Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3167/24.9T8STR-A.E1
Relator: MARIA PERQUILHAS
Descritores: PROMOÇÃO E PROTECÇÃO DE CRIANÇAS
MEDIDA TUTELAR
DEBATE JUDICIAL
NULIDADE
ACTO PESSOAL
Data do Acordão: 10/02/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Na falta de consentimento dos titulares das responsabilidades parentais, ou representantes legais, e da criança maior de 12 anos de idade, a substituição da medida de proteção anteriormente aplicada só pode ser aplicada após realização de debate judicial, da competência material tribunal coletivo misto.
II - A decisão que procede à substituição de medida de proteção anteriormente aplicada deve ser fundamentada de facto, com identificação especificada das provas que a sustentam, e de direito, sob pena de nulidade.
III - A manifestação de vontade consistente na disponibilidade para acolher o neto por parte da avó materna, ou outro familiar, constitui acto pessoal a realizar perante o juiz.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3167/24.9T8STR-A.E1 – 2ª Secção Cível

Relatora: Maria Gomes Bernardo Perquilhas

Vindo do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Juízo de Família e Menores de Santarém – Juiz 1
Acórdão proferido na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
1 – Por decisão proferida no p.p. dia 14 de julho foi proferida decisão que procedeu à revisão da medida de apoio junto dos pais que havia sido aplicada nos presentes autos a favor de (…), alterando-a e substituindo-a pela medida de acolhimento familiar, pelo período de seis meses, a executar junto da família de acolhimento que já a havia recebido na sequência da medida cautelar proferida em 12 de maio de 2025.
*
Inconformada com o decido, veio (…) recorrer, mãe da criança, concluindo as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) O presente recurso vem interposto da decisão proferida pelo tribunal recorrido que aplicou ao seu filho menor (…) a seguinte medida de promoção e proteção:
Rever a medida de apoio junto dos pais aplicada nos presentes autos a favor de (…) e alterá-la para uma medida de acolhimento familiar pelo período de seis meses, no decurso da qual este menino continuará aos cuidados da família de acolhimento que já o recebeu.
B) O tribunal recorrido considerou existir uma situação de perigo actual para a respectiva segurança, saúde, bem-estar físico e desenvolvimento. Outrossim, da situação supra descrita resulta que, neste momento, a salvaguarda da segurança, saúde, bem-estar físico e desenvolvimento da criança, cujos cuidados não estavam a ser devidamente assegurados pelos progenitores ou pelas avós, bem como a sua retirada de um contexto familiar em que se mostrava sujeita a comportamentos por parte dos cuidadores (violência entre o casal) que a colocavam, também, em perigo.
C) Segundo o artigo 3.º, n.º 1, da LPCJP, deve haver intervenção para a promoção dos direitos das crianças quando os respetivos pais ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, nomeadamente, quando se verifique uma das situações previstas nas alíneas a) a f) do n.º 2 do artigo 3.º da LPCJP.
D) Intervenção do Estado que, fundada no artigo 69.º, n.º 2, da CRP, deve ter caráter excecional e está subordinada aos princípios da necessidade e proporcionalidade consagrados no artigo 18.º, n.º 2, da CRP e, por isso, à luz do artigo 4.º, e), da LPCJP, deve ser necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou jovem se encontrem no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade.
E) O artigo 4.º da LPCJP estipula os princípios orientadores a ter em consideração na escolha da medida de promoção e proteção a aplicar, dos quais destacamos o interesse superior da criança e do jovem (alínea a)), o princípio da proporcionalidade e atualidade (alínea e) e o princípio da prevalência da família (alínea h)).
F) O interesse superior da criança determina a necessidade de promoção e proteção da sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, mas, não se basta apenas com a educação e formação. E também necessário promover a sua segurança, saúde e bem-estar para assegurar o seu desenvolvimento integral. É necessário proporcionar-lhes e permitir-lhes a vivência no seio da sua família, pois, a família é uma referência essencial para as crianças para lhes permitir o seu são desenvolvimento e a sua estabilidade física e psicológica.
G) O próprio legislador privilegia e dá preferência às medidas que integrem as crianças em família, de acordo com o princípio da prevalência da família consagrado na alínea h) do artigo 4.º da LPCJP, princípio que também se retira do artigo 36.º, n.º 6, da C.R.P. e do artigo 9.º da Convenção sobre os direitos das crianças.
H) Portanto, o interesse da criança ou jovem, deve ser realizado na medida do possível no seio da sua família e a aplicação das medidas que provoquem o afastamento da criança ou do jovem da família deve ser o último recurso.
I) Sendo inegável a existência do problema oportunamente detectado, e a necessidade da sua resolução, a progenitora consciencializa-se de não ter podido corresponder da melhor maneira, até este momento, ao que legitimamente se deverá esperar dela, manifestando-se disposta a desenvolver todas as diligências necessárias para a correcção da situação, para o que, tendo em conta a sua situação específica - que adiante explanará- apela ao douto critério de V. Exa. a para que, devidamente apoiada, possa desempenhar condignamente a sua função no seu meio familiar.
