Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS | ||
Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA UNIÃO DE FACTO PRESCRIÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 11/07/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1 – Quando o instituto do enriquecimento sem causa é convocado para repor o equilíbrio patrimonial entre duas pessoas que viveram em união de facto uma com a outra, deve entender-se que o empobrecimento do credor e o correspondente enriquecimento do devedor se verifica no momento da cessação daquela união. As deslocações patrimoniais consideradas indevidas após tal cessação tiveram, como causa, a existência da união de facto. Logo, enquanto a união de facto perdurou, tiveram causa; com a cessação dessa união, perderam-na. 2 – Resulta do artigo 482.º do CC que o prazo de prescrição do direito do empobrecido a exigir, ao enriquecido, a restituição do valor do enriquecimento, começa a correr na data da cessação da união de facto. O prazo da prescrição ordinária, que se conta a partir da data do enriquecimento, só será aplicável na hipótese de o direito não prescrever anteriormente por aplicação do prazo de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável. (Sumário do Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 697/22.0T8BJA.E1
Autor/reconvindo/recorrente: (…). Ré/reconvinte/recorrida: (…). Pedidos: Do autor/reconvindo/recorrente: Condenação da ré a pagar, ao autor, a quantia de € 76.917,71. Da ré/reconvinte/recorrida: Condenação do autor a pagar, à ré, a quantia de € 64.425,80, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, desde a notificação da reconvenção até efectivo pagamento. Sentença recorrida: Julgou a acção e a reconvenção improcedentes. Conclusões do recurso: A) O momento relevante para aferir do início da contagem do prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa surge quando cessa a união de facto e, por via disso, cessa a fruição em comum dos bens adquiridos durante a união de facto com a participação de ambos os membros da união. Se os membros do casal continuam viver na mesma morada, com contadores comuns de água, luz e gás, não começa a correr o prazo de prescrição. B) De igual modo, se um dos ex-unidos de facto cria no outro a expectativa de que o vai ressarcir do que este contribuiu a mais, este não tem a noção de que deve exercer desde logo o seu direito e vir invocar a prescrição do enriquecimento sem causa constitui um abuso de direito. C) O nosso ordenamento jurídico não regula ou prevê qualquer regime de bens aplicável à união de facto, o que determina um adensar da problemática, a nível patrimonial, quanto esta tem o seu epílogo, no que concerne aos efeitos patrimoniais da sua dissolução. D) Na resolução de tal problemática, e à míngua de um regime específico e regulado, a jurisprudência tem vindo a ser chamada no sentido de encontrar soluções e alternativas de resolução, recorrendo, fundamentalmente a mecanismos de direito comum, entre os quais o regime das sociedades de facto (num período inicial) e o regime do enriquecimento sem causa. E) Um dos requisitos do instituto do enriquecimento sem causa traduz-se na falta ou ausência de causa justificativa da deslocação patrimonial verificada, seja porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, esta se tenha extinguido ou perdido. F) Cessada a união de facto, cada um dos sujeitos da relação tem direito a participar na liquidação do património adquirido pelo esforço comum, podendo esta liquidação ser efectuada com fundamento no instituto do enriquecimento sem causa. G) No âmbito de tal instituto pode configurar-se uma obrigação de restituição na situação em que o membro da união de facto, concreto titular do direito de propriedade de bens móveis ou imóveis adquiridos na constância da união de facto (e cujo preço até pode ter sido suportado, na íntegra, à custa do seu património), beneficiou, em considerável medida, do esforço / colaboração / participação do demais membro agindo em prol da vida comum (por exemplo, por via do trabalho doméstico, prestação de cuidados na educação e criação dos filhos comuns, etc..), o que lhe proporcionou, desta forma, poupanças significativas que permitiram aquelas aquisições, bem como facilitando/ incrementando a sua carreira profissional, eventualmente conducente a um auferir de réditos que, de outra forma, não lograria alcançar naquela temporalidade. H) A dissolução ou cessação da união de facto traduz a ocorrência ou circunstância que VII – ou seja, demonstrada a existência de uma situação de transferência ou vantagem patrimonial para um dos membros da união de facto, à custa do demais e sem causa jurídica justificativa para tal deslocação patrimonial, pois, tendo-se constituído