Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | RICARDO MIRANDA PEIXOTO | ||
| Descritores: | EMBARGOS DE TERCEIRO POSSE CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA TRADIÇÃO DA COISA HIPOTECA | ||
| Data do Acordão: | 12/10/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A SENTENÇA RECORRIDA | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | SUMÁRIO (art.º 663º, n.º 7, do CPC):
I. O registo da hipoteca é condição de eficácia do negócio jurídico, não apenas perante terceiros como também entre as partes que constituíram a garantia real (art.º 687º do CC). II. O direito de sequela atribuído ao credor hipotecário, traduzido na faculdade de este fazer valer tal garantia sobre a coisa onde quer que ela se encontre, mesmo que a propriedade do bem hipotecado seja subsequentemente transmitida a terceiros, não se verifica enquanto a hipoteca não for registada, condição que, uma vez preenchida, só produz efeitos relativamente aos actos de transferência de domínio ulteriores. III. O promitente-comprador beneficiário da tradição do objecto prometido comprar pode, em condições excepcionais, converter a mera detenção em verdadeira posse, quando revelada por um conjunto de actos inequívocos de que exerce um domínio material sobre os bens prometidos, em tudo análogo ao do proprietário e com a intenção de ser seu exclusivo dono, ainda que por inversão do respectivo título, opondo-se ou excedendo os efeitos produzidos pelo contrato-promessa que está na origem da entrega da coisa prometida. IV. Se o promitente-comprador recebeu dois lotes de terreno na ocasião da celebração do contrato-promessa, nos quais deu imediatamente início às obras de construção de uma moradia, a expensas, sob o controlo e direcção suas e, após a sua conclusão, passou utilizá-la até à presente data como segunda casa, de forma regular, várias vezes ao ano, nela recebendo amigos, familiares e visitas, aí tomando as suas refeições e dormindo, tendo celebrado, em seu próprio nome, os contratos de fornecimento de água, gás e electricidade, de seguro multirriscos, suportando as despesas de condomínio e de IMI, pagando integralmente o preço previsto no contrato-promessa, tudo sem a oposição de quem quer que seja e de forma ininterrupta, julgando-se seu legítimo proprietário e actuando em conformidade, é de concluir que vem exercendo sobre tais bens verdadeira posse desde o momento da tradição da coisa. V. Verificados os pressupostos do exercício da posse pelo promitente-comprador desde data anterior ao registo de hipoteca que incidiu sobre o bem, assiste-lhe a faculdade de embargar de terceiro contra a penhora fundada na hipoteca, em processo de execução que corre termos contra o proprietário dos bens. | ||
| Decisão Texto Integral: | Apelação 5343/11.5YYLSB-E.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Execução de Loulé - Juiz 1 * *** * Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora, sendo Relator: Ricardo Miranda Peixoto; 1º Adjunto: Susana Ferrão da Costa Cabral; e 2º Adjunto: Maria João Sousa e Faro. * *** I. RELATÓRIO * A. Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa n.º 5343/11.YYLSB, instaurada por «Banif-Banco Internacional do Funchal, S.A», assumindo actualmente a posição de Exequente o «Banco Santander Totta, S.A», contra os Executados «Pine Estates-Gestão e Administração de Imóveis, Ld.ª», AA, BB, «Wyatt Holdings Limited», «Wistan Enterprises Limited», «Aymana Holdings Limited», «Celena Enterprises Limited» e «Dantel Enterprises Limited», vieram CC e mulher, DD, deduzir os presentes embargos de terceiro pedindo seja ordenado o levantamento da penhora sobre os lotes números 34 e 35, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o numero 4565, da freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, e o cancelamento do registo Ap. 1249 de 2013/05/08 sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o nº 4565 da freguesia de Vila 2 e do registo Ap. 1228 de 2013/05/08 averbada sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o nº 4566 da freguesia de Vila 2. Para tanto, alegaram manter posse sobre os referidos imóveis, no seguimento de entrega resultante de contrato-promessa celebrado em 2005, vindo, desde então, a exercê-la exclusivamente e como se proprietários fossem, edificando neles moradia, onde passaram a habitar sempre que estão em Portugal, pagando integralmente o preço previsto no contrato-promessa, suportando todos os custos da empreitada que contrataram para a edificação, bem como, as despesas inerentes à habitação, manutenção, impostos e seguros do espaço. Devido a acção de nulidade do alvará de loteamento da urbanização onde se situam os lotes prometidos comprar pelos Embargantes, intentada pelo Parque Natural da Ria Formosa junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, foi suspenso o processo de licenciamento das construções entretanto edificadas, verificando-se impossibilidade temporária de ser concretizada a compra e venda prometida. A penhora efectuada sobre os lotes nos autos principais afecta a posse e os direitos dos Embargantes, não só sobre os lotes de que são possuidores e promitentes compradores, mas também sobre a moradia que nesses lotes construíram. A execução e penhora têm por causa um contrato de empréstimo celebrado em 15/07/2005, concedido pela Exequente à Executada Pine Estates no montante de 1.638,713,00 €, cujo pagamento foi garantido por hipoteca dos lotes constituída pelas Executadas Wyatt e Wistan que declararam na escritura ter interesse próprio na obtenção do financiamento à Pine Estates por lhe terem adjudicado a edificação dos imóveis nos prédios ora hipotecados. Porém, todas as obras realizadas nos lotes foram exclusivamente pagas pelos Embargantes, não tendo as Embargadas Wyatt e Wistan qualquer interesse próprio na concessão das hipotecas, sendo nula a garantia prestada pelas Garantes Wyatt e Wistan ao crédito concedido à Executada Pine Estates. Ainda que assim não se entenda, sempre será de considerar que a hipoteca constituída sobre os lotes não se estende às construções que neles foram implantadas pelos ora Embargantes, sendo superior aos lotes o valor das construções neles implantadas, pelo que estão reunidas as condições para reconhecer a aquisição da propriedade dos lotes pelos Embargantes por via da acessão industrial imobiliária. B. Por despacho datado de 01/12/2015 (refª 99392742), foram liminarmente admitidos os embargos de terceiro e determinada a notificação das partes primitivas. C. Contestou o Exequente «Banif-Banco Internacional do Funchal, S.A» (ref.ª citius 21648516), alegando o conhecimento da penhora do imóvel pelos Embargantes desde Agosto de 2013, já que no dia 20 desse mês foi lavrado e afixado na porta do imóvel o edital referente ao auto de penhora, para além de o facto resultar publicitado através do registo predial. Impugnou os fundamentos dos embargos, negando impedimento à constituição das hipotecas pelas Embargadas, quer pela relação societária que potencialmente mantinham aquela data, quer pelo interesse mais do que justificado que estas tinham na valorização exponencial dos seus imóveis, não tendo sido um acto praticado sem capacidade. Os Embargados convencionaram que as hipotecas abrangeriam todas as benfeitorias, construções e acessões, presentes e futuras que ocorram ou forem efectuadas nos lotes. Não verifica o pressuposto da boa fé que se traduz na circunstância do autor da obra desconhecer que o tereno é alheio ou na autorização da incorporação pelo dono da obra, pelo que as construções que os Embargantes alegam ter realizado não originam a acessão industrial imobiliária. D. Realizada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, identificando o objecto do litígio e enunciando os temas da prova. Determinada a realização de prova pericial, foi junto o respectivo relatório aos autos. E. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença que decidiu de facto e de direito, com o seguinte dispositivo: “Nos termos expostos, o Tribunal decide: a) Julgar procedentes os embargos de terceiro e, em consequência, determina o levantamento/cancelamento das penhoras incidentes sobre o prédio urbano denominado “Lote 34”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o número 4565/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7418, penhora essa registada pela Ap. 1249, de 2013/05/08 e o prédio urbano denominado “Lote 35”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o número 4566/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7419, penhora essa registada pela Ap. 1228, de 2013/05/08; b) Condenar o Embargado/exequente «Banco Santander Totta, S. A» no pagamento das custas e demais encargos com o processo.” F. Inconformada com o decidido, a Exequente / Embargada interpôs o presente recurso de apelação. Concluiu as suas alegações nos seguintes termos (transcrição parcial sem negritos e sublinhados da origem): “(…) A) A sentença do tribunal da 1ª instância pronunciou-se, de entre as várias questões suscitadas pelos embargantes, somente sobre as 2 (duas) questões que poderiam integrar o objecto do incidente de embargos de terceiros: 1) a tempestividade dos embargos de terceiro (questão essa suscitada pela exequente) e 2) se a penhora inscrita sobre os prédios urbanos ofenderia o direito (posse) dos embargantes. B) O tribunal a quo julgou os embargos de terceiro tempestivamente apresentados (questão 1), em virtude de ausência de prova em contrário por parte da exequente. C) Já em apreciação à questão 2) decidiu o tribunal a quo que “(…) a penhora ofende efectivamente a sua posse e, não sendo os Embargantes parte na execução, as penhoras incidentes sobre os referidos Lotes e as construções neles erigidas não se poderão manter (segunda questão)”. D) Decidindo, a final, “Julgar procedentes os embargos de terceiro e, em consequência, determina o levantamento/cancelamento das penhoras incidentes sobre o prédio urbano denominado “Lote 34”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho deCidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o número 4565/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7418, penhora essa registada pela Ap. 1249, de 2013/05/08 e o prédio urbano denominado “Lote 35”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o número 4566/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7419, penhora essa registada pela Ap. 1228, de 2013/05/08; (…) F) Resultou como facto provado nos presentes autos que a exequente Banco Santander Totta (que adquiriu, por deliberação do Banco de Portugal, os activos do Banif) é credora hipotecária relativamente aos imóveis objecto dos embargos de terceiros deduzidos. G) Imóveis esses penhorados a favor dos autos e em relação aos quais os embargantes são possuidores. H) Isso mesmo resulta da factualidade dada por provada na sentença de 1ª instância (…). I) Foi dado por provado sob o facto n.