Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3147/22.9T8LLE-A.E1
Relator: CRISTINA DÁ MESQUITA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
SENTENÇA ESTRANGEIRA
EXECUTORIEDADE DE DECISÕES DE ESTADO MEMBRO
Data do Acordão: 05/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – De acordo com o disposto no artigo 59.º do Código de Processo Civil, os tribunais portugueses além de receberem competência em razão da nacionalidade por via dos artigos 62.º e 63.º e 94.º, recebem-na também de regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais que, no seu campo específico de aplicação, prevalecem sobre as normas processuais portuguesas, nomeadamente sobre as normas reguladoras da competência internacional constantes do Código.
2 - Uma das fontes convencionais da competência internacional dos tribunais portugueses é a Convenção de Lugano II assinada em 30.10.2007 relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
3 – À luz daquela Convenção, em matéria de execução de decisões proferidas por um tribunal de um Estado vinculado pela Convenção, o tribunal competente é o do “lugar da execução”, ou seja, o do lugar onde as medidas executivas hão-de ser realizadas, ainda que o demandado tenha domicílio em outro Estado vinculado à Convenção.
4 - Por conseguinte, à luz da Convenção de Lugano II, e porque o imóvel nomeado à penhora se situa em território português, o tribunal exclusivamente competente para a execução é um tribunal português.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 3147/22.9T8LLE-A.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita
Adjuntas: Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
Eduarda Branquinho

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…), executado e embargante na ação executiva que lhe foi movida por (…), interpôs recurso da decisão proferida pelo Juízo de Execução de Loulé, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou improcedente a exceção de incompetência arguida pelo embargante e indeferiu liminarmente os embargos de executado.

O despacho recorrido tem o seguinte teor:
«(…) deduziu a presente oposição à execução por embargos e por apenso aos autos de execução contra si instaurados por (…).
Invoca a incompetência internacional do tribunal, alegando que não tem residência em Portugal, devendo ser competente a Justiça da Suíça por ser aí que tem residência.
Alega que no requerimento executivo a quantia exequenda foi liquidada em euros, quando a obrigação exequenda foi fixada em francos suíços, pelo que deverá ser “rejeitado/aperfeiçoado” o requerimento executivo.
Alega ainda que por se tratar de dívida da exclusiva responsabilidade do executado, a penhora deverá começar pelos bens próprios do mesmo e não pela sua meação nos bens comuns do casal, alegando depois que foi penhorado um bem comum do casal e que haveria lugar ao cumprimento do artigo “825.º, n.º 1”, do Código de Processo Civil.
Pede que se declare a incompetência do tribunal e, subsidiariamente, seja extinta a execução.
*
Inexistem exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, o tribunal deva apreciar oficiosamente, sem prejuízo da questão que adiante se apreciará.
*
Os autos foram apresentados para despacho liminar, pelo que se passará a apreciar em conformidade.
*
O Embargante invocou a incompetência internacional do tribunal para a execução.
Os factos relevantes a considerar para a apreciação desta questão são os seguintes:
1º- O título executivo apresentado na execução é constituído pela sentença proferida no processo n.º 1279/20.7T8FAR do Juízo Central Cível de Faro - Juiz 3, que declarou “executória em Portugal a decisão condenatória proferida em 24 de outubro de 2018, no âmbito do processo PO 16.01087, que correu termos no Tribunal Distrital de La Broye et du Nort Vandois, em que são partes o requerente (…) e o requerido (…)”, a qual transitou em julgado em 9/6/2022;
2º- Na sentença estrangeira acima referida, (…) foi condenado a pagar a (…) a quantia de 50.000 francos suíços, acrescida de juros à taxa de 5%, contados desde 1/1/2012 e ainda a quantia de 4.000 francos suíços a título de despesas;
3º- No requerimento executivo, foi indicado como domicílio do executado o local situado em “Rua (…), n.º 12 R/C. - Apt. 1 - Edifício (…), Vilamoura, 8125-449 Quarteira”, porém, tendo o executado sido citado em Rue de (…), 26, 1373 (…), Suíça;
4º- Na execução, em 14/2/2023 foi efetuada a penhora da “Fração autónoma designada pela letra "I", correspondente ao rés-do-chão direito, Tipologia T2 e um arrumo na cave com o n.º 8, do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, sito na Rua (…), Zona 2, Vilamoura, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, com o valor patrimonial de 190.160,00 euros,”
5º- A fração autónoma acima referida encontra-se descrita na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…),I da Freguesia Quarteira, com o direito de propriedade inscrito a favor de (…) e (…), casados entre si sob o regime de comunhão geral, tendo sido inscrito no registo a penhora à ordem do processo executivo n.º 3147/22.9T8LLE pela Ap. (…), de 2023/02/02.
