Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3309/20.3T8ENT.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: PERSI
EXTINÇÃO
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I.- O procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento – Dec.-Lei n.º 227/2012, de 25-10 (PERSI) – aplica-se obrigatoriamente sempre que o cliente da entidade bancária entra em incumprimento, nos termos dos artigos 2.º/1 e 14.º/1.
II.- Se a entidade bancária juntou várias cartas onde comunicava a integração no PERSI dos executados, e, decorrido o prazo de 91 dias, não obteve qualquer reposta dos executados comunicando a extinção do procedimento, inexiste a exceção dilatória inominada – falta de condição objetiva de procedibilidade da execução – o que determina o recebimento do requerimento executivo e o prosseguimento da execução.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3309/20.3T8ENT.E1


Acordam os Juízes da 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora


Recorrente: BTL (…) ACQUISITIONS II DAC

Recorridos: (…) e (…)
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No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo de Execução do Entroncamento - Juiz 1, o “Banco (…), S.A.” (em cuja posição entretanto se habilitou a sociedade “BTL … Acquisitions II DAC) deduziu execução para pagamento de quantia certa, sob a forma de processo comum sumário, contra (…) e (…), tendo apresentado como título executivo uma escritura pública denominada «Mútuo e Hipoteca – Transferência», outorgada em 24-07-2008 entre os aqui executados e o então designado “Banco Internacional do (…), S.A.”.
Em sede de despacho liminar foi decidido o seguinte:
Na defluência de todo o conspecto fáctico-jurídico vindo de enunciar, decido julgar oficiosamente verificada a exceção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito dos termos da obrigatória comunicação de extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, absolver os executados (…) e (…)da instância executiva, determinando a extinção da execução – artigos 551.º, n.º 3, 573.º, n.º 2, 576.º, n.ºs 1 e 2, 578.º, 726.º, n.º 2, alínea b), e 734.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil.
Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 296.º, 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 1, 304.º, n.º 1, e 306.º, n.ºs 1 e 2, também do Código de Processo Civil, fixo o valor da causa em € 108.516,88 (cento e oito mil e quinhentos e dezasseis euros e oitenta e oito cêntimos).
Custas integralmente a cargo da exequente/habilitada (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique, incluindo o Sr. Agente de Execução.
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Não se conformando com o decidido a recorrente apelou, formulando as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, artigos 608.º/2, 609.º, 635.º/4, 639.º e 663.º/2, do CPC:
I. A douta decisão recorrida não deve manter-se pois consubstancia uma solução que não consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso sub judice das normas e preceitos jurídicos competentes.
II. A douta decisão recorrida solucionou a hipótese dos autos, de forma que, com a devida vénia, não pode deixar de considerar-se aleatória dos mais elementares preceitos da justiça e legalidade.
III. A sentença julga oficiosamente verificada a exceção dilatória inominada insanável decorrente do desrespeito dos termos da obrigatória comunicação de extinção do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento instituído pelo Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25/10, e, em consequência, absolve os executados (…) e (…) da instância executiva, determinando a extinção da execução.
IV. Estabelece o n.º 2 do artigo 15.º do DL n.º 227/2012, de 25 de Outubro que: “(…), a instituição de crédito procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário, podendo solicitar-lhe as informações e os documentos estritamente necessários e adequados, nos termos a definir, mediante aviso, pelo Banco de Portugal.”,
V. Continuando no n.º 3: “(…), o cliente bancário presta a informação e disponibiliza os documentos solicitados pela instituição de crédito no prazo máximo de 10 dias.”
VI. Por outro lado, dispõe o artigo 17.º do referido diploma, na alínea c) do seu n.º 1 que o PERSI extingue-se: “No 91.º dia subsequente à data de integração do cliente bancário neste procedimento, salvo se as partes acordarem, por escrito, na respetiva prorrogação; (…)”
VII. E na alínea d) do seu n.º 2 que a instituição de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI sempre que: “O cliente bancário não colabore com a instituição de crédito, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados pela instituição de crédito ao abrigo do disposto no artigo 15.º, nos prazos que se estabelecem, bem como na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas, nos termos definidos no artigo anterior; (…).
