Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
30/10.4PEBJA-B.E1
Relator: ANA BACELAR CRUZ
Descritores: CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
INTERROGATÓRIO DO ARGUIDO
ARGUIÇÃO DE IRREGULARIDADES
Data do Acordão: 10/30/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
I. O convite à correção das conclusões do recurso, quando estas mais não são do que a reprodução do corpo da motivação, está apenas configurado para as situações em que Tribunal de recurso não consegue apreender o que se pretende ver reexaminado.

II. O recurso não é o meio processualmente adequado para arguir os vícios decorrentes da violação do disposto nos artigos 141.º, n.º 4, e 194.º, n.º 6, do Código de Processo Penal – porque tais vícios [irregularidades] não são insanáveis nem de conhecimento oficioso e também não foram atempadamente invocados na 1.ª Instância, dando origem a decisão que desatendesse a sua arguição.

III. Da aplicação deste regime não resulta prejuízo para a defesa do detido.

A invocação oportuna dos mencionados vícios permitia a sua reparação, com a prática dos atos omitidos. E possibilitava o recurso, caso fosse desatendida.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora


I. RELATÓRIO

Nos autos de inquérito que, com o n.º 30/10.4PEBJA, correm termos pelos Serviços do Ministério Público de Beja, por decisão judicial datada de 10 de junho de 2012, foi imposta a medida de coação de prisão preventiva ao Arguido VM, divorciado, taberneiro, nascido a 25 de agosto de 1980,... , natural de...., concelho de Beja, e aí residente...

Inconformado com tal decisão, o Arguido dela interpôs recurso, retirando da respetiva motivação as seguintes conclusões [transcrição]:

«A – O ora recorrente encontra-se em situação de prisão preventiva desde o dia 10 de Junho do corrente ano, na sequência de detenção efetuada pela PSP e confirmada pela Mma Juiz de Instrução Criminal. Porém,

B – o arguido, até á sua prisão, estava integrado social, familiar e profissionalmente.

C – Foi-lhe aplicada a medida de coacção de prisão preventiva, com fundamento no perigo de continuação da atividade criminosa, perigo de perturbação do inquérito e intenso perigo de fuga.

D – Não nos parece que no caso em apreço, seja adequada e proporcional a medida de coação mais severa, medida essa excepcional que deveria ser aplicada só como último recurso, mas que se verifica ser a medida normal, transformando novamente este tipo de crime em crime incaucionável. Tudo o que se pretende impedir com a aplicação desta medida de coacção, pode ser acautelado com a medida de coacção prevista no artigo 201º CPP, pois é certo que a medida de coacção não é, nem deve ser, como parece que se pretende, uma punição antecipada.

E – Não obstante a investigação nos presentes autos apontar para o facto de que o arguido se terá deslocado por duas vezes ao Brasil, no primeiro trimestre de 2012, e daí trazendo, em cada uma delas cerca de 1 Kg de pasta de cocaína, o facto é que tais duas viagens não ocorreram, tendo o arguido regressado no mês de Janeiro de 2012; e permanecendo em Portugal, onde residia com a esposa – ao contrário do que se afirma no Douto Despacho - até ao momento em que foi preso; o que só em sede própria se poderá demonstrar bem como se demonstrará que quando viajou para Portugal foi alvo de fiscalização pelas autoridades competentes do Aeroporto da Portela, á sua pessoa e bagagens, nada lhe tendo sido encontrado.

F – Nem das parcas escutas telefónicas, a que teve o arguido acesso no primeiro interrogatório judicial, se pode, de todo, extrair tal conclusão; aliás das conversas mantidas nomeadamente com o arguido H, só com muito boa vontade e imaginação se poderá concluir que o arguido se dedicasse ao tráfico de estupefacientes.

G – De outro passo, no Douto Despacho afirma-se que no dia 27 de Março de 2012, a Polícia de Beja apreendeu uma encomenda vinda do Brasil, que continha 2 embalagens de gel creme contendo cocaína e imputando ao recorrente a sua propriedade.

H - Concretizando-se que tal embalagem não vinha dirigida em seu nome, á sua residência, e tão pouco foi por si levantada na estação dos CTT; e tendo-se, por conseguinte, feito fé unicamente nas declarações do Individuo IF, que após a apreensão da referida encomenda - e compreensivelmente para se “livrar” de qualquer ilícito - negou ser o seu proprietário, imputando a propriedade daquela ao ora recorrente.

I – O referido individuo, reconhecido consumidor de drogas, mais negou ter conhecimento que se dedique o recorrente á atividade de tráfico de estupefacientes, afirmando que nunca lhe comprou qualquer droga.

J – Assim, não se vislumbram as razões pelas quais as declarações de IF foram consideradas apenas parcialmente credíveis.

L – Por outro lado, e da operação de buscas domiciliárias – às residências do recorrente e de seus avós maternos - levadas a cabo pela equipa de investigação criminal da PSP no dia 06 de Junho de 2012, foram apreendidos um computador portátil, uma arma de fogo, 10 munições de calibre 22, 1 telemóvel e 2 pen.

M – Não foram encontradas quaisquer drogas ou objetos relacionados com o manuseamento, preparação ou venda, nomeadamente, de cocaína; o que com elevado grau de probabilidade teria sido encontrado se acaso o recorrente se dedicasse á atividade do tráfico de estupefacientes; mais ainda quando no Douto Despacho afirma a Mmª Juíz que o arguido alegadamente fazia a preparação da cocaína através da junção de um produto químico, para aumentar consideravelmente o seu peso – operação que como é consabido é demorada, de difícil execução e deixaria vestígios.

N – O certo é que nada foi encontrado na posse do ora recorrente que faça sequer presumir qualquer atividade de tráfico e, por conseguinte, para que se possa afirmar existir o risco de continuação dessa atividade.

O - Refere ainda o Douto Despacho de que existe também “ perigo de perturbação do inquérito, com as inevitáveis pressões dos arguidos sobre os consumidores a quem tenham vendido estupefacientes, no sentido dos mesmos não confirmarem tais vendas; ou até dos arguidos uns sobre os outros”.

P – Ora tal perigo ficaria desde logo afastado com a aplicação da medida de coação de obrigação de permanência na habitação com recurso a meios de vigilância eletrónica; cumulada com a obrigação de não contatar, por qualquer meio com qualquer dos co-arguidos.

Q – Mais invoca o Douto Despacho de que se recorre que “ existe ainda intenso perigo de fuga, atento ás ligações que demonstra com o Brasil (é casado com uma cidadã brasileira e costuma viajar para esse país) para onde poderá facilmente ausentar-se para se eximir á sua responsabilidade.

R – Uma vez mais tal argumento não colhe se for aplicada ao arguido a medida de coação prevista no artº 201º nºs 1 e 3 CPP, que salvaguardará devidamente o alegado perigo de fuga.

S – Por outro lado, e em sede de primeiro interrogatório judicial, não foram comunicados ao arguido, nos termos do artº 194º nº 6 do C.P.P., todos os factos que vieram a ser considerados no Douto Despacho para fundamentar a aplicação da prisão preventiva, e nomeadamente não lhe foi comunicado, que alegadamente, se deslocou ao Brasil, por duas vezes, “no primeiro trimestre de 2012, trazendo consigo, em cada uma delas, cerca de 1 Kg de pasta de cocaína, que posteriormente preparou através da junção de um produto químico, aumentando consideravelmente o peso do produto”

T – Ora não pôde o ora recorrente esclarecer a Mmª Juíz sobre tais factos, porquanto os desconhecia, configurando em nosso entendimento, uma nulidade.

U – Igualmente afirma-se no Douto Despacho recorrido que as declarações do recorrente “ não mereceram qualquer credibilidade” quando negou ser o destinatário da encomenda oriunda do Brasil.

Ora, a nível de inquérito o que existe são meros indícios, nada nos indicando que o que o arguido/recorrente relatou em sede de primeiro interrogatório judicial, não corresponde à verdade dos factos. O facto de haver suspeitas que o arguido praticou um ilícito criminal, não pode nem deve ser entendido no sentido de que tudo o que venha a dizer que não confirme essas suspeitas é falso, pois o Principio a que se tem de atender é o da Presunção da Inocência.

V – O recorrente esclareceu que vive em permanência em Portugal com a sua esposa – pelo que não se compreende a afirmação de que esta resida no Brasil – e tem atividade profissional certa; explorando um café.

X – Em sede de medidas de coação, só se pode legitimamente atender ao grau provável da culpa de um arguido para a comprovação do respeito pelo P. da Proporcionalidade, na sua vertente consagrada no artº 193º CPP, de proibição de excesso; ou estar-se-ia a pretender que desempenhassem a função das penas.

Z - A existência de fortes indícios da prática de um crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos constitui uma conditio sin qua non e não o fundamento da imposição das medidas cautelares. Estabelece apenas um limite. Por mais fortes que sejam os indícios, não se pode aplicar qualquer medida de coacção, com excepção do termo de identidade e residência, se não se verificar, em concreto, um dos perigos enunciados no artigo 204º.

AA - Como “expressão máxima da restrição de direitos, liberdades e garantias” em que são tidas, constituem princípios gerais subjacentes à aplicação de quaisquer medidas de coacção, os da legalidade ou tipicidade - art.º 191º n.º 1 do CPP; o princípio da necessidade, decorrente do disposto no art.º 192º n.º 2 do CPP; o da adequação e da proporcionalidade expressamente objecto do art.º 193º n.º 1 seguinte, em consequência dos quais resulta a previsão legal de medidas de coacção diversas; finalmente, o princípio da precaridade - verdadeira emanação do princípio fundamental “global” da presunção de inocência - vd art.ºs 11º n.º 1 da DUDH, 6º n.º 2 da CEDH, 48º n.º 1 da futura Constituição para a Europa e 32º n.º 2 da CRP.

AB - No que concretamente à prisão preventiva concerne - o que nunca será demais relembrar - sobreleva ainda e também o princípio da subsidiariedade, direta e especialmente decorrente do art.º 28º n.º 2 da CRP e diretamente recebido também pelo art.º 193º n.º 2 do CPP, o que diz bem do carácter de direito constitucional aplicado de todas estas normas, não podendo, por isso, nesta parte, deixar de ser tais normas interpretadas em conformidade com a lei constitucional.

AC - Como se disse, constituíram fundamentos da decisão, o “intenso perigo de continuação da atividade criminosa”, “o perigo de perturbação do inquérito” e ainda o “ intenso perigo de fuga “ do ora recorrente, mais afirmando o Douto Despacho que “ Nem a permanência na habitação, com vigilância eletrónica se revelaria adequada, dado que a atividade de tráfico pode (e no caso até é) ser praticada através de interposta pessoa” .

AD - Quanto ao - “perigo... de continuação da atividade criminosa” – cfr. nossa Doutrina dispõe, este fundamento “deve ser cuidadosamente interpretado, em termos que o seu âmbito se restrinja ao de verdadeiro instituto processual, com função cautelar atinente ao próprio processo, e não de medida de segurança alheia ao processo em que é aplicada”.

AE - Isto porque, dizer-se que ocorre o perigo, e forte, de continuação da atividade criminosa, parece desde logo partir-se do pressuposto que estamos perante uma atividade criminosa. Ora, temos para nós que tal juízo não pode deixar de ter natureza meramente indiciária já que, como se disse, tratando-se da aplicação de uma medida de coação em sede de primeiro interrogatório judicial, continua a valer superiormente o princípio da presunção de inocência.

AF – O arguido foi indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p., pelo art. 21º do Dec. Lei nº 15/93, de 22/01, - e um crime de detenção de arma proibida - com base em escutas que, por si, não revelam qualquer atividade ilícita; e na apreensão de uma encomenda que não foi dirigida ao recorrente nem por este levantada.

