Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1862/17.8PAPTM.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA QUALIFICADA
FINS DA PENA
MEDIDA DA PENA
INDEMNIZAÇÃO CIVIL
Data do Acordão: 02/20/2019
Votação: DECISÃO DA RELATORA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário:
I - A pena, na sua vertente de prevenção especial, visa prevenir a recidiva criminosa, obstar a que o arguido volte a atentar contra os bens jurídicos protegidos com a(s) norma(s) penal(is), e não necessariamente (e apenas) impedir que atente tão só contra esta vítima em concreto. Ou seja, visa-se punir para recuperar. Recuperar o condenado para a sociedade, numa actuação de respeito pelos bens jurídicos, no sentido de o arguido interiorizar que a forma como se relaciona, como se pode e deve relacionar, com a sua mulher, companheira, namorada, no âmbito de uma qualquer futura relação, não pode incluir comportamentos como os provados nos factos da sentença.

II – Em face aos factos provados e independentemente de o arguido já se encontrar separado da(s) vítima(s), mostra-se plenamente justificada a aplicação das penas acessórias, designadamente da obrigação de frequência de um programa específico de prevenção de violência doméstica, que não necessita do acordo ou aceitação do condenado.
Decisão Texto Integral:
O recurso é o próprio e encontra-se bem admitido.

Do exame preliminar resulta haver fundamento para a rejeição do recurso, pelo que passa a proferir-se Decisão Sumária, nos termos dos arts. 417º, nº 6 - b) e 420º, nº 1 –a) do CPP.

1. No processo comum singular nº 1862/17.8PAPTM do Tribunal da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de Portimão – J3, foi proferida sentença a condenar o arguido JJ como autor de um crime de violência doméstica dos nºs 1 a), 2 e 4 do art. 152º do C.Penal, na pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão e nas penas acessórias de frequência de programa específico de prevenção de violência doméstica (nº 4 do art. 152º do C.Penal), de proibição de contactos, de qualquer natureza e por qualquer meio, com a assistente SP durante o período de 3 (três) anos e 3 (três) meses (art. 152º/4 do C.Penal); de proibição de se aproximar do local de residência ou de trabalho da assistente SP durante o período de 3 (três) anos e 3 (três) meses (art. 152º nºs 4 e 5 do C.Penal), mantendo o mecanismo de protecção por teleassistência aplicado em sede de inquérito por 6 (seis) meses; como autor de um crime de ofensa à integridade física qualificada dos arts. 143º/1, 145º nºs 1 a) e 2 e art. 132º/2 alínea a) do C.Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão suspensa na execução por igual período e acompanhada de regime de prova; como autor material, de um crime de injúria do art. 181º do C.Penal, na pena de 70 (setenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros).

Foi ainda arbitrada a título de reparação pelos prejuízos sofridos por SP a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), condenando o arguido a pagar-lhe tal quantia, acrescida dos juros vincendos, desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até integral pagamento, e julgado parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pela assistente MP e, em consequência, condenado o demandado JJ no pagamento da quantia de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescida de juros de mora, contabilizados à taxa legal, desde a sua notificação para contestar o pedido de indemnização.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:
A) O objeto do presente recurso é tão-somente a sindicabilidade das penas aplicadas (incluindo as penas acessórias), a pena única aplicada em cúmulo jurídico, o arbitramento da indemnização e a condenação no quantum do pedido cível.

B) O arguido entende que a sentença recorrida violou o princípio da proporcionalidade e da necessidade da sanção criminal e princípio da culpa consagrados nos artigos 40.°, 41.°, 70.° e 71.° do Código Penal, pois que, na verdade, as penas (principais e acessórias) aplicadas ao arguido, afiguram-se demasiado elevadas e injustas, ultrapassando o juízo de censura que o ora Recorrente merece.

C) Entende o arguido que a sentença recorrida ao decidir pela aplicação de penas e a condição de suspensão, nos termos que constam supra, violou os princípios da legalidade, adequação, proporcionalidade e necessidade a aplicação de tais medidas de coação.

D) O Recorrente não se conforma com a fundamentação conjunta da pena do crime de violência doméstica cometido a contra mulher, agora ex-mulher (Assistente SP), tendo-se apurado atos isolados (sete atos) e reiterados (no período de oito anos), com a pena do crime de ofensa à integridade física qualificada cometido contra a filha (Assistente MP), tendo-se apurado um único ato isolado ocorrido no dia 25/11/2017.

