Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
231/21.0T8SSB.E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
DECISÃO ADMINISTRATIVA
DESCRIÇÃO DOS FACTOS IMPUTADOS
Data do Acordão: 01/11/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - É de um rigor excessivo (e sem qualquer justificação legal) afirmar um vício omissivo apenas porque determinado elemento da decisão condenatória em contra-ordenação não se encontra descrito no ponto da fundamentação de facto, sendo apenas descrito mais à frente num ponto posterior ao juízo subsuntivo.
II - Importa nuclearmente é que a “descrição dos factos imputados” (art.º art.º 58.º, n.º 1, b) do RGCO) conste da decisão condenatória, havendo que desconsiderar o seu arrumo sistemático dentro daquela, desde que a “descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, como base nessa percepção, defender-se adequadamente.”
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

Nos presentes autos de recurso de contra-ordenação acima identificados, do J2 do Juízo de Competência Genérica de Sesimbra do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, a arguida MC – AH, S.A., foi condenada pela ASAE na coima (única) de 9.000,00 euros (nove mil euros) pela prática das seguintes contra-ordenações (i) incumprimento dos requisitos gerais de higiene, à qual corresponde o pagamento de uma coima de 8.5000,00 euros, (ii) falta de documentos que evidenciam o cumprimento dos processos de controlo baseados nos princípios do HACCP, à qual corresponde o pagamento de uma coima de 500,00 euros.

Impugnada judicialmente esta decisão, foi a mesma apreciada por sentença, em que se declarou nula a decisão condenatória por não conter todos os factos relativos ao elemento subjetivo do tipo contra-ordenacional e também por padecer de vício de falta de fundamentação por ausência de indicação dos fundamentos factuais e jurídicos determinantes da fixação da coima.

Inconformado com o assim decidido, o MP interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O presente recurso tem por objecto a douta sentença proferida no dia 07-09-2021, peloJuízo de Competência Genérica de Sesimbra – J2, do Tribunal da Comarca de Setúbal, que absolveu a arguida MC – AH, S.A., por considerar que a decisão administrativa era nula.

2. Nula, porque, não concretizou suficientemente o elemento subjectivo do tipo.

3. A que acresceu o facto de não se ter imputado qualquer actuação ao legal representante da arguida e de a decisão administrativa omitir as circunstâncias que, no caso concreto, fundamentam a aplicação de uma coima única correspondente ao limite máximo da moldura aplicável fixado no Artº. 19º, nº.1, do RGCO.

4. Não pode o Ministério Público concordar com tal decisão.

5. De facto, a decisão da Autoridade Administrativa explica de forma suficiente o elemento subjectivo do tipo, fazendo-o no ponto V daquela decisão.

6. É sabido que, no âmbito do Direito Contra-Ordenacional, as decisões das Autoridades Administrativas não têm de apresentar o rigor de uma acusação criminal. Importa, isso sim, que contenha os elementos previstos no Artº. 58º, nº.1, do RGCO.

7. E a decisão em análise contém todos esses elementos.

8. Como, aliás, o Tribunal a quo assumiu na douta sentença, quando refere que “A ASAE inclui o elemento subjetivo somente na fundamentação de Direito.”.

9. Ora, tendo a Autoridade Administrativa incluído o elemento subjectivo do tipo na sua decisão, então, não há lugar a nulidade.

10. Também não nos parece que seja necessário que, na decisão da Autoridade Administrativa venha descrita a actuação do legal representante da sociedade arguida.

