Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | JOÃO LUÍS NUNES | ||
| Descritores: | PROCEDIMENTO DISCIPLINAR RESPOSTA À NOTA DE CULPA AUDIÇÃO DE TESTEMUNHAS DIREITO DE DEFESA PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO | ||
| Data do Acordão: | 09/20/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recorrido: | TRIBUNAL DO TRABALHO DE FARO | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Sumário: | I – O direito de audiência prévia do trabalhador, consignado no artigo 371.º do Código do Trabalho de 2003, deve ser interpretado não só como o direito deste ser ouvido, mas também o direito a produzir prova da sua defesa contra a acusação que lhe é formulada. II – Todavia, a mera circunstância do trabalhador na resposta à nota de culpa requerer a realização de diversas diligências, designadamente a audição de testemunhas, não significa, necessariamente, que a sua não realização acarrete a violação dos direitos de defesa do trabalhador: mister é que as diligências requeridas se apresentem úteis e necessárias à defesa do trabalhador. III – Em consonância com a proposição anterior, não se mostra afectado o direito de defesa da trabalhadora e, por consequência, não se mostra inválido o procedimento disciplinar, se, não obstante esta na resposta à nota de culpa (em que se limita a negar a prática dos factos) ter requerido a audição de 3 testemunhas, não indica quaisquer factos para fundamentar essa audição e o instrutor do procedimento disciplinar apenas procede à audição de uma dessas testemunhas, não procedendo à audição das 2 restantes, justificando essa não audição com o facto destas já terem sido ouvidas anteriormente, em sede de inquérito, antes da elaboração da nota de culpa. IV – A referida justificação do instrutor para a não audição das 2 testemunhas – por as mesmas já terem sido ouvidas em sede de inquérito –, de acordo com um declaratário normal equivale, para efeitos do disposto no artigo 414.º do Código do Trabalho, à interpretação de que a nova audição redundaria em acto inútil, dilatório e até impertinente. Sumário do relator | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório S… intentou, no Tribunal do Trabalho de Faro, acção declarativa de condenação, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra S…, Lda., pedindo a condenação desta: (i) a reconhecer a ilicitude do seu (Autora) despedimento; (ii) a pagar-lhe: (A) as retribuições vencidas desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão; (B) uma indemnização de antiguidade no valor de € 4.436,25; (C) juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento; (D) férias vencidas em 01-01-2008 e respectivo subsídio, bem como as férias, subsídio de férias pelo trabalho prestado em 2008; (E) uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 1.500,00. Alegou para o efeito, em síntese, que manteve um contrato de trabalho com a Ré desde 01-03-2001 até 31-07-2008, data em que esta, na sequência de um processo disciplinar, a despediu com invocação de justa causa. Porém, não só o processo disciplinar é ilícito, por falta de observância de formalismo legal, como inexiste justa causa de despedimento. Além disso, o comportamento da Ré, ao instaurar-lhe processo disciplinar e subsequente despedimento, provocou-lhe danos morais que justificam indemnização. Tendo-se procedido à audiência de partes, e na mesma não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou a Ré, alegando, em resumo, que o processo disciplinar não enferma de qualquer irregularidade e que a sanção de despedimento aplicada é proporcionada e adequada à infracção cometida pela Autora. Pugnou, por isso, pela improcedência da acção. Foi dispensada a realização de audiência preliminar, proferido despacho saneador stricto sensu e dispensada a fixação da matéria de facto assente, bem como da base instrutória. Após, procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, respondeu-se à matéria de facto, sem reclamação das partes, e foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, sendo a parte decisória do seguinte teor: «Destarte, julgo a acção apenas parcialmente procedente, na medida em que se condena a Ré S…, Lda., a pagar à A. S…, a quantia global de € 1.511,25, acrescendo juros de mora, à taxa do art. 559.º n.