VIII. No caso em apreço, foram enviadas cartas aos Executados, aqui requeridos, pela Entidade Cedente – Banco (…), S.A. –, a 28/12/2018, para a morada desta conhecida, conforme documentos juntos aos autos a 27/01/2022 e 08/02/2022, a solicitar o envio da documentação/informação necessária para se proceder à análise da capacidade financeira daqueles, tendo-se dado assim cumprimento ao n.º 2 do artigo 15.º do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro.
IX. Na referida carta são os Executados alertados não só para o facto de deverem contactar diretamente o balcão, caso pretendam obter informações, bem como negociar eventuais soluções para a regularização da situação de incumprimento.
X. Como também para a extinção do procedimento, caso não sejam prestadas as informações ou disponibilizados os documentos.
XI. Sucede que, não foram prestadas quaisquer informações por parte dos Executados, nem estes remeteram para a Entidade Cedente qualquer um dos documentos solicitados.
XII.O que inviabilizou o cumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 15.º do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro, nomeadamente a análise da “capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos e crédito”.
XIII. As cartas enviadas pela Entidade Cedente aos Executados, a 29/03/2019, e que se encontram juntas aos autos a 27/01/2022 e 08/02/2022, cumprem com os requisitos legais exigidos.
XIV. Na verdade, como resultado do disposto no artigo 17.º do DL n.º 227/2012, de 25 de outubro um dos motivos para que o PERSI se extinga é simplesmente o decurso do prazo de 91 dias desde a data da integração do PERSI.
XV. Nada mais é aqui exigido para que a extinção deste procedimento ocorra, isto é, basta que tenham decorridos 91 dias desde a data da integração do cliente bancário no PERSI para que o procedimento se extinga, salvo se as partes acordarem por escrito a respetiva prorrogação, o que aqui não sucedeu.
XVI. Ora, das cartas enviadas é bem explícito que o motivo da extinção do PERSI é o decurso do prazo legal exigido desde a data da integração dos Executados em PERSI.
XVII. Isso resulta de imediato da leitura do primeiro parágrafo das cartas, ou seja, o PERSI está extinto pois ultrapassou os 91 dias em que os clientes obrigatoriamente têm de estar integrados neste procedimento.
XVIII. Nas mesmas pode ler-se: “Serve a presente para comunicar a V. Exa(s). que, por virtude de ter decorrido o 91.º dia desde a data de Integração no Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações e Incumprimento (PERSI) sem que tenha sido regularizado o Incumprimento que determinou aquela integração do seu crédito, se extingue, com esta comunicação, o referido Procedimento, podendo o Banco a qualquer momento proceder à resolução do contrato de crédito e consequente execução judicial” (sublinhado nosso).
XIX. Com este fundamento de extinção do PERSI, que é simplesmente o decurso do prazo legal, não existem quaisquer outros factos que determinem a sua extinção ou que justifiquem a decisão da instituição de crédito de pôr termo ao referido procedimento que tivessem de ser explicados.
XX. Não se tratou de uma decisão da Instituição, mas sim de uma imposição legal, ou seja, o PERSI extingue-se no 91.º dia subsequente à data de integração dos clientes bancários neste procedimento.
XXI. É este o fundamento legal indicado nas cartas e que culmina com a extinção do referido procedimento, não existindo quaisquer outros factos que tenham determinado esta extinção e que assim tivessem de ser explicados nas referidas cartas aos Executados.
XXII. Neste sentido, o Acórdão da Relação de Évora, de 26/05/2022, Processo n.º 18/22.2T8ENT.E1, disponível em www.dgsi.pt.
XXIII. Assim, a decisão do Tribunal a quo de considerar que estamos perante uma exceção dilatório inominada insanável é, com o devido respeito, desproporcional e excessiva.
XXIV. Tanto mais que, foram os Executados que, notificados das cartas de integração do PERSI nada disseram e/ou pagaram, desobrigando-se dos deveres de cooperação que sobre si impendiam para com a entidade de crédito.
XXV. Nessa conformidade, atenta a prova documental produzida não se pode concluir senão que a Exequente, aqui recorrente, cumpriu com o disposto no Decreto-Lei n.º 227/2012.