11. Quanto ao facto de a referida decisão da Autoridade Administrativa ter omitido os fundamentos que determinaram a aplicação de uma coima única, também não podemos concordar, já que, foi ponderada toda a situação referente à arguida, designadamente, a gravidade da pena, da culpa do agente, da sua situação económica e do benefício económico retirado, explanando-se naquela decisão o seguinte trecho “1- A prática pelo(a) arguido(a) de várias contraordenações e as regras que disciplinam o concurso de contraordenações previstas no artigo 19.º do Decreto-Lei n.º433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, impõem, assim, a aplicação de uma única coima, cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infrações em concurso. 2- Face à prova produzida, decide-se condenar o(a) arguido(a) MC – AH, S.A., pela prática das seguintes infrações: » Incumprimento dos requisitos gerais de higiene, à qual corresponde o pgamento de uma coima no montante de €8.500,00.» Falta de documentos que evidenciam o cumprimento dos processos de controlo baseados nos princípios do HACCP, à qual corresponde o pagamento de uma coima no montante de €500,00. Em cúmulo de coimas, nos termos do artigo 19.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, vai condenado(a) na coima unitária de €9.000,00.(…)”.

12. Como tal, tendo sido feita essa ponderação para aferir do valor a aplicar por cada uma das coimas, entendemos que tal ponderação valerá para a aplicação de uma coima única, nos termos do Artº. 19º, nº.1, do RGCO.

13. Mas mesmo que assim não se entendesse, poderia sempre o Tribunal a quo proceder a essa ponderação, através de uma interpretação a contrario do previsto no Artº. 72º-A, nº.1, do RGCO.

14. Como tal, não padece a decisão da Autoridade Administrativa de qualquer nulidade.

15. Pelo exposto, deverá a douta sentença ser alterada e manter a condenação da arguida na coima aplicada pela Autoridade Administrativa, a qual nos parece adequada, nos termos do Artº. 75º, nº.2, a)-, do RGCO.”

O recurso foi admitido.

A arguida respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo (transcrição):

I. Da decisão condenatória têm de constar e resultar provados factos que, subsumíveis ao tipo legal, permitam a aplicação de uma coima. Tais factos respeitam quer ao tipo objetivo quer ao tipo subjetivo.

II. A Jurisprudência tem entendido que «a imputação de factos tem de ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva, recortando com nitidez os factos que são relevantes para caracterizarem o comportamento contra-ordenacional, incluindo as circunstâncias de tempo e de lugar, e deve, além disso, conter os elementos do tipo subjectivo do ilícito contra-ordenacional e tendo de conter os elementos mínimos exigíveis a uma acusação» – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 31.10.2019, proferido no âmbito do processo n.º 344/19.8T9MFR.L1-9, disponível in www.dgsi.pt.

III. A natureza tendencialmente mais simplificada e menos formal do procedimento contraordenacional não pode constituir justificação para a não descrição de modo preciso do elemento subjetivo da concreta contraordenação em causa (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11.11.2020, proferido no âmbito do processo n.º 351/19.0T8MBR.C1, disponível in www.dgsi.pt).

IV. A referência ao elemento subjetivo do tipo constante da decisão condenatória é puramente genérica, pelo que não vem concretizado suficientemente o elemento subjetivo do tipo, abdicando a decisão condenatória da sua descrição em termos precisos.

V. A decisão da autoridade administrativa terá de conter factualidade relativa à atuação do legal representante da pessoa coletiva (ou de quem atuasse em sua representação), por conta e no interesse desta, de forma livre, voluntária e consciente e com o conhecimento da prática de conduta proibida e punida por lei, sob pena de se apresentar omissa relativamente aos factos integradores do elemento subjetivo do ilícito contraordenacional (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 26.01.2021, proferido no âmbito do processo n.º 696/18.7T8EVR.E1, disponível in www.dgsi.pt).

VI. A decisão condenatória não faz menção à atuação do legal representante da pessoa coletiva consubstanciadora do tipo doloso por referência aos concretos factos objetivos que corporizam as contraordenações imputadas à Arguida.

VII. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2015, publicado no DR 1.ª série, n.º 18, de 27 de Janeiro de 2015, fixou jurisprudência no sentido de que «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal». A Jurisprudência fixada por tal aresto aplica-se, por força do disposto no artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, ao processo de contraordenação.

