Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
593/11.7TTPTM.E2
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: EXAME POR JUNTA MÉDICA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
INCAPACIDADE ABSOLUTA PARA O TRABALHO HABITUAL
Data do Acordão: 03/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: i) não existe hierarquia entre o meio de prova pericial obtido por junta médica e aqueles que são obtidos através de peritos médico-legais singulares, sendo todos valorados à luz dos demais meios de prova e elementos dos autos, na sua globalidade.
ii) embora a junta médica tenha dado parecer no sentido do sinistrado não ser portador de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, mostrando os autos que a natureza das funções exercidas por este são incompatíveis com o exercício da profissão habitual, devem seguir-se os laudos emitidos pelos peritos médico-legais singulares, que vão no sentido da atribuição de IPATH, por se mostrarem conformes às caraterísticas das funções concretas exercidas pelo trabalhador sinistrado.

(Sumário do relator)

Decisão Texto Integral: Processo n.º 593/11.7TTPTM.E2
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO

Apelante: CC, SA (ré seguradora).
Apelado: BB (autor).
Tribunal Judicial da comarca de Faro, Portimão, Instância Central, 2.ª Secção de Trabalho, J2.

1. O autor intentou ação emergente de acidente de trabalho, sob a forma do processo especial, contra CC, SA, e DD, Ld.ª, pedindo que as rés sejam condenadas “a pagar ao autor uma pensão anual e vitalícia no montante global de € 10.793,57, devida desde 12.10.2011, sendo que a ré CC, SA deve pagar uma pensão anual e vitalícia no montante de € 9.954,13 (92,22278%); e a ré DD, Ld.ª deve pagar uma pensão anual e vitalícia no montante de € 839,31 (7,77722%)”.
Pede, ainda, que as rés sejam condenadas “a pagar ao autor o montante de € 4.371,63, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente”, respondendo as rés proporcionalmente em função da responsabilidade transferida.
Finalmente, pede que a ré DD, Ld.ª, seja condenada no pagamento ao autor da quantia de € 1.006,86, a título de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta.
Reclama, igualmente, o pagamento de juros de mora, à taxa legal, sobre as quantias em dívida, desde o seu vencimento e até pagamento.
Alega, em síntese, que no dia 22 de setembro de 2010, quando desempenhava as suas funções como pedreiro ao serviço da ré DD, Ld.ª, sofreu um acidente, do qual resultou traumatismo da perna direita.
Em consequência de tais lesões, sofreu períodos de incapacidade temporária e ficou a padecer de sequelas que lhe determinam uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 30%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
Porém, em sede de tentativa de conciliação não foi possível o acordo das partes, desde logo, porque não se mostrou viável obter a comparência da ré entidade patronal e por não se conformar a ré seguradora com o resultado da perícia médico-legal – e daí a presente ação.
Citada a ré seguradora, veio a mesma contestar, impugnando os factos alegados pelo autor, por considerar que o grau de incapacidade permanente de que o mesmo se encontra afetado é inferior ao invocado.
Conclui pedindo que a ação seja julgada em conformidade com a prova produzida e levando-se em consideração o salário transferido.
A ré DD, Ld.ª foi citada editalmente, não tendo apresentado contestação.
Foi proferido despacho saneador a fls. 670 e seguintes, no qual se selecionou a matéria de facto já assente e a que deveria integrar a base instrutória, e se determinou o desdobramento do processo, tendo em vista a fixação da incapacidade do autor, nos termos previstos nos artigos 132.º n.º 1 e 140.º n.º 2, ambos do Código de Processo do Trabalho.
No apenso, após submissão do autor a novo exame, por junta médica, foi proferida decisão, que fixou o grau de IPP de que o mesmo se encontra afetado em consequência do acidente em causa nos autos (fls. 71 a 76 do apenso A).
Foi realizada a audiência de discussão e julgamento, tal como da respetiva ata consta, tendo-se julgado a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 689, que não mereceu qualquer reclamação.