º 1 o seguinte (com transcrição somente dos pontos mais relevantes): “1. No dia 21 de Março de 2011, o «Banif-Banco Internacional do Funchal, S. A» instaurou contra «Pine Estates-Gestão e Administração de Imóveis, Lda», AA, BB, «Wyatt Holdings Limited», «Wistan Enterprises Limited», «Aymana Holdings Limited», «Celena Enterprises Limited», e «Dantel Enterprises Limited», acção executiva a qual corre termos no Juízo de Execução de Loulé, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro sob o nº 5343/11.5YYLSB, apresentando como título executivo o escrito que faz fls. Dos autos de execução, no essencial, e no que para aqui interessa, com o seguinte teor “Contrato de Empréstimo. (…) é convencionado e reciprocamente aceite o presente Contrato de Empréstimo, nos termos e condições constantes das cláusulas seguintes: Primeira 1. O Banif, a pedido e no interesse da Segunda Outorgante concede-lhe um empréstimo no valor de € 1.638.713,00 € (um milhão seiscentos e trinta e oito mil setecentos e treze euros) (…) Oitava 1. Para assegurar o cumprimento pontual de todas as obrigações pecuniárias assumidas pela Segunda Outorgante, são constituídas, a favor do Banif as seguintes garantias: 1.1 Hipoteca dos prédios que a seguir se identificam: (...) 1.1.9. Prédio rústico, Lote nº 34 sito em Local 3, na freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, inscrito na respectiva matriz com o artigo numero 7418, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o número 04565/220191, Propriedade da Wyatt Holdings Limited. 1.1.10. Prédio Rústico, Lote nº 35, sito em Local 3, na freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, inscrito na respectiva matriz com o artigo número 7419, descrito na Conservatória do Registo Predial deCidade 1 sob o número 04566/220191, propriedade da Wistan Enterprises Limited (…).” (…). J) Para garantia do contrato do empréstimo outorgado entre o Banif e, entre outros, as executadas Wyatt e Wistan, foi por estas constituída hipoteca a favor do Banif sobre o lote nº 34 (CRPredial Cidade 1 nº 4565) e o lote nº 35 (CRPredial Cidade 1 nº 4566). K) Já os factos 2 e 4 deram como provada a penhora realizada a favor dos presentes autos sobre os lotes nº 34 e 35, objectos dos embargos de terceiro deduzidos pelos embargantes: “2. Nos autos de execução referidos em 1) foi penhorado o prédio urbano denominado “Lote 34”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho deCidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1 sob o número 4565/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7418, penhora essa registada pela Ap. 1249, de 2013/05/08; 4. Nos autos de execução referidos em 1) foi penhorado o prédio urbano denominado “Lote 35”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 4566/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7419, penhora essa registada pela Ap. 1228, de 2013/05/08;” (…). L) Por seu turno, os factos 3 e 5 confirmaram o direito de propriedade dos lotes nº 34 e 35 a favor das executadas Wyatt e Wistan: “3. O direito de propriedade dobre o prédio urbano denominado “Lote 34”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 4565/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7418, foi inscrito a favor da sociedade «Wistan Enterprises Limited» pela Ap. 104 de 2000/06/20 (8/9), e a favor da sociedade «Wistan Enterprises Limited» pela Ap. 88 de ...0.../11 (1/9);” “5. O direito de propriedade dobre o prédio urbano denominado “Lote 35”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 4566/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7419, foi inscrito a favor da sociedade «Wistan Enterprises Limited» pela Ap. 106 de 2000/06/20 (8/9), e a favor da sociedade «Wistan Enterprises Limited» pela Ap. 89 de 2000/11/22 (1/9);” (…). M) Urge precisar que a sentença de 1ª instância incorreu num manifesto lapso de escrita quanto à identificação da proprietária do lote nº 34 indicada no facto provado nº 3. N) De facto, as indicadas Ap. 104 de 2000/06/20 (8/9) e Ap. 88 de 2000/11/22 (1/9) registadas no lote nº 34 (CRPredial Cidade 1 nº 4565) foram inscritas a favor a executada Wyatt Holdings Limited e não da executada Wistan Enterprises Limited como, por lapso, indicado no facto dado por provado nº 3. O) Aliás, através da leitura do facto dado por provado nº 1 é possível verificar que este facto nº 3 incorre em manifesto lapso de escrita, visto naquele facto vir correctamente identificadas as proprietárias dos 2 imóveis aqui em discussão. P) Quanto à hipoteca constituída pelas executadas a favor do primitivo exequente Banif – AP. 2 de 2005/06/15 – foram os factos como provados nº 8 e 10 que o confirmaram: “8. Sobre o prédio urbano denominado “Lote 34”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 4565/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7418, incide hipoteca voluntária a favor do «Banif - Banco Internacional do Funchal, S. A» para garantia de todas e quaisquer responsabilidades que existam ou venham a existir em nome de Pine Estates Gestão e Administração de Imóveis, Lda», sendo o montante máximo assegurado de 2.097.552,64 € (dois milhões e noventa mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos), hipoteca essa registada pela Ap. 2 de 2005/06/15; 10. Sobre o prédio urbano denominado “Lote 35”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 4566/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7419, incide hipoteca voluntária a favor do «Banif-Banco Internacional do Funchal, S. A» para garantia de todas e quaisquer responsabilidades que existam ou venham a existir em nome de Pine Estates-Gestão e Administração de Imóveis, Lda», sendo o montante máximo assegurado de 2.097.552,64 € (dois milhões e noventa mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos), hipoteca essa registada pela Ap. 2 de 2005/06/15;” (…). Q) Por fim, foi o facto nº 30 que deu como provada a legitimidade da ora exequente Banco Santander Totta, S.A. para ocupar o lugar do primitivo exequente Banif, pese embora tratar-se de um facto público e notório: “30. Por deliberação de 20 de Dezembro de 2015 o Conselho de Administração do Banco de Portugal no uso das suas competências decidiu alinear ao «Banco Santander Totta, S.A» os direitos e obrigações que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do «Banif – Banco Internacional do Funchal, S. A»;” R) Considerando os factos anteriormente destacados – factos 1 a 5, 8, 10 e 30 – dados por provados na sentença proferida pelo tribunal a quo, dúvidas não restam que o Banco Santander Totta, ora exequente, é credor hipotecário nos presentes autos quanto aos 2 imóveis objecto dos embargos de terceiro – lotes nº 34 e nº 35 – com penhora registada a seu favor sobre os mesmos. S) E, nessa qualidade de credor hipotecário, a posse de terceiro sobre os imóveis que lhe foram dados em garantia não pode impedir a penhora e consequentes diligências de venda dos imóveis. T) Isso mesmo tem vindo a decidir a mais recente jurisprudência, como seja a que nos ensinou o douto Acórdão do TRLisboa no processo 11172/18.8T8SNT-D.L1-6, de 05.12.2024, disponível em www.dgsi.pt: “É isento de dúvida que, numa execução hipotecária, não pode ser considerada incompatível a penhora do bem hipotecado a favor do exequente com a posse de terceiro sobre o mesmo, já que o direito real de garantia que assiste ao exequente permite-lhe perseguir o prédio objecto da garantia de hipoteca no património do devedor, ou no património de terceiro, como consequência do direito de sequela e em resultado dos artigos 686º e 695º do CC, não podendo o terceiro possuidor impedir com embargos de terceiro a venda do imóvel e tendo-se decidido neste sentido no acórdão da RL citado pela decisão recorrida, de 13/9/2012, p. 1223/05, relatado pela ora relatora e que foi confirmado no acórdão do STJ de 21/3/2013, no mesmo processo 1223/05, ambos em www.dgsi.pt – cfr. neste sentido também, o mais recente ac. RP de 29/9/2022, p. 3119/09, no mesmo site.” U) O mesmo entendimento tem sido seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça, conforme Acórdão proferido no âmbito do processo 1223/05.1TBCSC-B.L1.S1, de 21.03.2013, igualmente disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário foi: I. O promitente comprador a quem foi entregue o imóvel prometido vender, pode, nos casos limite, ser considerado um possuidor e não um detentor precário, nomeadamente, quando se puder deduzir que as partes, com aquela entrega, pretenderam antecipar os efeitos do contrato definitivo. II. Ainda que o promitente comprador se encontre na situação de possuidor, nos termos definidos em I, não pode opor, a sua posição ao titular de hipoteca sobre o imóvel, com registo anterior. (…). V) Ainda que se considere, em determinado caso concreto, que o promitente comprador é um verdadeiro possuidor – como aconteceu nos presentes autos – isso não impede que a hipoteca registada em data anterior ao início da sua posse prevaleça sobre esta. W) Continuaria a prevalecer, ainda que os embargantes já tivessem celebrado a escritura de compra e venda da coisa, nunca podendo evitar o direito de sequela da hipoteca e, portanto, a penhora. X) E, pese embora a hipoteca registada nos imóveis aqui em discussão a favor do Banif ter data de “sistema” de 15 de junho de 2015 – Ap. 2 de 2005/06/15 – inexistem dúvidas que a mesma é anterior à posse reconhecida pelo tribunal a quo aos embargantes desde o contrato