Antes de mais, importa ter presente que a sentença que declarou a executoriedade transitou em julgado, portanto, o aqui Embargante nunca interpôs o recurso previsto no artigo 43.º da Convenção de Lugano ou se porventura o interpôs, o mesmo foi julgado improcedente. Por isso, aqui apenas se trata da competência no processo executivo.
Alega o Embargante que reside na Suíça e como tal aí deveria ser instaurada a execução, acrescentando que é irrelevante para a fixação da competência a circunstância de possuir bens em Portugal (artigo 10º da petição).
Sucede que a sentença estrangeira foi declarada executória em Portugal e o Embargante é proprietário de um bem imóvel situado em Portugal, pelo que, ainda que não tivesse residência em Portugal, sempre os tribunais portugueses seriam competentes (a competência está reservada aos tribunais portugueses), sendo este Juízo de Execução de Loulé o territorialmente competente, atento o disposto na alínea d) do artigo 63.º e n.º 3 do artigo 89.º do Código de Processo Civil.
Por conseguinte, improcede a pretensão do Embargante, sendo este tribunal competente internacionalmente e territorialmente.
Como fundamento de oposição à execução, o Embargante alega que a quantia exequenda foi indevidamente liquidada em euros.
No caso estamos perante uma execução para pagamento de quantia certa, pelo que a quantia exequenda deverá ser liquidada na moeda com curso legal em Portugal, procedendo-se à conversão de moeda estrangeira que esteja fixada no título executivo de acordo com o respetivo câmbio.
A satisfação do crédito exequendo será efetuado pelo produto da venda dos bens penhorados (obtido naturalmente em euros), sem prejuízo da eventual depósito da quantia exequenda nos autos ou ainda sem prejuízo da satisfação extra judicial da obrigação exequenda, nos termos do n.º 5 do artigo 846.º do Código de Processo Civil, caso em que sendo o pagamento extra judicial feito ao credor na Suíça, eventualmente poderá ser feito em francos suíços, nos termos previstos no artigo 558.º do Código Civil (procedendo-se depois ao cálculo de acordo com o câmbio apurado).
O Embargante alega que no requerimento executivo não é indicada a taxa de câmbio, porém, não tendo em atenção que basta uma simples operação aritmética para obter o valor da taxa de câmbio considerada pelo exequente. De qualquer modo, o Embargante também nunca impugnando o concreto valor liquidado (assumindo uma posição definida quanto a esse facto e indicando a taxa de câmbio que entende correta).
Assim sendo, não assiste razão ao Embargante na oposição deduzida.
O Embargante alega ainda que a penhora não se incluiu pelos bens próprios do executado e que indevidamente foram penhorados bens comuns.
Não obstante, o Embargante não ter cumulado com os embargos a oposição à penhora, sempre se dirá que não decorre dos autos a existência de outros bens penhoráveis, nem o Embargante os indica.
Assinala-se também que contrariamente ao alegado pelo Embargado não foi penhorada a sua meação na comunhão conjugal, mas sim penhorado um bem comum, o que determinará o cumprimento do disposto no artigo 740.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, questão a ser apreciada no processo executivo.
