Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1245/13.9GBABF-A.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: ESPECIAL COMPLEXIDADE DO PROCESSO
PRISÃO PREVENTIVA
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 03/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - O juízo sobre a “excecional complexidade” do processo é um juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e na avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento.
II - O elevado número de ofendidos, as contingências procedimentais provenientes da necessidade de ouvir tais ofendidos (enquanto testemunhas) em diversos países estrangeiros, e o elevado número de crimes de roubo imputados ao arguido, são elementos a atender para considerar que o procedimento se reveste de “excecional complexidade”.
III - O alargamento dos prazos de duração da prisão preventiva, em virtude da declaração da “excecional complexidade” do processo, não viola o preceituado no artigo 28º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, já que este confere ao legislador uma margem de liberdade de conformação larga e suficiente, observado o princípio da proporcionalidade, para diferenciar os ditos prazos em função da gravidade objetiva dos crimes e da complexidade dos processos.
Decisão Texto Integral:




Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:



I - RELATÓRIO

Nos autos de Processo Comum (Tribunal Coletivo) nº 1245/13.9GBABF, que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro (Portimão - Instância Central - 2ª Seção Criminal, Juiz 3), por despacho judicial, datado de 21 de Outubro de 2014, foi decidido:
Ao abrigo do disposto no artigo 215º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, declara-se a especial complexidade do presente processo e, em consequência, os prazos máximos da prisão preventiva a que se encontra sujeito o Arguido HFMG sãos elevados para dois anos e seis meses (sem que tenha havido condenação em 1ª instância) e três anos e quatro meses (sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado)”.
O arguido HFMG vem interpor recurso de tal despacho, terminando a respetiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:
“1 - No âmbito dos presentes autos, o tribunal a quo decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 215º, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, declarar a especial complexidade do processo e, em consequência, elevar os prazos máximos da prisão preventiva a que se encontra sujeito o arguido HFMG para dois anos e seis meses (sem que tenha havido condenação em 1ª instância) e três anos e quatro meses (sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado).
2 - Salvo o devido respeito, não se pode concordar com tal decisão, porquanto,
3 - Atendendo ao elemento literal da norma, o reconhecimento de excepcional complexidade do processo não se basta com um processo complexo, moroso ou mais difícil. Exige-se que seja excepcional. Ora,
4 - A existência de vinte e cinco testemunhas a inquirir por videoconferência em quatro países diferentes não permite, por si só, preencher o conceito de excepcional complexidade.
5 - Havendo arguidos em prisão preventiva exige-se uma maior e acrescida celeridade processual. Se os tribunais estrangeiros, que deverão cooperar com o tribunal português, o não fazem, antes pelo contrário, colocam constantes entraves à realização das diligências de prova necessárias, tal circunstância não poderá prejudicar o recorrente, por a ela ser alheio.
6 - Não pode ser à custa da elevação do prazo de prisão preventiva do arguido que se poderão ultrapassar eventuais atrasos no cumprimento de cartas rogatórias a cumprir no estrangeiro, sob pena de violação dos princípios da proporcionalidade, da proibição do excesso e o direito a uma decisão em prazo razoável.
7 - O tribunal a quo ao decidir da forma indicada violou o disposto nos artigos 193º e 215º, nº 4, ambos do CPP, 28º e 32º, nº 2, in fine, da Constituição da República Portuguesa, e 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. queiram subscrever, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão ora recorrida, quer quanto à declaração de excepcional complexidade, quer quanto ao alargamento dos prazos de prisão preventiva, com as legais consequências, fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça”.
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O Exmº Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao recurso, no sentido de ser negado provimento ao mesmo e mantida a decisão revidenda, e concluindo a sua resposta nos seguintes termos (em transcrição):
“I - O douto despacho recorrido não merece qualquer reparo.
II - Nos presentes autos ocorrem evidentes, embora excepcionais, factores de complexidade da sua tramitação, que devem ser reconhecidos.
III - Pelo que, ressalvada diferente e melhor apreciação por V.ªs Ex.ªs, deverá ser negado provimento ao recurso, por infundado, mantendo-se na íntegra o decidido pela Mmª Juiz a quo.
Mas certos estamos, Colendos Juízes Desembargadores, de que V.ªs Ex.ªs, com o saber e ponderação que em elevado grau sempre revelais, decidireis como for de Justiça”.
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Neste Tribunal da Relação, aquando da vista a que se reporta o artigo 416º do Código de Processo Penal, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada qualquer resposta.
Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se à conferência, cumprindo, agora, apreciar e decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

No presente caso, a única questão evidenciada no recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, que delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, consiste em verificar se estão preenchidos os pressupostos para a declaração de excecional complexidade do processo.