promessa de compra e venda celebrado com as executadas Wyatt e Wistan, ao qual foi aposta a data de 09 de maio de 2005 – ou seja, data anterior. Y) Isto porque, o Contrato Promessa de Compra e Venda, junto como Doc. nº 3 dos Embargos de Terceiro deduzidos, celebrado em língua inglesa – objecto de tradução junta aos autos pelos embargantes por requerimento de 19 de fevereiro de 2014 (refª CITIUS 15987208) – reconhece na cláusula segunda a existência de hipoteca a favor do Banif sobre os imóveis. Z) De facto, a cláusula segunda do referido contrato promessa – que o tribunal a quo não transcreveu no facto dado como provado nº 12 da sentença – refere que: “Sobre a Propriedade incidem duas hipotecas, ambas contraídas junto do BANIF-BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A. (inscrições C-2), e os Primeiros Contraentes resgatarão essas hipotecas à data ou em data anterior à Data de Conclusão, tal como definido neste contrato”. AA) Considerando que sobre os lotes nº 34 e nº 35, para além da Ap. 2 de 2005/06/15, não existiu, até essa data, mais qualquer hipoteca registada a favor do Banif, é forçoso concluir que a hipoteca indicada no Contrato de Promessa de Compra e Venda se refere à AP. 2 de 2005/06/15. BB) Isso mesmo decorre da certidão de registo permanente dos imóveis, com histórico, cuja junção se requer que seja admitida ao presente Recurso como documentos nº 1 e nº 2. CC) As certidões em questão datam do ano de 2022 e foram juntas pelo Sr. Agente de Execução do processo aos autos principais a 19 de abril de 2022, contudo, são suficientes para demonstrar que antes da AP. 2 de 2005/06/15 não existiu qualquer hipoteca a favor do Banif. DD) Face ao exposto, crê a exequente que o presente recurso deverá ser julgado procedente, revogando-se a sentença do tribunal a quo e, consequentemente, manter-se as penhoras incidentes sobre os lotes nº 34 e nº 35 registadas a favor dos presentes autos (…)”. G. Os Embargantes / Recorridos CC e DD, contra-alegaram, pugnando pela liminar rejeição do recurso por incumprimento manifesto das regras do processo ou, caso assim não se entenda, pela sua improcedência com a manutenção integral da decisão recorrida. A título subsidiário, requereram a ampliação do objecto de recurso. Apresentaram as seguintes conclusões (transcrição parcial sem negritos e sublinhados da origem): “(…) 3.º O Embargado/Recorrente não logrou concretizar se a sua impugnação diz respeito à matéria de facto ou à matéria de direito, quais os concretos meios de prova que impunham decisão diversa ou que normas jurídicas consideraria terem sido violadas, 4.º Vindo, ainda, em sede de recurso, alegar novas questões nunca discutidas nos presentes autos – como se de uma verdadeira contestação se tratasse - pelo que se impõe a liminar rejeição do recurso, por violação das regras processuais. 5.º Em suma, o Embargado desconsiderou por completo, o princípio do dispositivo, bem como o princípio da estabilidade da instância. (…) 7.º Em suma, através deste recurso pretende o Embargado que se reconheça que as hipotecas do Embargado sobre os prédios/lotes em crise são anteriores ao início da posse dos Embargantes e, como tal, que prevalecem sobre a posse, mantendo-se em vigor as penhoras do Embargado. 8.º Sucede que, atentos os articulados apresentados pelas partes, a produção de prova em sede de audiência de julgamento, bem como as alegações finais escritas (cfr. requerimentos Citius com as referências 13406286 e 13407079), conclui-se que, em momento algum, foi objeto de discussão, e muito menos de prova, o concreto momento em que foram constituídas as hipotecas do Embargado sobre os lotes de terrenos, cuja posse pertence aos Embargantes. 9.º Os artigos 18.º a 27.º e as conclusões R) a AA) do recurso configuram uma alegação (nova) de que, em teoria, as hipotecas do Embargado sobre os prédios em crise teriam sido constituídas em momento anterior ao início da posse dos Embargantes, o que por si só constitui fundamento para rejeição liminar do recurso sub judice. 10.º Acresce que, mesmo que assim não se entendesse, sempre o presente recurso deveria ser liminarmente rejeitado por uma outra razão: o Recorrente não recorreu da factualidade provada nos termos da qual ficou demonstrada que i) as hipotecas foram registadas em 15 de junho de 2005, ii) os embargantes celebraram o contrato de promessa de compra e venda, sobre os mesmos lotes em 9 de maio de 2005, e iii) assumiram a posse do imóvel de imediato. 11.º Ora, se o Recorrente pretende que o Tribunal ad quem reconheça que as hipotecas foram constituídas em data anterior à celebração do contrato promessa de compra e venda, sempre deveria ter recorrido destes pontos da matéria de facto, sob pena de a decisão que vier a ser proferida ser nula por contradição manifesta entre a matéria de facto e a decisão de direito. 12.º Assim, a deficiente alegação apresentada pelo Embargos, impõe a rejeição do recurso, conforme cominação expressa dos artigos 639.º e 640.º do CPC. 13.º Por fim, o recurso deve ainda ser liminarmente rejeitado, uma vez que o mesmo assenta exclusivamente na alegada informação retirada de duas certidões prediais com histórico, dos prédios em crise (cfr. artigo 28.º e conclusão BB)), cuja junção não pode ser admitida neste momento. 14.º Para o efeito, entende o Embargado que decorre destas certidões que as constituições das hipotecas são anteriores ao averbamento dos registos – ou seja, antes de 15.06.2005 (data do registo) e antes de 09.05.2005 (data do início da posse dos Embargantes). 15.º A este respeito, importa recordar o artigo 651.º do Código de Processo Civil estipula que “As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425º ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância.”. 16.º Relativamente à última parte deste preceito, desde logo se evidencia que o julgamento de 1ª instância não introduziu elementos novos que tornasse necessário a valoração de prova documental adicional. 17.º Por sua vez, o artigo 425.º do Código de Processo Civil também não se aplica no caso em apreço. 18.º Com efeito, nada impedia o Recorrente de ter apresentado tais certidões no momento processual adequado – o que é desde logo demonstrado pelo facto de já existirem certidões juntas aos autos – nomeadamente com a resposta aos embargos ou até 20 dias antes da realização da audiência de discussão e julgamento. 19.º Assim, e uma vez que as referidas certidões poderiam ter sido juntas, tempestiva e oportunamente, a qualquer momento pelo Embargado, com respeito pela tramitação processual, é manifesta a violação a contrario do disposto no artigo 425.º do CPC. 20.º E, na medida em que o recurso assenta exclusivamente na informação suscetível de ser extraída dos referidos documentos, está o mesmo, também por esta via, condenado a ser liminarmente rejeitado ou, no limite, julgado integralmente improcedente. 21.º Termos em que, também por esta via, se impõe a improcedência do recurso a que se responde, mantendo-se integralmente a decisão recorrida. 22.º Sem prejuízo do acima exposto, ainda que o recurso venha a ser admitido (que não se aceita, nem se consente), sempre estará condenado ao insucesso por falta de fundamento. 23.º O Embargado alega que, apesar de o registo das hipotecas “no sistema” (expressão do Recorrente) ter data de 15.06.2005, conforme certidões permanentes, inexistem dúvidas de que a constituição das hipotecas é anterior ao início da posse dos Embargantes, ou seja, anterior a 9.05.2005 (artigo 24.º) e que, consequentemente, sendo as hipotecas anteriores, teriam, necessariamente, de prevalecer sobre a posse dos Embargantes (cfr. artigo 22.º). 24.º Os Recorridos desconhecem por que motivo considera o Embargado que as hipotecas são anteriores à posse – visto que não logrou fundamentar ou desenvolver tal teoria – contudo, a verdade é que tal sempre seria manifestamente irrelevante, diante os efeitos constitutivos do registo da hipoteca. 25.º A este respeito, dispõe o artigo 2.º, n.º 1, alínea h) do Código do Registo Predial que a hipoteca está sujeita a registo. Em consonância, dispõe o artigo 687.º do Código Civil que “A hipoteca deve ser registada, sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes.” 26.º Por sua vez, ao abrigo da epígrafe “Prioridade do registo”, dispõe o artigo 6.º, n.º 1 do Código do Registo Predial que “O direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que se lhe seguirem relativamente aos mesmos bens, por ordem da data dos registos (…)” 27.º Ora, tal significa que, até que uma hipoteca se encontre registada, não produz quaisquer efeitos e não é oponível, nem em relação às partes, nem em relação a terceiros. 28.º Assim, é manifesto que as únicas hipotecas que existem são aquelas que foram submetidas a registo a 15 de junho de 2005. 29.º Pelo que, a posse mesmo que não se encontre registada, se for anterior ao registo da hipoteca, prevalecerá sobre esta. 30.º Andou, portanto, bem o tribunal recorrido ao determinar o levantamento das penhoras sobre os prédios, por manifesta ofensa do direito de posse dos Embargantes, visto que o início da posse era anterior ao registo da hipoteca. 31.º Caso, porém, os argumentos aduzidos pelo Recorrente sejam julgados procedentes, o que não se concede e apenas se admite por dever de patrocínio, requerem os Recorridos seja o objeto do recurso ampliado nos seguintes termos: 32.º Em primeiro lugar, diga-se que o Tribunal a quo entendeu não conhecer da nulidade das hipotecas suscitadas pelos Recorrentes, por entender que tal matéria extravasa o objeto dos embargos de terceiros. 33.º Entendem os Recorrentes que o Tribunal não estava impedido de o fazer e, se o fizesse, tinha chegado à conclusão de que as hipotecas são nulas, por falta de interesse em agir por parte das Executadas que prestaram tais garantias a favor do Banco. Vejamos, 34.º Para garantia do bom pagamento daquele empréstimo, as Executadas Wyatt e Wistan deram de hipoteca os prédios, que à data já estavam na posse dos Embargantes; 35.