J) A progenitora conta com o apoio da avó materna. Tendo mudado a sua residência para a casa desta. A mesma mostra-se disponível como sempre se mostrou para acolher o seu neto junto de si.
L) Deveria a mesma ter sido ouvida pelo Tribunal antes de este ter proferido a decisão de alterar para a medida de acolhimento familiar. O que não sucedeu.
M) Desde Maio de 2022 que a avó materna tem a seu cargo o exercício da Regulação das Responsabilidades Parentais relativo à irmã uterina do (…) – (…), actualmente com 12 anos de idade – Processo n.º 1978/18.3T8TMR-A – Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais – que correu seus termos no Tribunal da Comarca de Santarém - Juízo de Família e Menores de Tomar - Juiz 1.
N) Não se compreende o motivo da separação dos irmãos.
O) Por isso, se entende, como bem se refere no Preâmbulo do D.L. n.º 12/2008, de 17 de Janeiro – que estabelece o regime de execução das medidas de promoção e protecção das crianças e jovens em perigo em meio natural de vida - que a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens, em conformidade com os princípios enformadores da Lei n.º 147/99, " tem por pressuposto essencial uma intervenção que permita assegurar às famílias condições para garantirem um desenvolvimento pleno das crianças e dos jovens no âmbito do exercício de uma parentalidade responsável", sendo tal intervenção "concebida de modo (...) a potenciar o papel da família mediante o reforço e aquisição de competências dos pais " referindo, ainda, a propósito das medidas a executar em meio natural de vida (constantes das alíneas a) a d) do artigo 35.º, 2, da referida Lei 147/99) terem as mesmas "por pressuposto essencial o direito da criança e do jovem a serem educados numa família, de preferência a sua".
P) Além do mais, o menor (…) tem tio, tias, primos, primas, aos quais ninguém questionou da possibilidade de o acolher.
Q) Assim, é nosso entendimento que o Tribunal poderá usar de outra medida menos gravosa que não viesse pôr em causa o equilíbrio emocional e familiar, sendo o menor remetido para um ambiente estranho, afastado do seu contexto familiar e social de origem, em cidade e ambiente até aqui desconhecidos.
R) Por tal motivo, e perante a necessidade de prosseguimento de aplicação de medida de promoção e protecção, afigura-se mais indicada à requerente a medida de Apoio no caso vertente de apoio junto da avó materna, conforme regulamentada pelo DL 12/2008, de 17 de Janeiro, e que, ao mesmo tempo, atento o preconizado nos artigos 10.º, 2 a 13.º, 2, do citado D.L. n.º 12/2008, através de uma pluralidade de apoios de natureza psicopedagógica, social e económica, possa proporcionar à progenitora as condições de uma efectiva disponibilidade para a atenção e cuidado que o menor merece.
S) A criança quer ir para casa, manifesta diariamente esse desejo. Quer retornar para junto da sua mãe, avó e irmã, manifesta a sua tristeza, diz que chora todos os dias.
T) A sua mãe, avó materna e irmã querem-no de volta. O superior interesse do menor não se compadece com as delongas processuais e tal não pode acontecer num verdadeiro Estado de Direito.
U) Nunca a avó materna (…) comunicou a sua indisponibilidade perante o Tribunal para acolher o seu neto, tanto mais que cuida também há vários anos da sua neta e irmã uterina deste, aliás nunca foi ouvida.
V) Deveria a mesma ter sido ouvida pelo Tribunal antes de este ter proferido a decisão de alterar para a medida de acolhimento familiar.
X) Não se corre o risco de devolver o menor à situação de perigo que determinou a adoção urgente das medidas cautelares de promoção e proteção adequadas à promoção dos seus direitos e à sua proteção, porque inexiste a "fonte de perigo", que levou à aplicação de tal medida cautelar,
Z) Tal situação, a manutenção da medida aplicada, viola claramente os mais elementares princípios fundamentais de direito, designadamente, o princípio da Liberdade, do interesse superior da criança, da prevalência da família, da proporcionalidade e actualidade. É necessário proporcionar-lhe e permitir-lhe a vivência no seio da sua família.
Y) Aliás, o próprio legislador privilegia e dá preferência às medidas que integrem as crianças em família, de acordo com o princípio da prevalência da família consagrado na alínea h) do artigo 4.º da LPCJP.
AA) Princípio que se retira também do artigo 36.º, n.º 6, da C.R.P. e do artigo 9.º da Convenção sobre os direitos das crianças.
BB) A aplicação das medidas que provoquem o afastamento da criança ou do jovem da família deve ser o último recurso.
CC) Porém, neste caso concreto, mesmo perante a possibilidade de aplicação de uma medida alternativa em meio natural de vida, nomeadamente, a medida de apoio junto de outro familiar (avó materna), o tribunal negou essa possibilidade, preterindo o princípio da prevalência da família, negando a estas crianças a possibilidade de viverem com a sua família.