AG - A sujeição do arguido à medida de coação ora requerida, afigura-se preencher e prevenir qualquer receio de fuga, qualquer receio de perturbação do inquérito, qualquer receio de continuação da atividade criminosa – cfr art.º 204.º do CPP - de forma a que não tenha de se concluir que apenas a medida de coação de prisão preventiva se revela adequada. Por outro lado,

AH – Tanto mais que ficando o arguido/ recorrente sujeito á medida coativa de obrigação de permanência na habitação em localidade diferente – casa de sua mãe na cidade de Beja, como peticionou - daquela em que reside – .... – entendemos que também constitui um elemento acrescido de segurança de que não poderá, de todo, continuar a alegada atividade criminosa.

AI – Pelo que, atentos os factos invocados deve a medida de coação de prisão preventiva ser alterada para a de obrigação de permanência na habitação, com recurso a meios de vigilância eletrónica; cumulando-se ainda com a proibição de contatar por qualquer meio com qualquer dos outros co-arguidos .

AJ – O recorrente procederá voluntariamente á entrega do seu passaporte, como forma adicional de assegurar as exigências cautelares quanto “ ao intenso perigo de fuga”.

AL – A medida coativa que ora se requer deverá ser executada na residência da mãe do ora recorrente - que dará o seu expresso consentimento e cuja idoneidade não nos parece posta em causa nos presentes autos – sita em Beja na Rua ...– habitação que detém todas as condições , nomeadamente , linha telefónica fixa.

Nestes termos e sem prescindir do douto suprimento de V. Exas. deve o presente recurso ser considerado procedente e em consequência ser substituída a medida de coação de prisão preventiva pela de obrigação de permanência na habitação com recurso a meios de vigilância eletrónica – artº 201º nºs 1 e 3 CPP.; ficando, cumulativamente , obrigado o recorrente a não contatar, por qualquer meio com os outros co – arguidos. – nº 2 do artº 201º CPP.»

Respondeu o Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
« 1.º
O recorrente/arguido VM, não se conformando com a decisão proferida em sede de primeiro interrogatório judicial de arguido detido, que o sujeitou à medida de coacção de prisão preventiva, vem dela interpor recurso.

2.º
O recorrente expende a sua argumentação do recurso ao longo de 18 páginas, sendo 10 páginas de argumentação, envolvendo a motivação, e 8 páginas de conclusões. Nestas 8 páginas, o recorrente apresenta 34 conclusões.

3.º
É manifesto que não houve, no caso em apreço, qualquer preocupação do recorrente em ser conciso no modo como efectuou as suas conclusões. Aliás, muitas delas, se não mesmo a maior parte, são uma reprodução integral daquilo que já havia dito no segmento do recurso destinado à motivação propriamente dita.

4.º
Pelo exposto, somos do entendimento que o recorrente deve ser convidado para, em prazo a fixar, apresentar as conclusões devidas e resumidas face às alegações de recurso que apresentou, sob pena de não o fazendo, ser o mesmo rejeitado.

5.º
A questão essencial colocada à cognição do Tribunal Superior não se prende com a falta de indicação de factos concretos susceptíveis de preencher as alíneas do art. 204º do Cód. Proc. Penal, nem com a inexistência dos pressupostos previstos no art. 204º do Cód. Proc. Penal (perigos de fuga, de perturbação do inquérito e de continuação da actividade criminosa), mas tão-só com a circunstância desses mesmos pressupostos ficarem suficientemente acautelados, na perspectiva do recorrente, com a aplicação de medidas diversas e menos gravosas que a prisão preventiva - a saber: a obrigação de permanência na habitação com recurso a meios de vigilância electrónica cumulada com a proibição de contactos.

6.º
No entanto, convém não ignorar que do recurso apresentado emerge uma outra questão - a alegada nulidade decorrente da violação do disposto nos arts. 141º, n.º 4, al. c) e 194º, n.º 6 do Cód. Proc. Penal (em virtude da decisão recorrida se fundar em factos que não foram dados a conhecer ao recorrente).

7.º
Não sendo ainda totalmente conhecidas as circunstâncias de tempo, lugar e modo atinentes aos factos relativos às idas ao Brasil e ao transporte de cocaína a que a decisão recorrida faz referência (muito embora alguns desses factos já fossem conhecidos e tivessem sido comunicados ao recorrente logo no início do primeiro interrogatório, como seja, a vinda de uma encomenda do Brasil destinada à morada do recorrente, que continha pasta de cocaína e foi apreendida pela PSP no momento em que foi levantada nos CTT a pedido do mesmo), não se vê que tivesse sido violado qualquer normativo legal, face ao que consta dos respectivos autos de interrogatório judicial, tanto mais que o recorrente assinou o seu, bem como a respectiva Advogada, que não levantaram quaisquer obstáculos nessa matéria, dessa forma concordando com o que dele constava.

8.º
Acresce que, o recorrente - que esteve sempre acompanhado da sua advogada (que também subscreve o recurso em apreço) - mesmo através da própria Senhora Advogada que assegurou a sua defesa, não arguiu no acto qualquer irregularidade ou nulidade (sempre dependente de arguição, por não configurar nulidade insanável, nem irregularidade de conhecimento oficioso), nem qualquer desconformidade com o teor da redacção daqueles autos de interrogatório, sequer quando foi proferido o despacho que aplicou as medidas de coacção (cfr. arts. 141º, n.º 4 e 194º, n.º 6 do Cód. Proc. Penal).

9.º
Assim sendo, para além de não ocorrer violação do disposto nos arts. 141º, n.º 4 e 194º, n.º 6 do Cód. Proc. Penal, o certo é que por não ter suscitado naquele acto, perante a 1ª Instância, o aludido vício dependente de arguição (o que desde logo obstava ao conhecimento de tal questão suscitada no recurso), improcede totalmente, quanto a nós, a argumentação do recorrente.

10.º
No caso em apreço a decisão recorrida encontra-se fundamentada em termos que não oferecem dúvidas, quer para o cidadão comum (colocado na situação do recorrente e conhecedor dos elementos de que o mesmo dispõe), quer para o recorrente, das razões concretas que levaram o Tribunal a proferir a decisão que proferiu, ou seja, porque razão decidiu aplicar a medida de coacção de prisão preventiva em detrimento das demais.

12.º
O recorrente já tem antecedentes criminais no âmbito do tráfico de estupefacientes, circunstância que, só por si, é factor de afirmação do concreto perigo de continuação da actividade criminosa. Com efeito, o mesmo revela uma predisposição para se dedicar à actividade em questão como modo lucrativo de vida. Acresce que não obstante lhe ser conhecida uma actividade ou fonte de rendimentos lícita, o certo é que se detecta uma ambição de ganho fácil, que acentua forçosamente aquele perigo.

13.º
O facto de alguns arguidos do mesmo processo terem optado por assumir e revelar activamente aspectos essenciais dos factos imputados, ao passo que outros preferiram prestar declarações inteiramente contrárias e de todo inverosímeis (como é o caso do recorrente), sobretudo se confrontadas com elementos de prova tão evidentes como os que existem nos autos, faz temer, destes últimos, a prática de actos atentatórios da prova, dos prismas da sua aquisição, conservação e veracidade, inclusive com referência aos co-arguidos ou a um conjunto de pessoas já referenciadas nos autos e que ainda terão de ser inquiridas.

14.º
O recorrente tem seguras ligações ao Brasil, explicáveis sobretudo pela “importação” de cocaína de cuja encomenda apreendida é uma demonstração. Este contexto situacional faz antever a possibilidade concreta da sua fuga para o estrangeiro. Acresce que a referida “importação” de cocaína é uma actividade de quase impossível controlo por parte da autoridade estadual, pois, baseia-se na liberdade de envio de correspondência e nem sequer existem registos públicos obrigatórios associados.

15.º
Tudo ponderado à luz dos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, conclui-se que só a prisão preventiva se mostra capaz de acautelar todos os perigos existentes. É impensável sequer ponderar a hipótese dessa medida de coacção ser substituída pela obrigação de permanência na habitação (ainda que sujeita a vigilância electrónica e cumulada com a proibição de contactos), sobretudo pelas circunstâncias de modo e lugar que caracterizam a actividade de tráfico indiciada neste processo, mesmo no que ao recorrente se reporta.

16.º
O facto de alguém ficar impedido de sair de casa e, simultaneamente, contactar com indivíduos conotados com o consumo/venda de droga, não obsta a que, mesmo assim, continue a exercer tal actividade, em especial no caso do recorrente, que se poderia sempre servir dos familiares que com ele residem para o efeito, tanto mais que há indicíos seguros nos autos de que os seus avós, esposa e mãe não eram de todo alheios à vinda de encomendas do Brasil e, por maioria de razão, àquilo que conteriam e ao fim que visavam.

17.º
A prisão preventiva, em face dos fundamentos que a determinaram - e que se mantêm - mostra-se, assim, a única medida coactiva adequada e necessária a prevenir os perigos supra enunciados. Aliás, a única capaz de os prevenir e proporcionada, tendo em conta a natureza do crime em causa e a pena que, previsivelmente, virá a ser aplicada ao recorrente.

Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, dessa forma, na íntegra, o despacho recorrido.»

O recurso foi admitido.

Não foi feito uso da faculdade prevista no n.º 4 do artigo 414.º do Código de Processo Penal.

v
Enviados os autos a este Tribunal da Relação, a Senhora Procuradora Geral Adjunta, sufragando a resposta apresentada pelo Ministério Público na 1.ª Instância, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

v
Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, nada mais se acrescentou.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995 [[1]], o objeto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

O objeto do recurso interposto pelo Arguido, delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento:

- da nulidade da decisão recorrida por falta de comunicação de todos os factos em que se alicerça;

- da (in)suficiência dos indícios da prática do crime de tráfico de substâncias estupefacientes;

- da (des)adequação da medida de coação imposta, por violação do princípio da proporcionalidade.

Previamente, importa conhecer a questão da necessidade de correção das conclusões do recurso, suscitada pelo Ministério Público, na 1.ª Instância.

v
A decisão recorrida tem o seguinte teor [transcrição]:

«Ponderados os elementos probatórios até ao momento reunidos nos autos, entende-se estar fortemente indiciado que:

Os arguidos NG, VM (de alcunha “Patola”), HC, MP (conhecido por “Galinha” ou “Márinho”), JP (conhecido por “Quim Lagarto”), JL (de alcunha “Passarinho”), CG (companheira do arguido JL), JL (conhecido por “Quim”), CT e MG (namorada do arguido JL) vêm-se dedicando, pelo menos desde o último trimestre de 2011, à venda de estupefacientes, no concelho de Beja, em especial, de cocaína, heroína, canabis (vulgo “haxixe”) e, por vezes, ecstasy e anfetaminas.

Porém, já em Outubro de 2010, os arguidos FP e JL costumavam encontrar-se na residência do primeiro, sita na Rua..., em Beja, onde várias vezes consumiram heroína, que o segundo cedia ao primeiro como contrapartida pelo facto do mesmo lhe disponibilizar a casa para esse efeito.

O arguido MP actuava sem a colaboração de qualquer outro dos arguidos. Mas estes estabeleceram entre si acordos para que um ou alguns vendessem estupefacientes por conta e no interesse de outro ou outros, obtendo contrapartidas pecuniárias ou entregas de estupefacientes para consumo próprio, nos termos que se especificarão.

Assim, o arguido MP, residente no .., Bairro da Esperança, em Beja, desenvolvia a referida actividade de venda, umas vezes sozinho, outras em colaboração com a esposa, MJ, e um indivíduo conhecido por “Toi João”, reconhecido consumidor, que também reside naquele Bairro. Como contrapartida, o arguido entregava-lhe quantidades indeterminadas de estupefaciente para o seu consumo diário.