E) A ilicitude, a culpa e as necessidades de prevenção são absolutamente distintas, não obstante existirem laços comunicantes entre os dois crimes, a valorização da medida concreta da pena sem destrinçar a individualidade de cada um dos crimes, viola os artigos 40.°, 41.°, 70.° e 71.° do Código Penal.

F) O grau de ilicitude não é considerável, porquanto «não terem resultado lesões muito graves para as assistentes» (vide Promoção do MP aquando da utilização da faculdade constante no art. 16.º, n.º3 do CPP), os atos apesar de reiterados no período entre Verão de 2010 e 25/11/2017, foram 7 (sete) atos isolados.

G) Ainda nos termos do art. 71.º do CP terá forçosamente de serem consideradas as circunstâncias que depõem a favor do arguido, nomeadamente: - O arguido não regista antecedentes criminais; - O arguido já se encontra divorciado da assistente SP; - O arguido já não reside com as assistentes SP e MP; - O arguido está social e profissionalmente integrado; - Após o último ato criminal em 25/11/2017, antes, durante e após o julgamento não se verificaram quaisquer perturbações relevantes com as assistentes; - O arguido faz, neste momento, «vidas separadas das assistentes, com que não mais manteve contacto.» (pág.27 da Sentença in fine); - O arguido e a assistente têm três filhos em comum, incluindo uma filha menor nascida em 20.12.2010.

H) A circunstância de terem uma filha menor em comum é um sério condicionador/obstáculo ao exercício das responsabilidades parentais do arguido, vendo-se limitado no exercício das suas responsabilidades parentais nos eventuais e futuros contactos/visitas com os filhos.

I) Com efeito, a proibição de contactos com a ofendida é inexequível, por ser fisicamente impossível, e desnecessária para a finalidade pretendida, ou seja, para que a sanção principal satisfaça de forma adequada e suficiente as necessidades da punição, designadamente evitando eventuais comportamentos ilícitos por parte do arguido.

J) Com efeito, se no decorrer do período de suspensão da execução da pena o arguido voltar a cometer quaisquer crimes, na pessoa da ofendida, a suspensão da execução da pena de prisão pode vir a ser revogada, obrigando o arguido ao cumprimento efetivo da pena de prisão.

K) A suspensão da pena de prisão a um regime de prova, «nomeadamente, na avaliação psicológica para eventual apoio psicoterapêutico, a fim de trabalhar a estabilidade emocional e melhorar o autocontrolo.», além de desproporcional e desnecessária, viola o n.º3 do art. 52.º CP porquanto o arguido prestou não consentimento e o n.º2 do art. 51.º ex vi art. 52.º, n.º4 ambos do CP, pois tal dever representa uma obrigação cujo cumprimento não é razoavelmente exigível ao arguido.

L) Face à situação socioeconómica do arguido, à ilicitude, a culpa e aos danos dos factos provados nos autos, o arbitramento de indemnização à assistente SP no montante de €2.500 e da condenação do pedido cível à assistente MP no montante indemnizatório de €1.500 por danos não patrimoniais, são violadores do princípio da equidade, por serem desproporcionais e desadequadas por excesso.”

O Ministério Público respondeu ao recurso pugnando pela improcedência, e concluindo:

“1ª – O recorrente JJ interpôs recurso da sentença apenas na parte que o condenou na pena única de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão pela prática de um crime de violência doméstica previsto e punido pelos n.ºs 1, alínea a), 2 e 4 do artigo 152º do Código Penal, de um crime de ofensa à integridade física qualificada previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143º, n.º 1, 145º, n.ºs 1, alínea a) e 2 e artigo 132º, n.º 2 do Código Penal, pena única esta suspensa na sua execução por igual período acompanhada de regime de prova, da competência da DGRSP, a incidir, designadamente na avaliação psicológica para eventual apoio psicoterapêutico, a fim de trabalhar a estabilidade emocional e melhorar o autocontrolo;