tal causa (a relação de união), deixou de existir (com a cessão ou dissolução da união), estamos perante uma subsequente ausência de causa justificativa do invocado enriquecimento. I) Situação em que o membro da união que tenha contribuído para o incremento patrimonial do demais, e ainda que não figure no título aquisitivo como proprietário, sempre poderá reclamar a restituição da respectiva contribuição, por si investida, na exacta medida do enriquecimento sem causa do demais membro. J) Isto é, a transferência patrimonial tem de carecer de causa jurídica justificativa tutelada pelo direito, ou seja, o autor reclamante tem que provar que se deu um enriquecimento do réu através do seu empobrecimento, sem cobertura jurídica que a sustente, o qual se pode traduzir num aumento do activo patrimonial, numa diminuição do passivo ou numa poupança proporcionada ao réu. L) Exigindo-se assim, ao autor, a demonstração de que se criou um património pelo esforço consubstancia a perda da causa para a deslocação patrimonial, assim fundamentando a restituição (o n.º 2, do artigo 473.º, do Código Civil, no segmento causa que deixou de existir); conjunto de ambos e que cumpre, pois, de alguma forma, partilhar, no intuito de impedir o enriquecimento de um à custa do outro. M) Efectivamente, apenas se coloca a questão do direito ao enriquecimento sem causa quando, no âmbito de uma união de facto, existem bens adquiridos com a participação de ambos os membros. N) Prima facie, não devem ser consideradas como situações suscetíveis de traduzirem enriquecimento/empobrecimento no âmbito da união de facto as despesas realizadas pelos membros destinadas a satisfazer as necessidades da vida em comum, nem as tarefas domésticas realizadas em sede da vida doméstica por um dos membros daquela relação, pois, na constância da união de facto, tais prestações, ainda que com conteúdo patrimonial, realizadas de forma espontânea, destinam-se à satisfação das necessidades da vida em comum, devendo presumir-se efectuadas em cumprimento de uma obrigação natural de alimentos. O) Donde, em regra, o autor da prestação não poderá exigir ao demais membro convivente a restituição do que prestou naquele contexto (artigo 403.º do Código Civil). P) Desta forma, e por princípio, os serviços domésticos prestados pelos membros da união de facto, bem como a efectivação das tarefas realizadas com os cuidados e educação dos filhos do casal, mais não constituem do que o cumprimento de uma obrigação natural, nomeadamente a de contribuir para a comunhão de vida (comunhão de mesa, cama e habitação) e para a economia comum dos unidos, baseada na entreajuda ou partilha de recursos e, como tal, não judicialmente exigível. Q) Todavia, a validade deste princípio depende da circunstância da lide doméstica da casa onde ambos vivem e a educação dos filhos ser repartida pelos dois parceiros da união de facto em proporções relativamente equilibradas, sendo que tal não sucede quando essas funções são assumidas exclusivamente ou sobretudo por um deles, verificando-se um manifesto desequilíbrio na repartição dessas tarefas. R) Efectivamente, nestas situações de evidente e claro desequilíbrio, torna-se impossível considerar que quer o trabalho doméstico, quer o acompanhamento, cuidados e educação transmitidos aos filhos correspondam, com efectividade, a uma obrigação natural e cumprimento de um dever, antes se devendo concluir pela existência duma causa para o enriquecimento de um dos membros, resultante da desproporção na repartição de tarefas. S) Desta forma, não se fundando o enriquecimento de um dos membros da união, decorrente da realização desproporcionada daquelas tarefas pelo demais convivente, numa causa legítima, em virtude de não corresponder ao cumprimento duma obrigação natural, tal encargo deverá ser contabilizado na liquidação patrimonial decorrente da cessação da relação de união de facto, pois aquelas contribuições também terão permitido ao outro membro convivente, na constância da união de facto, um acréscimo patrimonial, sendo que cessou a causa (causa finita) que o motivou, ou seja, a existência da união de facto. T) É possível aferir este enriquecimento sem causa de um dos membros da união de facto está mais de 10 anos sem trabalhar e ganhar, e se mesmo nos demais anos mesmo tendo rendimento este é por vezes quase residual, não lhe permitindo assim pelas regras da experiência comum adquirir património e ou pagar créditos bancários em curso. Só se podendo concluir que o fez e ou logrou fazer à custa do esforço do empobrecido. U) Para os efeitos do artigo 640.º do CPC a matéria de facto impugnada é a que consta do corpo da alegação, com os fundamentos ali invocados e devem ser dados por provados os FNP A) a D) e aditado dois novos FPS. V) Para os efeitos do artigo 639.