O arguido vendia a heroína, por si ou através daquelas duas pessoas, pelo preço de € 10,00 a dose.

Um dos seus clientes foi o arguido CT, a quem vendeu, por diversas vezes, heroína, a última das quais no início de Junho de 2012. No mês de Dezembro de 2011, abasteceu-o quase diariamente.

Por sua vez, o arguido MP abastecia-se de heroína na zona do Algarve (Almancil), a um indivíduo de nome “Arlindo”, que estivera preso no Estabelecimento Prisional Regional de Beja.

Dado não ser detentor de carta de condução, o arguido deslocava-se ao Algarve no automóvel de matrícula ---- pertença da sua mulher MJ, que ela própria conduzia.

Em Fevereiro de 2009, no âmbito da sua cooperação com o marido, nos termos inicialmente descritos, MJ cedeu 1 gr. de heroína a PL, recebendo, como contrapartida, 40 (quarenta) maços de tabaco de que o mesmo se havia ilegitimamente apoderado no interior do estabelecimento comercial denominado “Café ---”, sito na Rua ..., em Beja, propriedade de JM [factos relativamente aos quais correu termos o Inquérito NUIPC ---/10.8 PEBJA, no âmbito do qual foram acusados os arguidos PL e NC].

O arguido MP tem antecedentes pela prática do crime de Tráfico de Estupefacientes do art. 21º, n.º 1 do Dec-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, pois, foi condenado na pena de 5 anos de prisão no Processo Comum Colectivo n.º 101/93, e na pena de 3 anos e 2 meses de prisão no Processo Comum Colectivo n.º ---/05.6 PEBJA, ambos do Tribunal Judicial de Beja.

O arguido CT dedicou-se à venda de estupefacientes, no período temporal e local inicialmente referidos, nos termos de duas modalidades de actuação.

Durante o último trimestre de 2011 e até Fevereiro de 2012, o arguido CT vendeu cocaína por conta do arguido VM, que o remunerava com a entrega de doses dessa substância para seu consumo.

Em dia indeterminado de Fevereiro de 2012, o arguido VM entregou ao arguido C 50 gr. de cocaína para que estes a vendesse e lhe entregasse o produto da venda. Contudo, este último arguido acabou por consumir toda a substância recebida e não tinha dinheiro para entregar ao primeiro como forma do seu pagamento, o que gerou um desentendimento entre ambos.

Na fase em que vendia por conta do arguido V, o C chegou a vender cocaína ao arguido JL. Após o referido desentendimento, começou a efectuar vendas de cocaína em benefício deste.

Como o arguido JL era o fornecedor de cocaína de algumas pessoas pertencentes aos extractos sociais mais altos de Beja, necessitava de quantidades regulares e significativas de produto. Por isso, o arguido C começou a deslocar-se com frequência a Espanha, a fim de se abastecer de cocaína e “haxixe” (bolotas), que comprava com dinheiro avançado pelo J, cuja venda era depois efectuada por ambos. Como contrapartida da sua intervenção nessa actividade, o arguido J dava ao C doses daqueles estupefacientes para seu próprio consumo.

Em cada viagem a Espanha, o C comprava estupefaciente no valor de € 1.000,00 a € 2.000,00, dinheiro este que o arguido J lhe entregava.

Dado que não possuía carta de condução, o arguido C, numa fase inicial, pedia à uma sua namorada ou a um amigo chamado R, trabalhador no Hospital de Beja, que o transportassem nos respectivos automóveis. Num segundo momento, as deslocações começaram a ser asseguradas pela arguida MG, namorada do arguido JL, que para o efeito utilizava e conduzia o seu automóvel de matrícula .... Por vezes, o próprio arguido JL também os acompanhava e pagava o combustível.

Como contrapartida da sua participação, a arguida MG recebia, em cada situação, 1 bolota de “haxixe” para seu consumo.

Numa das deslocações a Espanha, o arguido C conduziu ele mesmo um automóvel ligeiro de passageiros emprestado, de marca “VW”, modelo “Polo”, de cor preta.

Por vezes, o arguido CT encontrou-se com o arguido JL em locais da cidade de Beja ou nas respectivas residências, onde lhe entregava estupefacientes, designadamente cocaína, que este último vendia/cedia, umas vezes sozinho, outras em colaboração com a companheira CG, aos consumidores que os procuravam para esse efeito.

Para além disso, o arguido JL também adquiria cocaína ao já referido “Arlindo” de Almancil, que depois vendia, sozinho ou com a ajuda da companheira.

As deslocações do arguido JL ao Algarve eram asseguradas pela arguida CG, por não ser titular de carta de condução. Esta conduzia, para o efeito, o automóvel de matrícula ----.

Numa situação, o próprio arguido JL deslocou-se sozinho ao Algarve, tripulando o motociclo de matrícula ---.

Nos meses de Outubro e Novembro de 2011, JL e a companheira venderam estupefacientes, nomeadamente a L, residente em Baleizão; P, residente na Vidigueira; B, morador em Selmes; ao condutor do veículo de matrícula xxx; PB; PC, residente no Penedo Gordo; NL; FC; PB; CT; LA e JS.

O arguido JP foi detido pela Polícia de Beja, no dia 19 de Outubro de 2010, pelas 13h00, nas imediações do Bairro Social, em Beja, por deter na sua posse 6 (seis) pacotes de heroína, com o peso bruto de 1,48 gr. Por outro lado, guardava na sua residência mais 6 (seis) pacotes de heroína com o mesmo peso bruto. Todo esse estupefaciente tinha-se sido entregue pelo arguido JL, para que procedesse à sua venda e lhe entregasse o dinheiro correspondente, recebendo como remuneração dessa sua actividade, a oferta de doses de heroína para seu consumo.

Para além da heroína, a Polícia ainda apreendeu no interior da residência do arguido FP 1 (uma) balança de precisão, 1 (um) vidro e 1 (um) cartão de plástico, objectos utilizados para pesar e dividir o estupefaciente destinado à venda.

Com efeito, o arguido FP foi vendedor, com particular intensidade entre Novembro de 2011 e Abril de 2012, de heroína e, ocasionalmente, de cocaína, por conta do arguido JL, vendendo cada dose de heroína pelo preço de € 10,00 e € 20,00, consoante fosse “crua” ou “cozida”.

Por seu turno, o arguido HC, que reside na Rua..., Bairro da Esperança, em Beja, encontrava-se frequentemente com o arguido JL, sobretudo em locais da cidade de Beja ou nas respectivas residências, após contacto telefónico prévio, com o intuito de lhe entregar estupefacientes, nomeadamente cocaína, para que a vendesse e lhe apresentasse “contas”.

O arguido H estabeleceu um esquema de abastecimento regular do mercado de estupefacientes, sobretudo cocaína e, numa segunda linha, heroína, através de um primo, de nome “Zezinho”, de um outro indivíduo, de nome “Toy”, e, em especial, do arguido NG, residentes no mesmo bairro. São eles quem geralmente prepara, divide, acondiciona e guarda o estupefaciente que o arguido H lhes entrega.

Por vezes são os três colaboradores de HC que se deslocam a mando deste ao encontro de indivíduos de identidade ignorada, nomeadamente a Espanha, com o intuito de adquirirem droga para posteriormente venderem em Beja por conta dele.

No dia 20 de Dezembro de 2011, pelas 17h15, o arguido H [Inquérito em apenso com o NUIPC --/11.8 GBBJA] conduziu o automóvel de matrícula xxx até à Estrada Nacional n.º 18 – São Matias, em Beja, onde se encontrou com LF, reconhecida consumidora, com o intuito de lhe vender 1 gr. de cocaína e 0,4 gr. de heroína, pelo preço de € 70,00 (setenta euros). Porém, não logrou concretizar o seu intento, uma vez que foi interceptado pela autoridade policial, na sequência do que arremessou para o campo o saco de plástico que continha o estupefaciente.

Na posse de LF foram apreendidas 2 (duas) notas de € 20,00 (vinte euros) e 3 (três) de € 10,00 (dez euros), dinheiro com que pretendia pagar a aquisição daquele estupefaciente.

O arguido VM é casado com uma cidadã brasileira, que se encontra a viver no Brasil. Explora um Café, sito em xxx, nesta comarca.

O arguido engendrou um estratagema de remessa de cocaína a partir do Brasil, a si destinada, para posterior venda, nomeadamente em articulação com o arguido H. Para tanto, deslocou-se duas vezes àquele país, no primeiro trimestre de 2012, trazendo consigo, em cada uma delas, cerca de 1 Kg. de pasta de cocaína, que posteriormente preparou através da junção de um produto químico, aumentando consideravelmente o peso do produto. De seguida fraccionou-o, embalou-o em doses e procedeu à sua venda nos termos mencionados, obtendo um proveito não inferior a € 35.000,00.

No dia 27 de Março de 2012, a Polícia de Beja apreendeu uma encomenda proveniente do Brasil, destinada à residência dos avós maternos do arguido VM, que continha, entre o mais, 2 embalagens de gel creme, dentro das quais se encontrava cocaína. O arguido solicitara o envio desta substância para os fins mencionados, indicando a morada dos referidos familiares para ludibriar as autoridades.

Intentou proceder ao levantamento da referida encomenda na Estação dos CTT de xxx, através da colaboração desses familiares, acto que estes não chegaram a realizar por terem suspeitado encontrar-se sob vigilância policial.

A encomenda acabou por ser levantada por IF, reconhecido consumidor, a quem o arguido VM solicitara que o fizesse.

Já em Fevereiro do mesmo ano, o mesmo arguido conseguira introduzir em Portugal uma outra encomenda de cocaína proveniente do Brasil, que logrou receber e vender no mercado.

No dia 06 de Junho de 2012, a Polícia de Beja levou a cabo uma “operação”, visando o cumprimento de mandados de busca domiciliária, não domiciliária e de detenção fora de flagrante delito, para apreensão de estupefaciente e de outros objectos relacionados com o seu tráfico por parte dos arguidos.

Cerca das 17h30 do dia 05 de Junho apurou-se, através da escuta, que o arguido CT programava deslocar-se à localidade de Huelva – Espanha, a fim de adquirir estupefacientes. Iria acompanhado dos arguidos JL e da namorada, a arguida MG, devendo deslocar-se no veículo desta.

Nessa sequência, um elemento policial (Chefe C.) deslocou-se para as imediações do CAT Beja, onde constatou a presença do arguido JL no Parque de Estacionamento aí existente, junto a uma viatura de marca Fiat, cor azul, matrícula ---, pertença da companheira do C.

Pouco depois surgiu a correr, vindo do CAT, CT, que entrou para o referido veículo, conduzindo-o para fora do Parque.

Entretanto, tinha sido colocada uma equipa de vigilância junto ao Tribunal de Beja, já que um elemento policial (NM), que se encontrava em Faro a acompanhar as intercepções telefónicas, informara que os arguidos C e JL iriam passar pelo Café “ C”, sito nas proximidades do Tribunal, para levar a arguida M, que os deveria acompanhar a Espanha.

A referida equipa confirmou tal informação, tendo a mulher entrado para o veículo atrás identificado, que seguiu na direção do Jardim Público, perdendo-se a partir daí o contacto visual com o mesmo.

Por isso, foi colocada de imediato uma equipa de investigação criminal junto ao Regimento de Infantaria 3, sito à esquerda do IP 2, que liga Beja ao Algarve, com o intuito de confirmar a passagem dos arguidos no local, em direcção ao sul. Decorridos cerca de 30 minutos detectou-se a circulação naquele local de um veículo de marca Peugeot, cor branca, de matrícula xxx, onde seguiam os três arguidos, os quais se dirigiram para o sul, mas tomando a estrada nacional que liga Beja a Mértola e VRSA. Quando se encontravam próximo de Alcoutim, o arguido C. desligou o telemóvel, razão pela qual se perdeu a sua localização.

