicção, retratada na resposta que se deu à factualidade controvertida, foram violadas regras que lhe deviam ter estado subjacentes, nomeadamente aferir da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular, nesse julgamento, com inteira autonomia, uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova. E, a ser assim, o Tribunal da Relação, aquando da reapreciação da matéria de facto, deve, não só recorrer a todos os meios probatórios que estejam à sua disposição e usar de presunções judiciais para, desse modo, obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, como também, sem incorrer em excesso de pronúncia, ao alterar a decisão de determinados pontos da matéria de facto, retirar dessa alteração as consequências lógicas inevitáveis que se repercutem noutros pontos concretos da matéria de facto, independentemente de tais pontos terem ou não sido objeto de impugnação nas alegações de recurso. Cita-se a este propósito, o sumário do acórdão do STJ, proferido em 13-01-2015:[5] XIII - Não ocorre excesso de pronúncia da decisão, se a Relação, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retira dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso. Por fim, importa ainda esclarecer que o Tribunal da Relação, na sua reapreciação da prova, terá sempre que atender à análise crítica de toda a prova e não apenas aos fragmentos de depoimentos que, por vezes, são indicados, e que retirados do seu contexto, podem dar uma ideia bem distinta daquilo que a testemunha efetivamente mencionou, bem como daquilo que resultou da globalidade do julgamento. Cumpre decidir. Relativamente à contradição entre os artigos 18.º e 23.º da petição inicial, cumpre referir que a impugnação fáctica a que faz menção o art. 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, se reporta apenas aos factos que constam da decisão judicial proferida, já não dos factos alegados na petição inicial e na contestação. Acresce que basta atentar no que se mostra alegado no art. 18.º da petição inicial[6] para facilmente se constatar que tal alegação não consta da matéria factual dada como provada na sentença recorrida. Assim, por o pedido formulado pela Apelante não se mostrar abrangido pelo disposto no art. 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, rejeita-se, nesta parte, a requerida impugnação fáctica. Relativamente à circunstância, pretendida pela Apelante, de que seja acrescentado um novo facto à matéria factual provada, atentemos a tal facto. O teor de tal facto é o seguinte: À data indicada pelo Autor como sendo a que se considerava desvinculado da empresa, o mesmo já tinha pelo menos 2 anos de antiguidade. Ora, basta atentar no teor do facto que a Apelante pretende que seja acrescentado, para facilmente se constatar que estamos perante um facto conclusivo. Na realidade, a conclusão relativa à existência, ou não, de 2 anos de antiguidade por parte do Autor terá de resultar dos factos que foram dados como provados, já não de um facto que se refere a tal existência, sem, porém, a concretizar. Veja-se, sobre esta matéria, o acórdão do STJ, proferido em 29-04-2015:[7] II – A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante. Assim, quanto a este pedido, terá o mesmo que improceder. Em conclusão, improcede na íntegra a impugnação fáctica interposta pela Apelante. 2 – Procedência do pedido reconvencional Entende a Apelante que se o Autor e a Ré celebraram um contrato de trabalho em janeiro de 2019, contrato esse que cessou em 28-01-2021, o Autor quando se desvinculou da empresa já tinha, pelo menos, 2 anos de antiguidade, pelo que pedido reconvencional interposto pela Ré deveria ter procedido. Dispõe o art. 400.º do Código do Trabalho que: 1 - O trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respectivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade. 2 - O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho e o contrato de trabalho podem aumentar o prazo de aviso prévio até seis meses, relativamente a trabalhador que ocupe cargo de administração ou direcção, ou com funções de representação ou de responsabilidade. 3 - No caso de contrato de trabalho a termo, a denúncia pode ser feita com a antecedência mínima de 30 ou 15 dias, consoante a duração do contrato seja de pelo menos seis meses ou inferior. 