º, n.º 2, alíneas a) a c), do CPC as normas jurídicas que o tribunal aplicou, ou interpretou mal, ou que não aplicou e devia ter aplicado são as seguintes: 473.º e 482.º do Código Civil. Factos julgados provados pelo tribunal a quo: 1. O autor e a ré viveram em união de facto entre 1999 e 2010. 2. Em 28 de Março de 1998, o autor e a ré compraram um imóvel em Beja, descrito na respectiva conservatória do registo predial sob o n.º (…). 3. O pagamento do preço foi feito com recurso a um empréstimo bancário. 4. Nessa ocasião, as partes contraíram outro empréstimo, para obras. 5. A conta bancária em que eram realizados os débitos relativos à amortização do empréstimo era titulada pelo autor e pela ré. 6. No imóvel foram realizadas obras de adaptação e remodelação, realizadas e suportadas pelo autor. 7. Até Novembro de 2000, só o autor trabalhava, como mecânico. 8. Em Dezembro de 2000, a ré começou a trabalhar numa loja. 9. Em 07.01.2002, nasceu a primeira filha do autor e da ré e, desde então, esta deixou de trabalhar. 10. O autor sofre de esclerose múltipla e, após ter sofrido três surtos, foi aposentado em Abril de 2008. 11. No imóvel, o autor instalou um estabelecimento de café, tendo, para o efeito, realizado obras e adquirido equipamento. 12. Tal espaço encontra-se arrendado. 13. Por cima do café, o autor edificou um piso destinado a habitação da ré. 14. Autor e ré contraíram um crédito bancário no valor de € 15.000,00. 15. A ré executava as tarefas domésticas, ocupava-se dos filhos de ambos e assistiu o autor na sua doença. 16. Após a separação, a ré despendeu € 405,08 em obras no piso destinado à sua habitação. Factos julgados não provados pelo tribunal a quo: a) Com a realização das obras indicadas em 6, o autor gastou € 33.000,00. b) Com a realização das obras indicadas em 11, o autor gastou € 40.000,00. c) Desde Junho de 1999 até à data da propositura da acção, o autor gastou ainda € 10.000,00 em obras diversas que realizou no prédio. d) Na obra referida em 13, o autor gastou um total de € 28.000,00. * Coloca-se a questão da prescrição do direito à restituição do enriquecimento sem causa que o recorrente invoca, suscitada pela recorrida na contestação. Segundo a recorrida, verificou-se a prescrição daquele direito porquanto o respectivo prazo, que é de 3 anos, começou a correr no momento da cessação da união de facto e esta teve lugar em 2010. Acerca desta questão, o tribunal a quo considerou o seguinte: «O prazo de prescrição para a efectivação da indemnização por enriquecimento sem causa é de três anos e começa a correr a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável. Donde, atendendo ao enquadramento feito pelo autor, o seu direito havia prescrito há muito.» A análise da questão de saber se o direito à restituição do enriquecimento sem causa se encontra prescrito terá, obviamente, de ser feita com base na matéria de facto provada. Ora, o recorrente impugna a decisão proferida pelo tribunal a quo sobre a matéria de facto. Importa, por isso, verificar se alguma das alterações àquela decisão que o recorrente propõe poderá relevar para a questão da prescrição. Na hipótese afirmativa, a proposta de alteração em causa terá de ser previamente analisada. O recorrente pretende, em primeiro lugar, que o conteúdo das alíneas a) a d) seja julgado provado. Está em causa a prova dos montantes que o recorrente alega ter despendido com a realização de obras no imóvel referido no n.º 2. É evidente a irrelevância desta matéria de facto para a decisão a proferir sobre a excepção de prescrição. O montante das referidas despesas não tem qualquer influência sobre o momento em que o prazo de prescrição começou a correr, nem sobre a sua extensão. O recorrente pretende, em segundo lugar, que sejam aditados, ao enunciado da matéria de facto provada, os valores dos rendimentos auferidos por si e pela recorrida nos anos de 2001 a 2022. A irrelevância desta matéria de facto para a decisão a proferir sobre a excepção de prescrição também não oferece dúvidas. Aqueles valores também não têm qualquer influência sobre o momento em que o prazo de prescrição começou a correr, nem sobre a sua extensão. O recorrente pretende, em terceiro lugar, que seja aditado, ao enunciado dos factos provados, que ele e a recorrida continuam a residir na mesma morada. Ao contrário dos anteriormente referidos, este facto é útil para a análise da questão da prescrição, ainda que, como veremos, acabe por não influir na sua decisão. Daí que tenhamos de analisar se deverá proceder-se ao aditamento pretendido pelo recorrente. O facto de o recorrente e a recorrida continuarem a residir na mesma morada resulta da própria identificação do recorrente e da recorrida na sentença. Sendo assim, deverá ser aditado, ao enunciado dos factos provados, o seguinte: «17. O recorrente e a recorrida continuam a residir na mesma morada.» Analisemos, então, a questão da prescrição. O artigo 482.