Pela madrugada do dia seguinte (06.06.2012), o automóvel de matrícula xxx regressou a Beja.

Assim, perante a grande probabilidade dos arguidos terem transportado estupefacientes e devidamente munidos dos mandados de busca domiciliária, não domiciliária e de detenção fora de flagrante delito, a equipa de investigação criminal desencadeou, então, nesse mesmo dia 06 a operação destinada a dar-lhes cumprimento.

Da busca domiciliária à residência dos arguidos JL resultou a apreensão de:
- 32 embalagens de heroína, com o peso bruto de 7,54 gramas;
- 185 euros em notas do BCE;
- 2 computadores portáteis;
- 5 telemóveis;
- 1 balança de precisão;
- 2 máquina fotográfica digital;
- 1 auto-radio e
- 1 GPS;

Quando se intentou entrar na residência do arguido CT, localizada no Bairro do “Texas”, o mesmo encontrava-se junto a uma janela da cozinha e assim que se apercebeu da chegada da Polícia, saltou para a rua de uma altura superior a 5 metros, descalço, e pôs-se em fuga para o interior do referido Bairro, não sendo possível localizá-lo.

No interior da habitação desse arguido foram aprendidas:
- 5,38 gramas de cocaína;
- 73,07 gramas de “haxixe” em placa;
- 2 “bolotas de haxixe”, com o peso de 21,23 gramas;
- 3,43 gramas de anfetaminas;
- 1,45 gramas de “liamba”;
- 174 comprimidos de ecstasy, com o peso de 42 gramas;
- 2 telemóveis;
- 25 relógios de várias marcas;
- 1 anel, 1 fio e 1 par de brincos, ignorando-se a sua natureza;
- 1 faca com vestígios de estupefaciente;
- 1 cartão do estabelecimento denominado “Boutique do Ouro”;
- 2 cartões de telemóvel;
- 1 cartão bancário emitido pelo BPI, em nome de “BC”.

Por se ter admitido que o arguido C pudesse ter fugido para a casa do casal que o havia acompanhado a Espanha, três elementos policiais (Chefe JC; Chefe JM e Agente Principal AP) deslocaram-se à residência do arguido JL, sita na Rua ...., Beja.

Aí chegados, do exterior, informaram o “Quim” acerca da suspeita de que o C se tivesse refugiado na sua residência e que sabiam que haviam ido juntos a Espanha. Por isso, necessitavam de confirmar se o mesmo aí se encontrava e apurar se havia droga na casa. Porém, o arguido JL demorou algum tempo a abrir a porta, só posteriormente autorizando a entrada na sua residência e a realização de busca. No decorrer desta foram apreendidos, numa mesinha de cabeceira do quarto, duas bolotas e um pedaço de “haxixe”, totalizando o peso de 29,93 gramas, bem como a quantia de 220,00€ em notas do BCE, 1 telemóvel e um frasco de 0,5 l com amoníaco.

No interior da residência também se encontrava a arguida MG, namorada do arguido “Quim”, na possa da qual foram apreendidos uma bolota de “haxixe”, com o peso de 10, 19 gramas, e 1 telemóvel.

O arguido C só veio a ser localizado no dia seguinte (07 de Junho de 2012), pelas 15h15, junto à igreja do Salvador, em Beja, estando lesionado num pé, o que o impossibilitava de andar e o levou a decidir entregar-se voluntariamente à PSP.

No decurso da sua permanência na Esquadra de Investigação Criminal, o arguido C revelou que tinha ido buscar droga a Espanha, mas que era o «Quim» quem tinha ficado na posse da maior parte do estupefaciente adquirido e que o tinha guardado na sua residência.

Face a esta informação foi solicitada ao “Quim” uma nova autorização de busca à sua residência, no que consentiu, assinando-a e acompanhando a Polícia ao imóvel, visto ser o único que tinha as chaves da porta.

No seu interior foram apreendidos:

- 2 placas de “haxixe”, com o peso de 150 gramas;
- 8 bolotas de “haxixe”, com o peso de 82,49 gramas;
- 2 pedaços de “haxixe”, com o peso de 9,94 gramas;
- 2 embalagens com 5,32 gramas de cocaína;
- 5 pacotes de cocaína, com 7,58 gramas;
- 1 pacote de anfetaminas, com o peso de 1,06 gramas;
- a quantia de 150 Euros em notas do BCE;
- 2 facas com vestígios de estupefaciente.

A maior parte da droga apreendida encontrava-se no telhado (ao nível do 1º andar) de uma residência contígua, uma vez que o arguido a arremessara para esse local, aquando da primeira abordagem policial.

A cocaína encontrava-se dissimulada num saco de lixo no interior da cozinha.

A busca à residência do arguido HC permitiu a apreensão de:
- 8 telemóveis;
- 1 balança de precisão;
- 1 frasco com amoníaco;
- 1 caixa, contendo bicarbonato de sódio, com o peso bruto de
450 gramas (produtos habitualmente utilizados na preparação e adulteração da cocaína);
- 1 munição de guerra, calibre 7,62;
- 1 computador portátil;
- a quantia de € 260 em notas do BCE;
- 1 PDA/GPS;
- 4 navalhas e 1 faca;

No decurso da busca realizada à residência do arguido VM, sita na Rua...., foi apreendido 1 computador portátil. No estabelecimento comercial que o mesmo explora e usa como domicílio, denominado “Fronteira”, foram apreendidas:

- 1 arma de fogo modificada para carabina de cano serrado, carregada com uma munição;
- 10 munições de calibre .22 junto à referida arma;
- 1 telemóvel;
- 2 pen.

Executaram-se os restantes mandados de busca domiciliária, com os resultados a seguir indicados.

Quanto ao arguido FP, da busca resultou a apreensão de um telemóvel.

Da busca à residência do arguido MP resultou a apreensão:
- 1 (uma) balança de precisão;
- a quantia de 305 euros em notas do BCE e
- 1 telemóvel.

Finalmente, da busca realizada à residência do arguido NG resultou a apreensão de 2 telemóveis e 1 faca com vestígios de estupefaciente.
As substâncias estupefacientes apreendidas destinavam-se à venda a terceiros e, parcialmente, a consumo no caso dos arguidos que dependem das mesmas.

As balanças de precisão apreendidas eram utilizadas para pesar o estupefaciente, cuja preparação e separação implica o uso do amoníaco e do bicarbonato de sódio.

O arguido H desempenha a actividade de coveiro por conta da Câmara Municipal de Beja, auferindo a quantia mensal de 700,00.

O arguido VM explora um café desde Março de 2012, de onde retira mensalmente um lucro no valor de e 200,00.

O arguido JL explora igualmente um café, em Beja, retirando um lucro mensal de cerca de € 500,00.
A sua namorada trabalha num Lar de 3.ª Idade, auferindo o vencimento mensal de € 580,00.

Os arguidos JL e CG, que vivem em união-de-facto, têm como única fonte de rendimento mensal o valor correspondente aos serviços que esta última presta como prostituta, que ascende a cerca de € 500,00/600,00.

O arguido MP aufere o RSI, no valor de € 404,00.

Os arguidos NG, CT e FP não desempenham qualquer actividade profissional remunerada.

Todos os arguidos, à excepção de JL e MG, têm antecedentes criminais.

O arguido NG, que tem apenas 25 anos de idade, já cumpriu pena efectiva de 6 anos e 8 meses de prisão por crimes de roubo, furto e ofensa à integridade física grave, tendo saído em liberdade há cerca de um ano.

O arguido VM já foi condenado em 15 meses de prisão efectiva pelo crime do art. 26º do DL n.º 15/93, de 22.01 (Traficante Consumidor), tendo saído da prisão em 2006.

Por seu turno, o arguido HC já cumpriu uma pena de seis anos e seis meses de prisão pelo crime de Tráfico do art. 21º do DL n.º 15/93, de 22.01.

O arguido MP já foi condenado duas vezes, em penas de prisão efectiva, pelo crime de Tráfico do art. 21º do DL n.º 15/93, de 22.01.

O arguido JL foi condenado por furto e roubo, numa pena de 12 anos de prisão, que cumpriu até 2009.

O arguido CT foi igualmente condenado por furto, condução sem carta, resistência e coacção sobre funcionário e tráfico de menor gravidade, na pena de 11 anos de prisão.

Por último, a arguida CG já foi condenada duas vezes, por condução com álcool, em penas de multa.
*
Tais factos resultam fortemente indiciados por via dos elementos probatórios oportunamente comunicados aos arguidos, designadamente das intercepções telefónicas realizadas após a devida autorização judicial (vulgo escutas), oportunamente validadas e transcritas; das vigilâncias efectuadas, com recolha de imagem também judicialmente autorizada e validadas; bem como das apreensões realizadas; declarações dos arguidos quanto aos antecedentes criminais (eventualmente complementadas por certidões de anteriores e/ou CRCs juntos aos autos), bem como depoimento da testemunha que levantou a encomenda oriunda do Brasil, que foi comunicado ao arguido VM - tudo complementado pelas declarações que os arguidos entenderam prestar em sede de primeiro interrogatório, quando se revelaram credíveis e coerentes com os demais elementos probatórios coligidos.

Recorreu-se aos necessários juízos de experiência comum.

A título meramente exemplificativo, diremos que as declarações do arguido VM não nos mereceram qualquer credibilidade, quanto tentou imputar a “propriedade” da encomenda que continha uma relevante quantidade de pasta de cocaína a um brasileiro de nome Emerson, que provavelmente nem existe, quando é manifesto que essa encomenda ao próprio se destinava. De facto, estava endereçada à morada dos seus avós e quem a levantou, após ser interceptado pelo OPC, declarou que o fez a pedido desse arguido. Note-se ainda que este arguido é casado com uma cidadã brasileira, desloca-se com alguma regularidade ao Brasil e já viveu, ao que declarou, na cidade de onde essa encomenda é proveniente. É assim manifesto que, numa dessas viagens ou através de contactos que posteriormente manteve, combinou com pessoa ou pessoas desconhecidas o envio do produto estupefaciente, para depois vender em Portugal, mais concretamente na área desta comarca.

Igualmente, e ainda a título exemplificativo, tão pouco nos convenceu a tentativa efectuada pelo arguido JL de “empurrar” para o arguido CT a “propriedade” dos produtos estupefacientes que foram apreendidos na sua (do arguido JL) residência – ou melhor, uma parte foi encontrada no telhado de um andar inferior a essa residência já que o arguido JL, ao aperceber-se de que iria ocorrer uma busca, atirou a maior parte desses produtos pela janela. O comportamento em si é revelador e, de qualquer forma, as declarações do arguido são totalmente incoerentes, designadamente na parte em que assume ter sido o próprio a pagar o abastecimento do veículo que os conduziu a Espanha para adquirirem as mencionadas drogas. Também a “história” da peça do automóvel não passa, manifestamente, de pura invenção. Basta ver que a arguida MG, embora seja namorada desse arguido e queira manter o relacionamento, apresentou versão totalmente diferente.

Tão pouco é credível que o arguido CT se tivesse simplesmente esquecido dos “seus” produtos estupefacientes em casa dos arguidos JL e MG – consumidores assumidos – e que certamente os teriam feito desaparecer, nem que fosse consumindo-os.

Continuando e generalizando, porque nos dispensaremos de analisar, arguido por arguido, a versão apresentada: a posição que os arguidos entendem tomar em primeiro interrogatório judicial é opção dos mesmos.

Uns confessaram, explicaram as suas motivações e até colaboraram; outros mentiram, omitindo ou até deturpando a realidade; outro ainda, como o arguido HC, negou os factos genericamente mas recusou-se a prestar declarações sobre os elementos de prova que o incriminavam (escutas e vigilâncias), dando um perfeito exemplo da máxima popular de que “contra factos, não há argumentos”.