De seguida, foi proferida sentença com a seguinte decisão:
Nestes termos e por tudo o exposto:
a) Julga-se o sinistrado BB, por via do acidente de trabalho de que foi vítima a 22.09.2010, afetado de 23.09.2010 até 12.10.2011 de uma incapacidade temporária absoluta (ITA) e, a partir de 12.10.2011, de um grau de incapacidade permanente parcial (IPP) de 30%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), sendo as sequelas físicas de que ficou a padecer subsumíveis na rubrica 14.2.1.1.b) do Capítulo I da Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de outubro.
b) Condenam-se, em conformidade, as rés “CC, SA” e “DD, Ld.ª” a pagar ao autor, a pensão anual, vitalícia e atualizável de € 10.793,57 (dez mil, setecentos e noventa e três euros e cinquenta e sete cêntimos), devida desde 13.10.2011, sendo:
- da responsabilidade da ré “CC, S.A.” a quantia de € 9.954,13 (nove mil, novecentos e cinquenta e quatro euros e treze cêntimos) e;
- da responsabilidade da ré empregadora “DD, Ldª” a quantia de € 839,44 (oitocentos e trinta e nove euros e quarenta e quatro cêntimos).
c) Condena-se, ainda, a ré “CC, S.A.” a pagar ao autor, a quantia de € 4.371,63 (quatro mil, trezentos e setenta e um euros e sessenta e três cêntimos) a ser paga de uma só vez, a título de subsídio de elevada incapacidade permanente.
d) Condena-se a ré “DD, Ldª” a pagar ao autor a quantia de € 1.110,90 (mil, cento e dez euros e noventa cêntimos) a título de indemnização devida pelo período de incapacidade temporária absoluta (ITA).
e) Condenam-se ambas as rés a pagar juros de mora sobre as prestações pecuniárias em atraso a cargo de cada uma delas, à taxa anual de 4%, até efetivo e integral pagamento.
Fixa-se o valor da ação em € 112.651,89 (cento e doze mil, seiscentos e cinquenta e um euros e oitenta e nove cêntimos).


2. Inconformada, veio a seguradora interpor recurso de apelação motivado e conclusões, nos seguintes termos:
1. Vem o presente recurso interposto da decisão de fixação de incapacidade, na parte em que entendeu atribuir ao sinistrado uma Incapacidade Permanente para o Trabalho Habitual, e consequentemente condenou a recorrente ao pagamento de uma pensão anual e vitalícia no valor de € 9.954,13.
2. Pretende-se antes de mais impugnar a decisão proferida no apenso de fixação de incapacidade (140.º n.º 2 do CPC).
3. Com o devido respeito que é muito, e não a obstante a douta fundamentação, a Meritíssima Juiz a quo, não deveria ter atribuído a IPATH ao sinistrado com base unicamente nos elementos que advieram do parecer emitido pelo IEFP, pois existiam outros elementos probatórios que mereciam ter sido valorados.
4. Deverão ser atendidos todos os factos e elementos que foram surgindo no processo.
5. São igualmente relevantes quer o relatório médico singular efetuado aquando da fase conciliatória, e o parecer efetuado por psicólogo do IEFP, quer também todos os exames médicos/juntas médicas, documentação clinica e inquérito profissional, constantes do processo.
6. Do Inquérito profissional de fls. 65 constavam já elementos sobre as tarefas e funções do sinistrado enquanto pedreiro, que foram tidas em consideração nas juntas médicas (realizadas em 2013 e 2016).
7. Nas juntas médicas, esteve presente sempre o Meritíssimo Juiz que poderia e deveria ter suscitado os esclarecimentos que achasse porventura pertinentes em face da análise que estava a ser efetuada e da resposta que estava a ser dada pelos senhores peritos médicos.