VIII. Na ausência de previsão expressa em sede de Regime Geral das Contraordenações da consequência legal para a decisão que não preencha os requisitos previstos no artigo 58.º do RGCO impõe-se aplicar o disposto nos artigos 374.º, n.ºs 2 e 3 e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP, aplicáveis ex vi artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, devendo ser declarada nula a decisão condenatória por não conter todos os factos relativos ao elemento subjetivo do tipo contraordenacional – neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 31.10.2019, proferido no âmbito do processo n.º 344/19.8T9MFR.L1-9, disponível in www.dgsi.pt.

IX. Neste enquadramento, bem andou o Tribunal recorrido em declarar nula a decisão administrativa proferida pela ASAE por não conter todos os factos relativos ao elemento subjetivo do tipo contraordenacional.

X. A coima única aplicada à Arguida, no valor de € 9.000,00, corresponde ao limite máximo fixado no artigo 19.º, n.º 1, do RGCO, traduzindo o somatório das coimas parcelares aplicadas à Arguida pelas contraordenações que lhe são imputadas.

XI. A Autoridade Administrativa limitou-se a elencar em termos genéricos, os critérios de determinação da medida da coima, o que, quando muito, poderia fundamentar a aplicação das coimas parcelares fixadas.

XII. Quanto à aplicação de uma coima única de € 9.000,00, a decisão administrativa omitiu em absoluto qualquer fundamentação para a fixação da coima pelo seu limite máximo.

XIII. A fixação da coima única é obrigatória e exige uma decisão fundamentada (Acórdão Tribunal da Relação de Évora de 11.11.2008, proferido no âmbito do processo n.º 2490/08-1, disponível in www.dgsi.pt).

XIV. Impõe-se uma necessidade de fundamentação acrescida, em caso de fixação de coima acima do respetivo mínimo (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 22.03.2018, proferido no processo n.º 01290/17.5BEPRT, disponível in www.dgsi.pt).

XV. In casu, foi omitida, em absoluto, na decisão administrativa a fundamentação da fixação de coima única correspondente ao limite máximo por infrações que, em caso algum, comprometeram a segurança alimentar dos consumidores e que foram regularizadas por via da correção das anomalias detetadas na acção inspetiva.

XVI. A falta ou manifesta insuficiência de fundamentação constitui nulidade da decisão administrativa, nos termos do artigo 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, ex vi do artigo 41.º do RGCO (neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29.02.2013, proferido no âmbito do processo n.º 854/11.5TAPDL.L1-5, disponível in www.dgsi.pt).

XVII. Pelo que bem andou o Tribunal a quo ao declarar a nulidade da decisão condenatória por vício de falta de fundamentação, devendo manter-se na íntegra a Sentença recorrida.”

Defendendo, em síntese, que:

“Termos em que (…) deve o presente recurso ser julgado improcedente, e em consequência, manter-se na íntegra a Sentença recorrida. (…).”

A Exm.ª PGA neste Tribunal da Relação apôs o seu “visto”.

Procedeu-se a exame preliminar.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“A arguida vem condenada na coima de 9.000,00 euros (nove mil euros) pela prática das seguintes contraordenações:

- Incumprimento dos requisitos gerais de higiene, à qual corresponde o pagamento de uma coima de 8.5000,00 euros,

- Falta de Documentos que evidenciam o cumprimento dos processos de controlo baseados nos princípios do HACCP, à qual corresponde o pagamento de uma coima de 500,00 euros.

A decisão condenatória não concretiza suficientemente o elemento subjetivo do tipo, não fazendo menção à autuação do legal representante da pessoa coletiva consubstanciadora do tipo doloso.

O Acórdão do STJ nº 1/2015, publicado no DR 1ª série, nº 18, d 27 de janeiro de 2015, fixou jurisprudência no sentido de que «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjetivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou revisão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358º do Código de Processo Penal».