2 - A decisão recorrida.

O despacho revidendo é do seguinte teor:
“Nos presentes autos, foi o Arguido HFMG detido em 19.09.2013 e sujeito à medida de coacção de prisão preventiva por despacho proferido em 20.09.2013 em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido (fls. 460 e ss.).
Tal medida de coacção tem vindo a ser revista e mantida.
Em 27.02.2014, foi deduzida acusação que, entre o mais, imputa ao referido Arguido, em autoria material, em concurso real e na forma consumada, a prática de 27 crimes de Roubo (agravados) previstos e puníveis pelos artigos 210º, nºs 1 e 2, al. b), ex vi artigo 204º, nº 2, al. f), todos do Código Penal.
A fls. 1366 dos autos, veio o Ministério Público promover que seja declarada a especial complexidade do presente procedimento criminal nos termos e para os efeitos previstos nos nºs 3 e 4 do artigo 215º, do Código de Processo Penal, porquanto, atendendo:
- Ao número de crimes imputados ao Arguido HFMG (27);
- Ao número de testemunhas a inquirir (32), 29 das quais a inquirir por videoconferência a solicitar através de rogatória a quatro Justiças diferentes; e
- À quantidade de prova documental a considerar
é previsível que a realização da audiência de discussão e julgamento seja particularmente complexa e morosa.
Notificado, veio o Arguido pronunciar-se conforme consta de fls. 1471 e ss..
Cumpre decidir.
Resulta do artigo 215º, nº 1, als. c) e d) e nº 2 do Código de Processo Penal (na redacção introduzida pela Lei nº 48/2007, de 28 de Agosto) que, tratando-se de casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceda por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, o prazo máximo da prisão preventiva é de um ano e seis meses (no caso de não ter havido condenação em primeira instância) e de 2 anos (caso tenha havido condenação sem trânsito em julgado).
Por seu turno, dispõe o nº 3 do referido artigo 215º que tais prazos são elevados, respectivamente, para dois anos e seis meses e para três anos e quatro meses quando esteja em causa “um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de especial complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime”.
Acrescenta-se, no nº 4 do mesmo artigo 215º que a declaração de especial complexidade deve ser declarada “durante a 1ª instância”.
Ora, “a lei não estabelece um conceito de excepcional complexidade. Ela poderá derivar de diversos factores, entre os quais a lei indica, exemplificativamente, o número de arguidos, de ofendidos ou o carácter altamente organizado do crime, factores esses que não são obviamente cumulativos. O que importa é a ocorrência de um ou mais factores que determinem, pela vastidão, dificuldade ou demora das diligências a efectuar, uma complexidade anormal do processo, determinando um arrastamento excepcional dos termos processuais.
É, pois, a apreciação em concreto das dificuldades e obstáculos opostos à investigação, e não a natureza do tipo de crime investigado, que deve determinar a qualificação do procedimento como de excepcional complexidade” – Maia Costa, in Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, p. 895.
Como se explica no douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2005, disponível na Internet in www.dgsi.pt «A noção está, pois, em larga medida referenciada a espaços de indeterminação pressupondo uma integração densificada pela análise e ponderação de todos os elementos do procedimento; a integração da noção exige, assim, uma intensa e exclusiva ponderação sobre os elementos da concreta configuração processual, que se traduz, no essencial, em uma avaliação prudencial sobre factos.
A especial complexidade constitui, no rigor, uma noção que apenas assume sentido quanto avaliada na perspectiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual de procedimento enquanto sequência e conjunto de actos e revelação externa e interna de acrescidas dificuldades de investigação, composição e sequência com refracção nos termos e nos tempos do procedimento.
A decisão sobre a verificação da especial complexidade não depende, pois, da aplicação da lei a factos e da integração de elementos compostos com dimensão normativa, nem está tributária da interpretação de normas.
O juízo sobre a complexidade assume-se, assim, como juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento. Mas, dificuldades do procedimento e não estritamente do processo; as questões de interpretação e de aplicação da lei, por mais intensas e complexas, não atingem a noção.
As dificuldades de investigações (técnicas, com intensa utilização dos leges cortis da investigação), o número de intervenientes processuais, a deslocalização dos actos, as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais, a intensidade de utilização dos meios, tudo serão elementos a considerar, no prudente critério do juiz, para determinar que um determinado procedimento apresenta, no conjunto ou, parcelarmente, em alguma das suas fases, uma especial complexidade com o sentido, essencialmente de natureza factual, que a noção funcionalmente assume no artigo 215, nº 3 do CPP.
A especial complexidade é, por isso, uma noção de facto».
No caso em apreço, apesar de, como sustentado pelo Arguido, o número de testemunhas a inquirir e a quantidade de prova documental, por si só, não poderem sustentar o conceito de excepcional complexidade, o certo é que temos, desde logo, um elevado número de ofendidos correspondente ao número de crimes de Roubo que lhe são imputados.
A tal acresce a inquirição de 25 testemunhas por videoconferência para 4 países estrangeiros com todas as dificuldades que tal vem envolvendo, designadamente, com a expedição das respectivas cartas rogatórias e esclarecimentos/aditamentos que têm vindo a ser solicitados (cfr. Fls. 1329, 1333 e 1536).
Veja-se, aliás, o despacho acima proferido que adia a inquirição das testemunhas residentes na Irlanda na sequência de ofício remetido pelas autoridades daquele país a respeito da diligência solicitada.
Tratam-se de diligências essenciais para o apuramento dos factos imputados ao Arguido e legalmente previstas e objecto de acordos internacionais que, no entanto, têm vindo a assumir um grau de dificuldade e cuja realização depende de entidades diversas deste Tribunal.
Entende-se, deste modo, que, nesta fase, “o número de intervenientes processuais, a deslocalização dos actos” e “as contingências procedimentais provenientes das intervenções dos sujeitos processuais” permitem-nos concluir pela verificação de uma excepcional complexidade do procedimento.
Pelo exposto e ao abrigo do disposto no artigo 215º, nº 3 e 4 do Código de Processo Penal, declara-se a especial complexidade do presente processo e, em consequência, os prazos máximos da prisão preventiva a que se encontra sujeito o Arguido HFMG sãos elevados para dois anos e seis meses (sem que tenha havido condenação em 1ª instância) e três anos e quatro meses (sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado).
Notifique”.