8. Na “primeira” junta médica efetuada em abril de 2013 os senhores peritos médicos estavam bem cientes de quais as funções desemprenhadas pelo sinistrado e entenderam, mesmo assim, repetidamente, que apenas e tão só, o sinistrado tinha as limitações inerentes à IPP de 30% que estava a ser fixada!
9. Na junta médica realizada em fevereiro de 2016, na presença do mesmo Meritíssimo Juiz de Direito que presidiu à perícia colegial realizada em 2013, os senhores peritos médicos responderam novamente de forma unânime pela não atribuição de IPATH.
10. Na junta médica de 2016, e ao contrário do referido na douta decisão recorrida, simplicidade na resposta derivou apenas do facto de não terem surgido dúvidas no teor das mesmas em face dos elementos que constavam do processo, designadamente da resposta aos quesitos na junta de 2013.
11. A Meritíssima Juíza fundou o douto despacho que ordenou a notificação ao Instituto de Emprego e Formação Profissional no exame singular elaborado na fase conciliatória em 2012.
12. Quando o sinistrado já havia sido avaliado do ponto de vista clinico e da desvalorização funcional em face das sequelas que apresentava e da profissão de pedreiro que então exercia, por mais 5 médicos - duas juntas médicas realizadas em 2013 e 2016!
13. E os cinco peritos médicos foram unânimes em afirmar que não havia lugar à atribuição de IPATH, devendo apenas ser valoradas as limitações inerentes à incapacidade de 30% que estava a ser fixada!
14. A posição tomada quanto à atribuição da IPATH contraria manifestamente o que decorre da grande maioria dos elementos probatórios dos autos!
15. A Meritíssima Juiz a quo nunca teve presente nas juntas médicas realizadas, as quais não levantaram quaisquer dúvidas aos seus intervenientes que concordaram no seu resultado unanimemente e sem reservas.
16. Conforme dispõem as “Instruções Gerais” da Tabela Nacional de Incapacidades a atribuição da IPATH deverá “imanar” de uma junta de médicos/ peritos ou especialistas em Medicina do Trabalho.
17. A junta médica decidiu não atribuir qualquer IPATH!
18. Bem sabe a recorrente, que as dúvidas que podem levar a que o Juiz solicite exames, pareceres ou esclarecimentos complementares, não dependem da inexistência de unanimidade na Junta Médica. Elas podem sobrevir, por exemplo, de exames médicos juntos aos autos pelo sinistrado ou pela entidade responsável, ou do resultado e fundamentação do exame médico singular, ou mesmo dos termos em que se funda a unanimidade alcançada pela Junta Médica, e o Juiz não está vinculado, nem ao resultado do exame médico singular, nem ao resultado do exame por Junta Médica.
19. O laudo da Junta Médica é apenas um elemento de prova, que o Tribunal aprecia livremente valor a aquela que, em seu entender, deve preponderar.
20. Nos presentes autos, em face do relatório do médico do IEFP e restantes documentos dos autos (quesitos que foram especificamente formulados pelo sinistrado aquando da primeira junta médica e inquérito de fls. 65), resultaram em rigor o mesmo elenco das tarefas e funções, mas que no entanto, as conclusões ou opiniões divergiram entre os 5 peritos médicos e o Técnico Assessor do Instituto de Emprego e Formação Profissional.
21. A decisão que ora se impugna “opta” por valorar de forma “superior” uma parecer do IEFP ao invés do laudo unânime dos senhores peritos médicos!
22. A recorrente discorda, pois, na origem do fundamento e argumentação da douta decisão impugnada!
23. O Parecer do Técnico Superior de Emprego Assessor, é, tão somente, uma mera apreciação singular, baseada nas declarações do próprio entrevistado/ sinistrado, em contraposição com o laudo dos peritos médicos especialistas em avaliação dano corporal em função da capacidade restante para o trabalho.