Esta jurisprudência aplica-se por força do disposto no artigo 41º, nº 1, do Regime Geral das Contra-ordenações.

A ASAE inclui o elemento subjetivo somente na fundamentação de Direito.

Não o fez na fundamentação de facto, mais concretamente no subtítulo “II. Matéria de Facto”.

Ora a ausência de previsão expressa em sede de Regime Geral das Contra-ordenações da consequência legal para a decisão que não preencha os requisitos previstos no artigo 58º do RGCO impõe-se aplicar o disposto nos artigos 374º, nºs 2 e 3 e 379º, nº 1, alínea a), ambos do CPP, aplicáveis ex vi do artigo 41º, nº 1 do RGCO.

Deve, pois, ser declarada nula a decisão condenatória por não conter todos os factos relativos ao elemento subjetivo do tipo contraordenacional.

Acresce, ainda, que a decisão condenatória omite as circunstâncias do caso concreto que fundamentam a aplicação à arguida de uma coima única correspondente ao limite máximo da moldura aplicável fixado no artgo 19º, nº 1, do RGCO.

Nesta medida, a decisão condenatória padece de vício de falta de fundamentação por ausência de indicação dos fundamentos factuais e jurídicos determinantes da fixação da coima.

O mais fica prejudicado de apreciação e julgamento final.

Termos em que, deve proceder o pedido principal do recurso, ou seja, a nulidade da decisão condenatória por dela não constarem todos os elementos essenciais ao exercício do Direito de defesa pela arguida e/ou por vício de falta de fundamentação.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412.º do CPP), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

A questão (única) a decidir no presente recurso é a seguinte: A decisão condenatória da autoridade administrativa está ferida de nulidade?

B. Decidindo.

Vem o recorrente sindicar a sentença que declarou nula a decisão administrativa condenatória da ASAE, por omissão dos factos concretizadores do elemento subjectivo da contra-ordenação.

Com efeito, o tribunal a quo entendeu não conter a mesma, nos termos exigidos pela alínea b) do n.º 1 do art.º 58.º do RGCO, a descrição dos factos atinentes ao tipo subjectivo contra-ordenacional (art.º 8.º, n.º 1 do RGCO).

O recorrente, por seu turno, defende que a fundamentação do procedimento administrativo contra-ordenacional “não tem de obedecer a requisitos de forma absolutamente rigorosos” ao contrário do que acontece no processo penal, nomeadamente quanto à acusação criminal.

Vejamos.

A decisão administrativa condenatória da ASAE não é, objectivamente, um modelo de estruturação lógico-formal:

Da mesma consta um ponto IV epigrafado “Fundamentação da Matéria de Facto e de Direito” e um ponto V epigrafado “Determinação da medida da coima”.

No referido ponto IV, escreveu-se “realizada a competente instrução ficou provado que:” (…) seguindo-se a descrição objectiva das imputadas contra-ordenações.

Por seu turno, é apenas na determinação da medida da coima, ponto epigrafado “2. Da culpa do agente” que consta o seguinte:

“Ora, no caso sub judice, o(a) arguido(a) sabia, previu e aceitou a realização dos factos ilícitos, na medida em que sabia que estava obrigado(a) a cumprir os requisitos gerais de higiene e a implementar um processo permanente baseado nos princípios HACCP no seu estabelecimento, optando por não o fazer e conformando-se com o resultado daí adveniente, pelo que se considera que agiu com dolo eventual.” (páginas 7/8 da decisão condenatória)

Deste modo, temos a considerar que a referência aos factos atinentes ao elemento subjectivo das contra-ordenações em causa não se mostram vertidos no ponto epigrafado fundamentação de facto mas apenas constam no ponto epigrafado como culpa do agente. A descrição do mencionado elemento subjectivo está, assim, na lógica e sistemática da decisão, errada, uma vez que é efectuada posteriormente à subsunção da conduta às contra-ordenações (efectuada nos últimos parágrafos da fundamentação da matéria de facto e de direito).