3 - Factos relevantes à decisão.

Da análise dos autos, e com interesse para a decisão da questão posta no presente recurso, são de considerar os seguintes factos:
a) O recorrente está acusado da prática, em autoria material e na forma consumada, de 27 crimes de roubo, agravados pela exibição de arma de fogo.
b) Além do recorrente, existem mais quatro arguidos no processo, que estão acusados de crimes de recetação.
c) Na acusação estão indicadas 32 testemunhas, e, delas, um total de 25 são cidadãos estrangeiras e a residir no Estrangeiro (já que eram turistas, em Portugal, quando foram vítimas dos “assaltos” de que o ora recorrente vem acusado).
d) Esta última circunstância determinou que a inquirição das referidas testemunhas seja efetuada através de videoconferências, a solicitar mediante rogatórias dirigidas às Justiças dos respectivos países.
e) Assim, foram expedidas rogatórias para diversos países, todos eles com procedimentos jurídicos e técnicos diferenciados: Reino Unido (dirigidas à Inglaterra e à Escócia), República da Irlanda e Holanda.
f) A audiência de discussão e julgamento encontra-se, nesta altura, a decorrer, tendo-se iniciado em 10-11-2014, tendo sessões já agendadas até 11-03-2015, e tendo ocorrido sucessivos reagendamentos (forçados sobretudo por exigências de prazos por parte das Justiças rogadas, e por dificuldades técnicas ocorridas - não obstantes os testes prévios realizados -).
g) O recorrente encontra-se privado da sua liberdade, à ordem destes autos, sucessivamente detido e sujeito a prisão preventiva, ininterruptamente, desde 19-09-2013 (pelo que a prisão preventiva do recorrente, enquanto não houver condenação em primeira instância, tem o seu limite máximo previsto para 19-03-2015, se não for declarada a excecional complexidade do processo, ou para 19-03-2016, se for declarada tal excecional complexidade).


4 - Apreciação do mérito do recurso.