24. Pelo que, atendendo à posição unânime dos cinco peritos médicos quanto à não atribuição de IPATH, não se compagina que não seja a mesma valorada em detrimento do Parecer Médico singular e do parecer do Técnico do IEFP baseado em dados fornecidos pelo próprio sinistrado.
25. Nas perícias colegiais (Juntas Médicas) são analisadas quer a situação clínica, quer o perfil da atividade profissional do sinistrado de forma a ser fixado o grau e natureza da incapacidade.
26. Se assim não fosse, os senhores peritos médicos nem poderiam estar em condições de responder aos quesitos sobre a IPATH o que não foi o caso: “pode desempenhar a sua função atual com as limitações decorrentes da IPP atribuída”.
27. Refira-se ainda, a senhora perita médica do Tribunal (perita médica que interveio por duas vezes em 2013 e 2016), manteve a sua posição no sentido de não atribuição de uma IPATH, mas tão somente de uma IPP de 30%.
28. Com o devido respeito, a Meritíssima Juiz a quo não analisou criteriosamente os meios de prova que dispunha e fundamentou a atribuição da IPATH, apenas e tão somente em dois elementos de prova – exame médico legal de 2012 e parecer do IEFP – que são manifestamente insuficientes.
29. Deveria ter sido valorada a posição unânime dos senhores peritos médicos que participaram nas juntas médicas.
30. Quando a junta médica, por unanimidade é do “parecer” que não há lugar à atribuição de IPATH, não vemos como, não obstante a livre apreciação da prova e convicção que impera nas decisões judiciais, a Meritíssima Juiz, que nem sequer esteve presente nas perícias colegiais, possa apenas fundar a sua decisão em dois pareceres singulares que são opostos.
31. Ora é conhecida a forma como, em regra, são efetuadas as juntas médicas, que em face da presença do sinistrado e da espontaneidade do ato, em que é imediatamente lavrado o respetivo auto, acabam por ser muito sucintas na fundamentação escrita, que por vezes é mesmo inexistente.
32. Pelo que, foi então solicitado o esclarecimento e posição escrita dos senhores peritos médicos, em face do teor do relatório do IEFP.
33. Pois ao contrário do auto de junta médica, o parecer do IEFP é elaborado após a entrevista, com um grau de precisão que apenas é possível, pelo facto de ser efetuado por um técnico singular a quem é concedido o tempo necessário para realizar a tarefa de redigir um relatório que será enviado posteriormente para o Processo Judicial de onde emanou o pedido.
34. Ao contrário do que faz crer a douta decisão que ora se impugna, não se pretendia que os senhores peritos avaliassem o parecer de outro técnico, nem tão pouco se “intrometessem” no seu trabalho; mas tão somente, e a fim de munir o processo com todos os elementos de prova que no entender da ora recorrente, estavam a ser preponderantes, se pretendia que os senhores peritos “revessem” a sua posição e tivessem oportunidade de fundamentar, de igual forma, por escrito o seu laudo médico enquanto especialistas em avaliação do dano corporal em acidentes de trabalho.
35. Só assim, seria possível ao Tribunal decidir com justiça e não julgar prevalentes ou mais consistentes uns “pareceres” em detrimento de outros, quando as circunstâncias em que os mesmos foram realizados foram totalmente diferentes.
36. Pelo que, deverá ser reapreciada a decisão quanto à questão da incapacidade, mormente quanto à atribuição da IPATH, sendo valorados todos os elementos probatórios em função da sua natureza e especificidade e a ponderação dos critérios que estiveram na base de cada um e respetivo peso que deverão revestir.
37. Refira-se que muitas das tarefas que o sinistrado elenca junto do IEFP são apenas compaginadas como possíveis, pois, como o próprio refere, apenas as poderá efetuar “na ausência de servente de pedreiro”, na ausência de guincho elétrico ou de dispositivo de elevação de cargas”.