Contudo, previamente à qualificação da omissão do elemento subjectivo da contra-ordenação em causa, importa saber, em face do exposto supra, se existe tal omissão ou não.

Entendemos que não.

Com efeito, afigura-se-nos de um rigor excessivo (e sem qualquer justificação legal) afirmar um vício omissivo apenas porque determinado elemento não se encontra descrito no ponto da fundamentação de facto, sendo apenas descrito mais à frente num ponto posterior ao juízo subsuntivo. Importa nuclearmente é que a “descrição dos factos imputados” (art.º art.º 58.º, n.º 1, b) do RGCO) conste da decisão condenatória, havendo que desconsiderar o seu arrumo sistemático dentro daquela, desde que a “descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, como base nessa percepção, defender-se adequadamente.” (1)

Consideramos, consequentemente, que não ocorre o mencionado vício omissivo, não carecendo, deste modo efectuar a atinente qualificação.

Quanto à alegada omissão das circunstâncias que fundamentam a aplicação à arguida de uma coima única correspondente ao limite máximo da moldura aplicável que, na óptica da decisão recorrida traduziria o vício de falta de fundamentação por ausência de indicação dos fundamentos factuais e jurídicos determinantes da fixação da coima, dir-se-á:

Os limites abstractos (mínimo e máximo) da determinação concreta da coima a aplicar em caso de concurso de contra-ordenações encontram-se definidos no art.º 19.º do RGCO.

Estabelecida tal moldura punitiva abstracta, a determinação do montante da coima única a aplicar pelo concurso de infracções é efectuada de harmonia com os critérios definidos no art.º 18.º do mesmo regime (2). Segundo este normativo, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.

Verifica-se que as circunstâncias referidas na mencionada disposição legal se encontram individualizadas (com uma concretização mínima) nos pontos 1 a 4 da “determinação da medida da coima (cfr. páginas 7/8 da decisão condenatória).

Não podemos, assim, subscrever o entendimento da decisão recorrida de ocorre omissão das mencionadas circunstâncias. Averiguar se a coima única fixada se encontra fixada de acordo com o critério legalmente estabelecido é outra questão que, obviamente, transcende o objecto deste recurso.

O recurso é, pois, procedente.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que conheça dos fundamentos invocados pela arguida na sua impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, com excepção dos fundamentos objecto de conhecimento na presente decisão.

Sem custas

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 11 de Janeiro de 2022

Edgar Gouveia Valente

Laura Maria Peixoto Goulart Maurício

Sumário

I - É de um rigor excessivo (e sem qualquer justificação legal) afirmar um vício omissivo apenas porque determinado elemento da decisão condenatória em contra-ordenação não se encontra descrito no ponto da fundamentação de facto, sendo apenas descrito mais à frente num ponto posterior ao juízo subsuntivo.

II - Importa nuclearmente é que a “descrição dos factos imputados” (art.º art.º 58.º, n.º 1, b) do RGCO) conste da decisão condenatória, havendo que desconsiderar o seu arrumo sistemático dentro daquela, desde que a “descrição factual que consta da decisão de aplicação de coima seja suficiente para permitir ao arguido aperceber-se dos factos que lhe são imputados e poder, como base nessa percepção, defender-se adequadamente.”

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1 Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa in Contra-Ordenações, Anotações ao Regime Geral, 5.ª edição, Vislis Editores, 2009, página 455, onde se admite o cumprimento da exigência legal em causa quando ocorre “um acréscimo de descrição factual fora do lugar adequado da decisão condenatória, mas que consistia, efectivamente, em descrição de factos” (ide, ibidem, nota 154 in fine). No mesmo sentido o (citado na motivação de recurso) Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (por lapso ali refere-se a Relação de Lisboa) de 09.01.2019 proferido no processo n.º 257/18.0T8STR.C1.

2 Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa in Ob. cit. página 226.