Em conclusão, este tribunal é competente e os presentes embargos carecem em absoluto de fundamento, sendo desnecessário tecer outras considerações e, assim, devendo ser liminarmente indeferida a petição, ao abrigo do disposto no artigo 732.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil.
*
Pelo exposto, decide-se:
A) Julgar improcedente a arguida exceção de incompetência;
B) Indeferir liminarmente os presentes embargos de executado;
C)Fixar o valor dos embargos em 82.566,27 euros;
D)Condenar o Embargante nas custas dos embargos.
(…)».

I.2.
O recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«I – A questão controvertida (incompetência territorial) deve ser colocada num momento anterior ao considerado na sentença recorrida, que passará por determinar, numa 1ª fase, qual a residência do Executado, que deverá corresponder à do lugar onde ocorreu a citação nos presentes autos, que o Executado/Embargante, ora Recorrente, reside na Suíça, na Rue de (…) – 1373 … (Cfr. Requerimento nos autos principais – Refª Citius 11212576 de 19.04.2023 e A/R «Refª Citius 11967027 de 12.12.23).
II – Portanto, não se percebe a utilidade e relevância do facto levado ao Ponto 3º dos factos provados, pois se é certo que o endereço indicado no Requerimento Executivo é o aí indicado, não é menos certo que o Executado, na sequência de requerimento apresentado nos autos, veio a ser citado na Suíça, onde reside.
III – À margem de fundamentação, compulsados os factos provados e restante teor da sentença ora recorrida, o Tribunal absteve-se da apreciação e decisão prévia, da questão da residência do executado, assinalando-se que se não oferece dúvidas que para a execução que tenha por objeto um bem imóvel situado em Portugal, são competentes os Tribunais Portugueses, é inequívoco que perante uma sentença estrangeira, o Exequente terá que alegar e demonstrar que a execução foi instaurada, antes, no País da residência do executado e que aí e/ou no País onde se situação o imóvel, não foram encontrados bens próprios penhoráveis.
IV – Em suma, não estando, sequer, alegado que o Executado tem domicílio em Portugal, mas apenas e tão só que aqui é proprietário de um imóvel, entende-se que o lugar da execução deverá ser na Suíça, local onde o Executado tem residência e onde foi tramitada a ação declarativa, e, só depois de aí verificada a inexistência de bens penhoráveis, será possível prosseguir para a penhora de bens imóveis, designadamente a fração penhorada à ordem dos presentes autos, daí que nunca será a propriedade de um imóvel em Portugal, concretamente, em Vilamoura, a determinar ab initio a competência do Tribunal para efeitos da presente execução.
V – Quanto à questão da liquidação da quantia exequenda em euros, conforme jurisprudência e doutrina citada, ao Exequente não assiste o direito (supletivo) de exigir o pagamento de obrigações em moeda estrangeira ao câmbio da data do vencimento da dívida, ou da entrada da petição em juízo, mas sim a conversão em moeda nacional operar-se-á, ao câmbio da data do efetivo pagamento, daí que o RE deveria ter sido, liminarmente, rejeitado (Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/10/1995, in www.dgsi.pt).
VI – No tocante à penhora de bens comuns do casal, o artigo 740.º, n.º 1, do CPC, dispõe que 1 — Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, sejam penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, cita-se o cônjuge do executado para, no prazo de que dispõe para a oposição, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, todavia compulsados os documentos juntos à citação do Exequente, verifica-se que a penhora da fração que constitui bem comum do casal e não foi precedida da verificação previa da existência de bens próprios do executado, devendo ser anulada.
VII – Ao invés do vertido na douta sentença, nunca o Recorrente alegou ter sido penhorada a sua meação na comunhão conjugal, mas sim penhorado um bem comum, assinalando-se que o Sr. AE procedeu à penhora de um bem comum do casal, à margem de citação do seu cônjuge, e, também, sem ter verificado se existiam bens suficientes próprios do Executado em evidente desrespeito do disposto no artigo 740.º, n.º 1, do CPC.