º 1 do CCivil, desde a data do despedimento e até integral pagamento». Inconformada com a decisão, a Autora dela interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões, que se transcrevem: «I – Decidiu o Tribunal a quo julgar a acção de impugnação do despedimento no que concerne ao pedido do Autor constante da alínea A), B), C) e E) do respectivo articulado, absolvendo-se a Ré dessa parte do pedido. II – Entende a recorrente que o procedimento disciplinar de que a autora foi alvo é inválido. III – A não audição de duas das três testemunhas arroladas pela Autora na resposta á nota de culpa põe em causa as garantias de defesa da recorrente. IV – A audição das referidas testemunhas visa produzir prova tendente a demonstrar a sua inocência e provar os factos alegados na resposta à nota de culpa. V – Resulta do procedimento disciplinar (fls. 4 a 10 e 60) junto aos autos que a Ré é uma microempresa (art.º 91 do CT). VI – Refere o art.º 418 do Código do Trabalho, no que concerne ao procedimento a adoptar pelas microempresas, que o trabalhador pode requerer a audição de testemunhas, encontrando-se apenas limitado quanto ao seu número nos termos do nº 2 do art.º 414 do Código do Trabalho. VII – No caso das microempresas não tem aplicação o vertido no art.º 414, nº 2 e n.º 3, art.º 413 e art.º 414, n.º 1 e n.º 3 do Código do Trabalho VIII – por outro lado, a recusa pelo instrutor da audição das referidas testemunhas não se encontra fundamentada. IX – O instrutor não declarou que a audição das referidas testemunhas era dilatório ou impertinente. X – O instrutor apenas se limitou a dizer que já foram ouvidas na fase de inquérito. XI – Acontece, porém, que as referidas testemunhas apenas foram inquiridas acerca dos factos que nesse momento (inquérito) eram do conhecimento do instrutor e na acerca dos factos apresentados pelo Autor/arguido. XII – O instrutor não explicitou porque razão não ouvia as testemunhas. XIII – Cabia ao instrutor fundamentar a sua recusa explicando que não se vai ouvir a testemunha acerca do facto X e Y porque sobre esse facto a mesma já foi ouvida. XIV – A recusa de audição das referidas testemunhas e/ou a falta de fundamentação dessa recusa tornam o procedimento disciplinar inválido por força do dispositivo legal previsto no art.º 430, n.º 1 e n.º 2 do Código do Trabalho. XV – Por outro lado, conforme já se pronunciou o Tribunal Constitucional, a propósito da apreciação de idêntica matéria, no Acórdão n.º 388/2010 de 8 de Novembro, o art.º 32, n.º 10 da CRP impõe o direito de audiência e defesa do arguido em qualquer processo sancionatório, sendo a sua violação inconstitucional. XVI – O procedimento disciplinar impugnado, ao recusar ouvir as testemunhas arroladas pelo arguido, viola o art.º 32, n.º 10 e art.º 53 da Constituição da República Portuguesa, sendo, também, por isso, inválido o procedimento». E a rematar as conclusões, pede que seja “(…) concedido provimento ao recurso e, em consequência, revogando-se a decisão recorrida, declarar-se ilícito o despedimento do Autor, condenando-se a Ré de acordo com o peticionado pelo autor (…)”. A recorrida respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência. Para o efeito, nas alegações que apresentou formulou as seguintes conclusões: «A) A Sr.ª instrutora nomeada no processo disciplinar procedeu à audição de oito testemunhas, entre as quais contam as testemunhas A… e E…, que prestaram declarações em 09.06.2008, sobre todos os factos constantes da nota de culpa. B) Para além do que ficou registado nos autos de declarações, as testemunhas A… e E… nada mais disseram. C) Na sua resposta à nota de culpa a Apelante arrolou três testemunhas, nas quais se incluíam as testemunhas A… e E…, já ouvidas em sede de processo disciplinar. D) Em 24.07.2008, a Sr.ª instrutora nomeada no processo procedeu à audição da testemunha E…, arrolada pela Apelante. E) Todas as testemunhas arroladas pela ora Apelante foram inquiridas pela Sr.ª instrutora nomeada no processo. F) Pelo que não existiu qualquer violação do direito de defesa da trabalhadora. G) A Apelante não alegou na sua resposta à nota de culpa matéria de facto que justificasse uma segunda audição das referidas testemunhas. H) A Sr.ª instrutora nomeada fundamentou por escrito as razões para a não repetição da diligência in casu I) O artigo 414º do C.T. de 2003 autoriza o instrutor do processo disciplinar a não proceder à inquirição das testemunhas arroladas na nota de culpa se tal diligência for patentemente dilatória ou impertinente. J) A diligência de proceder a uma segunda audição das testemunhas A… e E… arroladas na nota de culpa é patentemente irrelevante, dilatória, inútil e impertinente. K) Não existe qualquer irregularidade no processo disciplinar». O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, e com efeito devolutivo. Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no sentido que «[n]ão se verifica qualquer violação dos princípios da defesa e do contraditório, na medida que a decisão do Instrutor foi fundamentada e a A. tinha perfeita consciência dos factos de que estava a ser acusada, pelo que o recurso deve, assim, improceder». Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. II. Objecto do recurso Como é consabido, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações [cfr. artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho], sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso. Assim, tendo em conta as conclusões de recurso da recorrente, a questão essencial a decidir centra-se em saber se o processo disciplinar instaurado à Autora/apelante é inválido, seja por não audição de testemunhas por si arroladas, seja por falta de fundamentação dessa audição. III. Factos A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade: 1. A Ré é uma sociedade e exerce actividade de comércio de combustíveis; 2. A através de contrato individual de trabalho, celebrado em 01.03.2001, a Ré admitiu a A. para, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de operadora de posto de abastecimento; 3. O contrato de trabalho foi celebrado a termo certo, tendo-se renovado consecutivamente, encontrando-se a A. com contrato sem termo quando foi despedida em 31.07.2008, após processo disciplinar promovido pela Ré; 4. Como contrapartida da sua actividade profissional, auferia a A. uma remuneração base mensal ilíquida de € 585,00, a que acrescia € 79,20 a título de subsídio de alimentação, e € 22,00 de abono de falhas, sendo o seu rendimento mensal líquido de € 621,85; 5. A A. desempenhou a sua actividade laboral para a Ré, durante 7 anos, sem ter sido sujeita a qualquer processo ou sanção disciplinar; 6. A A. foi informada por uma das sócias da Ré que o Sr. E… não era mais gerente do posto e que estava proibido de abastecer combustível sem pagar; 7. Em Maio de 2008 passou a gerência do posto a ser exercida pelo Sr. C…; 8. Este gerente comunicou por escrito à A. que se o Sr. E… abastecesse e não pagasse seria a operadora da caixa a pagar; 9. A A. recusou-se a assinar o comunicado do gerente retro mencionado; 10. Os desentendimentos da A. com o gerente C… eram constantes; 11. A colega L… era uma pessoa com dificuldades em apreender as regras de funcionamento da empresa; 12. Após apresentação da resposta à nota de culpa o instrutor do procedimento disciplinar decidiu não ouvir duas das testemunhas arroladas pela A. (A…. e E…s), com o fundamento de já terem sido ouvidas no inquérito, antes da elaboração da nota de culpa; 13. A A. recebeu o subsídio de férias e subsídio de Natal referentes aos sete meses que trabalhou no ano de 2008; 14. Em 03.06.2008 foi instaurado processo prévio de inquérito para averiguar a necessidade de instaurar procedimento disciplinar contra a A., em face dos factos ocorridos no decorrer do mês de Maio e no próprio dia 03.06.2008; 15. Em 16.06.2008 foi elaborado relatório do procedimento prévio de inquérito, no qual se concluiu no sentido de instaurar processo disciplinar contra a A., com vista ao seu despedimento; 16. Na mesma data foi elaborada a respectiva nota de culpa, a qual foi enviada à A., mediante carta registada com A/R, tendo a A. deduzido resposta à nota de culpa e indicado prova a produzir; 17. Desde 18.04.2008 que E… deixou de ser gerente da Ré; 18. A arguida foi informada que o E… estava proibido de abastecer combustível sem pagar, pelo que não deveria autorizar que o mesmo atestasse o carro sem pagar primeiro; 19. A meio do mês de Maio de 2008 foi contratado o Sr. C… para desempenhar as funções de gerente do posto de abastecimento; 20. A A. recusou-se a assinar e a respeitar o comunicado de 29.05.2008 emitido pelo referido gerente – encontrando-se o referido comunicado a fls. 122 dos autos, que aqui se considera integralmente reproduzido; 21. No dia 31.05.2008 a A. não fez a folha de caixa; 22. No dia 01.06.2008 a A. fez uma folha de caixa e assinou-a, mas a mesma estava em branco; 23. A A. nunca aceitou ou reconheceu o gerente C… como seu superior; 24. A A. não aceitava as ordens vindas do gerente C… e estava constantemente a desentender-se com este; 25. A A. vinha para