º do CC estabelece que o direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento. Quando o instituto do enriquecimento sem causa é convocado para repor o equilíbrio patrimonial entre duas pessoas que viveram em união de facto uma com a outra, deve entender-se que o empobrecimento do credor e o correspondente enriquecimento do devedor se verifica no momento da cessação daquela união. As deslocações patrimoniais consideradas indevidas após tal cessação tiveram, como causa, a existência da união de facto. Logo, enquanto a união de facto perdurou, tiveram causa; com a cessação dessa união, perderam-na. Do ponto de vista subjectivo, o conhecimento, pelo empobrecido, do seu direito à restituição e da pessoa do enriquecido, também ocorrerá na data da cessação da união de facto, senão sempre, pelo menos na generalidade dos casos, devendo, por isso, presumir-se que assim é. Consequentemente, nos termos do artigo 482.º do CC, o prazo de prescrição do direito do empobrecido a exigir, ao enriquecido, a restituição do valor do enriquecimento, começa a correr, ao menos por regra, na data da cessação da união de facto. Está provado que a união de facto entre o recorrente e a recorrida cessou em 2010 (n.º 1). Daí a referência, no n.º 16, ao período posterior à separação. A circunstância de o recorrente e a recorrida continuarem a residir na mesma morada (n.º 17) é perfeitamente compatível com a cessação da união de facto em 2010, tanto mais que aqueles habitam partes distintas do edifício (n.º 13). Consequentemente, o prazo de prescrição do direito invocado pelo recorrente expirou em 2013, muitissimo antes da propositura da presente acção e, logicamente, da citação da recorrida (artigo 323.º, n.ºs 1 e 2, do CC). A isto, o recorrente opõe, nas alegações de recurso, resumidamente, o seguinte: a) É verdade que viveu em união de facto com a recorrida entre 1999 e 2010; b) Desde 2010, o recorrente e a recorrida encontram-se separados, «mas apenas na componente sexual e afetiva, continuam a viver juntos no mesmo imóvel e a ter economia comum, como resulta das suas declarações, da sua morada nos autos e dos documentos fiscais juntos pela própria Recorrida»; c) A recorrida continua a cozinhar para o recorrente e seus filhos, «mas com o dinheiro que este lhe dá e o Recorrente a fazer de motorista dos filhos desta, a levá-los de carro à escola às atividades desportivas conforme testemunhas do Recorrido»; d) O «momento relevante para o início do prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa surge quando cessa a união de facto e, por via disso, cessa a fruição em comum dos bens adquiridos durante a união de facto com a participação de ambos os membros da união»; e) Como «ainda não cessou a fruição em comum dos bens adquiridos, esse prazo ainda nem começou a correr, pois Recorrente e Recorrida continuam a fruir em comum o mesmo bem imóvel e inclusive os seus frutos»; f) «E nem o Recorrente sabe a dimensão final do seu direito, dado que, os empréstimos bancários que está a pagar sozinho continuam em curso, como resulta da análise dos contratos de mútuo juntos com a PI e que constam a fls. dos autos»; g) «Ora, o simples facto de viverem no bem em causa só por si seria facto suficiente para impedir a verificação da referida exceção»; h) «Quanto ao prazo de prescrição de três anos do direito à restituição fundada no enriquecimento sem causa, dada a deslocação patrimonial do empobrecido a favor do património do enriquecido em razão da união de facto, o mesmo tem início com o termo da união de facto, o que parece ainda não ter sucedido dado que ambos continuam a residir juntos no mesmo imóvel e a cuidarem dos filhos em conjunto, o Recorrente continua ainda hoje a pagar sozinho as contas da água, luz e gás do imóvel, e crédito bancário, seguros, estando ainda hoje a Recorrida a enriquecer-se nessa medida à custa do empobrecimento do Recorrente»; i) «Acresce que o artigo 482.º (…) estabelece dois prazos prescricionais do direito à restituição por enriquecimento: um, de três anos a partir do momento em que o credor teve conhecimento do seu direito e do responsável, e, outro, de vinte anos a partir do momento da verificação do enriquecimento – o qual também não decorreu ainda, independentemente de qualquer conhecimento. Quando o legislador se refere no mencionado artigo 482.