4 - No caso de contrato a termo incerto, para efeito do prazo de aviso prévio a que se refere o número anterior, atende-se à duração do contrato já decorrida. 5 - É aplicável à denúncia o disposto no n.º 4 do artigo 395.º Decidamos. Sobre esta matéria consta do facto provado 1.1 que “Em Janeiro de 2019 autor e ré acordaram que o primeiro passaria a desempenhar as funções de motorista de táxi, por conta, sob autoridade e fiscalização da segunda” e consta do facto provado 1.9 que tal acordo cessou, por vontade do Autor, no “dia 28 de Janeiro de 2020”, sendo que o ano de 2020 se reporta a manifesto lapso, pretendendo o Autor referir-se a 2021. Feita esta correção, importa apreciar se efetivamente tinham ou não decorrido os dois anos a que faz menção o n.º 1 do art. 400.º do Código do Trabalho. Fundamenta a sentença recorrida a improcedência do pedido reconvencional nos seguintes termos: No caso, cessando o contrato a 28/01/2021 importaria saber se, nessa data, o autor tinha uma antiguidade igual ou superior a 2 anos. Porém, não se provou, concretamente, o dia em que tal relação de trabalho começou (ver alínea a) dos factos não provados), pelo que não se pode saber se, nessa data, o autor já tinha completado 2 anos de antiguidade (cf. artigo 279.º,alínea c), do Código Civil), pelo que não se pode afirmar (essa prova cabia à ré para fundar o seu pedido de compensação) que o trabalhador deveria ter cumprido o prazo de 60 dias de antecedência. Improcede, por isso, o pedido reconvencional da ré. É verdade que o facto provado 1.1 não identifica o dia em que o Autor iniciou a sua atividade laboral para a Ré e que, caso tal data não tivesse sido apurada, o raciocínio constante da sentença recorrida seria válido, visto que sempre competiria à Ré efetuar tal prova para fazer valer o seu direito a uma antecedência mínima de 60 dias. No entanto, consta do facto provado 1.6 que o Autor em janeiro de 2019 “só não trabalhou nos dias 06, 13, 20 e 27 de janeiro”, o que, a contrario, pressupõe que trabalhou nos restantes dias; e, sobretudo, consta do facto provado 1.8 que o Autor prestou trabalho, por imposição e no interesse da Ré, no dia 1 de janeiro de 2019. E, a ser assim, terá de se considerar que o Autor iniciou a sua prestação laboral para a Ré em 01-01-2019, pelo que, à data da cessação do contrato de trabalho, cujo termo foi fixado pelo Autor em 28 de janeiro de 2021, já tinham decorrido mais de 2 anos.[8] No entanto, à data em que o Autor comunicou à Ré a denúncia do seu contrato de trabalho, ou seja, em 30-12-2020,[9] ainda não tinham decorrido 2 anos de vigência do contrato de trabalho. Ora, da análise ao teor do n.º 1 do art. 400.º do Código do Trabalho resulta que o “trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respetivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade”.[10] Dito de outro modo, em face da maneira como se mostra redigido tal artigo, o que releva, em termos da antiguidade do trabalhador, é a que existe à data da denúncia do contrato de trabalho e não a que venha a existir à data da cessação desse contrato, após o cumprimento do aviso prévio legalmente previsto, razão pela qual consta “conforme tenha” e não “conforme venha a ter até à cessação efetiva do contrato” até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade. Pelo exposto, ainda que com fundamentação diversa, é igualmente de improceder o pedido reconvencional formulado pela Ré, visto que à data da comunicação pelo Autor à Ré da denúncia do seu contrato de trabalho, aquele ainda não possuía mais de dois anos de antiguidade. 3 – Inexistência de fundamento para a condenação da Ré como litigante de má-fé Defende a Apelante que a impugnação efetuada aos documentos se reporta aos documentos antes de conferidos pela Ré, pelo que o tribunal a quo não deveria ter condenado a Ré como litigante de má-fé quando esta impugnou tais documentos. Mais referiu que sempre cooperou com o tribunal a quo, exercendo a sua defesa de forma digna, tendo alegado factos e impugnado outros, convicta de que o fazia no uso do direito à sua defesa. Dispõe o art. 542.º do Código de Processo Civil que: 1 - Tendo litigado de má-fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir. 2 - Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. 