º Nesse âmbito, foi declarado na escritura que as hipotecas fundamentam-se “por existir interesse próprio das sociedades hipotecantes na obtenção do financiamento a conceder à Pine Estates – Gestão de Imóveis Limitada, em virtude daquelas terem adjudicado a esta a execução dos imóveis a edificar nos prédios ora hipotecados”; 36.º Tal declaração terá necessariamente que não corresponder à verdade, uma vez que, ficou provado que todas as obras realizadas nos prédios/lotes foram integral e exclusivamente pagas pelos Embargantes (ponto 17 da matéria de facto provada), não tendo as Executadas Wyatt e Wistan celebrado qualquer contrato de empreitada, o qual foi celebrado, entre os Recorrentes e a referida sociedade empreiteira em 9 de maio de 2005 (ponto 13 da matéria de facto considerada provada). 37.º É, assim, falso que as Garantes Wyatt e Wistan tenham constituído a favor do banco hipotecas com vista a garantir o financiamento do empreiteiro à construção, uma vez que a construção foi integralmente suportada pelos Recorridos. 38.º Nos termos do número 1 do artigo 6.º do Código das Sociedade Comerciais, a capacidade das sociedades comerciais é determinada pelo exercício dos direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução do seu fim, sendo, nos termos do n.º 3, contrária ao fim das sociedades comerciais a prestação de garantias reais ou pessoais a dívidas de outras entidades, salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se se tratar de sociedade em relação de domínio ou de grupo; 39.º Ficou demonstrado que as Garantes / Executadas Wyatt e Wistan não tinham qualquer interesse próprio na concessão das hipotecas, porquanto quem adjudicou a execução dos imóveis a edificar nos prédios/lotes foram os Embargantes, e não a Executada Pine Estates; 40.º Aliás, as Executadas Wyatt e Wistan não apresentaram contestação ao Embargos de Terceiro pelo que os factos têm-se por confessados, devendo, em consequência, ser declarada a nulidade das hipotecas identificadas nos pontos 8. e 10. da matéria de facto provada, nos termos do artigo 294.º do Código Civil. (…)”. H. Notificada, a Recorrente não respondeu à ampliação de recurso da Recorrida. I. Colheram-se os vistos dos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos. * J. Questões a decidir O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do Recorrente, sem prejuízo da possibilidade da sua ampliação a requerimento dos Recorridos (art.ºs 635º, n.º 4, 636º e 639º, n.ºs 1 e 2 do CPC). Não é, assim, possível conhecer de questões nelas não contidas, salvo se forem do conhecimento oficioso (art.º 608º, n.º 2, parte final, ex vi do art.º 663º, n.º 2, parte final, ambos do CPC). Também está vedado o conhecimento de questões novas (que não tenham sido objeto de apreciação na decisão recorrida), uma vez que os recursos são meros meios de impugnação de questões prévias judiciais, destinando-se, por natureza, à sua reapreciação e consequente confirmação, anulação, alteração e/ou revogação. No caso vertente, são as seguintes as questões suscitadas pelo recurso: 1. É inadmissível a junção pela Recorrente dos documentos que acompanham as alegações de recurso? 2. Deve o recurso ser rejeitado liminarmente? 3. Em caso de resposta negativa à questão precedente, deve o tribunal ad quem ordenar, oficiosamente, a alteração da matéria de facto provada por violação de regra probatória material pela decisão recorrida? 4. A data relevante para a produção, perante os Embargantes, dos efeitos da hipoteca constituída a favor da antecessora da Recorrente / Embargada, é a do contrato de hipoteca ou a do respectivo registo? 5. Em função da resposta à questão precedente, a posse dos Embargantes é oponível àquele direito real de garantia? 6. Em caso de resposta afirmativa a qualquer das questões 3 a 5, há nulidade da declaração constante da constituição da hipoteca por falta de interesse das Executadas na sua prestação? * *** Da inadmissibilidade dos documentos juntos com as alegações de recurso * Juntou a Recorrente com as alegações de recurso, dois documentos que consistem nos resultados das consultas electrónicas, realizadas e juntas pelo Sr. Agente de Execução o processo executivo principal no dia 19/04/2022, na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1, aos prédios aí descritos sob os números 4565/19910122 e 4566/19910122 da freguesia de Vila 2, correspondentes aos Lotes 34 e 35 a que respeitam os presentes autos. Alegou que tais documentos demonstram que “…sobre os lotes nº 34 e nº 35, para além da Ap. 2 de 2005/06/15, não existiu, até essa data, mais qualquer hipoteca registada a favor do Banif…” pelo que “…é forçoso concluir que a hipoteca indicada no Contrato de Promessa de Compra e Venda se refere à AP. 2 de 2005/06/15.” Na base deste seu raciocínio está a declaração exarada na cláusula 2ª do contrato promessa celebrado pelas partes com data de 09.05.2005, da qual resulta que os aí outorgantes reconhecem a existência de hipoteca a favor do Banif sobre os imóveis, nos seguintes termos: “Sobre a Propriedade incidem duas hipotecas, ambas contraídas junto do BANIF-BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL, S.A. (inscrições C-2), e os Primeiros Contraentes resgatarão essas hipotecas à data ou em data anterior à Data de Conclusão, tal como definido neste contrato”. O n.º 1 do artigo 651º do CPC prevê que “[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.” De acordo com a norma em apreço são, essencialmente, duas, as causas que justificam a junção de documentos com as alegações de recurso: A primeira, consiste na impossibilidade da parte os ter apresentado antes desse momento, o que traduz uma superveniência objectiva – o documento é posterior à decisão da primeira instância – ou subjectiva – a parte só tomou conhecimento da sua existência depois desse momento processual. A segunda, é a de que tal junção só se ter tornado necessária por virtude do julgamento proferido, quando este seja de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo. A este propósito, ABRANTES GERALDES, PAULO PIMENTA E FILIPE PIRES DE SOUSA referem que a “necessidade” em questão deve surgir pela primeira vez em virtude da decisão da 1ª instância, quer quando esta “…se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam (STJ 26-9-12, 174/08, RP 8-3-18, 4208/16 e RL 8-2-18, 176/14).” (in “Código de Processo Civil Anotado”, volume I, Almedina, 3ª edição, anotação 1 ao artigo 651º, pág. 848). Os mesmos autores dão-nos conta de que “[a] jurisprudência tem entendido, de modo uniforme, que não é admissível a junção, com a alegação de recurso, de um documento potencialmente útil à causa, mas relacionado com factos que já antes da decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado.” (in Op. Cit., anotação 2 ao mesmo artigo, pág. 848). Sobre a concreta pretensão de junção dos documentos de informação histórica do registo predial pela Recorrente, convém ter presente que: Não estamos perante documentos, objectiva ou subjectivamente, supervenientes pois, como a Recorrente admite nas suas alegações, foram emitidos e eram já conhecidos das partes e do tribunal muito antes de proferida a decisão de 1ª instância, tendo sido juntos ao processo de execução principal para o qual foram carreados pelo Agente de Execução no dia 19.04.2022, não sendo necessária nova junção para que os factos pelos mesmos provados se tenham por adquiridos nos respectivos apensos. Por outro lado, a sua junção não se mostrou necessária pela primeira vez em virtude de qualquer surpresa provocada pela decisão recorrida, proferida em primeira instância, pois a decisão do tribunal não se fundou em elemento de prova ou argumento jurídico inesperado ou surpreendente. Na verdade, a putativa pertinência dos mesmos para demonstrar a pré-existência da hipoteca relativamente à posse dos embargantes era algo com que Embargada / Recorrente podia e devia contar à data da contestação dos presentes embargos de terceiro. Isto, para além de outras constatações relevantes a desenvolver na subsequente fundamentação, das quais, por agora, diremos apenas que tais documentos só fazem prova plena de que nas descrições prediais dos lotes nºs. 34 e 35 em apreço foi lavrada a Ap. 2 de 2005/06/15 que consiste num registo de hipoteca a favor do Banif, o que consta já dos factos provados números 8 e 10 supra. Quanto à afirmação da Recorrente “…é forçoso concluir que a hipoteca indicada no Contrato de Promessa de Compra e Venda se refere à AP. 2 de 2005/06/15.”, é algo que não decorre directamente do conteúdo daqueles documentos, tratando-se de uma inferência ou conclusão que, bem ou mal, resulta da interpretação conjugada, feita pela Embargada, dos mesmos com o teor da cláusula 2ª do contrato-promessa datado de 09.05.2005. Deste modo, quer por se mostrarem já juntos aos autos principais, quer por se não revelar necessária a sua junção em virtude do julgamento proferido em 1ª instância, não se admitem os documentos juntos pela Recorrente com as alegações de recurso. * *** Da rejeição liminar do recurso interposto * Vieram os Recorridos pugnar pela rejeição liminar do presente recurso porque: i. Se a Recorrente pretende que o tribunal ad quem venha a concluir que as hipotecas que incidem sobre os imóveis em causa nos presentes autos são anteriores ao contrato-promessa de compra e venda e, consequentemente, anteriores à posse dos Embargantes / Recorridos, sempre teria de ter recorrido também dos concretos pontos da matéria de facto provada, sob pena de a decisão a proferir ser nula, por contradição manifesta entre ela e a matéria de facto dada como provada; ii. A Recorrente fez tábua rasa do princípio de que os tribunais superiores estão impedidos de decidir sobre questões que não tenham sido apreciadas em primeira instância, salvo aquelas que resultam de conhecimento oficioso, ao vir agora suscitar pela primeira vez a questão do momento em que as hipotecas sobre os imóveis penhorados foram constituídas. A respeito das circunstâncias obstativas do conhecimento do recurso, regem os artigos 652º, n.º 1, al.ªs b) e h) e 655º, ambos do CPC. Como refere ANTÓNIO ABRANTES GERALDES (in “Recursos em Processo Civil”, 7ª edição, pág. 293), põem em causa a apreciação do mérito do recurso, as situações de: “- Ausência de pressupostos processuais em matéria de recurso: v.g. trânsito em julgado da decisão, intempestividade, irrecorribilidade por ausência dos requisitos previstos no art.