a parte de fora da loja fumar e ficava na conversa com o Sr. E…, transmitindo-lhe informações acerca da empresa; 26. No dia 03.06.2008, a A. questionou as ordens dadas pelo gerente do posto de abastecimento (para efectuar uma saída de dinheiro na sua caixa de € 24,22), mostrando-se relutante em aceitar as ordens que lhe foram indicadas, apenas tendo dado cumprimento às mesmas após ter sido chamada à atenção, gerando um conflito com o gerente do posto de abastecimento; 27. No mesmo dia e no seguimento do conflito gerado, a A. de forma descontrolada desatou aos gritos com o gerente dentro da loja do posto de abastecimento, comportamento esse que prejudicou o bom funcionamento do posto, no qual se encontravam clientes, tendo o gerente aconselhado a A. a ir para casa para se acalmar; 28. No mesmo dia 03.06.2008, a A. dirigiu-se aos gritos às sócias-gerentes da Ré, ofendendo-as e injuriando-as; 29. A A. recusou-se perante as sócias-gerentes da Ré a aceitar quaisquer ordens provenientes do responsável do posto de abastecimento C…; 30. A A. recusou-se a aceitar as ordens provenientes das sócias-gerentes da Ré; 31. A A. mostrava-se arrogante e agressiva para com os colegas de trabalho, demonstrando falta de educação para com os mesmos; 32. Em face do comportamento da A. no dia 03.06.2008, foi instaurado processo crime contra a mesma, que corre termos nos serviços do Ministério Público do Tribunal Judicial de Loulé, sob o n.º 277/08.3GFLLE, no qual a A. Foi constituída arguida; 33. A Ré efectuou à Autora os pagamentos mencionados nos documentos de fls. 61 a 70. Estes os factos dados como provados. Refira-se que os “factos” n.º 28 e 31 (“ofender”, “injuriar”, “arrogante”, “agressiva”) assumem cariz marcadamente conclusivo. Todavia, uma vez que tal matéria não assume relevância para a questão objecto do recurso (não vem questionado saber se os factos praticados pela Autora justificam ou não o despedimento, mas tão só se o procedimento disciplinar é válido), entende-se não se justificar qualquer alteração a tal factualidade. IV. Enquadramento jurídico Como se deixou supra afirmado, a questão a decidir centra-se em saber se o procedimento disciplinar instaurado à Autora é inválido por não se ter procedido (novamente) à audição de duas testemunhas por ela arroladas na resposta à nota de culpa e/ou por não se mostrar fundamentada a não audição. Para alegar tal invalidade ancora-se a recorrente, em síntese, na violação do seu direito de defesa, pois as testemunhas em causa eram o suporte do contraditório por si apresentado. A 1.ª instância, no que merece o aplauso da recorrida, concluiu não se encontrar o processo disciplinar afectado de qualquer vício ou irregularidade. A este propósito, escreveu-se na sentença recorrida: «Note-se ainda que não se detecta qualquer irregularidade do processo disciplinar, quanto à não audição de duas das testemunhas arroladas pela trabalhadora na resposta à nota de culpa. O art. 414.º n.º 1 do CTrabalho de 2003 autoriza o instrutor do processo disciplinar a não proceder à inquirição das testemunhas arroladas na nota de culpa se tal diligência for patentemente dilatória ou impertinente – e tal diligência era efectivamente impertinente, pois as testemunhas já haviam sido ouvidas em sede de processo disciplinar. O processo disciplinar tem um fim preciso, averiguar a culpa e a responsabilidade do trabalhador, estando os respectivos limites balizados pela nota de culpa, pelo que apenas à matéria de mesma deverá o trabalhador exercer o seu direito de defesa. Ademais, sendo o processo disciplinar um processo de parte, dirigido pela entidade patronal, esta tem uma certa amplitude na avaliação do carácter dilatório ou impertinente das provas requeridas pelo trabalhador, exigindo a lei, apenas, que justifique esse juízo, de forma fundamentada e por escrito». Vejamos. É incontroverso que aos presentes autos se aplica o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto (Código do Trabalho de 2003). O empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador que se encontre ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho, podendo a sanção disciplinar a aplicar ser de despedimento sem qualquer indemnização ou compensação [artigo 365.º, n.º 1 e 366.º, alínea f)]. Nos termos previstos no artigo 411.º, n.