3 - Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admitido recurso, em um grau, da decisão que condene por litigância de má-fé. Da invocação da presente disposição legal resulta, desde logo, que apenas existe litigância de má-fé quando a parte processual agir com dolo ou negligência grave. Por sua vez, essa atuação dolosa ou com negligência grave terá de se reportar (i) à dedução de uma pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; (ii) à alteração da verdade dos factos ou da omissão de factos relevantes para a decisão da causa; (iii) à prática de omissão grave ao dever de cooperação; ou (iv) à utilização do processo ou dos meios processuais para um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. Deste modo, age com dolo quem tem consciência do que está a fazer. Porém, não só a consciência e vontade das práticas tipificadas nas alíneas do n.º 1 do art. 542.º do Código de Processo Civil implicam a condenação como litigante de má-fé, como, desde a revisão introduzida pelo DL n.º 329-A/95, de 12-12, também a conduta grave e indesculpável por omissão dos mais elementares deveres de cuidado, determina tal condenação. Deste modo, não é toda a negligência que determina a condenação como litigante de má-fé, apenas se reservando tal condenação para quem atue com “uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva”.[11] Este instituto surgiu como necessidade sentida de aplicar uma sanção civil, acrescida à que já resultava da condenação em custas da parte vencida,[12] quando se verificava uma dolosa, e posteriormente também gravemente culposa, violação dos deveres de cooperação e de boa-fé processuais, previstos nos arts. 7.º e 8.º do Código de Processo Civil. Na realidade, este tipo de condenação pressupõe “um verdadeiro juízo de censura”[13] sobre a atitude processual da parte condenada, com o objetivo de garantir o respeito, não só pelo processo, mas também pelo tribunal e pela justiça, “em face do constatado uso que tenha feito dos mecanismos jurídicos postos ao seu dispor, com o vincado intuito de moralizar a actividade judiciária, sendo que, tanto pode revestir um caracter substancial (dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ser ignorada, alteração da verdade dos factos e/ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa) como instrumental (seja porque se pratica grave omissão do dever de cooperação, seja porque se faz do processo ou dos meios processuais uso manifestamente reprovável)”.[14] Desta maneira ter-se-á de recorrer a um critério de exigência de acordo com o caso concreto, ou seja, “ao padrão de conduta exigível ao agente (à parte), ajustado à sua idade, às suas carências pessoais e particulares inaptidões”,[15] para se apurar da sua responsabilidade subjetiva, emergente do seu estado concreto de consciência. Apreciemos, agora, os fundamentos invocados na sentença recorrida, que se transcrevem: Resultou dos articulados e da discussão da causa que: 1. Para prova da alegação constante dos artigos 14.º e 15.º da PI (no tocante a dias trabalhados e dias em que esteve de folga) o autor juntou documentos. 2. Nos artigos 28.º da sua contestação a ré impugnou esses documentos dizendo que: “impugna-se assim os documentos juntos como documentos 1 a 296, por não se tratarem dos documentos conferidos pela ré” e “uma vez que esses documentos não passam de escritos elaborador pelo mesmo, o que equivale a dizer que são meros depoimentos escritos e no interesse próprio”. 3. Notificada a ré para juntar os registos do tempo de trabalho do autor, veio responder (requerimento de 2/04/2022) que nas folhas apresentadas pelo autor já constam os dias e horas de trabalho e “face ao exposto, considera a ré que o registo de trabalho requerido pelo autor já se encontra junto aos autos”. 