º 629.º (valor do processo ou valor da sucumbência) ou ilegitimidade; - Constatação de que a decisão recorrida não é passível de recurso autónomo, devendo a sua impugnação ser deixada para o recurso a interpor da decisão final, nos termos do n.º 3 do art. 644.º; - Falta de patrocínio judiciário ou de irregularidade do mandato que não tenha sido suprida dentro do prazo fixado (arts. 41.º e 48.º); - Falta de alegações ou de conclusões (art. 641.º, n.º 2, al. b)); - Falta de especificação, na motivação ou nas conclusões, consoante os casos, dos concretos pontos de facto impugnados, dos concretos meios probatórios em que se sustenta a impugnação da decisão da matéria de facto ou das respostas alternativas aos pontos da matéria de facto impugnados (art. 640.º); - Incumprimento de anterior despacho de aperfeiçoamento no que concerne às alegações de direito (art. 639.º, n.º 3); - Situação de renúncia ou de desistência do recurso (art. 632.º); - Verificação de alguma circunstância que implique o diferimento da apreciação do mérito do recurso, como sucederá, por exemplo, quando se encontre pendente recurso de uma decisão intercalar cujo resultado possa revelar-se prejudicial em relação à apreciação do recurso interposto da decisão final. (…)” i. No que concerne ao primeiro ponto da questão suscitada pelos Recorridos, pode estar em causa o supramencionado incumprimento do ónus da Recorrente especificar os concretos pontos de facto impugnados (art.º 640.º do CPC). É certo que a Recorrente / Embargada não impugnou a matéria de facto provada. Porém, invocou a existência de documentos nos autos de embargos e principais que teriam o condão de proporcionar a conclusão de que a hipoteca foi constituída anteriormente à penhora. Sem entrar por ora, na análise do acerto ou desacerto desta alegação que, em rigor, constituiria já apreciação dos fundamentos do recurso, devemos lembrar que o tribunal ad quem tem, por força do disposto no artigo 662º do CPC, o poder-dever de alterar a decisão sobre a matéria de facto se a prova produzida impuser decisão diversa. Esta norma vem sendo interpretada como permitindo ao Tribunal da Relação proceder à alteração oficiosa de determinados factos cuja decisão esteja eivada de erro de direito, por violação de regras imperativas. Na verdade, aplicando-se ao acórdão do Tribunal da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença (cfr. art.º 663.º, n.º 2, do CPC), entre as quais se encontra a norma do art.º 607.º, n.º 4, do CPC que impõe ao juiz a consideração, na fundamentação da sentença dos factos admitidos por acordo e os plenamente provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, tais factos merecem tratamento distinto do que sucede com a impugnação da decisão da matéria de facto referente aos meios de prova sujeitos a livre apreciação (como os documentos sem valor probatório pleno, relatórios periciais ou depoimentos testemunhais) que se encontra essencialmente dependente da iniciativa da parte interessada através do modo previsto no art.º 640.º do CPC. Regressando a ANTÓNIO ABRANTES GERALDES (in Op. Cit., pág. 333), a modificação da matéria de facto justifica-se “…quando o tribunal recorrido tenha desrespeitado a força plena de certo meio de prova, o que ocorre quando, apesar de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (artºs. 371.º, n.º 1 e 376.º, n.º 1 do CC), o considere não provado (…). O mesmo deve acontecer quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória constante de documento ou resultante do processo (art. 358.º do CC e arts. 484.º, n.º1, e 463.º do CPC) ou tenha sido desconsiderado algum acordo estabelecido entre as partes nos articulados quanto a determinado facto (art. 574.º, n.º 2, do CPC) (…). Ou ainda nos casos em que tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (…), situação em que a modificação da decisão da matéria de facto passa pela aplicação ao caso da regra de direito probatório material (art. 364.º, n.º 1, do CC).” (sublinhados nossos). Segundo o mesmo autor, “[e]m qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve integrar na decisão o facto que a l.ª instância considerou não provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (…), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte.” (sublinhado nosso). Assente que não está vedado a este tribunal alterar oficiosamente a matéria de facto provada se concluir que houve, por parte do tribunal a quo, violação de regra do direito probatório material, impõe-se que os fundamentos do recurso sejam, nesta parte, apreciados, de modo avaliar se assiste ou não razão à Recorrente quando defende que há nos autos principais documentos que implicam, por si só, a prova de facto referente à anterioridade da celebração do contrato de hipoteca relativamente ao contrato-promessa outorgado pelos Embargantes a 09/05/2005. Assim, não colhe o primeiro argumento aventado pelos Recorridos para a rejeição do recurso. ii. Quanto ao segundo aspecto que, no entendimento da Recorrente, justificaria tal rejeição - a Recorrente vem suscitar pela primeira vez a questão do momento em que as hipotecas sobre os imóveis penhorados foram constituídas, sendo que os tribunais superiores estão impedidos de decidir sobre questões que não tenham sido apreciadas em primeira instância -, não podemos esquecer que a questão jurídica essencial dos presentes embargos é saber se os Embargantes estão na posse dos imóveis penhorados e se o efeito da sua posse prevalece sobre o da penhora subsequente à garantia hipotecária constituída sobre os mesmos bens. Para responder a tal questão, é incontornável analisar a relevância jurídica da anterioridade ou posterioridade da posse dos Embargantes relativamente à hipoteca que, constitui, assim, um ponto central na decisão de direito dos presentes autos. O princípio do dispositivo tem um papel predominante, ainda que não absoluto, quer no domínio da aquisição processual da matéria de facto que constitui a causa de pedir, quer na definição do(s) pedido(s) da lide. Mas uma vez apurada a matéria de facto provada, recai sobre o juiz o poder-dever de aplicar aos mesmos factos o direito que considere assistir ao(s) concreto(s) pedido(s), sem estar espartilhado ou condicionado pela argumentação de índole jurídica que as partes produziram no decurso da acção (cfr. n.º 3 do art.º 5º do CPC). Esta liberdade de o juiz seguir um caminho jurídico distinto do antecipado pelas partes, tem como consequência lógica que as estas também podem, em recurso, apresentar razões de discordância com o direito aplicado na decisão da primeira instância que ainda não haviam esgrimido no decurso da acção, sem que tal constitua violação do princípio do dispositivo. Assim, contrariamente ao que entendem os Recorridos nas suas contra-alegações recursivas, a novidade do argumento jurídico avançado pela Recorrente não preenche qualquer das supra elencadas causas de rejeição do recurso interposto. * De sorte que não encontra acolhimento a pretendida rejeição do recurso interposto. * *** II. FUNDAMENTAÇÃO * *** A. De facto * Reprodução integral dos factos provados e não provados da decisão da matéria de facto como constam da sentença sob recurso (sem negrito e itálico da origem): “(…) 1. Factos provados: (…) 1. No dia 21 de Março de 2011, o «Banif-Banco Internacional do Funchal, S. A» instaurou contra «Pine Estates-Gestão e Administração de Imóveis, Lda», AA, BB, «Wyatt Holdings Limited», «Wistan Enterprises Limited», «Aymana Holdings Limited», «Celena Enterprises Limited», e «Dantel Enterprises Limited», acção executiva a qual corre termos no Juízo de Execução de Loulé, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro sob o nº 5343/11.5YYLSB, apresentando como titulo executivo o escrito que faz fls. dos autos de execução, no essencial, e no que para aqui interessa, com o seguinte teor “Contrato de Empréstimo. Entre, de uma parte, como Primeiro Outorgante: Banif-Banco Internacional do Funchal, S. A (…) representados pelas pessoas identificadas a final, com qualidade e poderes para este acto, e adiante designado abreviadamente por Primeiro Outorgante, Banif, ou Banco; e doutra parte como-Segunda Outorgante Pine Estates-Gestão e Administração de Imóveis, Lda (…) representada por EE e BB, nas suas qualidades de gerentes com poderes para este acto adiante designada abreviadamente por Segunda Outorgante ou Mutuária. E ainda- Terceiros Outorgantes Alani Enterprises Limited (…) Aldenay Invesments Limited (…) Alika Limited (…) Andra Services Limited (…) Armila Holdings Limited (…) Mycala Holdings Limited (…) Wystan Enterprises Limited (…) Aymana Holdings Limited (…) Celena Enterprises Limited (…) Dantel Enterprises Limited (…) AA (…) BB (…) adiante designadas abreviadamente por Terceiros Outorgante ou Garantes é convencionado e reciprocamente aceite o presente Contrato de Empréstimo, nos termos e condições constantes das cláusulas seguintes: Primeira 1. O Banif, a pedido e no interesse da Segunda Outorgante concede-lhe um empréstimo no valor de € 1.638.713,00 € (um milhão seiscentos e trinta e oito mil setecentos e treze euros) 2. Para os fins de transmissão de parte da dívida da Howell Ventures Limited. Segunda. 1. O empréstimo é concedido pelo prazo de 3 (três) anos, vencendo-se em doze de Julho de dois mil e oito (…) Terceira (…) 2. A Segunda Outorgante confessa-se devedora ao Banco da quantia mutuada (…) Quinta 1. O capital mutuado será reembolsado ao Banif em 12 (doze) prestações trimestrais constantes e sucessivas, vencendo-se a primeira 3 (três) meses após a assinatura do presente contrato e a última no termo do contrato, por débito do seu montante na Conta Depósitos à Ordem identificada na cláusula Terceira (…) Oitava 1. Para assegurar o cumprimento pontual de todas as obrigações pecuniárias assumidas pela Segunda Outorgante, são constituídas, a favor do Banif as seguintes garantias: 1.1 Hipoteca dos prédios que a seguir se identificam: (…) 1.1.9. Prédio rústico, Lote nº 34 sito em Local 3, na freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, inscrito na respectiva matriz com o artigo numero 7418, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 04565/220191, Propriedade da Wyatt Holdings Limited. 