2ª – O recorrente, no que concerne à condenação pela prática do crime de violência doméstica, foi ainda condenado nas penas acessórias de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica, de proibição de contactos de qualquer natureza, e por qualquer meio, e proibição de se aproximar do local de residência ou de trabalho da assistente SP, tendo ainda sido arbitrado a título de reparação pelos prejuízos sofridos por SP, a quantia de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros vincendos, desde a data do trânsito em julgado da presente sentença até integral pagamento;

3ª – O recorrente impugna ainda a condenação no pedido cível formulado pela assistente MP no montante indemnizatório de €1.500 por danos não patrimoniais;

4ª – No que concerne à condenação no pedido de indemnização civil da assistente MP carece o Ministério Público de legitimidade para responder a tais alegações de recurso;

5ª – No que concerne ao arbitramento de indemnização à assistente SP sempre se dirá, e muito sumariamente, que a mesma decorre da conjugação dos artigos 82.º-A do Código de Processo Penal e artigo 21.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de Junho, sendo que o arbitramento da mesma é obrigatória, excepto se a vítima a tal expressamente se opuser, nos termos do artigo 21.º, n.º 2 da Lei nº 11/2009, de 16 de Junho;

6ª – Para efeito do preenchimento do artigo 400.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, cumpre subsumir cada um dos valores indemnizatórios ao crivo do valor da alçada, sendo que no caso do arbitramento da indemnização no valor de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), verifica-se a falta do primeiro requisito, o do valor pedido e, relativamente à decisão desfavorável sempre se dirá que o valor arbitrado tem o valor exacto de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), não sendo possível, salvo melhor opinião, recorrer desta parte da douta sentença do Tribunal a quo;

7ª – O recorrente alegou a violação do disposto no artigo 71º do Código Penal no que concerne à determinação da medida da pena;

8ª – Analisado o teor da douta sentença recorrida, verifica-se que na determinação concreta da pena foram considerados os factos dados como provados respeitantes à condenação aplicada ao arguido, às suas condições sócio-económicas, ao teor do relatório social e aos antecedentes criminais do mesmo;

9ª – O cúmulo jurídico foi efectuado nos termos do artigo 77º, n.º 1 do Código Penal, sendo que, para tal, o Tribunal a quo considerou a actuação e postura do arguido tendo concluído que “…os factos praticados assumem bastante gravidade, embora o arguido não registe antecedentes criminais. Não confessou, nem revelou arrependimento. Pelo contrário assumiu uma postura vitimizante e evidencia uma postura agressiva, impulsiva e sem qualquer autocontrolo”, fundamentos com os quais se concorda;

10ª – O Tribunal a quo teve em consideração a ponderação global dos factos, quer quanto à ponderação das exigências de prevenção geral e especial que no caso vertente se afiguram relevantes, tanto como todas as circunstâncias agravantes como atenuantes, pelo que entendemos, salvo melhor opinião, que a pena em que o arguido foi condenado se mostra adequada;

11ª – O artigo 152º n.ºs 4 e 5 do Código Penal estabelece que podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto e, por conseguinte, o afastamento da residência ou do local de trabalho, sendo o seu cumprimento aferido por meios técnicos de controlo à distância;

12ª – A ratio da norma se centra-se na obstaculização da possibilidade de revitimização, ou seja, visa impedir ab initio, após o trânsito da sentença, que o agente perpetrador provoque situações de tensão que possam causar a prática de mais actos ilícitos.

13ª – A pena acessória de proibição de contactos entre o recorrente e a assistente SP não é impedimento para que o recorrente exerça o seu direito de visita da filha menor como regularmente se constata na prática judiciária, sendo que o exercício das responsabilidades parentais já está provisoriamente estabelecido, encontrando-se inclusive, neste momento, as visitas à filha menor suspensas por decisão judicial;

14ª – A pena de prisão aplicada foi suspensa na sua execução acompanhada de regime de prova nos termos do disposto no artigo 53.º do Código Penal, não tendo sido impostos deveres e regras de conduta previstos nos artigos 51.º e 52.º do Código Penal, como alega o recorrente;

15ª – Ao contrário do estabelecido no artigo 52º n.º 3 do Código Penal, não é necessário o consentimento do arguido para o acompanhamento da suspensão da execução da pena de prisão em regime de prova, porquanto o regime de prova visa promover a reintegração do condenado na sociedade alicerçando-se em plano reinserção social que pode impor regras, condutas ou outras obrigações;

16ª – Pelo exposto, entende-se não merece qualquer censura a douta decisão do Tribunal a quo ao decidir pela condenação do recorrente nos termos e com os fundamentos ali expostos.”