DD) Assim, atendendo às finalidades das medidas de proteção das crianças e jovens e sublinhando-se que as medidas são elencadas pela ordem de prevalência e preferência, preferindo-se as medidas a executar no meio natural de vida, entendemos não ser de aplicar, neste caso, a medida de acolhimento familiar, por se considerar excessiva e contrária às finalidades que se pretendem alcançar, tendo em conta o princípio da proporcionalidade.
EE) Com a aplicação desta medida de promoção e proteção a esta criança estar-se-á antes a promover a sua revolta, tristeza e angústia que em nada contribuirão para a sua educação, formação e desenvolvimento integral e influenciarão negativamente o desenvolvimento da sua personalidade, potenciando comportamentos desviantes.
FF) Pois, ao ser arrancada do seu seio familiar estar-se-á a provocar o desenraizamento desta criança das suas referências e a sua estabilidade emocional ficará gravemente afetada.
GG) Esta criança estará bem integrada no seu agregado familiar no qual se sente protegida, com a avó e irmã presentes que lhe dão todo o amor, carinho, compreensão e atenção desejados, por isso a aplicação da medida de acolhimento familiar e toda a instabilidade emocional que tal lhe medida lhes causará agravará ainda mais a desmotivação e o desinteresse destas crianças na aprendizagem e na dedicação à escola.
HH) Consideramos, assim, que a medida de acolhimento familiar aplicada é desproporcionada e inevitavelmente propiciadora de forte perturbação emocional desta criança, suscetível de graves consequências e, eventualmente desencadeadora de reatividade contrária ao objetivo prosseguido com os presentes autos de promoção e proteção.
II) Por imperativo legal "a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança se encontra no momento em que a decisão é tomada e só pode intervir na sua vida e na da sua família na medida em que for necessário a essa finalidade;" e "na promoção de direitos e na protecção da criança e da jovem deve ser dada prevalência às medidas que a integre na sua família.
JJ) A aplicação de uma medida alternativa em meio natural de vida, nomeadamente, a medida de apoio junto de outro familiar (avó materna) será mais adequada e apta a afastar a situação de perigo a que esta criança possa estar exposta.
LL) Assim e em. suma a decisão recorrida, por iníqua e desproporcionada, não se pode manter, devendo ser substituída por outra - apoio junto de familiar - avó materna.
Decidindo-se de acordo com o alegado, suprindo, doutamente, o que há a suprir, VV. Exas. farão como é hábito, a
CORRECTA E SÃ JUSTIÇA!
*
*
O MP respondeu ao recurso, concluindo como se segue:
(…)
*
II - FUNDAMENTAÇÃO:
A decisão recorrida é a seguinte
Ref.ª 11824506, de 08/07/2025: Visto.
Autorizo a avó materna e a irmã uterina da criança a acompanhar a progenitora nos convívios desta com o filho, conforme sugerido pela sra. Técnica Gestora do processo, por entender que tal salvaguarda o superior interesse do (…) e possibilita a avaliação da dinâmica familiar do agregado familiar da avó materna.
Notifique.
Revisão da medida:
Nos presentes autos foi aplicada a medida de apoio junto dos pais, pelo período de 12 meses, com revisão semestral, a favor do (…), nascido em 6 de Dezembro de 2019, por acordo de promoção e proteção homologado em 19 de Dezembro de 2024 (cfr. ref.ª 98453495 e 98453509).
Por despacho proferido em 11 de Abril de 2025 (ref.ª 99541661), foi aplicada medida cautelar de apoio junto da avó materna, face ao agravamento da situação da criança verificada no decurso da execução da medida aplicada. Tal medida não obteve execução, por falta de colaboração da progenitora e da avó materna, como resulta da informação com a ref.ª 11605880, de 16/04/2025. Por tal motivo, por despacho proferido em 12 de Maio de 2025 (ref.ª 99759623), a medida foi alterada, a título cautelar, para uma medida de acolhimento familiar ou residencial, em virtude do agravamento da situação da criança após a última revisão da medida.
Esta medida cautelar teve início na modalidade de acolhimento familiar, após inserção do (...) em família de acolhimento no passado dia 23 de Maio de 2025 (ref.ª 11727786, de 03/ 06/ 2025 e 11738200, de 05/06/2025).
Importa, portanto, proceder à revisão da medida anteriormente aplicada – artigo 62.º, n.º 2, da LPCJP.
O Ministério Público promoveu, com a ref.ª 99725920, de 09/05/2025, desde logo a alteração da medida, para uma medida de acolhimento familiar, pelo período de 12 meses.
Os progenitores foram notificados para se pronunciarem sobre a revisão da medida. O progenitor nada disse e a progenitora ofereceu o requerimento com a ref.ª 11721404, de 30/05/2025, no qual manifesta não concordar com a alteração da medida e sustenta que ao filho deve ser aplicada a medida de apoio junto da avó materna.
Como se referiu já no despacho com a ref.ª 99541661, de 11/04/2025, do conteúdo dos relatórios sociais juntos aos autos com as ref.ª 11605880 e 11649127 (repetido na ref.ª 11649299) resulta que efetivamente a situação da criança se agravou desde a aplicação da medida.