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO, DOUTAMENTE SUPRIDOS POR V. EXCIAS. E CONFORME CONCLUSÕES SUPRA, REQUER-SE A REVOGAÇÃO DA DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, E, EM CONFORMIDADE A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRA QUE JULGUE OS EMBARGOS PROCEDENTES, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA».

I.3.
Não houve resposta às alegações de recurso.
O recurso foi recebido pelo tribunal a quo.
Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1.
As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC).

II.2.
Cumpre apreciar se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar improcedente a exceção de incompetência internacional e ao indeferir liminarmente os embargos de executado.

II.3.
Os factos a considerar são aqueles que constam da decisão recorrida supra transcrita.
Extrai-se, ainda, dos autos a seguinte factualidade:
1 - No requerimento executivo o exequente indicou à penhora a fração autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao r/c direito, porta (…) zona 2, lote 8/9, em Vilamoura, descrito da 2.ª Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º (…), da freguesia de Quarteira e inscrito na matriz da referida freguesia sob o artigo (…), sobre o qual foi decretado um arresto para garantia da quantia exequenda em ação apensa aos autos em que foi decretada a executoriedade da sentença proferida pelo tribunal Distrital de La Broye et du Nord Vaudois, Suíça, em 24/10/2018, no âmbito do processo n.º 16.01087 e ora apresentada à execução.

II.4.
Apreciação do objeto do recurso
No presente recurso está em causa a decisão do tribunal de primeira instância que julgou improcedente a exceção de incompetência do tribunal em razão da nacionalidade e indeferiu liminarmente os embargos de executado movidos pelo aqui apelante, ao abrigo do disposto no artigo 732.º, n.º 1, alínea c), do CPC «por manifesta ausência de fundamento».
Apreciando.
A. Da competência do tribunal
Na decisão sob recurso o julgador a quo decidiu que a sentença estrangeira foi declarada executória em Portugal e o Embargante é proprietário de um bem imóvel situado em Portugal, pelo que ainda que não tivesse residência em Portugal, sempre os tribunais portugueses seriam competentes e que o Juízo de Execução de Loulé é o tribunal, na ordem interna, o territorialmente competente para a execução.
Discorda o apelante, alegando que o tribunal internacionalmente competente é o do “lugar onde o executado tem domicílio” e que tendo ele domicílio na Suíça (onde foi citado), a execução deveria ter sido instaurada perante um tribunal suíço onde correu a ação declarativa. Aduziu que «só depois de ali verificada a inexistência de bens penhoráveis, será possível prosseguir para a penhora de bens imóveis e designadamente, da fração autónoma melhor identificada nos autos, daí que nunca será a propriedade de um imóvel em Portugal, concretamente, em Vilamoura, a determinar ab initio a competência do Tribunal para efeitos da presente execução».
Vejamos.
A aferição do pressuposto processual da competência, nomeadamente da competência em razão da nacionalidade, deve ser equacionada em função dos contornos da pretensão deduzida tal como se encontre configurada na petição inicial/requerimento executivo inicial.
As normas de competência internacional definem a suscetibilidade de exercício da função jurisdicional pelos tribunais portugueses tomados no seu conjunto relativamente a situações jurídicas que apresentam elementos de conexão com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras[1]. Assim, a atribuição de competência internacional aos tribunais portugueses pressupõe que a causa apresente um ou vários elementos de conexão com a ordem jurídica do Estado Português.
In casu o exequente pretende obter a cobrança coerciva do montante em que o apelante foi condenado a pagar-lhe por um tribunal suíço, não vindo posto em causa no presente recurso que a sentença de condenação proferida por um tribunal suíço obteve já o exequatur através de prolação de sentença já transitada em julgado.
O título executivo foi firmado num outro Estado, o exequente tem domicílio na Suíça, o executado/apelante foi citado na Suíça, mas o pedido tem uma conexão com a nossa ordem jurídica porquanto o exequente nomeou à penhora um imóvel situado em território português, concretamente em Vilamoura.
Dispõe o artigo 59.º do Código de Processo Civil que «Sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º».