º ao "conhecimento do direito" reporta-se, obviamente, ao conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito; conhecimento fáctico e não conhecimento jurídico. Não está verificada a exceção de prescrição do direito do Autor e devem prosseguir os autos»; j) Ainda que assim não fosse, a invocação da prescrição nas circunstâncias em que a recorrida o fez constitui abuso de direito, pois esta criou, no recorrente, a convicção de que a quantia peticionada lhe seria entregue após a venda do imóvel, uma vez que sempre lhe disse que o faria; k) «No caso, verificou-se essa prescrição, embora esse prazo tenha sido logo interrompido e suspenso uma vez que, aquando da separação, a Recorrida acordou em restituir-lhe o montante correspondente a metade das prestações totais pagas por ele quando procedesse à venda da moradia, tendo ele confiado nesse acordo até ela o incumprir e sido mantido em erro sobre toda a situação, ao confiar nas suas promessas, sem diligenciar por exercer de imediato os seus direitos». Aquilo que resulta desta síntese da argumentação expendida no corpo das alegações de recurso com pertinência para a discussão da questão da prescrição do direito à restituição do enriquecimento sem causa é que o recorrente, ora afirma que a união de facto ainda não cessou, ora afirma que a união de facto já cessou. Afirma que a união de facto ainda não cessou quando pretende demonstrar que o prazo de prescrição ainda nem sequer se iniciou. Afirma que a união de facto já cessou quando pretende demonstrar que já ocorreu o enriquecimento da recorrida e, em consequência disso, ele, recorrente, já adquiriu o direito à restituição que peticiona. A contradição é evidente. Como anteriormente referimos, aquilo que resulta da matéria de facto provada é que a união de facto entre recorrente e recorrida cessou em 2010. E é isso que é relevante para a decisão a proferir sobre a excepção de prescrição. Nas suas alegações, o recorrente invoca factos que não constam do enunciado dos factos provados, como o de que ele e a recorrida continuam a ter economia comum, o de que a recorrida continua a cozinhar para ele e para os filhos, com o dinheiro que ele lhe dá, e que ele continua a «fazer de motorista dos filhos desta, a levá-los de carro à escola às atividades desportivas». Alega ainda que ele e a recorrida cuidam dos filhos em conjunto e que continua, ainda hoje, a pagar sozinho as contas da água, luz e gás do imóvel, o crédito bancário e os seguros. O recorrente sustenta que tais factos resultam das suas declarações, da sua morada nos autos, dos documentos fiscais juntos pela recorrida, das «testemunhas do Recorrido» e dos contratos de mútuo juntos com a petição inicial. Não constando do enunciado da matéria de facto provada, mesmo após o aditamento do n.º 17, acima determinado, os factos agora invocados pelo recorrente, supostamente resultantes dos meios de prova que ele enumera, não poderão ser tidos em conta. O recurso tem de ser decidido em função da matéria de facto julgada provada e só dela. O recorrente argumenta, por outro lado, que o prazo de prescrição referido pela segunda parte do artigo 482.º do CC ainda não decorreu, pelo que, ainda que a união de facto tivesse cessado em 2010, a prescrição ainda não teria ocorrido. É evidente a sua falta de razão. O prazo da prescrição ordinária, que se conta a partir da data do enriquecimento, só será aplicável na hipótese de o direito não prescrever anteriormente por aplicação do prazo de três anos a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável. Se, como acontece no caso dos autos, o suposto empobrecido tiver imediatamente conhecimento do direito que invoca e da pessoa do suposto enriquecido, é a partir desse momento que se conta o prazo de prescrição de três anos, não relevando o prazo da prescrição ordinária. Finalmente, carece de suporte factual a alegação de que a invocação da prescrição nas circunstâncias em que a recorrida o fez constitui um abuso de direito. O recorrente afirma que a recorrida sempre lhe disse que lhe entregaria a quantia peticionada após a venda do imóvel (venda essa que ainda não ocorreu, note-se) e, dessa forma, lhe criou a convicção de que o faria, mas nada disso consta do enunciado da matéria de facto provada. Concluindo, o prazo de prescrição do direito à restituição do enriquecimento sem causa que o recorrente invoca expirou em 2013. Consequentemente, procede a excepção peremptória da prescrição e improcede o recurso. * Dispositivo: Pelo exposto, delibera-se: - Aditar, ao enunciado dos factos provados, o seguinte: «17. O recorrente e a recorrida continuam a residir na mesma morada.» - Julgar procedente a excepção peremptória da prescrição. - Julgar o recurso improcedente, confirmando a decisão de improcedência da acção. Custas a cargo do recorrente. Notifique. * Sumário: (…) Évora, 07.11.2024 Vítor Sequinho dos Santos (relator) Maria Domingas Simões (1.ª adjunta) Cristina Dá Mesquita (2.ª adjunta) |