Os progenitores continuaram a não salvaguardar devidamente o filho, mantêm-se a residir em habitação com condições precárias (em violação da obrigação assumida no ponto 3 do acordo de promoção e proteção), que constitui um anexo situado no quintal da mãe do progenitor, espaço exíguo e sem condições habitacionais, sem água quente e com quartos sem paredes, separados por cortinas. Acresce que não diligenciavam pela aquisição de alimentos suficientes para todos os elementos do agregado familiar, com prejuízo para a alimentação do (...) - a que acresce o facto de apenas cozinharem na air fryer e no microondas (o que evidencia também o incumprimento da obrigação assumida no ponto 1. do mesmo acordo). Esta situação manteve-se até à aplicação da medida cautelar de acolhimento, como decorre do relatório com a ref.ª 11649127, do qual consta o resultado da visita domiciliária realizada em 5 do corrente mês de Maio.
Há queixas da avó paterna contra o progenitor, por maus tratos, o que dificultará o apoio à família por parte desta avó, que é quem prestava os cuidados de higiene ao (…) todas as noites e tratava das roupas da criança. Acresce que esta avó (paterna) não tem possibilidades de, por si só, acautelar os cuidados à criança, pois que sai para a sua atividade laboral pelas 5.30 horas da manhã.
Apesar da alegada existência de episódios de violência doméstica do progenitor sobre a progenitora, o inquérito que correu termos no DIAP de Santarém com o NUIPC 914/24.2PBSTR foi arquivado, por não comprovação dos indícios, fruto de a progenitora não ter prestado declarações. A progenitora não pretendeu o acompanhamento da APAV e não quis integrar Casa Abrigo Para Vítimas de Violência Doméstica com o filho. Também não pretende mudar-se para o (…), onde possui apoio familiar.
O progenitor mantém o acompanhamento do ICAD, com toma de metadona, mas mantém-se a relação conflituosa com a companheira, que o próprio reconhece, mas não identifica vontade de mudança, tal como esta não existe por parte da progenitora. Está desempregado, não apresentando o agregado fontes de rendimento estáveis. Inicialmente referiu ir emigrar para a Alemanha, situação que não se concretizou.
A criança apresentava elevado absentismo no jardim-de-infância. Também não frequentava com regularidade o prolongamento escolar até às 17.30 horas, com prejuízo para a sua inserção social.
Aparentemente, os progenitores não compreendem a gravidade da situação em que a criança se encontrava.
A avó materna não se mostrou disponível para acolher o neto, invocando que a sua presença prejudicava a neta (…), cuja guarda lhe está confiada.
Neste momento, a criança está bem acompanhada pela família de acolhimento, que lhe vem prestando todos os cuidados necessários á sua saúde, desenvolvimento e bem-estar, como resulta da informação social com a ref.ª 11824508, de 08/07/2025; o menino está a ser acompanhado em consultas de estomatologia, por apresentar cáries na dentição de leite, com possível compromisso da dentição definitiva, ainda em avaliação; e beneficia de acompanhamento psicológico, para enquadramento da ausência da mãe. Mantém contactos com os pais, em contexto do CAFAP.
Importa assim, neste momento, previamente a nova alteração da situação da criança, incluir a avó materna e a irmã uterina nos convívios com o (…) e fazer o acompanhamento da progenitora, com a respetiva sensibilização para a importância de manter acompanhamento psicológico. Também não é possível concluir, de momento, que a avó disponha de todas as condições pessoais para ter o (…) aos seus cuidados, face à anterior incapacidade/ indisponibilidade manifestada para tanto.
Afigura-nos, portanto, que neste momento a manutenção da medida anteriormente aplicada não é de molde a proteger a criança, que se encontra numa situação de perigo atual para a respetiva segurança, saúde, bem-estar físico e desenvolvimento. Outrossim, da situação supra descrita resulta que, neste momento, a salvaguarda da segurança, saúde, bem estar físico e desenvolvimento da criança, cujos cuidados não estavam a ser devidamente assegurados pelos progenitores ou pelas avós, bem como a sua retirada de um contexto familiar em que se mostrava sujeita a comportamentos por parte dos cuidadores (violência entre o casal) que a colocavam, também, em perigo – cfr. artigo 3.º, n.º 2, alíneas c) e f), da LPCJP impõe a alteração da medida anteriormente aplicada.
A medida que se nos afigura, atualmente de molde a continuar a satisfazer as necessidades de proteção que o caso impõe, face ao insucesso da medida de apoio junto da avó materna, anteriormente aplicada a título cautelar e à inexistência de outras alternativas ao nível da família, é a medida de acolhimento familiar, que o Ministério Público igualmente propugna seja aplicada.
A nosso ver, tendo a medida inicialmente aplicada sido objeto de acordo, não tem aplicação a previsão do artigo 114.º, n.º 5, da LPCJP, pelo que não há lugar à realização de debate judicial para efeitos da presente revisão.
Face ao sumariamente exposto, nos termos do disposto no artigo 62.º, n.º 1 e n.º 3, alínea b), da LPCJP (Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro), decido rever a medida de apoio junto dos pais aplicada nos presentes autos a favor do (…) e alterá-la para uma medida de acolhimento familiar, pelo período de seis meses, no decurso da qual este menino continuará aos cuidados da família de acolhimento que já o recebeu.