Resulta da norma supra citada que para além de receberem competência por via dos artigos 62.º e 63.º e 94.º, os tribunais portugueses recebem-na também de regulamentos europeus e outros instrumentos internacionais que, no seu campo específico de aplicação, prevalecem sobre as normas processuais portuguesas, nomeadamente sobre as normas reguladoras da competência internacional constantes do Código – Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, ob. cit., pág. 124.
Uma das fontes convencionais da competência internacional dos tribunais portugueses é a Convenção de Lugano II assinada em 30.10.2007 relativa à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial[2].
Resulta do Preâmbulo da dita Convenção que através dela visa-se «fortalecer nos territórios dos Estados contratantes, a proteção jurídica das pessoas neles estabelecidas» e para esse desiderato torna-se necessário «determinar a competência dos respetivos tribunais na ordem internacional, facilitar o reconhecimento e instituir um processo rápido que garanta a execução das decisões, dos atos autênticos e das transações judiciais».
A União Europeia e a Suíça são partes contratantes da referida Convenção.
O artigo 2.º da Convenção de Lugano II estabelece como regra geral de competência o domicílio do requerido num Estado vinculado pela Convenção, sendo indiferente que este seja ou não nacional desse Estado[3]. E por força do disposto no artigo 3.º aquela regra geral apenas pode ser derrogada pelas regras estipuladas na Convenção, concretamente, pelas regras enunciadas nas secções 2 a 7 do Título II. Com efeito, dispõe o artigo 3.º que:
«1. As pessoas domiciliadas no território de um Estado vinculado pela presente convenção só podem ser demandadas perante os tribunais de outro Estado vinculado pela presente convenção por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente título. 2. Contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente, as regras de competência nacionais constantes do anexo I».
Nos termos da alínea 5.ª do artigo 22.º, inserido na Secção 6 do Título II da Convenção, têm competência exclusiva, qualquer que seja o domicílio, em matéria de execução de decisões, os tribunais do Estado vinculado pela presente execução do lugar da execução. Ou seja, em matéria de execução de decisões proferidas por um tribunal de um Estado vinculado pela Convenção o tribunal competente é o do “lugar da execução”, ou seja, o do lugar onde as medidas executivas hão-de ser realizadas, ainda que o demandado tenha domicílio em outro Estado vinculado à Convenção. E bem se compreende que assim seja pois que as medidas de execução representam o exercício de um poder soberano de cada Estado, sendo por isso natural que cada Estado apenas admita a realização no seu território das medidas ordenadas em processos executivos pendentes nos seus tribunais. Por conseguinte, à luz da Convenção de Lugano II, e porque o imóvel nomeado à penhora se situa em território português, o tribunal exclusivamente competente para a execução é um tribunal português e não um tribunal suíço, como sustenta o apelante. E tanto basta para concluir do acerto da decisão do julgador a quo quanto à sua competência em razão da nacionalidade para julgar a presente ação executiva. Não obstante ainda se dirá que também em face do direito interno o tribunal recorrido é exclusivamente competente para a execução. O artigo 63.º, alínea d), do CPC dispõe que os tribunais portugueses são exclusivamente competentes em matéria de execuções sobre imóveis situados em território português. Este preceito concretiza, quanto aos bens imóveis, o que resulta do princípio da territorialidade. Ou seja, de acordo com o princípio da territorialidade os tribunais do Estado da Execução só são internacionalmente competentes para as medidas necessárias à realização coativa da prestação que possam ser efetuadas no território desse Estado, o que significa que o tribunal da execução é exclusivamente competente para a penhora de bens situados nos seu Estado, qualquer que seja a nacionalidade ou o domicílio das partes da execução ou qualquer que seja a origem do título executivo[4], verificando-se por via do artigo 62.º, alínea a), do CPC uma coincidência entre a competência em razão da nacionalidade e a competência interna territorial.