XXVI. Ao assim não decidir, o Tribunal a quo violou o disposto na alínea c), n.º 1 do artigo 17.º do diploma referenciado supra, motivo pelo qual a sentença de que ora se recorre deve ser revogada e substituída por outra que considere que as comunicações dirigidas aos Executados produziram efeitos, por serem suficientemente claras, rigorosas e legíveis, em especial quando os Executados já estavam devidamente informados das consequências do decurso do prazo de 91 dias, e, consequentemente, seja ordenado o prosseguimento dos autos.
Termos em que o presente recurso deve merecer provimento e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que considere que as comunicações dirigidas aos Executados produziram efeitos, por serem suficientemente claras, rigorosas e legíveis, em especial quando os Executados já estavam devidamente informados das consequências do decurso do prazo de 91 dias.
Assim, se fará, como sempre, inteira.
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A recorrida contra-alegou, mas não formulou conclusões, defendendo a manutenção do julgado.
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A questão que importa decidir é a de saber se a recorrente deu cumprimento ao que impõem os artigos 17°/ 3 a 5 do Decreto-Lei 227/2012, de 25-10, integração no regime do PERSI e sua extinção.
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A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório inicial.
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Conhecendo.
No despacho em crise, foi ponderado que a ora recorrente não havia provado o envio de comunicação para abertura do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) – Dec. Lei n.º 227/2012 –, a fim de possibilitar aos recorridos o início de negociações para pagamento da dívida ou de chegar a um acordo para a sua regularização, apenas tendo logrado demonstrar que comunicou a extinção do procedimento, pelo decurso do prazo de 91 dias a que alude o artigo 17.º/1, c), do citado diploma.
Ora, se o procedimento nunca teve início, a comunicação da sua extinção é irrelevante e não cumpre o objetivo da lei.
Finalizando, o tribunal a quo, por concluir que não havia sido dado cumprimento a uma condição objetiva de procedibilidade da execução, exceção inominada e de conhecimento oficioso que conduz à absolvição da instância executiva.
A recorrente não concorda, alegando que em 27-01-2022 e 08-02-2022, quanto ao recorrido e recorrida, respetivamente, juntou as cartas que enviou comunicando a cada um o início do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento e, não tendo os recorridos prestado qualquer informação durante os 91 dias seguintes à abertura do procedimento, lhes comunicou a extinção do mesmo pelo decurso do prazo.
Conclui que a execução deve prosseguir os seus termos, revogando-se o despacho recorrido.
A recorrida confirmou a receção das cartas, mas que não se deu integral cumprimento ao procedimento referido.
Quid iuris?
Compulsados os autos, verifica-se que, com datas de 24-07-2017, 04-12-201718-12-2017, 06-11, 2018, 15-11-2018, 07-012-2018 e 28-12-2018, foram enviadas cartas pela recorrente ao recorrido com o assunto: Regularização Extrajudicial de Situações de Incumprimento.
Nestas cartas identificava-se o crédito em dívida, a situação de mora e a proposta de o recorrente proceder a uma avaliação para esse efeito,
Na carta de 28-12-2018, concretizou-se que tal diligência tinha em “vista a procura de uma eventual solução para a resolução da situação de incumprimento. Para este efeito, deve dirigir-se ao Balcão acima identificado e facultar-nos, no prazo de 10 dias, informação detalhada sobre a sua atual situação financeira (…)
- Última certidão de liquidação do IRS disponível;
- Cópia de documentos comprovativos dos rendimentos auferidos a título de salário e/ou remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;
- Cópia de documentos comprovativos de encargos resultantes de contratos celebrados junto de outras instituições e de quaisquer outros que entenda relevantes para avaliação da sua capacidade financeira.
Nada tendo sido dito pelo recorrido em 91 dias, a recorrente enviou então as cartas datadas de 04-12-2017, 29-03-2019 onde comunicou a extinção do procedimento por terem decorrido 91 dias desde o seu início.
Relativamente à recorrida, foram enviadas as cartas datadas de 06-11-2018, 15-11-2018, 07-12-2018, 28-12-2018 foram enviadas cartas pela recorrente ao recorrido com o assunto: Regularização Extrajudicial de Situações de Incumprimento.