1.1.10. Prédio Rústico, Lote nº 35, sito em Local 3, na freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, inscrito na respectiva matriz com o artigo número 7419, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 04566/220191, propriedade da Wistan Enterprises Limited (…) A Segunda Outorgante, e os Garantes obrigam-se, na vigência deste Contrato, a não alienar, onerar, arrendar ou permitir a ocupação dos prédios dados de hipoteca, sem que para tanto, e previamente, tenham obtido autorização escrita do Banif. Nona Os Garantes aceitam expressamente todos os termos e condições do presente Contrato, justificando a constituição das presentes garantias hipotecárias a favor do Banif pela existência de interesse próprio na obtenção do crédito à sociedade Pine Estates-Gestão e Administração de Imóveis, Lda, em virtude daquelas terem adjudicado a esta a esta a execução dos imóveis a edificar nos prédios rústicos ora onerados (…) Lisboa, 12 de Julho de 2005 (…); 2. Nos autos de execução referidos em 1) foi penhorado o prédio urbano denominado “Lote 34”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 4565/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7418, penhora essa registada pela Ap. 1249, de 2013/05/08; 3. O direito de propriedade sobre o prédio urbano denominado “Lote 34”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 4565/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7418, foi inscrito a favor da sociedade «Wistan Enterprises Limited» pela Ap. 104 de 2000/06/20 (8/9), e a favor da sociedade «Wistan Enterprises Limited» pela Ap. 88 de 2000/11/22 (1/9); 4. Nos autos de execução referidos em 1) foi penhorado o prédio urbano denominado “Lote 35”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 4566/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7419, penhora essa registada pela Ap. 1228, de 2013/05/08; 5. O direito de propriedade sobre o prédio urbano denominado “Lote 35”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 4566/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7419, foi inscrito a favor da sociedade «Wistan Enterprises Limited» pela Ap. 106 de 2000/06/20 (8/9), e a favor da sociedade «Wistan Enterprises Limited» pela Ap. 89 de 2000/11/22 (1/9); 6. Foi elaborado o escrito denominado “Edital - Imóvel Penhorado” relativo ao Prédio Urbano “denominado “Lote 34”, no qual consta, além do mais “Afixado em 20/08/2013”; 7. Foi elaborado o escrito denominado “Edital - Imóvel Penhorado” relativo ao Prédio Urbano “denominado “Lote 35”, no qual consta, além do mais “Afixado em 20/08/2013”; 8. Sobre o prédio urbano denominado “Lote 34”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 4565/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7418, incide hipoteca voluntária a favor do «Banif-Banco Internacional do Funchal, S. A» para garantia de todas e quaisquer responsabilidades que existam ou venham a existir em nome de Pine Estates Gestão e Administração de Imóveis, Lda», sendo o montante máximo assegurado de 2.097.552,64 € (dois milhões e noventa mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos), hipoteca essa registada pela Ap. 2 de 2005/06/15; 9. Sobre o prédio urbano denominado “Lote 34”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 4565/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7418, incide hipoteca voluntária a favor do «Banco BPI, S. A» para garantia de todas as obrigações que para a sociedade “Pine Estates Lda”, NIPC ... emergem de uma garantia bancária a favor de CC e DD, sendo o montante máximo assegurado de 2.969.120,00 € (dois milhões novecentos e sessenta e nove mil e cento e vinte euros), hipoteca essa registada pela Ap. 5449 de 2009/01/12; 10. Sobre o prédio urbano denominado “Lote 35”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 4566/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7419, incide hipoteca voluntária a favor do «Banif-Banco Internacional do Funchal, S. A» para garantia de todas e quaisquer responsabilidades que existam ou venham a existir em nome de Pine Estates-Gestão e Administração de Imóveis, Lda», sendo o montante máximo assegurado de 2.097.552,64 € (dois milhões e noventa mil, quinhentos e cinquenta e dois euros e sessenta e quatro cêntimos), hipoteca essa registada pela Ap. 2 de 2005/06/15; 11. Sobre o prédio urbano denominado “Lote 35”, sito em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 4566/19910122 e inscrito na matriz predial sob o artigo 7419, incide hipoteca voluntária a favor do «Banco BPI, S. A» para garantia de todas as obrigações que para a sociedade “Pine Estates Lda”, NIPC ... emergem de uma garantia bancária a favor de CC e DD, sendo o montante máximo assegurado de 2.969.120,00 € (dois milhões novecentos e sessenta e nove mil e cento e vinte euros), hipoteca essa registada pela Ap. 5449 de 2009/01/12; 12. Foi celebrado acordo reduzido a escrito, cuja tradução para a língua portuguesa faz fls. destes autos, no essencial e para o que aqui interessa, com o seguinte teor: “Contrato Promessa de Compra e Venda. Entre Wyatt Holdings Limited (…) representada neste acto por FF (…) e Wistan Enterprises Limited (…) representada neste acto por FF (…) doravante designados por Primeiros Contraentes E Sr. CC (…) e Srº D. DD (…) casados no regime de separação de bens (…) doravante designados como Segundos Contraentes. O presente contrato promessa de compra e venda é celebrado ao abrigo dos termos do artigo 410º do Código Civil e das cláusulas seguintes: Primeira: Os Primeiros Contraentes são os verdadeiros proprietários das seguintes propriedades urbanas para construção: 1. Lote 34, com a área de 780 m2, localizada em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, inscrita na Repartição de Finanças, sob o artigo 7418º e descrita na Conservatória de Registo Predial de Cidade 1sob o número 04565/220191, cuja aquisição está registada a favor do Primeiro Contraente Wyatt, através das inscrições G-7 e G-8, 2. Lote 35, com uma área de 830 m2, localizada em Local 3, freguesia de Vila 2, concelho de Cidade 1, inscrita na Repartição de Finanças sob o artigo 7419º e descrita na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1sob o número 04566/220191, cuja aquisição está registada a favor do Primeiro Contraente Wistan, através das inscrições G-7 e G-8, doravante designada por A Propriedade (…) Terceira. 1. Pelo presente contrato, os Primeiros Contraentes prometem vender, livre de todos e quaisquer ónus ou encargos, nomeadamente dividas de impostos prediais, de água, de electricidade, de gás e de telefone, a Propriedade acima mencionada aos Segundos Contraentes, ou a outrem por eles nomeado, que prometa adquiri-la 2. Os Segundos Contraentes celebrarão um contrato com a finalidade de construção de uma moradia (“o Contrato de Construção”) na Propriedade, de acordo com as plantas e as especificações anexas a este Contrato-Promessa (Anexo I) (…) Quinta 1. A Propriedade objecto do presente Contrato Promessa de Compra e Venda será vendida pelo preço global de € 880.00 (oitocentos e oitenta mil euros) 2. O preço global acima mencionado será pago como se segue: 1. € 220.000 (duzentos e vinte mil euros) na assinatura deste Contrato Promessa, através de transferência bancária para a seguinte conta bancária; 2. € 660.000 (seiscentos e sessenta mil euros) com a assinatura da escritura pública de aquisição. Sexta (…) 2. A escritura pública de compra e venda terá lugar no prazo de 3 meses após a emissão da licença de construção, de acordo com o contrato de construção referido na alínea 2 da cláusula terceira, sendo os Segundos Contraentes, ou os seus advogados, responsáveis por notificar, com uma antecedência mínima de cinco dias em relação à data da escritura, os Primeiros Contraentes, ou os seus advogados, quanto ao local, ao dia e à hora da respectiva escritura (…) Executado em Almancil, a 9 de Maio de 2005, em duas vias. Os Primeiros Contraentes (…) Os Segundos Contraentes (…)”; 13. Entre a sociedade «Pine Estates-Gestão e Administração de Imóveis, Lda» e os Embargantes CC e DD foi celebrado acordo reduzido a escrito, denominado “Contrato de Construção”, datado de 09/05/2005, o qual faz fls. destes autos, mediante o qual os Embargantes nomearam a Pine Estates para a execução e o acabamento da construção de uma moradia com jardins e piscinas nos Lotes nºs 34 e 35, sendo o preço acordado de 1.320.000,00 € (um milhão trezentos e vinte mil euros), incluindo o IVA à taxa legal; 14. Logo após a celebração do acordo (Contrato Promessa de Compra e Venda) referido em 10) os Lotes foram imediatamente entregues aos Embargantes; 15. Logo após a obtenção, por parte da Pine Estates (empreiteiro) das licenças de construção necessárias, começaram as obras de construção da moradia nos Lotes, a expensas integrais e sob o controlo e direcção dos Embargantes que suportaram todas as despesas com a construção da moradia, que foi feita com os materiais que à medida foram incorporados na obra, de acordo com os projectos por si encomendados, revistos e aprovados; 16. A construção foi concluída e a obra entregue aos Embargantes em Maio de 2007; 17. Os Embargantes pagaram, em 26 de Novembro de 2007, à Embargada/executada Pine Estates - Gestão e Administração de Imóveis, Lda» o montante de 1.174.800,00 € (um milhão cento e setenta e quatro mil e oitocentos euros) a titulo de pagamento parcial do contrato de empreitada e às Embargadas/executadas «Wystan Enterprises Limited» e «Wyatt Holdings Limited» o montante de 660.000,00 € (seiscentos e sessenta mil euros) a titulo de remanescente do preço de aquisição dos lotes previsto no contrato promessa de compra e venda; 18. Logo que concluída a construção da moradia, os Embargantes equiparam-na, mobilaram-na, decoraram-na e passaram a utilizá-la até à presente data como segunda casa, de forma regular, várias vezes ao ano, nela recebendo amigos, familiares e visitas, aí tomando as suas refeições e dormindo diariamente sempre que se deslocam a Portugal; 