Por todo o exposto concluímos que o Juízo de Execução de Loulé, Juiz 2 é competente para a presente execução não merecendo censura a decisão recorrida que julgou improcedente a exceção de incompetência internacional invocada pelo embargante e julgou o tribunal competente quer em razão da nacionalidade quer em razão do território, improcedendo, nesta parte, as conclusões de recurso.

B. Liquidação da quantia exequenda em euros
No caso estamos perante uma ação executiva para pagamento de quantia certa. O título dado à execução é, como supra referido, uma sentença de condenação proferida por um Tribunal da Suíça na qual se fixou a quantia que o devedor havia de pagar ao credor/exequente em francos suíços (moeda oficial daquele Estado): 50.000 francos suíços, acrescidos de juros à taxa de 5% ao ano, contados a partir de 01/01/2012 e 4.000 francos suíços, a título de despesas.
No seu requerimento executivo o exequente procedeu à liquidação da quantia exequenda em euros, utilizando a taxa de câmbio vigente à data da condenação.
Na oposição à execução o apelante, invocando o artigo 558.º do Código Civil, sustentou que a lei «não afasta a possibilidade de o credor peticionar o pagamento em moeda não acordada entre as partes, desde que o devedor não se oponha», mas aduziu que se opunha expressamente ao pagamento da quantia exequenda em euros; apontou, ainda, que o exequente não indicou no seu requerimento executivo o fator de conversão utilizado e que o pagamento de obrigações em moeda estrangeira deve ser exigido ao câmbio que se verificar na data do efetivo pagamento e não ao câmbio da data de vencimento da dívida ou da data da entrada em juízo da petição. Com tais fundamentos requereu, a final, a rejeição do requerimento executivo ou o seu aperfeiçoamento. O que não veio a ser atendido pelo tribunal recorrido que, ao invés, indeferiu liminarmente os embargos por «carecerem em absoluto de fundamento».
Vejamos.
A obrigação pecuniária a que o executado/apelante está vinculado por força da sua condenação por um Tribunal Suíço é uma obrigação cujo objeto é uma prestação pecuniária, ou seja, é uma prestação que consiste na entrega de uma determinada quantia em dinheiro, entendido como valor monetário.
O executado foi condenado a realizar uma prestação pecuniária na moeda específica/oficial do país do tribunal da condenação e não pagou voluntariamente. Consequentemente, o exequente acionou o executado para ser ressarcido através da execução do património do devedor. Esse ressarcimento, se ocorrido no âmbito do processo executivo, resultará, em regra, da venda dos bens do devedor considerados suficientes para cobrir a importância da dívida (e custas). E, assim sendo, o pagamento ao exequente do direito de crédito que vier a verificar-se no âmbito do presente processo será efetuado necessariamente, por força do princípio do curso legal, com a moeda oficial do Estado Português, ou seja, o euro, sendo, portanto, irrelevante que o executado dê, ou não, o seu consentimento ao pagamento da quantia exequenda em euros. Se quiser pagar em francos suíços terá de o fazer extrajudicialmente. Logo, a liquidação em euros da quantia exequenda não constitui fundamento quer para a rejeição do requerimento executivo quer para o seu aperfeiçoamento.
O exequente, assumidamente, optou por converter o valor da quantia exequenda fixado na sentença dada à execução em francos suíços para euros, utilizando uma taxa de câmbio reportada à data da condenação. Contudo, fez consignar no requerimento executivo que «a sentença executada condena o executado no pagamento de uma quantia pecuniária expressa em francos suíços, pelo que o cálculo ora realizado corresponde ao contravalor em euros daquelas quantias utilizando a taxa de câmbio vigente à data. A quantia exequenda deve ser a que corresponda ao contravalor em euros apurado com recurso à taxa de câmbio à data do efetivo pagamento». Ou seja, desde logo o exequente assumiu que aquela liquidação (em euros) efetuada no requerimento executivo é uma liquidação provisória e que será alterada consoante a taxa de câmbio que se verificar à data do pagamento da quantia exequenda. E também assim o entendeu o julgador a quo pois que fez constar da sentença que a satisfação do crédito exequendo será efetuado pelo produto da venda dos bens penhorados, obtido naturalmente em euros, procedendo-se depois ao cálculo de acordo com o câmbio apurado.