No caso, apenas nenhum arguido entendeu optar pelo direito ao silêncio que lhes assistia.

De qualquer forma, o comportamento dos arguidos durante o primeiro interrogatório não é, só por si, um elemento que possa fundamentar a aplicação de medidas de coação ou atenuar de forma significativa as exigências cautelares que no caso se verifiquem.

Pode consolidar outros indícios existentes e ajudar o Tribunal a perceber o que ocorreu, mas cumpre deixar esclarecido – até porque alguns arguidos revelaram preocupação quanto a tal aspecto – que não é com base nas declarações de co-arguidos que o Tribunal irá decidir quais as medidas de coacção a aplicar aos restantes.
*
Do enquadramento jurídico dos factos indiciados:
Não sendo totalmente clara a estrutura da organização verificada, os autos revelam pelo menos uma certa coabitação pacífica ou até colaboração entre vários arguidos (fornecendo alguns arguidos os outros quando já estes não dispõem de produtos estupefacientes para vender, e vice-versa), mais do que uma concorrência aguerrida ou actos de venda totalmente independentes uns dos outros.

Tal não é de estranhar, até porque a nenhum dos arguidos convém, dedicando-se ao tráfico de estupefacientes, que os consumidores passem a ir abastecer-se a outras localidade em virtude de uma ruptura de stock em Beja.

Como é óbvio, tão pouco é idêntico o comportamento dos arguidos.

Concretizando – e também não exaustivamente quanto a todos os arguidos - existem arguidos, como o arguido JP, que se encontram no nível inferior da cadeia de distribuição, o que levou até um dos outros arguidos a dizer, que era “um desgraçado”; outros, como o arguido JL, que se encontram no meio de tal pirâmide porque, embora não revelem grandes sinais exteriores de riqueza, é já significativa a regularidade com que se dedicam à venda de estupefacientes; outros ainda, como os arguidos HC e mais acentuadamente o arguido VM, que têm um domínio mais completo dos factos, e que se encontram próximos do topo da dita pirâmide (pelo menos nas pirâmides que habitualmente chegam a julgamento nos nossos Tribunais, pois ainda estamos muito longe dos responsáveis pelo tráfico de estupefacientes, designadamente internacional).

Quanto à arguida MG, embora tenha demonstrado algum alheamento quanto à actividade do companheiro JL, a verdade é que a mesma praticou actos de execução do crime (transportando o produto estupefaciente que o companheiro iria vender), de acordo com um plano traçado e de que tinha conhecimento suficiente, e lucrou (em produto estupefaciente) com a prática desse crime.

Ou seja, tendo em conta o apurado até à data - sem prejuízo de, em relação a alguns arguidos se poder oportunamente concluir, em sede de acusação e/ou julgamento, que os factos integram a prática de crimes p. e p. pelos artºs 25º ou 26º do Dec-Lei n.º 15/93, de 22.01 – considerando todo o conjunto da actividade, ou seja, a reiteração, habitualidade, intensidade, disseminação alargada ou sintomaticamente expressiva, ligações mais ou menos marcados ao mundo dos estupefacientes ou ao seu mercado, carácter dos actos praticados e a sua dimensão, não podemos concluir que a actividade deste ou doutro arguido deva ser considerada de ilicitude diminuída.

De destacar, quanto ao arguido VM, que a quantidade de pasta de cocaína contida na encomenda que fez vir do Brasil corresponderá a milhares de doses individuais, logo, terá um valor de revenda na ordem das dezenas de milhares de Euros.

Concordamos assim que indiciam fortemente os autos que todos os arguidos incorreram, como autores materiais, e eventualmente em comparticipação, na prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art 21º, n.º 1 do Dec-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A, I-B, I-C, II-A e II-B em anexo (conforme a natureza dos produtos estupefacientes que detinham e vendiam).

Os arguidos JL e CT incorreram ainda, como autores materiais, na prática, de 1 (um) crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3º, n.ºs 1 e 2 do Dec-Lei n.º 2/98, de 03.01, com referência aos arts. 121º, n.º 1 e 122º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Estrada.

O arguido HC incorreu também, como autor material, na prática de 1 (um) cri me de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, n.º 1 , al. d) do RJAM.

Finalmente, o arguido VM incorreu igualmente, como autor material, na prática de 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos arts. 86º, n.º 1 , al. c) com referência ao art. 3º, n.º 1, al. l), ambos do RJAM.
**
Passemos às medidas de coacção a aplicar aos arguidos:

Centrar-nos-emos sobre o indiciado crime de tráfico de estupefacientes, pois os restantes crimes indiciariamente praticados por alguns dos arguidos (condução ilegal e detenção de arma proibida) não revestem gravidade suficiente para fundamentar medida diversa do T.I.R.

Nos termos do disposto no artº 204º do C.P.P., “Nenhuma medida de coacção, à excepção da prevista no artigo 196.º, pode ser aplicada em concreto se não se verificar, no momento da aplicação da medida:

a) fuga ou perigo de fuga;
b) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

c) perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas.”

As medidas de coacção inserem-se dentro de um conjunto de medidas de natureza cautelar com vista a garantir o decurso do processo penal sem incidentes (cfr. art. 27.º da Constituição da República Portuguesa e art. 191.º do Código do Processo Penal).

Como é consabido, o recurso aos meios de coacção deve ser orientado pelos princípios da legalidade, da proporcionalidade e adequação e da necessidade enunciados nos artigos 191.º e 193.º do Código de Processo Penal.

A prisão preventiva, prevista no artigo 202.º do Código de Processo Penal, apresenta-se como a medida mais grave e privativa da liberdade do arguido no grupo das medidas de coacção estabelecidas no nosso ordenamento processual penal. Não admite discussão que o instituto da prisão preventiva reveste carácter excepcional, subsidiário e não obrigatório.

No entanto, casos há em que tal medida deverá ser aplicada, por mais nenhuma das restantes medidas coactivas se mostrar adequada para acautelar as exigências que se verifiquem.

Analisemos, então se em concreto, se verifica alguma destas situações.

Não existem quaisquer dúvidas quanto à gravidade dos factos indiciados nos presentes autos e ao bem jurídico violado pelos arguidos.

O crime de tráfico de estupefacientes, para além de potenciar a prática de crimes conexos, designadamente contra o património, é causa directa da ruína da saúde e da vida de terceiros, bem como das respectivas famílias.

Caracteriza-se por um concreto e intenso perigo de continuação da actividade criminosa, atento à natureza da própria actividade, à dependência que provoca no caso de arguidos consumidores, aliado à facilidade com que proporciona um lucro fácil.

Tal perigo mostra-se reforçado pela personalidade evidenciada pelos arguidos que, quase todos, têm antecedentes criminais de relevo e alguns já cumpriram penas de prisão efectiva pela prática de crimes da mesma natureza, sem que tal os tenha levado a reflectir e a alterar o seu modo de vida.

Por outro lado, nesse tipo de crime, existe ainda em concreto perigo de perturbação do inquérito, com as inevitáveis pressões dos arguidos sobre os consumidores a quem tenham vendido estupefacientes, no sentido de os mesmos não confirmarem tais vendas; ou até dos arguidos uns sobre os outros.

Esses perigos verificam-se de forma proporcionalmente intensa ao que deixamos consignado sobre as posições respectivas dos arguidos na “pirâmide” do tráfico que se verifica, e em relação a todos os arguidos.

Importa assim aplicar a todos os arguidos medidas de coacção que acautelem os referidos perigos, sendo certo que atento à medida abstracta da pena aplicável ao crime em causa (prisão de 4 a 12 anos), é de ponderar a aplicabilidade de todas as medidas coactivas legalmente previstas, inclusive a prisão preventiva.

A opção pelas medidas concretas a aplicar far-se-á, em última análise, pela ponderação da gravidade das condutas verificadas, compaginada com os factos pessoais dos arguidos (tais como a sua integração social e fonte de rendimentos lícita - ou falta da mesma, e a existência ou inexistência de antecedentes criminais pela prática do mesmo tipo de crime).

Dessa forma, chegaremos aos arguidos em que se pode ainda esperar que não continuem a praticar actos como os que se encontram indiciados nos presentes autos (ou em que existe menor relevância do papel desenvolvido); e àqueles em que, apesar da natureza de ultima ratio da prisão preventiva, ela deverá ser decretada por se justificar uma maior compressão do direito de liberdade desses arguidos, em relação aos quais as exigências cautelares são mais prementes.

Neste último caso integram-se manifestamente os arguidos HC, CT, VM, JL e JA.

No caso dos mesmos, a gravidade dos factos pelos quais se encontram indiciados, o tipo de crime em si, a própria personalidade e modo de vida dos arguidos, e os antecedentes criminais que eventualmente apresentam, leva a concluir que existe intenso perigo concreto de continuação da actividade criminosa, se lhes for aplicada qualquer outra medida que não a prisão preventiva.

No caso do arguido VF existe ainda perigo intenso de fuga, atento às ligações que demonstra com o Brasil (é casado como uma cidadã Brasileira e costuma viajar para esse país), para onde poderá facilmente ausentar-se para se eximir à sua responsabilidade.

Nem a permanência na habitação, com vigilância electrónica, se revelaria adequada, dado que a actividade de tráfico pode (e, no caso, até é) ser praticada através de interposta pessoa.

Confinar estes arguidos às habitações respectivas de nada serviria, até porque alguns residem com familiares a quem não pode ser aplicada a(s) mesma(s) medida(s) de coacção, e que podem servir de “correios”. Seria necessário, também, cortar-lhe qualquer contacto (telefónico, via internet, ou visitas) com o exterior, o que obviamente não é exequível.

Quanto a todos os demais, embora ficando avisados de que, caso não cumpram as medidas que se irão decretar, pode vir a ser-lhes aplicada prisão preventiva, entendemos que por ora o perigo de continuação da actividade criminosa ficará acautelado com a aplicação de medidas não privativas da liberdade, pelas quais fiquem sob relativa vigilância do OPC e afastados uns dos outros, bem como dos eventuais consumidores/vendedores de produtos estupefacientes.

Pelo que se vem expondo, conclui-se que este Tribunal também concorda com todas as considerações tecidas pela Digna Magistrada do Ministério Público, em sede de medidas de coacção.

As medidas promovidas são necessárias (indispensáveis até) e adequadas às exigências cautelares do caso, sendo ainda proporcionais às penas que, previsivelmente os arguidos virão a sofrer, e por isso serão aplicadas.
*
Pelo exposto, nos termos dos artigos 191º a 195º, 196º, 198º, 200º nº 1 al. d), 202º nº 1 al. a) e 204º al. a), b) e c), todos do C. P. Penal, determino que o arguidos aguardem os ulteriores termos processuais, para além das obrigações decorrentes do TIR que já prestaram:

A) no caso, dos arguidos NG, JP, MP, CG e MG, sujeitos:

1º) à obrigação de apresentação periódica duas vezes por semana no posto policial da área das respectivas residências, a cumprir à 3ª feira e ao Sábado, em horário de expediente e;

2º) à proibição de contactos com todos os demais arguidos (à excepção daqueles com os quais mantêm uma relação afectiva), e com todos os indivíduos conotados com o consumo/venda de estupefacientes;

B) no caso dos arguidos HC, CT, VM, JL e JA, sujeitos à medida de coacção de prisão preventiva.

Passem-se os necessários mandados de condução ao E.P. relativamente aos arguidos HC, CT, VM, JL e JAL.

Restituam-se imediatamente os restantes arguidos à liberdade.

Comunique-se a presente decisão, com prévio consentimento dos arguidos a quem foi aplicada prisão preventiva, a parente ou a pessoa da sua confiança nos termos do artigo 194.º, n.º 8 do C.P.P.