º 1, verificando-se algum comportamento susceptível de integrar justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador a intenção de proceder ao despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados. Porém, caso tal se mostre necessário para fundamentar a nota de culpa, pode proceder à instauração de procedimento prévio de inquérito (artigo 412.º). O trabalhador pode, no prazo de 10 dias, consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos, podendo solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade (artigo 413.º). O empregador procede então às diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, neste caso, alegá-lo fundamentadamente por escrito (n.º 1 do artigo 414.º). Contudo, não é obrigado a proceder à audição de mais de 3 testemunhas por cada facto descrito na nota de culpa, nem mais de 10 no total (n.º 2 do mesmo artigo). O despedimento é ilícito se o respectivo procedimento for inválido, o que se verifica, entre o mais, se não tiver sido respeitado o princípio do contraditório nos termos dos artigos 413.º e 414.º [n.º 1 e n.º 2, alínea b), do artigo 430.º). Refira-se que a recorrente afirma que a recorrida é um microempresa, uma vez que não emprega mais de 10 trabalhadores. Contudo, este facto (número de trabalhadores da empresa) não resulta da matéria assente na 1.ª instância, pelo que ao mesmo não se pode atender. No caso em apreciação, a ora recorrente na resposta à nota de culpa indicou 3 testemunhas para serem ouvidas. No entanto, na sequência o instrutor apenas ouviu uma dessas testemunhas. Justificou a não audição, nessa fase, das outras duas testemunhas com o facto de já terem sido ouvidas no processo prévio de inquérito. Ora, pergunta-se: a não audição dessas duas testemunhas, na sequência da resposta à nota de culpa por parte da trabalhadora, ou a mera fundamentação dessa não audição com a circunstância de que essas testemunhas já haviam sido ouvidas no processo prévio de inquérito, torna o procedimento disciplinar inválido? A nossa resposta, adiantando já a conclusão, é negativa. Vejamos porquê. O procedimento disciplinar visa averiguar os factos que constituem a infracção disciplinar, as suas circunstâncias, bem como o(s) seu(s) autor(es). Para tanto, e em resumo, com base nos factos investigados, o empregador acusa o trabalhador da prática da infracção disciplinar; seguidamente o trabalhador é ouvido para apresentar a sua defesa, podendo solicitar diligências probatórias; com base na acusação e defesa, o empregador procede às diligências probatórias para a averiguação dos factos, após o que, para além de outros formalismos a cumprir, profere decisão final. Atente-se, porém, como faz notar Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, 272), «[o] procedimento disciplinar laboral não se destina a apurar, imparcial e objectivamente, uma verdade material – visa fundamentar uma decisão de parte que é a decisão disciplinar. O seu objectivo é o de sustentar uma convicção do empregador – titular do poder de disciplina – que pode ter-se formado antes dele, e que se exprimirá pela decisão de aplicar, ou não, certa sanção. Esta decisão não é, como pode parecer em face da complexidade burocrática de certos modelos procedimentais, uma decisão para – ou pré-judicial: é uma reacção de um contraente contra outro, que ficará sujeita ao escrutínio judicial se houver litígio». É certo que o direito de audiência prévia do trabalhador (cfr. artigo 371.º) não pode ser tido apenas como o direito de ser ouvido, mas também o direito de produzir prova da sua defesa contra a acusação que lhe é formulada: de outro modo, o princípio do contraditório seria, afinal, “letra morta”. Significa isto que o empregador, em conformidade com o disposto no artigo n.º 414.º, n.ºs 1 e 2, deve permitir que o trabalhador demonstre (ao empregador) a verdade dos factos que alega, facultando-lhe o respectivo conhecimento. Todavia, a mera circunstância do trabalhador requerer a realização de diversas diligências, não significa, necessariamente, que a sua não realização acarrete a violação dos direitos de defesa do mesmo trabalhador: mister é que as diligências requeridas se apresentem úteis e necessárias à defesa do trabalhador. Voltando ao caso que nos ocupa, em bom rigor o instrutor não recusou a audição das testemunhas A… e E…: o que ele afirmou foi que já tinham sido ouvidas anteriormente, em sede de inquérito, antes da elaboração da nota de culpa. Note-se que na referida resposta à nota de culpa, a trabalhadora não aduz quaisquer motivos, designadamente factos da sua defesa, que justifiquem nova audição das testemunhas