Nestas cartas identificava-se o crédito em dívida, a situação de mora e a proposta de o recorrente proceder a uma avaliação para esse efeito,
Na última, concretizou-se que tal diligência tinha em “vista a procura de uma eventual solução para a resolução da situação de incumprimento. Para este efeito, deve dirigir-se ao Balcão acima identificado e facultar-nos, no prazo de 10 dias, informação detalhada sobre a sua atual situação financeira (…)
- Última certidão de liquidação do IRS disponível;
- Cópia de documentos comprovativos dos rendimentos auferidos a título de salário e/ou remuneração pela prestação de serviços ou prestações sociais;
- Cópia de documentos comprovativos de encargos resultantes de contratos celebrados junto de outras instituições e de quaisquer outros que entenda relevantes para avaliação da sua capacidade financeira.
Tal como consta do seu preâmbulo, o Dec. Lei n.º 227/2012 teve como ratio legis contrapor, à facilidade excessiva com que as entidades financeiras concediam crédito, sem uma avaliação aturada e precisa do risco de incumprimento pelo devedor consumidor, geralmente a parte mais fraca na relação contratual, uma proteção acrescida antes de se permitir que o credor atinja o património do devedor.
Analisado o regime legal quanto ao cumprimento das obrigações do PERSI, o procedimento é constituído por quatro fases, a saber:
- Fase de avaliação inicial ou da integração do cliente bancário no procedimento,
- Fase de avaliação e de apresentação de propostas,
- Fase de negociação e
- Fase final, com a sua extinção.
Estas fases não se cumprem com meros envios de correio eletrónico que não se sabe se foi rececionado e de cartas com aviso de recção que não foram comprovadamente recebidas pelo destinatário.
Com efeito, só quando se eliminam todas as dúvidas de que o cliente bancário foi informado de que foi integrado no regime do PERSI, se pode concluir pela recusa em colaborar no plano de restruturação da dívida, o que conduz à extinção do procedimento (artigo 17.º) e se abre a possibilidade de executar a dívida.
É por isso que a entidade bancária deve desenvolver as diligências necessárias para encontrar o seu cliente, uma vez que, habitualmente o banco nunca contactou com ele diretamente, mormente em vendas de veículos automóveis financiados pela entidade bancária, em que servem como intermediários do banco os funcionários do stand de automóveis onde os veículos são adquiridos.
O que inculca a ideia, no consumidor inexperiente e desprevenido, que ficou a dever o valor do veículo ao stand e não a outra entidade.
É esta desproteção e inexperiência que a lei visa acautelar e, por isso, não basta que a informação conste de “suporte duradouro” na entidade bancária é necessário que se demonstre a informação efetiva do procedimento ao consumidor.
O tribunal a quo entendeu que não ficou demonstrado que o cliente consumidor não foi informado do PERSI e que o foi apenas da sua extinção.
Mas não é assim.
A recorrente juntou aos autos inúmeras cartas que enviou aos recorridos e destes não obteve qualquer resposta para que se pudesse avançar para a fase de avaliação e de apresentação de propostas, pelo que não foi também possível passar à fase de negociação.
Decorridos que foram os 91 dias previstos no artigo 17.º/1, c), do PERSI, o procedimento considera-se extinto ope legis.
Repare-se que os recorridos nunca esclareceram de que forma colaboraram com a entidade bancária para encontrar uma solução de pagamento da dívida, pelo que esta omissão tem que ser valorada pelo direito, significando que não colaboraram.
De onde se conclui que a instituição de crédito diligenciou pela concretização do PERSI antes de propor a ação executiva, o que significa inexistir a exceção dilatória inominada invocada, pelo que o requerimento executivo deve ser liminarmente admitido, devendo a execução prosseguir os seus termos até pagamento da dívida exequenda.
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Sumário: (…)
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DECISÃO.
Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga a apelação procedente e revoga a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que admita liminarmente o requerimento executivo e ordene o prosseguimento da execução.
Custas pela recorrida – Artigo 527.º do CPC.
Notifique.
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Évora, 11-05-2023
José Manuel Barata (relator)
Cristina Dá Mesquita
Rui Machado e Moura