Notifique os progenitores e o ISS, sendo este também para continuar a acompanhar a execução da medida e para remeter aos autos, no prazo de 5 (cinco) meses sobre a presente data, o relatório tendente à respetiva revisão.
*
*
*
III – Apreciação do mérito do recurso:
1. O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), consubstancia se na seguinte questão:
Se a medida decretada, acolhimento familiar, se mostra adequada e necessária para afastar o perigo em que a criança se encontrava.
*
2. Conhecendo e decidindo:
A recorrente alega que o tribunal a quo considerou que sua mãe, avó materna da criança não se manifestou disponível para acolher o neto, (...), sem que a mesma tivesse sido ouvida.
Ora, como se verifica da simples consulta dos autos, a recorrente, após ter sido notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 85.º da LPCJP veio pronunciar-se contra a alteração da medida que já havia substituída, embora em termos cautelares por medida de acolhimento familiar, relativamente à pessoa de seu filho (…), alegando:
U) Nunca a avó materna (…) comunicou a sua indisponibilidade perante o Tribunal para acolher o seu neto, tanto mais que cuida também há vários anos da sua neta e irmã uterina deste, aliás nunca foi ouvida.
V) Deveria a mesma ter sido ouvida pelo Tribunal antes de este ter proferido a decisão de alterar para a medida de acolhimento familiar.
X) Não se corre o risco de devolver o menor à situação de perigo que determinou a adoção urgente das medidas cautelares de promoção e proteção adequadas à promoção dos seus direitos e à sua proteção, porque inexiste a "fonte de perigo", que levou à aplicação de tal medida cautelar,
Especificando que já não se encontrava a residir na morada constante dos autos e a que se referia o Relatório junto pela equipa técnica, mas sim com sua mãe e que esta estava disponível para acolher o neto, como aliás já havia feito com a sua filha mais velha. Requereu a final a audição da avó materna, tendo indicado nome e morada.
A mãe da criança, no requerimento apresentado em 30 de maio, em que se pronunciou sobre a revisão da medida de promoção e proteção informou que se encontrava a residir com a sua mãe e que conta com o seu apoio, como se pode ler em 9.º:
A progenitora conta com o apoio da Avó materna. Tendo mudado a sua residência para a casa desta. A mesma mostra-se disponível como sempre se mostrou para acolher o seu neto junto de si.
Além do mais, o menor tem tio, tias, primos, primas, aos quais ninguém questionou da possibilidade de acolher o referido menor.
No mesmo dia em que apresentou a sua pronúncia sobre a revisão da medida de promoção e proteção aplicada aos eu filho (…) a recorrente indicou a sua nova morada nos autos (Ref.ª citius 11721405).
Após promoção do MP nesse sentido, foi a técnica gestora do processo notificada para se pronunciar sobre a proposta de aplicação de medida de apoio junto de outro familiar como peticionado pela mãe da criança, aqui recorrente.
Após, no dia 4 de junho, foi proferido o seguinte despacho:
Ref.ª 11721404, de 30/05/2025 e procuração junta: Visto.
Por ora, aguardem os autos o envio da informação solicitada ao ISS, nos termos ordenados na ref.ª 99759623, de 12/05/2025, último despacho.
Sem prejuízo, dê conhecimento à sra. Técnica Gestora do processo, para que seja novamente aferida a possibilidade de aplicação da medida de apoio junto da avó materna a favor da criança, em 20 dias[1].
*
Ref.ª 11721405, de 30/05/2025: Atente-se, futuramente, na morada indicada pela progenitora, que deverá ser informada à sra. Técnica Gestora do processo, conforme doutamente promovido na ref.ª 99986237, de 03/06/2025.
(…)
No dia 5 de junho foi junto aos autos informação da Equipa ATT do ISS dando conta da execução dos mandados de condução do (…), para cumprimento da medida cautelar decretada de acolhimento familiar, onde se dá conta que o progenitor e a avó paterna estavam presentes, tendo aquele referindo que não pretende mudar de residência.
A 26 de junho é junta aos autos informação da Equipa ATT do ISS onde se dá conta do que releva para a presente decisão A progenitora informou que se encontra a residir em casa da sua mãe (avó materna), tendo feito inscrição no IEFP do (…). Refere que se encontra a fazer procura ativa de emprego apenas na área de residência atual, onde pretende fixar-se em definitivo.
E na conclusão da informação: Da apreciação agora feita, esta ATT, identifica a necessidade, de iniciar convívios quinzenais dos progenitores com o filho. De acordo com a Equipa do CBEZA, sugerem que os mesmos sejam permitidos na modalidade de Ponto de Encontro no CAFAP da área de residência de um dos progenitores (…) ou (…).
A informação agora recolhida permite identificar ausência de cuidados ao nível de saúde, acesso a Equipamento de Infância e outros cuidados fundamentais como o documento de Cartão de Cidadão que se encontra caducado.