38. Deverá ainda ser tido em conta que o inquérito de fls. 65, que aliás vem referenciado na douta sentença, e já fazia alusão à atividade de pedreiro com tarefas que implicavam fazia esforços violentos com o tronco, com os braços, com a bacia e membros inferiores e que precisa de faculdades especiais de equilíbrio, que, ao contrário do parecer do IEFP, já se encontrava dos autos e foi valorado pelos senhores peritos médicos nas juntas médicas, quando avaliaram a necessidade ou não de atribuição de IPATH.
39. Os senhores peritos que compuseram a junta médica foram confrontados diretamente com os elementos dos autos, com as funções de pedreiro, com o próprio sinistrado e ainda com o elenco de quesitos, aos quais responderam exaustivamente e que, mesmo assim, não atribuíram IPATH.
40. Pelo que, não se compreende como é que às mesmas questões e parâmetros, o Técnico da IEFP retira conclusões tão diferentes!
41. Deverão assim ser reapreciados todos os elementos probatórios e efetuada a respetiva valoração, dos quais resulta a não atribuição de IPATH, devendo a douta sentença final ser alterada em conformidade e, tão somente, a ora recorrente, ser condenada a pagar uma pensão anual e vitalícia no valor de € 4.047, 59 tendo em consideração a IPP de 30%.
42. Por seu lado, sendo o presente recurso procedente, não existirá fundamento para a atribuição do subsídio de elevada incapacidade, sendo nesta parte também revogada a douta sentença final.

3. O sinistrado contra-alegou e concluiu do modo seguinte:
1. Não se conformando com a douta sentença proferida nos autos, a ré “CC, SA” interpôs recurso, requerendo que sejam reapreciados todos os elementos probatórios e efetuada a respetiva valoração, por entender que dos mesmos não deve resultar a atribuição de IPATH ao sinistrado, ao contrário do que foi decidido na douta sentença recorrida, devendo a recorrente apenas ser condenada a pagar uma pensão anual e vitalícia no valor de € 4.047, 59 tendo em consideração a IPP de 30%.
2. O juiz não está vinculado aos exames periciais realizados. O exame por junta médica, sendo uma forma de prova pericial, está sujeito à livre apreciação do Juiz (art.º 389.º do Código Civil e art.º 489.º, in fine, do Código de Processo Civil), pelo que os relatórios das juntas médicas, ainda que emitidos por unanimidade, não são vinculativos para o Tribunal.
3. O princípio da livre apreciação da prova permite (e impõe) que o Tribunal se baseie na sua prudente convicção sobre a prova produzida/recolhida, fazendo um juízo crítico tendo por base as regras da experiência, da ciência e do raciocínio lógico.
4. Resulta dos autos que, para além do perito médico singular que no exame realizado no Gabinete Médico-Legal e Forense do Barlavento Algarvio concluiu que o sinistrado ficou afetado de um grau de IPP de 30%, e de IPATH, também o perito médico que elaborou o relatório de avaliação do dano corporal que foi junto ao parecer do IEFP que consta nos autos a fls. 250 e segs., havia concluído ser de atribuir IPATH ao sinistrado “já que deambulando de canadianas não pode circular em telhados, subir ou descer escadas, montar e desmontar andaimes, participar na carga e descarga dos materiais. Não pode estar sujeito a quedas ou a trabalhar em posição de equilíbrio instável, também não pode ter longas permanências de pé, nem fazer grandes deslocações. Também não pode transportar ou deslocar pesos de 50 Kg”.
5. O sinistrado apresenta incapacidade funcional da tibiotársica direita na sequência da fratura exposta de grau III que sofreu no acidente de trabalho de que foi vítima. Continua a andar com canadianas face à dificuldade de se apoiar na perna direita onde mantém, como sequelas: anquilose da tibiotársica com marcha claudicante.
6. Os senhores peritos que compuseram a junta médica concluíram que o sinistrado pode desempenhar as funções de pedreiro com as limitações decorrentes da IPP atribuída. Contudo, é evidente que esta avaliação revela total desconhecimento ou desconsideração das funções desempenhadas por um pedreiro às quais não fazem qualquer referência.