Alega o recorrente (nos seus traços essenciais):
- Que o reconhecimento de excecional complexidade do processo não se basta com um processo complexo, moroso ou difícil, exigindo-se que seja um processo excecional.
- Que a mera existência de 25 testemunhas, a inquirir por videoconferência em quatro países diferentes, não permite, sem mais, preencher o conceito da “excecional complexidade”.
- Que, se os tribunais estrangeiros, que deverão cooperar com o tribunal português, o não fazem, colocando constantes entraves à realização das diligências de prova necessárias, tal circunstância não poderá prejudicar o recorrente, por a ela ser alheio.
- Que não pode ser à custa da elevação dos prazos de prisão preventiva do arguido que se poderão ultrapassar os atrasos no cumprimento de cartas rogatórias a cumprir no estrangeiro, sob pena de violação dos princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso, e de desrespeito pelo direito a uma decisão em prazo razoável.
Cabe apreciar e decidir.
O artigo 215º, nº 1, do C. P. Penal, fixa os prazos normais de duração máxima da prisão preventiva. Assim, estes prazos, que se contam desde a data do início da prisão preventiva, são:
- 4 meses, na fase do inquérito, sem acusação deduzida;
- 8 meses, na fase de instrução, sem decisão instrutória proferida;
- 1 ano e 2 meses, na fase do julgamento, sem decisão condenatória;
- 1 ano e 6 meses, na fase de recurso, sem condenação com trânsito em julgado.
Nos termos do nº 2 do referido artigo 215º, estes prazos são elevados, respetivamente, para 6 meses, 10 meses, 1 ano e 6 meses e 2 anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando o procedimento disser respeito a crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, ou ainda nos casos dos crimes previstos nas suas alíneas a) a g) de tal normativo.
Por último, e conforme preceituado no nº 3 do mesmo artigo 215º, aqueles prazos normais são elevados, respetivamente, para 1 ano, 1 ano e 4 meses, 2 anos e 6 meses, e 3 anos e 4 meses, quando o procedimento respeitar a um dos crimes previstos no nº 2, e se “revelar de excecional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime”.
In casu, o ora recorrente está acusado da prática, em concurso real e na forma consumada, de 27 crimes de roubo (agravado), p. e p. pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, al. b), ex vi artigo 204º, nº 2, al. f), do Código Penal - ou seja, crimes puníveis com pena de prisão de máximo superior a 8 anos (a moldura penal abstrata de cada um desses crimes é pena de prisão de 3 a 15 anos).
Porque o limite máximo da pena aplicável a cada um desses 27 crimes é superior a 8 anos de prisão, a situação dos autos é subsumível à previsão do nº 2 do artigo 215º do C. P. Penal.
E, assim sendo, existe a possibilidade legal de alargamento do prazo máximo de duração da prisão preventiva para os limites previstos no nº 3 do mesmo artigo 215º do C. P. Penal, dependendo essa possibilidade, tão só, de o procedimento se revelar de excecional complexidade.
A lei não define o conceito de “excecional complexidade”, limitando-se, a título meramente exemplificativo, a indicar duas circunstâncias capazes de o consubstanciarem: o número (elevado) de arguidos ou de ofendidos; o carácter altamente organizado do crime.
A descrição normativa em análise (artigo 215º, nº 3, do C. P. Penal) não apresenta, pois, a noção (com um círculo de referências claras, restritas e objetivamente marcadas) do que seja a “excecional complexidade”.
Para a integração do conceito, indica o legislador, a título de exemplo (como é função do advérbio “nomeadamente”), dois tópicos: a “excecional complexidade” será revelada, nomeadamente, pelo número de arguidos ou de ofendidos ou pelo carácter altamente organizado do crime.
Por conseguinte, a consideração de um procedimento como sendo de “excecional complexidade” tem de ser ponderada, em larga medida, à luz de espaços de indeterminação, mas pressupondo, sempre, uma rigorosa análise de todos os elementos do procedimento e uma pronúncia sobre a concreta configuração processual em causa, ou seja (e resumindo), tem de ser ditada, caso a caso, uma decisão prudencial sobre a questão.
A “excecional complexidade” constitui, assim, uma noção que apenas assume sentido quanto avaliada na perspetiva do processo, considerado não nas incidências estritamente jurídico-processuais, mas na dimensão factual do procedimento enquanto sequência e conjunto de atos e revelação externa e interna de acrescidas dificuldades de investigação e/ou de julgamento, dificuldades essas com tradução visível nos termos e nos tempos do procedimento.
A decisão sobre a verificação da “excecional complexidade”, por isso mesmo, não depende da aplicação da lei a factos e da integração de elementos compostos com dimensão normativa, nem está tributária da interpretação de normas.
O juízo sobre a “excecional complexidade” assume-se, pois, como um juízo prudencial, de razoabilidade, de critério da justa medida na apreciação e na avaliação das dificuldades suscitadas pelo procedimento.