19. Os Embargantes celebraram, em seu próprio nome, os contratos de fornecimento de água, gás e electricidade, pagando as respetivas facturas emitidas pelos fornecedores; 20. Os Embargantes celebraram em seu próprio nome com a Companhia de Seguros AIG em Julho de 2009 um contrato de seguro Multiriscos tendo por objecto os Lotes e a moradia; 21. Os Embargantes suportam desde 2007 as despesas de condomínio, dirigindo-lhes a administração do condomínio correspondência na qualidade de condóminos; 22. Os Embargantes pagaram o IMT relativo ao valor do sinal estipulado no contrato promessa de compra e venda dos Lotes, e têm pago o IMI desde 2007; 23. Os Embargantes usam e usufruem dos Lotes e da moradia sem a oposição de quem quer que seja e de forma ininterrupta, actuando em conformidade e julgando-se seus legítimos proprietários; 24. À data da celebração do acordo referido em (contrato promessa de compra e venda), o valor de mercado do Lote 34 era de 429.000,00 € (780 m2 x 550 €/m2) e o valor de mercado do Lote 35 era de 565.500,00 € (830 m2 x 550 €/m2); 25. O valor das construções erigidas no Lote 34, à data da sua conclusão (Maio de 2007) é de 697.450,00 €; 26. O valor das construções erigidas no Lote 35, à data da sua conclusão (Maio de 2007) é de 369.300,00 €; 27. O valor de mercado actual do Lote nº 34, incluindo as construções, é de 1.830.000,00 € e o valor actual de mercado do Lote nº 35, incluindo as construções, é de 1.460.000,00 €; 28. A Câmara Municipal de Cidade 1emitiu o escrito que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor “Alvará de utilização nº 56/2012. Nos termos do artigo 74º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção actual, é emitido o alvará de autorização de utilização nº 56/2012, em nome de Wyatt Holdings Limited (…) que titula a autorização de utilização do edifício sito em Local 3, no lote nº 34, da freguesia de Vila 2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1, sob o nº 04565, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7418 da respectiva freguesia, a que corresponde o alvará de licenciamento de construção nº 540, emitido em 20 de Dezembro de 2011, a favor de Wyatt Holdings Limited (Procº nº 505/05). Por despacho do Presidente em 9 de Fevereiro de 2012, foi autorizada a seguinte utilização: Para habitação, com um único fogo, constituído por cave, rés-do-chão e 1º andar, sendo a área total dos pavimentos de 770,86 m2, com piscina e logradouro (…) Dado e passado para que sirva de título ao requerente e para todos os efeitos prescritos no Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção actual. O Presidente da Câmara Municipal (…)”; 29. A Câmara Municipal de Cidade 1emitiu o escrito que faz fls. destes autos, no essencial com o seguinte teor “Alvará de utilização nº 55/2012. Nos termos do artigo 74º do Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção actual, é emitido o alvará de autorização de utilização nº 55/2012, em nome de Wystan Enterprises Limited (…) que titula a autorização de utilização do edifício sito em Local 3, no lote nº 35, da freguesia de Vila 2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Cidade 1, sob o nº 04566, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 7419 da respectiva freguesia, a que corresponde o alvará de licenciamento de construção nº 541, emitido em 20 de Dezembro de 2011, a favor de Wystan Enterprises Limited (Procº nº 508/05). Por despacho do Presidente em 9 de Fevereiro de 2012, foi autorizada a seguinte utilização: Para habitação, com um único fogo, constituído por cave e rés-do-chão, sendo a área total dos pavimentos de 472,77 m2, com piscina e logradouro (…) Dado e passado para que sirva de título ao requerente e para todos os efeitos prescritos no Decreto-Lei nº 555/99, de 16 de Dezembro, com a redacção actual. O Presidente da Câmara Municipal (…)”; 30. Por deliberação de 20 de Dezembro de 2015 o Conselho de Administração do Banco de Portugal no uso das suas competências decidiu alinear ao «Banco Santander Totta, S. A» os direitos e obrigações que constituam ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do «Banif – Banco Internacional do Funchal, S. A»; 31. Os presentes embargos de terceiro foram deduzidos no dia 18 de Dezembro de 2013. (…) 2. Factos não provados: Com interesse para a decisão da causa não se provou que os Embargantes tenham tido conhecimento do teor dos escritos denominados “Edital - Imóvel Penhorado” referidos em 7) e 8) dos factos assentes, nem que tenham tido conhecimento das penhoras incidentes sobre os Lotes 34 e 35 em data anterior a 19 de Novembro de 2013; (…)”. * *** Da modificação da decisão da matéria de facto * A Recorrente invoca a existência nos autos principais de um documento da Conservatória do Registo Predial que, conjugado com o teor do contrato-promessa, contribuiria para demonstrar a anterioridade da constituição da hipoteca relativamente à celebração do contrato-promessa. Todavia, como dissemos a propósito da inadmissibilidade da junção dos documentos que acompanham as alegações de recurso, os elementos em apreço só fazem prova plena de que nas descrições prediais dos lotes nºs. 34 e 35 foi lavrada a Ap. 2 de 2005/06/15 que consiste num registo de hipoteca a favor do Banif, o que consta já dos factos provados números 8 e 10 supra. O mais alegado – que a hipoteca será, afinal, anterior à posse transmitida aos Embargantes na data de 09/05/2005 constante do contrato-promessa - não decorre directamente do conteúdo daqueles documentos, tratando-se de uma inferência ou conclusão da Embargada no confronto com o teor da cláusula 2ª do contrato-promessa datado de 09/05/2005. Mas tais documentos, em si mesmos, não consentem a conclusão aventada pela Recorrente, na medida em que, para além de estar sujeita a registo obrigatório, a celebração da garantia real de hipoteca sobre bem imóvel é um negócio jurídico formal que, à data a que se reportam os factos, estava dependente de escritura pública (cfr. al.ª h) do n.º 2 art.º 80º do Código do Notariado, na redacção que vigorou até às alterações introduzidas pelo DL n.º 116/2008, de 4 de Julho). Deste modo, a prova da data em que foi celebrada, depende da junção aos autos do documento que consiste na escritura pública ou outro documento autêntico (como a certidão do registo predial), em que oficial público declare que confirmou a sua existência através da consulta da escritura (cfr. n.º 1 do artigo 364º do Código Civil). Compulsados os autos, não está junta escritura pública da hipoteca em apreço, nem a Ap. 2 de 2005/06/15 do registo predial faz qualquer referência à data em que aquela foi celebrada. Por outro lado, não tendo sido celebrado por escritura pública, o teor do contrato-promessa não pode ser considerado uma declaração confessória da prévia celebração daquele negócio jurídico (cfr. n.º 2 do art.º 364º do Código Civil). E quanto à data do registo da hipoteca, salvo demonstração da falsidade de documento autêntico através do competente incidente, é a que consta da Ap. 2 de 2005/06/15 exarada no registo predial. Note-se, aliás, que a Recorrente não põe em causa o teor do registo predial. Assim, bem andou a sentença de 1ª instância quando, na ausência do documento de que dependeria a prova do momento em que foi celebrado o contrato de constituição de hipoteca, se limitou a considerar provado o respectivo registo, em conformidade com a certidão do registo predial junta aos autos. Deste modo, não decorre do teor dos documentos identificados pela Recorrente nas alegações de recurso, a violação de qualquer regra imperativa de apreciação da prova pela sentença recorrida, razão pela qual a matéria de facto da sentença recorrida não carece de intervenção oficiosa por parte deste tribunal. * *** B - De direito * Da oponibilidade da hipoteca aos Embargantes * Na base do recurso interposto pela Exequente / Embargada está o entendimento de que, na qualidade de credora hipotecária, a posse dos terceiros Embargantes sobre os imóveis que lhe foram dados em garantia não pode impedir a penhora e consequentes diligências de venda dos imóveis. Vimos já que um pressuposto no qual estribou a sua discordância – consistente na celebração da hipoteca em data anterior à posse dos Embargantes sobre os bens imóveis objecto de promessa de compra e venda – carece de sustentáculo na matéria de facto provada e nos meios de prova plena juntos aos autos. Subsiste a questão jurídica de saber se a posição da credora hipotecária / Recorrente prevalece, ou não, sobre a posse dos Embargantes mantida desde 09.05.2005. A eventual resposta afirmativa a esta questão, em sentido contrário à posição seguida pela sentença recorrida, teria como consequência a reversão da decisão proferida pela 1ª instância quanto aos pedidos formulados nos presentes embargos. Todavia, não assiste razão à Recorrente. i. Desde logo porque sendo um direito real de garantia que confere ao credor a possibilidade de se fazer pagar pelo produto do bem sobre o qual incide com preferência sobre os demais credores (art.º 686º do CC), a hipoteca está obrigatoriamente sujeita a registo, “…sob pena de não produzir efeitos, mesmo em relação às partes.” (art.º 687º do CC). Enquanto na maior parte dos contratos destinados a constituir ou a transmitir direitos reais sobre coisa determinada, a regra é a de que o efeito visado pelos contraentes relativamente à coisa imóvel, se produz como decorrência do contrato (art.º 408º, n.º 1, do CC), vigorando o princípio da consensualidade, na hipoteca há uma excepção a este princípio, pois a produção de efeitos mesmo entre as partes contraentes pressupõe o respetivo registo predial. A imposição decorrente do artigo 687º do CC, levou até a doutrina maioritária a considerar que o registo da hipoteca tem carácter constitutivo do próprio direito, não sendo apenas condição da respectiva eficácia (neste sentido, entre outros, MENEZES CORDEIRO in “Direitos Reais”, volume I, Lisboa, 1979, pág. 390 e LUÍS CARVALHO FERNANDES in “Lições de Direitos Reais”, Lisboa, 1996, pág. 110), posição à qual PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA não aderem. 