7. De acordo com o relatório elaborado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), o sinistrado “executa e reveste maciços de alvenarias de pedra, tijolo, ou de outros blocos, monta estruturas de andaimes, realiza coberturas com telha e efetua diferentes revestimentos e acabamentos, utilizando argamassas, azulejos e mosaicos e manejando ferramentas e máquinas apropriadas”.
8. Tendo em consideração as tarefas concretamente exercidas por um pedreiro, verifica-se que a sua atividade não é exercida na posição de sentado, necessitando o trabalhador de se deslocar em terreno acidentado, de trabalhar em posição de equilíbrio instável, subindo e descendo andaimes, de carregar materiais pesados, de trabalhar em posição curvado, agachado e de joelhos, eventualmente permanecendo nessas posições durante largos períodos de tempo.
9. Tendo em consideração a idade do sinistrado (nascido em 27/02/1947) e as referidas caraterísticas da profissão de pedreiro, não compreendemos, e o Tribunal também não compreendeu, porque é que a junta médica resolveu ignorar o entendimento do Exmo. Perito que realizou a perícia médica singular, o qual havia concluído ser de atribuir ao sinistrado a referida IPATH.
10. Sendo evidente que o sinistrado padece de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, o Tribunal, depois de ter recolhido os pareceres técnicos que entendeu serem necessários, optou pela fundamentada opinião que consta do parecer do IEFP, decidindo atribuir ao sinistrado a referida IPATH, concluindo que ele não pode continuar a exercer as suas habituais funções de pedreiro.
11. Alega a recorrente que a Mma. Juíza a quo «não analisou criteriosamente os meios de prova que dispunha e fundamentou de forma “tendenciosa” a IPATH, apenas e tão somente em dois elementos de prova – exame médico-legal de 2012 e parecer do IEFP».
12. Na sua árdua tarefa de julgar num processo onde há elementos de prova que apontam em sentidos inversos, a Mma. Juíza teve que “tender” para uma das direções. Mas porque não “tendeu” no sentido pretendido pela seguradora recorrente, não nos parece merecer ser apodada de “tendenciosa”.
13. A Mma. Juíza a quo apreciou livremente a prova e valorou aquela que em seu entender devia ser valorada, socorrendo-se de todos os elementos fornecidos nos autos (designadamente os que eram mais esclarecedores designadamente no que se referia à concretização e à natureza das atividades desempenhadas pelo sinistrado no exercício da profissão) e, usando o seu conhecimento próprio e as regras gerais da experiência comum, decidiu, e bem, que as sequelas do sinistrado o impedem definitivamente de prosseguir no desempenho da sua atividade de pedreiro.
14. Conclui-se assim, que não assiste razão à recorrente e que o Tribunal não violou qualquer norma jurídica, não fez deficiente interpretação e aplicação do direito, nem procedeu a incorreta apreciação dos elementos de prova que constam nos autos, razão pela qual se entende que a douta sentença objeto do presente recurso não merece qualquer reparo ou censura, devendo aquela decisão ser mantida nos seus precisos termos, uma vez que o Tribunal decidiu em conformidade com a prova recolhida e com o direito aplicável.
Nestes termos deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela recorrente “CC, S.A.”, confirmando-se a douta sentença recorrida.

4. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

5. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir consiste em fixar a natureza e grau de incapacidade do sinistrado e consequências no montante da pensão e subsídio de elevada incapacidade.

A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
1. Em 22 de setembro de 2010, a ré DD, Ld.ª tinha a sua responsabilidade infortunística por acidentes de trabalho ocorridos com o autor BB transferida para a ré CC, SA, através de contrato de seguro de acidentes de trabalho de trabalhadores por conta de outrem, na modalidade de prémio variável, titulado pela apólice n.º …, pela retribuição anual de € 17.775,24 (€ 1.269,66×14 meses).