4. A ré sabia, quando impugnou a veracidade dos documentos apresentados pelo autor, que os mesmos eram por si considerados como correspondendo ao tempo de trabalho daquele mas, ainda assim, impugnou-os genericamente sem aludir a essa circunstância, pretendendo obstar a que o autor provasse o alegado nos referidos artigos da petição inicial. Cumprido o contraditório, cumpre apreciar. As partes (ainda para mais as que se fazem acompanhar de Ilustres advogados), no âmbito da resolução de conflitos de direito privado nos Tribunais, devem pautar a sua actuação pelas regras da cooperação inter-subjectiva, pela lealdade e pela boa fé (ver Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, I Volume, Almedina, pág. 304). Actualmente, logo nos artigos 7º e 8º do Novo Código de Processo Civil decorrem, para as partes, os deveres de cooperação e de boa fé processual. Entre outros deveres, deverão as partes colaborar na resolução do litígio com a maior brevidade, o que impõe que se harmonizem os respectivos comportamentos e se adopte uma postura ética e deontologicamente irrepreensível. A justa composição do litígio só será justa se “tiver sido promovida a descoberta da verdade material, se os diversos intervenientes tiverem cooperado no sentido da sua busca, se a actividade processual se tiver pautado pelos princípios da boa fé se, enfim, os mecanismos processuais tiverem sido usados dentro do espírito do sistema” (Abrantes Geraldes, op. cit., pág. 305). Por ser assim, a ilegitimidade do exercício do direito de acção ou defesa é sancionada, no processo civil, com a litigância de má fé e a correspondente condenação do litigante em multa e, eventualmente, em indemnização à parte contrária. Na verdade, dispõe o artigo 542º, n.º 1, do Novo Código de Processo Civil, que, tendo alguma das partes litigado de má fé, será condenada em multa. A condenação por litigância de má fé não se encontra na dependência de nenhum pedido das partes expressamente formulado nesse sentido, podendo/devendo o Tribunal conhecer da sua existência, oficiosamente. E as sanções não deixarão de se aplicar mesmo à parte vencedora, sem qualquer diferenciação. Dispõe artigo 542.º, n.º 2, do Código de Processo Civil que se diz litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave: - alínea a): tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; - alínea b): tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; - alínea c): tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; - alínea d): tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. A actuação da ré, impugnando documentos que apenas serviam para documentar os dias de trabalho do autor e que, nessa parte, sabia serem verdadeiros, significa que a mesma deduziu oposição (nessa parte) sabendo da sua falta de fundamento. A actuação é dolosa e é claramente susceptível de se enquadrar na citada alínea a), do nº 2, do artigo 542º do Novo Código de Processo Civil. Por tudo o exposto, como não podia deixar de ser, considera-se ter a ré litigado com evidente má fé. Tendo em conta o disposto no artigo 27.º do Regulamento das Custas Judiciais e a natureza e grau de violação dos deveres impostos à parte (que se deve aferir, como não pode deixar de ser, pelo valor do pedido em causa), deve ser de fixar a multa em 4 (quatro) Unidades de conta. Está, assim, em apreço na fundamentação apresentada, apenas a primeira alínea do n.º 1 do art. 542.º do Código de Processo Civil, ou seja, a má fé de carácter substancial.[16] Relativamente à al. a), importa não a confundir com a mera discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, pois tal implicaria uma incompreensível e intolerável limitação à interposição de ações ou à dedução de meios de defesa em juízo. Como bem esclarecem António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa em O Código de Processo Civil Anotado:[17] [18] A lei não coloca entraves irrazoáveis à introdução em juízo de pretensões ou de meios de defesa, nem consente que se faça do direito de ação uma interpretação correspondente a uma verdadeira petição de princípio, segundo a qual o acesso aos tribunais estaria reservado aos que tivessem razão. Se um dos objetivos do exercício do direito de ação é o reconhecimento de uma situação jurídica tutelável, o recurso legítimo aos tribunais não pode restringir-se àqueles que inequivocamente tenham a razão do seu lado. Ao invés, a lei confere uma vasta amplitude ao direito de ação ou de defesa, de maneira que, para além da repercussão no campo das custas judiciais, não retira do decaimento qualquer outra consequência a não ser que alguma das partes aja violando as regras e princípios básicos por que devem pautar a sua atuação processual. Assim, não deve confundir-se a litigância de má-fé com: a) A mera dedução de pretensão ou oposição cujo decaimento sobreveio por mera fragilidade da sua prova, por a parte