Face ao exposto, importa avaliar as dinâmicas familiares e a capacidade de mudança para que os cuidados ao (…) sejam adequados e promotores de desenvolvimento, de aquisição de competências e de autonomia de acordo com a idade. Importa o encaminhamento da progenitora para consultas de psicologia, no interesse de trabalhar competências pessoais e emocionais que podem ter contribuído para a ausência de cuidados adequados ao filho.
No dia 1 de julho foi proferido o seguinte despacho:
Insista junto da sra. Técnica Gestora do processo para, em 5 (cinco) dias, se pronunciar sobre a possibilidade de aplicação da medida de apoio junto da avó materna a favor da criança, conforme já determinado no despacho com a ref.ª 100011270 (de 04-06-2025).
Em 8 de julho de 2025 é junta nova informação da Equipa ATT do ISS, onde se conclui:
Esta ATT, de acordo com o solicitado pela família materna, pronuncia-se favoravelmente a que a avó materna e irmã uterina possam acompanhar a progenitora nos convívios com a criança.
Tal alteração mostra-se mesmo fundamental para avaliar a dinâmica familiar deste novo agregado familiar.
Na mesma data é junto aos autos informação da Equipa que se pronuncia no sentido da manutenção do acolhimento familiar cautelarmente decretado a favor do (…), tendo o Relatório o seguinte teor:
Fontes e metodologias
Contacto telefónico com progenitora, a 03/07/2025
Articulação CAFAP, Dra. (…), a 03/07/2025
Articulação Equipa CBEZA – Acolhimento Familiar, reunião conjunta com Equipa, a 04/07/2025
Factos relevantes para o processo
De acordo com o solicitado pelo douto Tribunal, informa-se que o parecer desta ATT é fundamentado nos seguintes itens:
- foi aplicada Medida de Apoio junto de Outro familiar, na pessoa da avó materna (Despacho com Ref.ª 99553498, datado de 11-04-2025), do qual resultou o incumprimento das obrigações propostas pelo Tribunal (constam das págs. 3 e 4 do referido Despacho). Não tendo sido capaz de ultrapassar os constrangimentos, a avó voltou a entregar a criança aos pais;
- de momento, o (…) encontra-se a ser acompanhado em consultas de estomatologia, porque apresenta dentição de leite com cáries, estando a ser diagnosticado se a dentição definitiva se encontra comprometida. O tratamento encontra-se a decorrer;
- O (…) beneficia de acompanhamento psicológico, encontrando-se acautelada a forma como o (…) está a vivenciar a separação da mãe, que é a figura mais presente no discurso da criança;
- A criança tem viagem marcada para a Madeira, com a Família de Acolhimento, com data marcada para 28 agosto a 9 de setembro;
Os convívios com os progenitores já se encontram a decorrer no CAFAP de (…).
A progenitora informou que concorda com a Medida de Apoio Junto da avó materna, apenas de forma temporária. Refere que apesar de manter situação de desemprego, é seu objetivo conseguir autonomizar-se para ficar com a guarda do filho. Afirma que pretende fixar residência no (…), onde terá o apoio da família.

Conclusão / Parecer técnico
Da apreciação agora feita, esta ATT identifica a necessidade de incluir a avó materna e irmã uterina nos convívios com o (…). Importa igualmente fazer o acompanhamento da progenitora e sensibilizar para a importância de acompanhamento psicológico.
Junto da avó materna, importa garantir que esta possa melhorar competências de gestão da nova dinâmica familiar, onde deve assumir um papel mais assertivo na educação do neto, assegurando que este seja assíduo e pontual na escola, nos tratamentos de saúde e na garantia de que o seu crescimento se faça de forma saudável. Eventualmente, com apoio de CAFAP ou outra Entidade que promova cursos de parentalidade ou Terapia Familiar.
Trabalhar estes itens e garantir que a dinâmica familiar (mãe, avó materna e irmã uterina), funcione e assegure o bem-estar do (…), sendo fundamental, para que não volte a repetir-se o insucesso da Medida aplicada anteriormente, junto da avó materna.
De momento, a criança tem assegurado: cuidados de saúde, apoio psicológico, relação com pares e pode usufruir de viagem de lazer à Madeira, com regresso a 9 de setembro 2025. Por ora, e de acordo com a informação recolhida, o (…) tem vindo a apresentar maior autonomia na relação com adultos e pares.
O (…) continua a somar bagagem emocional e competências para a aprendizagem. Pergunta pela mãe e chora aquando da separação, mas nas rotinas diárias, apresenta-se tranquilo, é uma criança curiosa que aprende com facilidade, demonstrando competências cognitivas.
Face ao exposto a proposta desta ATT, é que a Medida Cautelar de Acolhimento Familiar, seja aplicada e reavaliada mais tarde de acordo com a avaliação feita na data.
Submete-se para a apreciação do douto Tribunal.
Junto a informação referida foram os autos continuados com vista ao MP e proferida a decisão recorrida, em 14 de julho.
Não foram realizadas diligências de prova requeridas pela recorrente para comprovar a disponibilidade da avó materna.