2. O autor foi tratado pelos serviços clínicos da ré seguradora até 12.10.2011, data em que lhe foi atribuída alta clínica.
3. O autor exercia a atividade profissional de pedreiro ao serviço da ré DD, Ld.ª.
4. A ré DD, Ld.ª é uma empresa que se dedica à construção civil.
5. O autor recebia ordens, direção e fiscalização da ré DD, Ld.ª.
6. E auferia como contrapartida pelo seu trabalho a retribuição base mensal de € 1.269,66×14 meses, acrescida de subsídio de alimentação no valor de € 121,00×11 meses, e prémio de € 14,00×12 meses.
7. No dia 22 de setembro de 2010, cerca das 11h00, no estaleiro da ré DD, Ldª, sito em …, e no desempenho das suas funções, o autor foi vítima de um acidente.
8. Na altura, ao desarmar um tapete rolante de transporte de materiais de construção, o autor ficou com a perna direita presa no mesmo.
9. Nas circunstâncias referidas em 7. e 8., o autor sofreu traumatismo da perna direita, do qual resultou, como sequela definitiva, anquilose da articulação tibio-társica direita, com marcha claudicante.
10. Em consequência das lesões sofridas no acidente, o autor foi portador de Incapacidade Temporária Absoluta (ITA) desde 23.09.2010 até 12.10.2011, data da alta clínica, num total de 385 dias.
11. O autor, em consequência do acidente referido, ficou com uma desvalorização traduzida na Incapacidade Permanente Parcial (IPP) de 30% desde 12.10.2011, com Incapacidade Permanente Absoluta para o Trabalho Habitual (IPATH).
12. O autor BB nasceu no dia 27.02.1947.

B) APRECIAÇÃO

A questão a decidir prende-se com a reapreciação da prova produzida com vista a apurar se o facto dado como provado no ponto 11 da sentença recorrida deve ser alterado nos termos pretendidos pela apelante.
A apelante conclui que o sinistrado tem uma IPP de 30%, conforme resulta das duas juntas médicas a que foi sujeito, sem o acréscimo da incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Antes do mais, esclarece-se que a primeira junta médica foi anulada juntamente com todo o processado, em conformidade com o acórdão proferido por esta Relação em 03.07.2014 (fls. 331 a 348), pelo que não constitui meio de prova a valorar.
Tem entendido esta Relação de Évora que “a tabela médica tem um valor indicativo, importante, mas não único na fixação do valor da incapacidade, decorrente das lesões sofridas pela vítima por causa de acidente de trabalho, podendo o juiz afastar-se do laudo dos peritos médicos, desde que estes tenham fundamentado as respostas e deixem claro qual foi o raciocínio lógico que empreenderam, de modo a poder ser entendido e analisado criticamente pelo juiz[1]”.
O juiz não está absolutamente vinculado aos laudos médico-legais. Estes constituem um meio de prova a apreciar livremente pelo tribunal, o qual poderá divergir em situações devidamente fundamentadas. Não está em causa o juízo científico emitido pelos peritos médicos, mas sim a sua adequação à realidade fáctica concreta.
Daí que seja muito importante o relatório elaborado pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional relativo ao posto de trabalho. Em casos, como o dos autos, em que está em causa apurar se o sinistrado está apto para exercer o seu trabalho habitual, é essencial conhecer em que consistem as tarefas a realizar pelo sinistrado e o modo de as executar.
Neste particular, os autos contém um inquérito profissional, a fls. 65, o qual refere que a profissão de pedreiro do sinistrado exige:
- Esforços violentos com o tronco;
- Esforços violentos com os braços;
- Grande capacidade respiratória;
- Destreza dos membros superiores;
- Destreza de mãos;
- Esforços violentos com a bacia;
- Esforços violentos com os membros inferiores; e
- Faculdades especiais de equilíbrio.