Comunique-se aos OPCs competentes no caso das apresentações periódicas/proibição de contactos.»

v
A) Questão prévia suscitada pelo Ministério Público, na resposta ao recurso apresentada na 1.ª Instância.

Entende o Ministério Público que o Recorrente – expendendo a sua argumentação do recurso ao longo de 18 (dezoito) páginas, das quais 8 (oito) contêm 34 (trinta e quatro) conclusões – não revelou qualquer preocupação em ser conciso no modo como efetuou as conclusões do recurso.

Pelo que deve o Recorrente ser convidado a apresentar novas conclusões do recurso, resumidas face às alegações, sob pena de rejeição.


Conhecendo.

À motivação do recurso e conclusões reporta-se o artigo 412.º do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

«1 – A motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

2 – Versando sobre matéria de direito, as conclusões indicam ainda:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido em que, no entendimento do recorrente, o tribunal recorrido interpretou ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada; e
c) Em caso de erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, deve ser aplicada.

3 – Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.

4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.

5 – Havendo recursos retidos, o recorrente especifica obrigatoriamente, nas conclusões, quais os que mantêm interesse.
(…)

Referindo-se ao exame preliminar, estabelece o artigo 417.º do Código de Processo Penal que
«(…)

3 – Se a motivação do recurso não contiver as conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs 2 a 5 do artigo 412.º, o relator convida o recorrente a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.
(…)

A motivação do recurso é peça que se reveste de particular importância e em relação à qual a lei é muito exigente.

«Estruturalmente a motivação do recurso contém duas partes:

- o corpo da motivação ou motivação propriamente dita – seja, o desenvolvimento dos fundamentos da impugnação ou, se se quiser, as razões pelas quais se discorda da decisão posta em crise;

- as conclusões – isto é, o resumo das razões do pedido, não devendo r além de uma síntese do respectivo corpo, e em que se concretiza o onde e o porquê se decidiu mal e o como se deve decidir.
(…)

Por conclusões entende-se um apanhado conciso de quanto se desenvolveu no corpo da motivação (o legislador fala concretamente em resumir as razões do pedido), não podendo, obviamente, repetir exaustiva ou aproximadamente o que naquele se explanou[[2]]

Temos como pacífico que o convite à correção das conclusões do recurso, quando estas mais não são do que a reprodução do corpo da motivação, está apenas configurado para as situações em que Tribunal de recurso não consegue apreender o que se pretende ver reexaminado.

E não é, manifestamente o que se passa nos presentes autos.

É certo que o Recorrente, nas conclusões do recurso que interpõe, não revelou capacidade de síntese do que invocou em sede de motivação. Mas tal incapacidade não prejudica – por forma a tornar inapreensível – o entendimento das razões pelas quais impugna a decisão com a qual se não conforma.

Ao que acresce que o convite à correção acarretaria demora injustificável num processo com natureza urgente e seria inconsequente, por não poder ser formulado com a cominação pretendida pelo Ministério Público.

Pelo que entendemos não haver lugar à correção das conclusões do recurso.

v
Antes de afrontarmos as questões suscitadas pelo Recorrente, importa deixar expresso o nosso entendimento sobre alguns aspetos que as podem balizar.

i) O recurso de um despacho que, na sequência de interrogatório judicial, impõe a prisão preventiva, pode visar:

1. a declaração de nulidade desse despacho; e

2. a revogação desse despacho,

a) por não estarem reunidas as condições gerais previstas no artigo 192.º do Código de Processo Penal;

b) por não existir, em concreto, nenhum dos requisitos gerais de aplicação das medidas de coação enunciados no artigo 204.º do Código de Processo Penal;

c) por não se encontrarem preenchidos os pressupostos específicos de medida de coação aplicada, impugnação esta com o que se coloca em causa:

- a existência de fortes indícios da prática dos factos que justificaram a imposição da medida de coação;
- a qualificação jurídica desses factos;
- a subsunção do crime indiciado no elenco daqueles que são abrangidos pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 202.º [esta última com referência às alíneas i), j) e m) do artigo 1.º] e pelo n.º 2 do artigo 203.º do Código de Processo Penal;

d) terem sido incorretamente aplicados os princípios que regem as medidas de coação em geral e a prisão preventiva em particular. [[3]

ii) A ponderação a fazer para a aplicação de qualquer medida de coação tem por base um juízo sobre os elementos que os autos então forneçam e que indiciem uma atuação do arguido que integre a prática de crime.

Esse juízo não é definitivo – alicerça-se nos elementos que, num dado momento, existem no processo e não prejudica a avaliação de novos elementos coligidos no decurso do inquérito com vista à formulação de uma acusação, caso deles resulte “possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança” – artigo 283.º do Código de Processo Penal.

Para a análise a efetuar quanto à prova indiciária do cometimento de crime releva a regra do artigo 127.º do Código de Processo Penal, de acordo com a qual valem as regras da experiência e a livre convicção.

As medidas de coação, limitando a liberdade processual e visando acautelar os fins do processo, através do seu regular desenvolvimento e da garantia de execução da decisão final condenatória, estão subordinadas ao princípio da legalidade.

Neste domínio, interessa o disposto no artigo 191.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, de onde decorre que a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia patrimonial previstas na lei.
E nenhuma medida de coação pode ser aplicada quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal – artigo 192.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

A aplicação das medidas de coação e de garantia patrimonial está condicionada aos princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, definidos no artigo 193.º do Código de Processo Penal.

De onde resulta – na parte que aqui nos interessa – que as medidas de coação a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, apenas se podendo aplicar a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação; e quando couber ao caso medida de coação privativa da liberdade, deve ser dada preferência à obrigação de permanência na habitação sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares.

Nos termos do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa, a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos; as leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.

O legislador consagrou o princípio da presunção de inocência do arguido e o direito da liberdade individual, nos artigos 32.º, n.º 2, e 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, sem prejuízo de admitir a medida de coação de prisão preventiva, aplicável por existirem fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, conforme artigo 27.º, n.º 3, alínea b), da Constituição.

Assim, a prisão preventiva, enquanto medida de coação da máxima gravidade, colidindo com o direito constitucionalmente garantido da liberdade individual, tem aplicação de natureza subsidiária (aplica-se quando as restantes medidas não forem suficientes) e está sujeita a controlo, designadamente quanto aos seus pressupostos; só deverá ser aplicada se e quando estiverem reunidos os pressupostos concretos enunciados na lei, uns específicos da prisão preventiva [artigo 202.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal] e outros de aplicação à generalidade das medidas de coação [artigo 204.º do mesmo diploma legal].

São pressupostos de carácter geral e de aplicação alternativa, nos termos desta última norma, a ocorrência de fuga ou perigo de fuga, a existência de perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova ou a verificação de perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas.

Quanto aos pressupostos de carácter específico, previstos no artigo 202.º, n.º 1, alínea a) e de aplicação cumulativa, a existência de indícios fortes da prática de um crime, de natureza dolosa e a punição deste com pena de prisão de máximo superior a cinco anos.

A aplicação desta medida fica sempre condicionada ao facto de se considerarem as restantes inadequadas ou insuficientes – artigos 202.º, n.º 1 e 193.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Na presença de tais pressupostos, é seguro que o Tribunal, se o considerar necessário, poderá aplicar a medida de prisão preventiva; esta faculdade transformar-se-á num dever se o aplicador, ponderando criteriosamente todos os factos e todas as circunstâncias, chegar à conclusão de que à situação concreta que lhe é submetida, desde que verificados todos os referidos pressupostos, é indispensável a medida de prisão preventiva, no sentido de que alguma ou algumas das outras previstas na lei não satisfazem as finalidades que àquela se acham subjacentes.

As medidas de coação mais gravosas consentidas pela lei processual penal – proibição de permanência, de ausência e de contactos [artigo 200.º], obrigação de permanência na habitação [artigo 201.º] e prisão preventiva [artigo 202.º] – só são aplicáveis se houver fortes indícios de prática de crime doloso. Dito de outra forma, as medidas coativas que impliquem restrições da liberdade exigem a verificação de fortes indícios.

E assim deve ser porque não é admissível que se possa arriscar a imposição de medidas de coação tão gravosas em relação a alguém que pode estar inocente ou sobre o qual não haja indícios seguros de que com toda a probabilidade venha a ser condenado pelo crime imputado.

O significado dos “indícios suficientes” tem no Código uma extensão precisa e incontornável – consideram-se tais os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança [n.º 2 do artigo 283.º do Código de Processo Penal].

Daqui se pode concluir que os “fortes indícios” terão que corresponder a uma probabilidade elevada de ao sujeito, por força deles, vir a ser aplicada uma pena.

Ou seja, os "fortes indícios" que permitem ao Juiz a aplicação de medida de coação de proibição de permanência, de ausência e de contactos, de obrigação de permanência na habitação ou de prisão preventiva, têm que ser capazes de lhe criar a convicção de que existe uma possibilidade séria de que em julgamento poderá ser imposta ao arguido uma pena ou uma medida segurança.

Há fortes indícios da prática de uma infração quando se encontra comprovada a sua existência e ocorrem suficientes suspeitas da sua imputação ao arguido. Suspeitas graves, precisas e concordantes, a que correspondem indícios sólidos e inequívocos.

v
B) NulidadeViolação do disposto no artigo 194.º, n.º 6, do Código de Processo Penal

Invoca o Recorrente [alíneas S) e T) das conclusões do recurso] não lhe terem sido comunicados, em sede de primeiro interrogatório judicial, todos os factos que vieram a ser considerados para fundamentar a aplicação da prisão preventiva – nomeadamente, não lhe foi comunicado que, alegadamente, se deslocou ao Brasil, por duas vezes, no primeiro trimestre de 2012, trazendo consigo, em cada uma delas, cerca de 1 Kg de pasta de cocaína, que posteriormente preparou através da junção de um produto químico, aumentando consideravelmente o peso do produto.

E por assim ter sido, não pôde prestar qualquer esclarecimento sobre tais factos, porquanto os desconhecia.

Vejamos se lhe assiste razão.

Reportando-se ao despacho de aplicação [das medidas de coação e de garantia patrimonial] e sua notificação, estabelece o artigo 194.º do Código de Processo Penal:

«1 - À excepção do termo de identidade e residência, as medidas de coacção e de garantia patrimonial são aplicadas por despacho do juiz, durante o inquérito a requerimento do Ministério Público e depois do inquérito mesmo oficiosamente, ouvido o Ministério Público.

2 - Durante o inquérito, o juiz não pode aplicar medida de coacção ou de garantia patrimonial mais grave que a requerida pelo Ministério Público, sob pena de nulidade.

3 - A aplicação referida no n.º 1 é precedida de audição do arguido, ressalvados os casos de impossibilidade devidamente fundamentada, e pode ter lugar no acto de primeiro interrogatório judicial, aplicando-se sempre à audição o disposto no n.º 4 do artigo 141.º.

4 – Durante o inquérito, e salvo impossibilidade devidamente fundamentada, o juiz decide a aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial a arguido não detido, no prazo de cinco dias a contar do recebimento da promoção do Ministério Público.

5 - A fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade:

a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;

b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;

c) A qualificação jurídica dos factos imputados;

d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º.

6 - Sem prejuízo do disposto na alínea b) do número anterior, não podem ser considerados para fundamentar a aplicação ao arguido de medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, quaisquer factos ou elementos do processo que lhe não tenham sido comunicados durante a audição a que se refere o n.º 3.

7 - Sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 5, o arguido e o seu defensor podem consultar os elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção do termo de identidade e residência, durante o interrogatório judicial e no prazo previsto para a interposição de recurso.

8 - O despacho referido no n.º 1, com a advertência das consequências do incumprimento das obrigações impostas, é notificado ao arguido.