Feito este excurso teórico, e revertendo ao caso destes autos, o muito elevado número de ofendidos, as contingências procedimentais provenientes da necessidade de ouvir tais ofendidos (enquanto testemunhas) em diversos países estrangeiros, e o elevado número de crimes de roubo imputados ao ora recorrente, tudo serão elementos a considerar, de acordo com um prudente critério (de justa medida, de normalidade e de razoabilidade), para determinar se o presente procedimento apresenta ou não uma “excecional complexidade”.
Ora, sopesando todos esses elementos (um a um e na sua globalidade complexiva), entendemos não haver razões para censurarmos o decidido no despacho revidendo.
Na verdade, a atuação criminosa do recorrente tem grande ramificação, traduzindo-se em plúrimos atos, com diferentes ofendidos (muitos deles sendo cidadãos estrangeiros e residentes no estrangeiro), o que, manifestamente, ultrapassa o que é pressuposto pelo legislador para toda e qualquer conduta que integre o crime de roubo.
Só por aqui, e sem mais, justifica-se a declaração da “excecional complexidade” do procedimento, com o consequente alargamento dos prazos da prisão preventiva nas diversas fases do processo.
Daí que a pretensão formulada pelo recorrente seja de improceder.
Invoca o recorrente que a decisão do tribunal a quo viola os princípios da proporcionalidade e da proibição do excesso, e desrespeita o direito a uma decisão em prazo razoável.
Em nosso entender, o despacho sub judice não viola qualquer norma ou princípio processual penal, nem qualquer norma ou princípio de natureza constitucional, nomeadamente os indicados pelo recorrente nas conclusões nºs 6 e 7 extraídas da motivação do recurso (os agora indicados princípios, e, bem assim, o disposto nos artigos 193º e 215º, nº 4, do C. P. Penal, nos artigos 28º e 32º, nº 2, in fine, da Constituição da República Portuguesa, e no artigo 6º, nº 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem).
Com efeito, o alargamento dos prazos de duração da prisão preventiva, em virtude da declaração da “excecional complexidade” do processo, não viola o preceituado no artigo 28º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa, já que este confere ao legislador uma margem de liberdade de conformação larga e suficiente, observado o princípio da proporcionalidade, para diferenciar os ditos prazos em função da gravidade objetiva dos crimes e da complexidade dos processos.
Do mesmo modo, se é certo que o arguido deve ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa, também não é menos certo que isso não pode ser feito a qualquer custo, nomeadamente prejudicando, intoleravelmente, a produção da prova, o que pode traduzir-se na violação de um outro direito constitucionalmente protegido - o direito à segurança (artigo 27º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa).
Estabelece, efetivamente, a Constituição da República Portuguesa (no seu artigo 32º, nº 2): “todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa” (normativo que se identifica, naquilo que é essencial, com a formulação de idêntico preceito constante da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais - aliás citada pelo recorrente na motivação do recurso).
Contudo, tal imposição constitucional (na vertente da obrigatoriedade de julgamento no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa) não pode implicar o sacrifício despropositado dos direitos dos cidadãos ofendidos (também constitucionalmente consagrados - como o acima aludido direito à segurança), bem como não pode (ou não deve) implicar o absoluto sacrifício da necessidade de boa realização da justiça (pelo facto de o arguido se encontrar, legal e justificadamente, privado da sua liberdade - pelo menos enquanto for de afirmar a adequação e a proporcionalidade de tal medida de coação).
Em suma: a declaração da “excecional complexidade” deste processo não viola, intoleravelmente, o princípio da proporcionalidade ou o princípio da proibição do excesso, bem como não constringe, de forma inaceitável, o direito a uma decisão em prazo razoável.
Dito de outro modo: no caso em apreço, e ponderadas todas as suas circunstâncias, a declaração da “excecional complexidade” do procedimento, nos termos e com os fundamentos constantes do despacho revidendo, não se mostra desproporcional ou excessiva, antes se contendo, claramente, no justo equilíbrio entre a necessidade de combate ao crime (sobretudo face à natureza dos crimes de que o recorrente está acusado) e a salvaguarda dos direitos e garantias do arguido (estando este, não esquecemos, na situação de prisão preventiva).
Face ao predito, o presente recurso é totalmente de improceder.


III - DECISÃO

Nos termos expostos, os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora decidem negar provimento ao recurso do arguido HFMG, confirmando a douta decisão revidenda.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs..
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Comunique, de imediato e por via expedita, o teor do presente acórdão ao tribunal de primeira instância.
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Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 17 de Março de 2015


João Manuel Monteiro Amaro

Maria Filomena de Paula Soares