não ter logrado convencer da realidade por si trazida a juízo; b) A eventual dificuldade de apurar os factos e de os interpretar; c) A discordância na interpretação e aplicação da lei aos factos, a diversidade de versões sobre certos factos ou a defesa convicta e séria de uma posição, sem, contudo, a lograr impor (…). Cita-se ainda o acórdão do STJ, proferido em 18-02-2015:[19] I - A litigância de má fé não se basta com a dedução de pretensão ou oposição sem fundamento, ou a afirmação de factos não verificados ou verificados de forma distinta. II - Exige-se, ainda, que a parte tenha atuado com dolo ou com negligência grave, ou seja, sabendo da falta de fundamento da sua pretensão ou oposição, encontrando-se numa situação em que se lhe impunha que tivesse esse conhecimento. No que se reporta à al. a) do n.º 2 do art. 542.º do Código de Processo Civil, importa ainda referir que a condenação como litigante de má-fé não se basta com “uma simples desconformidade da versão da parte com a realidade, tornando-se necessário que litigue sabendo e querendo prevalecer-se de algo que sabe ser falso, a que não tem direito”.[20] Por outro lado, “esse comportamento não se confunde com uma mera ausência de prova, nem com a uma lide temerária; vai para além disto em gravidade e censurabilidade. A defesa convicta de uma perspectiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância de má fé, tornando-se necessário que se demonstre que a parte não observou os deveres processuais de probidade, de cooperação e de boa fé”.[21] Na realidade, para que a parte venha a ser condenada como litigante de má-fé é necessário que atue com a consciência de que não tem razão, e mesmo assim querendo essa atuação, ou que atue em circunstâncias em que lhe era manifestamente exigível saber que não tinha razão, representando esse desconhecimento uma atitude especialmente censurável de leviandade ou de descuido. Vejamos, então, a situação concreta. Conforme bem se refere na sentença recorrida, para prova dos factos alegados nos arts. 14.º e 15.º da petição inicial, referentes aos dias em que não trabalhou nos anos de 2019 e 2020, o Autor juntou os documentos 1 a 296. Por sua vez, a Ré, nos arts. 28.º e 29.º da sua contestação, impugnou tais documentos, por não se tratarem dos documentos conferidos pela Ré, uma vez que esses documentos não passam de escritos elaborados pelo Autor, ou seja, são meros depoimentos escritos e no interesse do próprio. Referiu ainda nos arts. 25.º a 27.º da contestação, que o Autor apontava em folhas fornecidas pela Ré, os serviços e os quilómetros realizados, no entanto, os serviços que eram atribuídos ao Autor eram conferidos mensalmente por uma funcionária administrativa, encarregue de os faturar às Companhias de Seguros e transmitir à contabilidade da empresa para calcular a percentagem que o Autor devia receber nesse mês. No despacho saneador, o juiz do tribunal a quo determinou a notificação da Ré, requerida pelo Autor, para juntar aos autos os registos do tempo de trabalho do Autor. Em resposta, a Ré veio afirmar que considerava suficientes as folhas que o Autor apresentava todos os meses, e que se encontravam junto aos autos como docs. 1 a 296, após conferidas pela Ré, como nelas constando os dias e horas de trabalho do Autor, pelo que, se encontrando o registo de trabalho, requerido pelo Autor, já junto aos autos, nada mais seria necessário juntar. Em sede de julgamento, a Ré foi convidada a pronunciar-se sobre uma eventual condenação como litigante de má-fé, o que fez no requerimento junto em 19-04-2022, afirmando que a condenação como litigante de má-fé deve corresponder a situações particularmente reprováveis, que não se confundem com a mera existência de factos controvertidos ou contraditórios, sendo que quando a Ré impugnou os documentos juntos pelo Autor fê-lo por não serem os documentos finais, ou seja, os documentos conferidos pela Ré. Posteriormente, em sede de sentença, conforme reproduzimos supra, foi a Ré condenada como litigante de má-fé. Inexistem dúvidas de que a Ré na sua contestação impugnou documentos juntos pelo Autor que, posteriormente, em requerimento autónomo veio a considerar serem válidos, confessando os factos neles inscritos. É, por isso, inequívoco que a Ré agiu negligentemente quando, em sede de