9 - No caso de prisão preventiva, o despacho é comunicado de imediato ao defensor e, sempre que o arguido o pretenda, a parente ou a pessoa da sua confiança

Impõe o artigo 141.º do Código de Processo Penal, relativamente ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido:

«1 - O arguido detido que não deva ser de imediato julgado é interrogado pelo juiz de instrução, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, logo que lhe for presente com a indicação circunstanciada dos motivos da detenção e das provas que a fundamentam.

2 - O interrogatório é feito exclusivamente pelo juiz, com assistência do Ministério Público e do defensor e estando presente o funcionário de justiça. Não é admitida a presença de qualquer outra pessoa, a não ser que, por motivo de segurança, o detido deva ser guardado à vista.

3 - O arguido é perguntado pelo seu nome, filiação, freguesia e concelho de naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, residência, local de trabalho, se já esteve alguma vez preso, quando e porquê e se foi ou não condenado e por que crimes, sendo-lhe exigida, se necessário, a exibição de documento oficial bastante de identificação. Deve ser advertido de que a falta de resposta a estas perguntas ou a falsidade das mesmas o pode fazer incorrer em responsabilidade penal.

4 - Seguidamente, o juiz informa o arguido:

a) Dos direitos referidos no nº 1 do artigo 61º, explicando-lhos se isso for necessário;
b) Dos motivos da detenção;
c) Dos factos que lhe são concretamente imputados, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo; e
d) Dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser em causa a investigação, não dificultar a descoberta da verdade nem criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime; ficando todas as informações, à excepção das previstas na alínea a), a constar do auto de interrogatório.

5 - Prestando declarações, o arguido pode confessar ou negar os factos ou a sua participação neles e indicar as causas que possam excluir a ilicitude ou a culpa, bem como quaisquer circunstâncias que possam relevar para a determinação da sua responsabilidade ou da medida da sanção.

6 - Durante o interrogatório, o Ministério Público e o defensor, sem prejuízo do direito de arguir nulidades, abstêm-se de qualquer interferência, podendo o juiz permitir que suscitem pedidos de esclarecimento das respostas dadas pelo arguido. Findo o interrogatório, podem requerer ao juiz que formule àquele as perguntas que entenderem relevantes para a descoberta da verdade. O juiz decide, por despacho irrecorrível, se o requerimento há-de ser feito na presença do arguido e sobre a relevância das perguntas


O interrogatório judicial de arguido detido tem, também, propósitos claramente garantísticos.

Porque, em primeira linha, se destina a avaliar os factos investigados e a prova recolhida, com vista à imposição de medida de coação.

Por isso, em tal diligência, o princípio do contraditório assume particular relevo. A prova recolhida nos autos e que pode justificar a imposição de medida de coação mais grave que o termo de identidade e residência deve ser sujeita ao crivo do contraditório, para que o detido tenha a possibilidade de se defender – colaborando, se assim entender, no esclarecimento dos factos indiciados e na apresentação de outros que permitam a adequada aplicação de medida de coação, e recorrendo para um tribunal superior para que aí seja apreciada a legalidade da sua privação de liberdade.

As disposições legais supra citadas evidenciam a preocupação do legislador em permitir uma efetiva defesa. Ao detido deve ser dado a conhecer os factos que lhe são imputados e as provas em que os mesmos se alicerçam. E estes elementos circunscrevem a decisão judicial que impõe a medida de coação – o que não foi e devia ter sido comunicado, não pode servir para fundamentar o despacho de aplicação de medidas de coação, para além do termo de identidade e residência.

Posto isto, e de regresso ao processo, dele resulta que ao ora Recorrente não foram comunicados todos os factos em que se alicerçou a medida de coação que acabou por lhe ser imposta.

Ou seja, factos resultantes do depoimento do Arguido CT – entretanto também sujeito a interrogatório judicial no âmbito dos presentes autos –, que não constavam do requerimento do Ministério Público com vista à realização do interrogatório previsto no artigo 141.º do Código de Processo Penal, foram considerados para fundamentar a decisão de aplicação de prisão preventiva ao ora Recorrente sem que lhe tenham sido comunicados.

Os factos em questão são duas deslocações do Recorrente ao Brasil, no primeiro trimestre de 2012, trazendo consigo, em cada uma dessas viagens, cerca de 1 (um) quilograma de pasta de cocaína, que posteriormente preparou através da junção de um produto químico, aumentando consideravelmente o peso do produto. O fracionamento e embalagem dessa droga em doses para venda. E a venda, que terá proporcionado proveito não inferior a € 35 000,00 (trinta e cinco mil euros).

Ou seja, a Senhora Juiz de Instrução não informou o Arguido, ora Recorrente, nos termos do disposto no artigo 141.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, e a decisão que aplicou a medida de coação de prisão preventiva não respeitou o disposto no n.º 6 do artigo 194.º do mesmo diploma legal.

Aqui chegados, não resta senão qualificar os vícios acabados de enumerar.

Em tese geral, pode dizer-se que a imperfeição do ato processual pode apresentar cambiantes diversas consoante a gravidade do vício que lhe está na génese e que se poderá situar entre a irregularidade e a inexistência.

Entre estes dois extremos, encontram-se os vícios que dão lugar à nulidade. Esta, por sua vez, subdivide-se em nulidade insanável e nulidade dependente de arguição.

O nosso Código de Processo Penal adotou um sistema de nulidades taxativas.

Princípio que se encontra consagrado, de forma inequívoca no artigo 118.º do referido diploma legal e que é complementado por uma rigorosa delimitação geral e especial das causas de nulidade, sejam elas insanáveis ou dependentes de arguição.

O Código de Processo Penal trata as irregularidades como uma subespécie das nulidades submetendo-as, no entanto, a um regime de arguição muito limitado. Mais do que a figura dogmática das irregularidades, que não afetam a validade nem a eficácia dos atos processuais praticados, este regime revela uma figura distinta do género das nulidades das quais se distingue do ponto de vista penal e, principalmente, processual. No plano substancial, correspondem-lhe vício de menor gravidade. No plano formal, as irregularidades denotam mecanismos de arguição muito limitados quer em termos temporais, quer em termos pessoais. O seu poder destrutivo acaba por ser drasticamente reduzido.

Sobre o incumprimento do disposto no n.º 4 do artigo 141.º do Código de Processo Penal, encontram-se na jurisprudência duas posições não coincidentes.

A de quem defende a existência de nulidade, dependente de arguição no próprio ato ou antes do momento em que ele termina.[[4]] E a de quem entende que ocorre uma irregularidade dependente de arguição no ato. [[5]]

Propendemos para a tese da irregularidade que deve ser arguida no próprio ato, com os argumentos que se encontram cabalmente explanados no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 70/10.3SFPRT-A.P1, a 9 de fevereiro de 2011 e acessível em www.dgsi.pt/jtrp, que se passam a transcrever.

«O interrogatório judicial, como já se deixou expresso e como deve ser entendido, é um acto jurisdicional com funções garantísticas e não de investigação ou de recolha de prova, subordinado ao princípio do contraditório, que deve seguir todas as formalidades enunciadas nos artigos 141º e 194º, do CPP.

O primeiro interrogatório tem lugar quando existe um arguido detido, que não deva ser julgado de imediato – artigo 141º, nº 1, do CPP. O interrogatório destina-se a ouvir o arguido sobre os motivos da sua detenção, permitindo-lhe exercer a defesa quanto aos factos que lhe são imputados e quanto aos elementos probatórios que existem nos autos que indiciam tais factos, culminando eventualmente e quase sempre com a aplicação de uma medida de coação requerida pelo MP. A intervenção do juiz destina-se ainda a apreciar todos os actos de legalidade e validação ou não da detenção.

Para atingir todo este desiderato ou objectivo, o legislador impõe ao Juiz de instrução a obrigação de informar o arguido de todos aqueles elementos que existem no processo e que, de resto, determinaram a sua detenção. É perante aqueles elementos que o arguido vai exercer a sua defesa, falando ou abstendo-se de o fazer, tudo nos termos do disposto no artigo 141º, nº 5, do CPP. Sendo certo que é obrigatória a assistência do arguido, por defensor, advogado, logo, técnico do direito, que pode intervir quer arguindo nulidades – e com certeza, por maioria de razão, irregularidades -, quer suscitando pedidos de esclarecimento das respostas dadas pelo arguido, sugerindo perguntas a fazer ao arguido, pelo Juiz – tudo ao abrigo do artigo 141º, nº 6, do CPP -, quer consultando os elementos do processo determinantes da aplicação da medida de coação, quer durante o interrogatório judicial quer durante o prazo de interposição de recurso – artigo 194º, nº 7 (anterior nº 6).

O interrogatório judicial decorre, pois, de acordo com um formalismo e dinâmica processual que, se o Juiz deixar de praticar um acto que a lei diga que deve ser praticado, como é a situação da informação em apreço, pode e deve ser logo sindicado, no acto, quer pelo MP quer pelo defensor do arguido, com vista à reposição ou cumprimento de todo esse formalismo. Caberá a cada um destes intervenientes – MP e defensor – avaliar, no momento, da relevância que eventual omissão de formalidade, se repercutirá no desenvolvimento da diligência, sendo certo que esta tem o seu culminar com o despacho judicial a apreciar as questões já referenciadas e, de entre elas, a medida de coação. Tendo o primeiro interrogatório judicial esta natureza e dinâmica e não visando nem podendo visar o mesmo, qualquer tipo de investigação ou recolha de prova – a não ser a que resultar, evidentemente, das próprias declarações do arguido -, vemos com alguma, senão toda, dificuldade, em enquadrar esta omissão no disposto no artigo 120º, nº 2, alínea d), do CPP.

Outrossim, percepcionamos melhor estar perante uma irregularidade que afecta ou pode afectar a forma de o arguido exercer a sua defesa. Nomeadamente pode ser determinante para o mesmo prestar ou não declarações.

O legislador, para o primeiro interrogatório, impõe o cumprimento de determinadas obrigações – as do nº 4 do artigo 141º -, sem as qualificar ou tipificar de nulidades, se não observadas. E impõe, no mesmo acto do interrogatório, a fundamentação do despacho segundo determinados requisitos, qualificando a sua não observância, como de nulidade. Com certeza que estamos perante um tratamento diferenciado quanto aos vícios da omissão, nas duas situações em apreço. Se o legislador pretendesse que a omissão do disposto no nº 4, do artigo 141º, do CPP, fosse uma nulidade, tê-lo-ia referido expressamente.»

No que concerne à violação do disposto no n.º 6 do artigo 194º do mesmo diploma legal – questão relacionada com a que acaba de se tratar [atentas as características da comunicação que impõe], mas dela distinta – também se encontram posições distintas.[[6]]

Continuamos a acolher o explicitado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo 70/10.3SFPRT-A.P1.

«Pelos fundamentos que supra se expuseram no tratamento da questão da não comunicação/informação ao arguido dos elementos do processo sobre os meios probatórios que indiciam a prática dos factos (…), com as devidas adaptações, também aqui nos parece mais coerente, numa interpretação sistémica, existir uma mera irregularidade, pelo facto de o legislador simplesmente não ter qualificado este vício como de nulidade, quando o fez relativamente às alíneas do anterior nº 4, do artigo 194º.

Não querendo ou não qualificando o legislador a fundamentação do despacho nos termos do anterior nº 5, do artigo 194º, como de nulidade, pensamos que será levar longe demais uma interpretação que assim o considere, quando é certo que no mesmo preceito, exactamente no número anterior, o faz expressamente.

(…)
A alínea b), do nº 5 (anterior nº 4), do artigo 194º do CPP exige, sob pena de nulidade, que o despacho contenha a enumeração dos ditos elementos do processo.