1 Assim, se a obrigatoriedade do registo dos demais contratos reais tem por escopo assegurar a produção dos seus efeitos em relação a terceiros (cfr. artigos 2º e 5º do Código do Registo Predial), no caso da hipoteca o registo é condição de validade e de eficácia do negócio jurídico, não apenas perante terceiros como também entre as partes que constituíram a garantia real. Por isso, o direito de sequela atribuído ao credor hipotecário, traduzido na faculdade de este fazer valer tal garantia sobre a coisa, onde quer que ela se encontre, mesmo que a propriedade do bem hipotecado seja objecto de subsequentes transmissões a terceiros, não se produz enquanto a hipoteca não for registada. E, uma vez sujeito a registo, só produz efeitos relativamente aos actos de transmissão do domínio ulteriores à sua celebração. Tendo em consideração a realidade incontornável de que a posse exercida pelos Embargantes desde 09.05.2005, é anterior à data de 15.06.2005, em que foi efectuado o registo da hipoteca sobre os lotes 34 e 35 em causa nos presentes embargos, sempre seria irrelevante, do ponto de vista jurídico, que a escritura de constituição da hipoteca houvesse sido anteriormente celebrada (entre outorgantes que, tenha-se presente, não foram os Embargantes), pois tal negócio só produziu os seus efeitos reais a partir do registo. Deste modo, a eventual demonstração, não lograda pela Embargante, da eventual celebração do contrato de hipoteca antes da data do respectivo registo, não teria o condão de produzir qualquer efeito relativamente à posse dos Embargantes sobre os imóveis que se encontrava já em exercício à data do registo que conferiu eficácia à garantia real. ii. Acresce que o fundamento dos embargos de terceiro é, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 342º do Cód. Proc. Civil, a ofensa da posse ou qualquer direito incompatível titulado por quem não é parte na causa, pela realização ou pelo âmbito de penhora ou de qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens. Sendo os Embargantes terceiros possuidores desde data anterior à hipoteca e à penhora que nesta se fundou, realizada na acção executiva principal, é incontroverso que o acto de penhora ordenado pelo tribunal ofende aquela posse e, como tal, assiste aos Embargantes fundamento bastante para a procedência dos presentes embargos. * A jurisprudência do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21.03.2013, relatado pelo Juiz Conselheiro Bettencourt de Faria no processo n.º 1223/05.1TBCSC-B.L1.S1, 2 indicado pela Recorrente nas suas alegações de recurso, não contende, antes pelo contrário, com fundamentação agora expendida, na medida em que também aí se considerou que o promitente-comprador a quem foi entregue o imóvel prometido vender, pode, em condições não muito distintas das que se descrevem na factualidade provada da presente acção, ser considerado um possuidor e não apenas um detentor precário. A única razão indicada nos fundamentos do aresto para que não tenha vingado a posição do promitente-comprador contra a do titular da hipoteca sobre o imóvel, reside no registo anterior desta garantia real relativamente à celebração do contrato-promessa, situação que é inversa à que se verifica na presente demanda. A possibilidade do promitente-comprador lançar mão de embargos de terceiro em situações reveladoras de que exerce um domínio material sobre os bens prometidos vender, em tudo análogo ao do proprietário e com a intenção de ser seu exclusivo dono, traduzindo-se numa verdadeira posse, ainda que por inversão do respectivo título, encontra respaldo na jurisprudência maioritária dos nossos tribunais superiores, segundo a qual a qualificação da natureza da posse do beneficiário da traditio, no contrato promessa de compra e venda, depende essencialmente de uma apreciação casuística dos termos e do conteúdo do respectivo negócio. Sendo a posse, a situação de exercício de um poder material em correspondência com o conteúdo de um direito real, ela pode manifestar-se em oposição ou para além dos efeitos produzidos pelo contrato-promessa que está na origem da tradição da coisa prometida, convertendo a mera detenção em verdadeira posse, revelada por um conjunto de comportamentos inequívocos de que o promitente-comprador passou a agir, não apenas nos actos praticados, mas também na intenção, como se fosse o único e exclusivo dono do bem. Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.11.2002, relatado pelo Juiz Desembargador Abrantes Geraldes, no processo n.º 8205/2002-7, 3 para que o promitente-comprador assuma a qualidade de possuidor, basta que o promitente-vendedor “…abdique dos poderes juridicamente resultantes da sua qualidade de proprietário, em benefício do promitente-comprador que, a partir de então, passa a agir como verdadeiro titular. O pagamento da totalidade ou da maior parte do preço ou a verificação de circunstâncias que dificultam a concretização da escritura de compra e venda, apesar de esta ser desejada por ambas as partes, pode redundar precisamente na atribuição ao promitente-comprador da qualidade de possuidor, paulatinamente exteriorizada através da prática dos actos que, em tese, incumbiriam apenas ao proprietário.” Na mesma linha de entendimento, citamos, entre vários outros arestos do Supremo Tribunal de Justiça, a seguinte fundamentação do acórdão de 11.12.2008, relatado pelo Juiz Conselheiro Salvador da Costa no processo n.º 08B3743, 4 no sentido de que saber se, na intenção das partes, a tradição da coisa envolve a transmissão da posse para ser exercida em nome de quem a transmite ou em nome próprio de quem exerce os concernentes poderes, “…deve averiguar-se através das circunstâncias que envolveram o acto de tradição, quando ele ocorreu, mas não só, porque nada exclui que, na determinação dessa intenção e vontade se considere o comportamento das partes na execução ao longo do tempo do tempo do acordo que esteve na origem da situação, seja o do promitente-vendedor, seja o do promitente-comprador. (…) para a referida determinação da intenção e vontade das partes, face ao disposto na alínea b) do artigo 1263º do Código Civil, não relevam apenas as circunstâncias que acompanham a tradição da coisa, mas também os actos materiais que posteriormente a ela venham a ser praticados por uma e outra.” A título meramente exemplificativo, inscrevem-se na mesma corrente jurisprudencial os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça 23.05.2006 e de 14.02.2017.5 Regressando ao caso que nos ocupa, está provado que logo após a celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda, os Lotes foram entregues aos Embargantes que neles deram início às obras de construção de uma moradia, a expensas integrais e sob o controlo e direcção suas, de acordo com os projectos que encomendaram, obra concluída e entregue em Maio de 2007, data em que saldaram também o remanescente do preço de aquisição previsto no contrato promessa de compra e venda. Os Embargantes equiparam, mobilaram, decoraram e passaram a utilizar a moradia até à presente data como segunda casa, de forma regular, várias vezes ao ano, nela recebendo amigos, familiares e visitas, aí tomando as suas refeições e dormindo diariamente sempre que se deslocam a Portugal, tenso celebrado, em seu próprio nome, os contratos de fornecimento de água, gás e electricidade, pagando as respetivas facturas emitidas pelos fornecedores, assim como um contrato de seguro Multiriscos tendo por objecto os Lotes e a moradia, suportando desde 2007 as despesas de condomínio e impostos como o IMI. Está provado que estes actos demonstrativos do exercício de poderes em tudo semelhantes aos de um proprietário, vêm sendo exercidos pelos Embargantes sem a oposição de quem quer que seja e de forma ininterrupta, actuando em conformidade e julgando-se seus legítimos proprietários. Estando claramente identificados os actos materiais do corpus e a intenção ou animus característicos do exercício da posse pelos Embargantes, impõe-se concluir que a decisão recorrida fez adequada aplicação do direito aos factos provados, razão pela qual deve ser confirmada. * Mantendo-se os termos da decisão recorrida, prejudicado fica o conhecimento da ampliação do recurso deduzida pelos Recorridos / Embargantes. * *** Custas * Não havendo norma que preveja isenção (art. 4º, n.º 2 do RCP), o presente recurso está sujeito a custas (art.º 607º, n.º 6, ex vi do art.º 663º, n.º 2, ambos do CPC). No critério definido pelos artigos 527º, n.ºs 1 e 2 e 607º, n.º 6, ambos do CPC, a responsabilidade pelo pagamento dos encargos e das custas de parte assenta no critério do vencimento ou decaimento na causa, ou, não havendo vencimento, no critério do proveito. No caso, a Recorrente não obteve vencimento no recurso pelo que deve suportar as respectivas custas. * *** III. DECISÃO * Nestes termos, acordam os Juízes Desembargadores que compõem o coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em: 1. Julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida. 2. Condenar a Recorrente nas custas do recurso. * Notifique. * *** Évora, d.c.s. Ricardo Miranda Peixoto Susana Ferrão da Costa Cabral Maria João Sousa e Faro
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1. Para quem “…a ineficácia prescrita na lei não corresponde à inexistência ou nulidade da hipoteca. Esta é válida e pode a todo o tempo ser registada (…).” (in “Código Civil Anotado”, Volume I, 4ª edição, Coimbra Editora, pág.706).↩︎ 2. Disponível na ligação: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/0050f18ed3c119d880257b35003f76c7?OpenDocument↩︎ 3. Disponível na ligação: https://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/85bc58c52aefdd9780256e05004b32f0?OpenDocument↩︎ 4. Disponível na ligação: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/9a9084052ca90f1d8025751c0056bdd2?OpenDocument↩︎ 5. O primeiro, publicado na Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, ano 2006, tomo II, págs. 97 e ss.. O segundo, relatado pelo Juiz Conselheiro José Rainho, no processo n.º 724/09.7TBAMT.P2.S1 e disponível na ligação: https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d00132ad02dca144802580c70052d5cb?OpenDocument↩︎ |