*
*
Embora não se encontrem elencados de forma clara e objetiva, os factos em que se baseia a decisão recorrida são os seguintes:
- Os pais da criança habitam num anexo situado no quintal da mãe do progenitor (avó paterna), espaço exíguo, sem água quente e com quartos sem paredes, separados por cortinas.
Os pais da criança não diligenciavam pela aquisição de alimentos suficientes para todos os elementos do agregado familiar, com prejuízo para a alimentação do (…);
Apenas cozinhavam na air fryer e no micro-ondas;
A avó paterna queixa-se contra o progenitor do (…), seu filho, por maus tratos.
Esta circunstância dificulta o apoio à família por parte desta avó.
Era a avó paterna que prestava os cuidados de higiene ao (…) todas as noites e tratava das roupas da criança.
A avó paterna não tem possibilidades de, por si só, acautelar os cuidados à criança, pois que sai para a sua atividade laboral pelas 5.30 horas da manhã.
Apesar da alegada existência de episódios de violência doméstica do progenitor sobre a progenitora, o inquérito que correu termos no DIAP de Santarém com o NUIPC 914/ 24.2PBSTR foi arquivado, por não comprovação dos indícios, fruto de a progenitora não ter prestado declarações.
A progenitora não pretendeu o acompanhamento da APAV e não quis integrar Casa Abrigo Para Vítimas de Violência Doméstica com o filho.
A mãe das crianças não pretendia mudar-se para o (…), onde possui apoio familiar.
O progenitor mantinha o acompanhamento do ICAD, com toma de metadona, mas mantinha a relação conflituosa com a companheira, que o próprio reconheceu, mas não manifestou vontade de mudança, tal como esta não foi manifestada por parte da progenitora.
O progenitor estava desempregado, não apresentando o agregado fontes de rendimento estáveis. Inicialmente referiu ir emigrar para a Alemanha, situação que não se concretizou.
A criança apresentava elevado absentismo no jardim-de-infância e não frequentava com regularidade o prolongamento escolar até às 17.30 horas, com prejuízo para a sua inserção social.
Os progenitores manifestavam não compreendem a gravidade e efeitos da situação em que a criança se encontrava.
A avó materna não se mostrou disponível para acolher o neto, invocando que a sua presença prejudicava a neta (…), cuja guarda lhe está confiada.
A criança estava bem acompanhada pela família de acolhimento, que lhe vem prestando todos os cuidados.
A criança está a ser acompanhado em consultas de estomatologia, por apresentar cáries na dentição de leite, com possível compromisso da dentição definitiva, ainda em avaliação.
A criança beneficia de acompanhamento psicológico.
A criança mantém contactos com os pais, em contexto do CAFAP.
*
Apreciação do Recurso
A recorrente insurge-se contra a decisão tomada alegando desde logo que a sua mãe, avó da criança, se encontra disponível para cuidar e tomar a seu cargo, mediante a aplicação da necessária medida de promoção e proteção do seu filho, constando o contrário nos factos invocados pelo tribunal a quo sem que a mesma tivesse sido ouvida.
No fundo a recorrente coloca em causa a matéria de facto considerada pelo tribunal a quo, mas não cumpre com os pressupostos de impugnação de facto fixados no artigo 640.º do CPC. Mas a verdade é que o não podia fazer já que nesta decisão se omite totalmente a indicação da base probatória dos factos considerados como fundamento da medida decretada.
O Tribunal a quo fez constar que a nosso ver, tendo a medida inicialmente aplicada sido objeto de acordo, não tem aplicação a previsão do artigo 114.º, n.º 5, da LPCJP, pelo que não há lugar à realização de debate judicial para efeitos da presente revisão.
Salvo o devido respeito, a interpretação vertida no parágrafo transcrito não tem qualquer apoio na letra da lei.
O tribunal enuncia que procede à revisão de medida em meio natural de vida, aplicada por acordo, substituindo-a por uma medida de colocação, no caso de acolhimento familiar, e porque a primeira foi aplicada por acordo não há lugar à realização de debate judicial? Se bem entendemos o afirmado, se a medida inicialmente aplicada tiver sido por acordo, todas as revisões posteriores, contrárias à vontade dos titulares das responsabilidades parentais, e da criança se maior de 12 anos, são permitidas sem que se proceda debate judicial?
Este entendimento não tem qualquer apoio legal antes contradiz o que de forma cristalina se prescreve o artigo 114.º, n.º 5, alínea a):
5 - Para efeitos do disposto no artigo 62.º não há debate judicial, exceto se estiver em causa:
a) A substituição da medida de promoção e proteção aplicada; ou
b) (…)
Diverso entendimento apenas contempla as situações que a revisão da medida se consubstancia na manutenção da medida anteriormente aplicada, caso em que os pais ou representantes legais são notificados nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 85.º, e a criança, maior de 12 anos, nos termos do artigo 84.º, ambos da LPCJP, ou seja, para se pronunciarem sobre a revisão, podendo, naturalmente, apresentar e requerer a produção de prova. No caso, o simples cumprimento do contraditório não cumpre com as exigências vertidas pelo legislador no artigo 114.º, n.º 5, na revisão da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo pela Lei 142/2015, de 8 de setembro, que além do mais introduziu o n.º 5 no artigo 114.º, pondo fim a divergências jurisprudenciais sobre a obrigatoriedade ou não de realização de debate judicial em situações de revisão com substituição de medida anteriormente aplicada.