O que pode acontecer e com certeza acontece, como é o presente caso, que o despacho contenha a enumeração desses elementos, mas que não correspondam integral ou parcialmente, aos elementos comunicados ao arguido.

Portanto, a diferença entre as ditas disposições consiste na falta de enumeração – tipificada expressamente como nulidade -, ou numa enumeração diferente daquela que a lei prevê ou se espera que seja, que terá de estar limitada aos elementos comunicados ao arguido.

Ora, se a diferença de enumeração é apenas parcial, contendo elementos que foram comunicados e outros não comunicados, estes não poderão ser considerados para efeitos de fundamentação do despacho.

Se os elementos considerados foram, todos eles, não comunicados, existe uma verdadeira falta de fundamentação neste aspecto, pois não podendo ser considerados os enumerados, automaticamente se fica sem qualquer enumeração.

Mas então o vício reconduz-se não à discrepância dos elementos invocados pelo tribunal mas sim à pura inexistência de elementos, já que os enumerados ou invocados não contam. Ou seja, existirá uma nulidade não por se considerarem elementos que não o podiam ser mas por não se enumerarem os elementos que o deveriam ser. Daí a recondução à nulidade do nº 5 (anterior nº 4).

E existem diferenças neste enquadramento. Pode acontecer que, no despacho, o Juiz considere não só elementos comunicados como elementos não comunicados. Mas, retirando ou eliminando estes por inadmissíveis face ao disposto no actual nº 6 (anterior nº 5), do artigo 194º, o despacho pode continuar a estar fundamentado porque enumera elementos probatórios suficientes que suportam os factos indiciados. Logo, o efeito é nulo, mesmo não considerando tais “novos” elementos.

Mas pode acontecer que os únicos elementos enumerados sejam elementos não comunicados ou que sejam estes e alguns comunicados mas que estes, só por si, não fundamentem os factos indiciados.
De onde se pode concluir que, se o Juiz enumerar no despacho elementos que previamente não comunicou ao arguido, das duas, uma:

- Ou os elementos acrescentados, que a lei diz que não podem ser considerados, não afecta, no essencial, a fundamentação do despacho e então trata-se de uma mera irregularidade.

- Ou os elementos acrescentados, que a lei diz que não podem ser considerados, afectam, no essencial, se retirados, a fundamentação do despacho e então trata-se de uma nulidade por remissão para o nº 5 (anterior nº4), do artigo 194º.

Mas, quer tratando-se de nulidade quer de mera irregularidade, o vício deve ser alegado no acto ou antes que este termine[31] – artigos 120º, nº 3, alínea a) e 123º, nº 1, respectivamente, ambos do CPP – se o interessado estiver presente ou no prazo de 10 ou 3 dias, se não estiver presente – mesmos preceitos.»

Do exame dos autos resulta que quer o ora Recorrente quer a sua Mandatária estiveram presentes no ato de interrogatório e no momento em que foi proferido a decisão recorrida.

A irregularidade praticada pela Senhora Juiz de Instrução – porque apenas parte dos elementos probatórios considerados para imposição da prisão preventiva não foram comunicados – devia ter sido invocada logo na ocasião ou antes de terminado o ato.

E porque não o foi, não pode deixar de se considerar sanada.

Atente-se que com a aplicação do regime descrito não resulta prejuízo para a defesa do detido.

A invocação oportuna do vício decorrente do desrespeito pelo disposto no n.º 6 do artigo 194.º do Código de Processo Penal permite a sua reparação, com a prática do ato omitido. E possibilita o recurso, caso tal não aconteça.

É ocasião de concluir.

O recurso interposto nos autos não traduz o meio processualmente adequado para arguir os vícios decorrentes da violação do disposto nos artigos 141.º, n.º 4, e 194.º, n.º 6, do Código de Processo Penal

– porque tais vícios [irregularidades] não são insanáveis nem de conhecimento oficioso e também não foram atempadamente invocados na 1.ª Instância, dando origem a decisão que desatendesse a sua arguição.

Pelo que improcede a questão suscitada pelo Recorrente, embora se admita terem ocorrido irregularidades, que se encontram sanadas e que, por isso, não afetam a decisão recorrida.

C) Suficiência dos indícios da prática do crime de tráfico de substâncias estupefacientes

Neste domínio, o Recorrente entende que os elementos probatórios entretanto carreados para o processo não abalam a versão dos acontecimentos que apresentou aquando do interrogatório judicial a que foi submetido.

E da qual decorre que o seu relacionamento com drogas se limita, desde 2008, a consumo de cocaína, de forma não regular.

Naturalmente que semelhante invocação tem como pressuposto a procedência da nulidade invocada pelo Recorrente.

Mas porque se entenderam sanados os vícios invocados [irregularidades], nos termos acabados de expor, a decisão recorrida vale nos termos em que se encontra formulada.

E assim sendo, em abono da versão dos acontecimentos apresentada pelo Recorrente regista-se não ter sido encontrada em seu poder, na sequência de buscas levadas a cabo, qualquer substância estupefaciente. Nem, tão-pouco, objetos ou quantia em dinheiro que com tal atividade se possam relacionar.

Contra semelhante versão dos acontecimentos, surgem as declarações de JF. E das quais resulta pertencer ao ora Recorrente a cocaína que se encontrava no interior de duas embalagens de gel creme que constituíam o conteúdo de encomenda proveniente do Brasil, que o Recorrente lhe pediu que fosse levantar ao Posto dos CTT, na xxx.

Bem como o conteúdo das declarações do Arguido CT, prestadas aquando do interrogatório judicial a que foi sujeito, e das quais resulta ter procedido à venda de cocaína por conta do Recorrente, desde o último trimestre de 2011 e até Fevereiro de 2012. Substância estupefaciente que o ora Recorrente obtinha no Brasil, e que preparava para venda a terceiros dela consumidores através de “corte” e acondicionamento em doses. Atividade que proporcionava lucros elevados.

Dando consistência a estes relatos, não pode deixar de se considerar que o ora Recorrente admitiu ter vivido no Brasil, em tempo não muito distante – até 28 de janeiro de 2012.

E perante estes elementos probatórios, não podemos deixar de afirmar a convicção de que existe uma possibilidade séria de que em julgamento poderá ser imposta ao arguido uma pena.

Posto isto, não restará, senão concluir que, por ora – perante os elementos que os autos exibem –, a conduta do ora Recorrente merece o enquadramento jurídico dos factos em conformidade com o que consta da decisão recorrida.

D) Desadequação da medida de coação imposta, por violação do princípio da proporcionalidade

A desproporcionalidade da imposição da prisão preventiva ao Recorrente estriba-se, de acordo com a sua argumentação, na insuficiência dos indícios recolhidos nos autos para afirmar a prática do crime de tráfico de substâncias estupefacientes, na não verificação dos perigos afirmados na decisão recorrida e na possibilidade de os colmatar com a imposição de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica.

Argumentação que surge pontuada com referências à lotação excessiva do estabelecimento prisional onde se encontra e à possibilidade de contacto com outros indivíduos que, figurando como arguidos nos presentes autos, também aí se encontram privados de liberdade.

Quanto a estes dois últimos aspetos, temos como seguro não constituírem razões atendíveis para a alteração da medida de coação em causa.

E quanto à insuficiência de indícios da prática do crime de tráfico, já acima nos pronunciamos, em sentido diverso do pretendido pelo Recorrente.

Os perigos assinalados na decisão recorrida e que, de acordo com o seu teor, se pretendem acautelar com a imposição da prisão preventiva são os de fuga e de continuação da atividade criminosa.

As razões constantes da decisão recorrida e que fundamentam a imposição da prisão preventiva encontram-se devidamente explicitadas e merecem o nosso inteiro acordo.

É evidente a ligação do ora Recorrente ao Brasil – a sua atual companheira é brasileira, o Arguido regressou do Brasil em 28 de janeiro de 2012, onde viveu, e desse País recebeu cocaína.

Com um modo de vida pouco sedimentado em Portugal, onde reside desde o início do ano em curso, a possibilidade de daqui se ausentar é perigo francamente potenciada pela existência dos presentes autos.

Quanto à continuação da atividade criminosa, não pode esquecer-se que o ora Recorrente é consumidor de cocaína e não dispõe de situação económica que lhe permita sustentar, de forma lícita, tal “prática” – ascendem a € 200,00 (duzentos euros) os seus rendimentos mensais.

No que concerne à imposição de medida privativa de liberdade mais branda – obrigação de permanência na habitação, ainda que com controle da sua execução por meios técnicos –, a decisão recorrida ponderou-a com acerto.

Não estão demonstrados factos reveladores de atenuação das exigências cautelares que estiveram na base da imposição da prisão preventiva.

E convém não esquecer que o “modus operandi” na atividade de tráfico de estupefacientes permite concluir pela insuficiência da medida de coação de obrigação de permanência na habitação – mesmo com controlo eletrónico e ainda que conjugada com proibição de contactos – para afastar o perigo de continuação da atividade criminosa.[[7]]

Em suma, afigura-se-nos que o Recorrente, tendo invocado razões e factos que não se encontram demonstrados, nem infirmam a decisão em crise, não logrou justificar a sua pretensão.

E resultando dos autos a forte indiciação por factos que revestem acentuada gravidade e em razão dos quais, perante a personalidade do Recorrente e seu modo de vida, é considerável o perigo de continuação da atividade criminosa e de fuga, a sujeição do mesmo à medida de coação de prisão preventiva respeitou os critérios legais definidos pelos artigos 191.º, n.º 1, 193.º, n.º 1 e n.º 2, 202.º, n.º 1, alínea a), e 204.º, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, em obediência aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, sem atentar contra a sua característica de medida excecional e subsidiária e sem exceder a necessária restrição à salvaguarda dos direitos e interesses violados através da conduta indiciada.

E sem que se vislumbre a violação de algum outro preceito legal, a medida da prisão preventiva reputa-se como a única concretamente adequada e proporcional às exigências processuais de natureza cautelar que, relativamente ao Recorrente, os autos, por ora, revelam.

Pelo que o recurso improcede.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se manter, na íntegra, a decisão recorrida.

Custas a cargo do Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.

v
Évora, 30 de Outubro de 2012

(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

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(Ana Luisa Teixeira Neves Bacelar Cruz)

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(Maria Cristina Capelas Cerdeira)
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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

[2] Simas Santos e Leal Henriques, in “Recursos em Processo Penal” – 7ª Edição, 2008, Editora Rei dos Livros, páginas 105 e 107.

[3] Formulação constante do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 2 de Setembro de 2008, proferido no processo n.º 6947/2008-3, em que foi relator o Senhor Desembargador Carlos Almeida [acessível em www.dgsi.pt ].

[4] Cfr. “Comentários e Notas Práticas ao Código de Processo Penal” – Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, 2009, página 379, e acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, proferidos nos processos nº 760/09.3PPPRT-A.P1, n.º 490/10.3IDPRT-A.P1, n.º 1324/08.4PPPRT-A.P1 [acessíveis em www.dgsi.pt].

[5] Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, páginas 389 e 390, e o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 221/08.8JAPRT-F.P1 [acessível em www.dgis.pt].

[6] Cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, proferidos nos processos n.º 1953/2005 e n.º 2285/2006 [acessíveis em www.datajuris.pt – ID’s 92893 e 92944, respetivamente] nos processos n.º 371/09.3GCGMR-A.G1 e n.º 758/09.1JABRG-H.G1 [acessíveis em www.dgsi.pt .] e do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo n.º 2859/03 [acessível em www.datajuris.pt – ID 49469, e Teresa Pizarro Beleza, in “Prisão preventiva e direitos dos do arguido”, pág. 683.

[7] Neste sentido, os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 30 de maio de 2006, da Relação do Porto, de 27 de setembro de 2006, e desta Relação de Évora, de 13 de fevereiro de 2007, acessíveis em www.dgsi.pt .