Por último, quanto à questão de o exequente não ter indicado o fator de conversão que utilizou para converter em euros a quantia em que o executado foi condenado (em francos suíços), diz-se na sentença que «O embargante alega que no requerimento executivo não é indicada a taxa de câmbio, porém, não tendo em atenção que basta uma simples operação aritmética para obter o valor da taxa de câmbio considerada pelo exequente». Ora, para além de o recorrente não ter rebatido, em sede de recurso, a posição do tribunal, o que nos impede de aquilatar das bondade das suas eventuais razões de discordância, sempre se dirá que o exequente alegou no seu requerimento executivo que a taxa de câmbio que utilizou foi aquela que vigorava à data da condenação, o que por si só permite determinar a concreta taxa de câmbio utilizada para converter os 54.000 francos suíços em euros.
Pelo exposto, não merece censura a decisão recorrida no que respeita às questões suscitadas relacionadas com a liquidação da quantia exequenda em euros.

C. Da penhora de bens comuns do casal
Neste segmento do seu recurso o apelante afirma que a fração autónoma melhor identificada nos autos que foi penhorada nos autos é um bem comum do casal e que aquela diligência não foi precedida da verificação prévia da existência de bens próprios do executado, devendo, por isso, ser anulada. Invoca o disposto no artigo 740.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
De acordo com o disposto no artigo 784.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, quando são penhorados bens que só subsidiariamente respondem pela dívida exequenda, o executado por opor-se à sua penhora. Enquadra-se na previsão deste normativo legal, designadamente, a penhora de bens comuns numa execução de dívida própria do executado sem que ocorra alguma das circunstâncias previstas no artigo 1696.º, n.º 2, do Código Civil, caso em que deveria ter sido citado o respetivo cônjuge ao abrigo do artigo 740.º do CPC para requerer a separação de bens.
Porém, não resulta dos autos que o executado tivesse cumulado a oposição à execução com a oposição à penhora e a situação agora invocada só constitui fundamento de oposição à penhora, não podendo ser conhecida em sede de embargos de executado. Acresce que, como bem se refere na sentença recorrida, a penhora de um bem comum do casal implicará o cumprimento do disposto no artigo 740.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, isto é, a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre o bem comum, e não, como pretende o apelante, a procedência dos embargos de executado visando a extinção da execução.
*
Em face de todo o exposto, não merece censura a decisão recorrida que indeferiu liminarmente a oposição à execução acima referidos, por manifesta improcedência dos fundamentos em que o embargante a sustentou.
Improcede, pois, a apelação.

Sumário: (…)

III.
DECISÃO
Em face do exposto, acordam julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
As custas na presente instância são da responsabilidade do apelante, sendo que nenhum pagamento é devido a esse título porquanto o apelante procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual e não há lugar ao pagamento de custas de partes pois não houve resposta às alegações de recurso.
Notifique.
Évora, 23 de maio de 2024
Cristina Dá Mesquita (Relatora)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite (1.ª Adjunta)
Eduarda Branquinho (2.ª Adjunta)


__________________________________________________
[1] Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 124.
[2] Publicada no Jornal Oficial da União Europeia de 21.12.2007.
[3] Dispõe este artigo o seguinte: «1. Sem prejuízo do disposto na presente convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado vinculado pela presente convenção devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado. 2. As pessoas que não possuam a nacionalidade do Estado vinculado pela presente convenção em que estão domiciliadas ficam sujeitas nesse Estado às regras de competência aplicáveis aos nacionais».
[4] Considerando que as medidas executivas representam o exercício do poder soberano do Estado, cada Estado apenas admite a realização no seu território das medidas ordenadas em processos executivos pendentes nos seus tribunais; as medidas executivas não podem ser ordenadas num Estado e realizadas num outro Estado, mesmo que a execução apresente algum elemento de conexão com este último Estado.