Esta competência não respeita apenas ao modo de funcionamento do tribunal caso em que estaríamos perante incompetência relativa, mas sim material já que se incide sobre a substituição da medida anteriormente aplicada, pressupondo-se a inexistência de consentimento, se aplicada por acordo, ou situações em que esta consentimento é inoperante (caso da alínea g) do artigo 35.º), em que se impõem garantias acrescidas decorrentes não apenas do princípio do contraditório, em ambas as dimensões – pronúncia e apresentação de provas – mas acima de tudo julgamento dos factos e aplicação da medida com o envolvimento da comunidade representada através dos juízes sociais.
Do que se expôs resulta desde já que a decisão proferida sofre de pecado original decorrente da falta de competência material do tribunal a quo (artigos 96.º e 97.º do CPC) para a poder proferir, já que a lei exige a realização de um debate judicial, da competência do tribunal coletivo misto, como previsto no artigo 115.º da LPCJP.
*
Para além do vício apontado, e não obstante a desnecessidade de mais ser analisado e decidido para decisão do recurso, sempre diremos que mesmo que se entendesse que a decisão de revisão substituindo medida de proteção anteriormente decretada se basta com cumprimento do contraditório, impõe o artigo 62.º, n.º 4, que a decisão de revisão deve ser fundamentada de facto e de direito, em coerência com o projeto de vida da criança ou jovem.
Esta fundamentação, para além da exigência de natureza constitucional subjacente a todas as decisões judiciais, está intimamente ligada com os direitos fundamentais afetados pela ingerência do Estado na Família, que como sabemos apenas é legítima em situações de perigo como as exemplificativamente indicadas no artigo 3.º da LPCJP.
É certo que a fundamentação das decisões visa permitir a sindicância das mesmas por parte dos seus destinatários, evitando-se a arbitrariedade e simultaneamente fundando a confiança essencial ao funcionamento do sistema judicial. Por isso a fundamentação deve conter, obrigatoriamente, os meios de prova em que se alicerça de modo a que, como no caso presente, permita o exercício do direito ao recurso.
Ora, da análise da decisão não se descortina em qual dos Relatórios/Informações da ATT/ISS se fundou o tribunal a quo porquanto nada é referido a este propósito e os factos que se elencam como fundamentadores da substituição da medida não têm acolhimento na última Informação junta aos autos, acima transcrita, que nem tão pouco foi notificada aos pais, nem acolheu as informações prestadas pela mãe no seu requerimento igualmente já referido.
Esta falta de fundamentação de facto constitui nulidade, como se constata da interpretação e aplicação conjugada dos artigos 615.º, n.º 1, alínea b), 607.º, n.º 4, ambos do CPC, exigência aplicável aos despachos e outras decisões atento o disposto no artigo 613.º do mesmo CPC e no que à presente decisão impõe o citado artigo 62.º, n.º 4, da LPCJP, normas do CPC aplicáveis ex vi do artigo 126.º da LPCJP.
Por outro lado, cabe notar que a própria informação junta aos autos pela ATT/ISS não se baseia em qualquer reunião havida com a mãe ou avó materna, que nem sequer foi contactada, e a primeira o foi apenas por telefone (v. metodologia). Acresce que, vindo a mãe informar que a avó materna se encontrava disponível e queria acolher o neto, se impõe, dada a natureza eminentemente pessoal da declaração de vontade em causa, caso não houvesse lugar a debate judicial, sempre a fosse a avó da criança deveria ser ouvida diretamente pelo tribunal.
Por importante que seja o trabalho dos técnicos nesta particular área da promoção e proteção dos direitos das crianças, os mesmos não substituem o tribunal na realização da indagação factual relativa a factos derivados da vontade como seja o que se aludiu, do mesmo modo que não substituem nem o podem fazer no julgamento dos factos essenciais à decisão.
Por todo o exposto, verificamos que a decisão proferida se encontra ferida de nulidade insanável porque proferida por juiz singular com preterição de audiência contraditória, o debate judicial, a quem compete decidir a substituição de medida anteriormente aplicada, da competência material do tribunal coletivo misto, para além da falta de fundamentação e realização de diligências essenciais (e.g. visitas domiciliárias, avaliação da avó e da progenitora) que devem ser realizadas na fase adequada.
*
IV - DECISÃO:
Face ao exposto Acorda-se nesta Relação de Évora:
Julgar procedente o recurso interposto pela recorrente revogando-se a decisão proferida, a qual deve ser substituída por outra que determine a notificação dos pais e da criança nos termos e para os efeitos fixados no artigo 114.º da LPCJP.
Sem custas.

Sumário: (…)

*

Évora, 2 de outubro de 2025
Maria Perquilhas
Rosa Barroso
Helena Bolieiro
__________________________________________________

[1] Sublinhado nosso.