Por sua vez, o relatório elaborado pelo IEFP, junto a fls. 244 e seguintes, refere, além do mais, que as principais exigências do posto de trabalho de pedreiro de 1.ª que o sinistrado desempenhava à data do acidente, são as seguintes:
- Persistente mobilização, destreza, coordenação e força dinâmica de ambos os membros inferiores, designadamente pernas e pés;
- É necessário, com frequência, levantar, manusear, transportar e sustentar pesos que podem ascender aos 30/40 quilos;
- Persistentes flexões frontais do tronco e do pescoço, extensão do pescoço, torções laterais do pescoço e torções dorso-lombares.
Resulta ainda do relatório elaborado pelo IEFP que a profissão do sinistrado implica subir e descer escadas, subir e descer andaimes, trabalhar de pé em equilíbrio instável.
A seguradora apelante conclui que este relatório não merece crédito, pois foi elaborado de acordo com as declarações do sinistrado.
É verdade que se fundou em entrevista dada pelo sinistrado, mas a seguradora não impugna a veracidade dos factos alegados, mas apenas a sua credibilidade em confronto com o laudo da junta médica.
A junta médica indicou as sequelas decorrentes do acidente de trabalho, tal como o fizeram o perito médico do gabinete médico-legal e o perito médico-legal que elaborou o relatório de avaliação do dano corporal de fls. 250 a 252. São todos médicos com o curso médico-legal. Não existe uma hierarquia entre a prova pericial obtida a partir da junta médica e a dos peritos médicos singulares. O juiz analisa e pondera a prova na sua globalidade e decide.
Resulta da prova produzida que o regresso do sinistrado ao seu posto de trabalho para exercer a profissão de pedreiro, coloca em risco grave a sua segurança e saúde, dada a natureza das tarefas a executar e a claudicação da perna em consequência do acidente.
A profissão do sinistrado exige coordenação motora, força e estabilidade, além do mais, nos membros inferiores. As sequelas apontadas unanimemente por todos os peritos médicos, colocam irremediavelmente em causa a capacidade de equilíbrio, destreza e força necessárias para que o sinistrado volte a exercer as suas funções de pedreiro. O regresso a estas funções, como já referimos, representaria um risco grave para a segurança e saúde do sinistrado, pelo que se justifica plenamente aderir aos laudos médicos que deram parecer no sentido de que o sinistrado é portador de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual.
Nesta conformidade, mantém-se inalterada a resposta dada ao ponto 11 dos factos dados como provados na sentença.
A procedência da apelação dependia da alteração da matéria de facto, a qual não se verificou.
Analisada a sentença recorrida quanto à matéria de direito, atendendo a que estamos perante direitos indisponíveis e por isso de conhecimento oficioso, verificámos que nela foi efetuada correta aplicação do direito aos factos provados e foi fixada a reparação nos termos legais.
Nesta conformidade, a apelação é julgada improcedente e confirma-se a sentença recorrida.
Sumário: i) não existe hierarquia entre o meio de prova pericial obtido por junta médica e aqueles que são obtidos através de peritos médico-legais singulares, sendo todos valorados à luz dos demais meios de prova e elementos dos autos, na sua globalidade.
ii) embora a junta médica tenha dado parecer no sentido do sinistrado não ser portador de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, mostrando os autos que a natureza das funções exercidas por este são incompatíveis com o exercício da profissão habitual, devem seguir-se os laudos emitidos pelos peritos médico-legais singulares, que vão no sentido da atribuição de IPATH, por se mostrarem conformes às caraterísticas das funções concretas exercidas pelo trabalhador sinistrado.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela seguradora apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 30 de março de 2017.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes
Alexandre Ferreira Baptista Coelho

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[1] Acs. RE, de 30.03.2016, processo n.º 59/14.3TTPTM.E1, www.dgsi.pt/jtre e de 03.12.2015, processo n.º 339/09.0TTABT.E1, em que interveio este mesmo coletivo de juízes desembargadores.