em causa: aliás, da leitura da resposta à nota de culpa o que se extrai, ao fim e ao resto, é a negação, por parte, da trabalhadora dos factos de que vem acusada. E quanto aos mesmos a testemunhas em causa já haviam sido ouvidas. Certamente por isso o instrutor “limitou-se” a ouvir a testemunha indicada pela trabalhadora que ainda não havia sido anteriormente ouvida. Ora, se as testemunhas em causa já haviam sido anteriormente (em sede de inquérito) ouvidas e se a trabalhadora não indica factos em sua defesa que justificam a audição daquelas, uma nova audição redundaria num acto processualmente inútil, do qual, de seguro, apenas se extrairia o prolongamento injustificado do procedimento disciplinar. Por isso, ressalvado sempre o devido respeito por diferente interpretação, a não audição das duas testemunhas em nada beliscou o direito de defesa da trabalhadora e, assim, não tornou inválido o procedimento disciplinar. Mas o mesmo se diga em relação à alegada não fundamentação dessa audição: se o instrutor justificou a não audição com a circunstância de as testemunhas já terem sido ouvidas na fase de inquérito, antes da elaboração da nota de culpa, a única leitura que se afigura possível de tal afirmação é no sentido de considerar que a (nova) audição seria um acto dilatório ou impertinente. Na verdade, o afirmar-se que não se procede à audição da testemunha porque a mesma já foi ouvida, de acordo com um declaratário normal (cfr. artigo 236.º, n.º 1, do Código Civil) só pode equivaler à conclusão de que a nova audição redundaria em acto inútil, dilatório e até impertinente. Assim, ainda que o instrutor não tenha invocado, e utilizado, expressamente as palavras da lei para não proceder à audição das duas testemunhas em causa, extrai-se que o fundamento referido para essa não audição se inscreve no prescrito na lei, maxime no artigo 414.º do Código do Trabalho. Nesta sequência, não só o procedimento disciplinar não é inválido por não audição das duas testemunhas – já que essa audição se revelava um acto inútil e, por isso, um acto dilatório e impertinente –, como se revela fundamentada a não audição – por as testemunhas já terem sido ouvidas, sendo que, por isso, o acto de audição seria dilatório e até impertinente. Ainda relacionado com esta questão, importa referir que a declaração de inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 356.º, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 338/10, de 08-11, não significa nem pode ser interpretado como a obrigatoriedade do empregador proceder à realização de todas as diligências que o trabalhador entenda que devem ser levadas a cabo: o que importa é que sejam realizadas as diligências consideradas necessária e úteis, podendo o empregador não proceder àquelas que assim não sejam consideradas, desde que fundamente tal solução. Assim, ao contrário do que parece resultar da alegação da recorrente, aplicando, mutatis mutandis, a referida jurisprudência ao caso presente, tendo em conta o disposto no artigo 414.º do Código do Trabalho de 2003, não pode considerar-se que a não audição de duas testemunhas indicadas na resposta à nota de culpa, testemunhas essas que já tinham sido ouvidas em sede de inquérito prévio, afecta o direitos de defesa da trabalhadora, quando, é certo, na referida resposta à nota de culpa esta se “limitou” a negar a prática dos factos e não indicou quaisquer outros da sua defesa que justificassem aquela audição; e a não audição por já terem sido ouvidas anteriormente equivale a afirmar que seria um acto inútil a (nova) audição e, por isso, dilatório e até impertinente. Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações do recurso. E uma vez que a recorrente não trouxe à apreciação deste tribunal outras questões, designadamente da existência ou não de fundamento para o despedimento, impõe-se concluir pela confirmação da decisão recorrida e, por consequência, pela improcedência do recurso. Improcedente o recurso deverá a apelante suportar o pagamento das custas respectivas, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido (artigo 446.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil). V. Decisão Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto por S… e, em consequência, confirmam a decisão recorrida. Custas pela Autora/apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário. Évora, 20 de Setembro de 2012 (João Luís Nunes) (Paula Maria Videira do Paço) (José António Santos Feteira) |