contestação, impugnou os factos inscritos nos referidos documentos juntos pelo Autor. E agiu negligentemente porque inexiste nenhum elemento factual que nos permita concluir que agiu dolosamente, isto é, que aquando da elaboração da contestação já tivesse verificado que os documentos juntos pelo Autor tinham conteúdo idêntico aos documentos finais por si conferidos e, apesar de saber que eles continham idêntica informação, tivesse optado por os impugnar. Porém, posteriormente, quando foi notificada para proceder à junção dos documentos finais, conferidos por si, veio afirmar, obviamente que entrando em contradição com o que afirmara na sua contestação, que o teor de tais documentos tinha idêntico teor aos documentos que possuía, optando por não efetuar tal apresentação. Sendo notória a situação de negligência, importa enquadrá-la, ou seja, apurar se é, ou não, grave. Ora, apesar de competir a quem contesta analisar previamente a documentação que impugna, em face da dimensão da documentação (296 documentos), afigura-se-nos que tal negligência, ainda que reprovável, não atinge a intensidade de reprovação próxima de uma atuação dolosa, ou dito de outro modo, a censurabilidade que determine a condenação da Ré como litigante de má-fé. Acresce que, ao invés de protelar a entrega da documentação que lhe tinha sido solicitada, invocando, designadamente, a dimensão da documentação a juntar, a Ré prontamente veio reconhecer o seu erro e assumir que os documentos juntos pelo Autor deveriam ser considerados verdadeiros. Pelo exposto, quanto à situação da condenação como litigante de má-fé da Apelante, procede a sua pretensão. ♣ V – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida apenas na parte em que condenou a Ré “Lourenço & Cristino, Lda.” como litigante de má-fé na multa de 4 UC, e, consequentemente, determinando-se a absolvição da Ré de tal condenação. Custas pela Apelante e Apelado na proporção do respetivo decaimento (art. 527.º, nºs. 1 e 2, do Código de Processo Civil). Notifique. ♣ Évora, 24 de novembro de 2022Emília Ramos Costa (relatora) Mário Branco Coelho Paula do Paço __________________________________________________ [1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço. [2] No âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [3] No âmbito do processo n.º 1572/12.2TBABT.E1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [4] No âmbito do processo n.º 283/08.8TBCHV-A.G1, consultável em www.dgsi.pt. [5] No âmbito do processo n.º 219/11.9TVLSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [6] 18.º - No ano de 2020, o Autor apenas gozou 2 (dois) dias úteis de férias, pelo que deveria ter gozado 104 dias de folga (52 semanas de trabalho), mas só gozou 62, pelo que tem a receber o correspondente a 42 dias de folgas trabalhadas, conforme infra se descrimina: Ano de 2020 (teve 2 dias de férias), deveria ter gozado 104 dias de folga, gozou 62, em falta 42 dias x 65,76€ = 2.761,92€ [7] No âmbito do processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [8] Em 01-01-2021 fez dois anos que o Autor trabalhava para a Ré. [9] Conforme facto provado 1.9. [10] Sublinhado nosso. [11] Acórdão do STJ, proferido em 12-11-2020, no âmbito do processo n.º 279/17.9T8MNC-A.G1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [12] E que pode inclusive não coincidir com a condenação da parte vencida. [13] Acórdão do TRG, proferido em 30-11-2017, no âmbito do processo n.º 1570/15.4T8GMR-A.G1, consultável em www.dgsi.pt. [14] Citação do já mencionado acórdão do TRG, proferido em 30-11-2017. [15] Citação do já mencionado acórdão do TRG, proferido em 30-11-2017. [16] A má fé substancial reporta-se às als. a) e b) do n.º 2 do art. 542.º do Código de Processo Civil e a má fé processual às restantes als. c) e d) do mesmo artigo. [17] Vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 592-593. [18] No mesmo sentido, veja-se também Código de Processo Civil anotado, do Professor Alberto dos Reis, Vol. II, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1981, pp. 260 e 261. [19] No âmbito do processo n.º 1120/11.1TBPFR.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt. [20] Acórdão do TRE, proferido em 11-11-2021, no âmbito do processo n.º 757/19.5T8PTG.E1, consultável em www.dgsi.pt. [21] Idem acórdão do TRE já citado. |