Neste Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, opinando também pela improcedência do recurso. Cumprido o art. 417º, nº 2, o arguido nada acrescentou.

2. A sentença recorrida, na parte que interessa ao recurso, tem o seguinte teor:

“II. FACTOS PROVADOS
1. O arguido JJ e a assistente SP casaram um com o outro em 25 de Maio de 1996.

2. Do casamento nasceram três filhos: MP, em 14.02.1997, JP, em 12.09.1999, e AP, em 20.12.2010.

3. Em data não concretamente apurada do Verão de 2010, quando estavam em casa, em Portimão, no quintal, por motivos não apurados, o arguido atingiu a esposa, que na ocasião se encontrava grávida, com um ferro na barriga.

4. Em consequência directa e necessária do comportamento descrito, SP sofreu dores, tendo ficado com uma nódoa negra na zona atingida.

5. Em data não apurada, quando estavam em casa, em Portimão, por motivos não determinados, o arguido tentou atingir a esposa na cabeça com uma chave francesa.

6. Após, desferiu-lhe murros na cabeça e pontapés nas pernas.

7. Como consequência directa e necessária do comportamento descrito, SP sofreu dores nas zonas do corpo atingidas, tendo ficado com marcas negras nas pernas.

8. Em data não apurada, anterior ao ano de 2015, SP seguiu com o arguido no interior da viatura, na Avenida V6, em Portimão, tendo discutido um com o outro.

9. A dada altura do trajecto, o arguido afirmou que acabava com tudo, e se despistava com a viatura, tendo subido o lancil.

10. Após, desferiu murros no braço da esposa e mordeu-o.

11. Como consequência directa e necessária do comportamento descrito, SP sofreu dores, tendo ficado com marcas no braço atingido.

12. Em data não concretamente apurada do mês de Julho de 2017, quando o casal residia em Dijon, em França, como SP não concordou que viajassem para Portugal transportando uma bilha de gás no porta-bagagens da viatura, o arguido exaltou-se e arremessou um barbecue na direcção da esposa, atingindo-a num dos braços.

13. Como consequência directa e necessária SP sofreu dores, tendo ficado com um hematoma no braço atingido.

14. Em data não apurada, quando o casal fez obras em casa e temporariamente esteve a residir numa casa pertencente aos avós de SP, sita nas Quatro Estradas, em Portimão, na sequência de uma discussão relacionada com as chaves da habitação, o arguido tentou atingir a esposa com um martelo, desferiu-lhe murros na cabeça e puxões de cabelo.

15. Como consequência directa e necessária do comportamento descrito, a ofendida sofreu dores.

16. Em data não apurada, situada no mês de Outubro de 2017, quando aguardavam na caixa no supermercado Intermaché, em Portimão, para efectuar o pagamento das compras, o arguido dirigiu-se à esposa e apodou-a de “saco de merda”, tendo a expressão sido escutada pelas pessoas que se encontravam na fila.

17. Na noite do dia 25.11.2017, o arguido, a esposa e as duas filhas dirigiram-se para o Hipermercado Continente, sito na Avenida V6, em Portimão.

18. Quando estavam junto à entrada do hipermercado, o arguido indagou sobre o carrinho de compras, tendo SP respondido que tinha ido à casa de banho, pensando que marido tinha tratado disso.

19. Acto contínuo, o arguido atirou uns sacos para cima do expositor de jornais e abandonou o espaço, sendo seguido pela esposa e pelas filhas.

20. Quando se encontravam no exterior do Centro Comercial, o arguido recusou entregar a chave da viatura à filha MP, e dirigindo-se a esta e à esposa, na presença da menor AP, apelidou-as de “vacas” e “putas”.

21. Quando o arguido, a esposa e as duas filhas seguiam no interior da viatura, na Avenida V6, em Portimão, SP confrontou o marido com o comportamento que acabava de ter, tendo este respondido exaltado “acabo já com isto”, e, em seguida, desviou a trajectória da viatura, galgando o passeio existente junto ao posto de abastecimento da Repsol, onde a viatura ficou imobilizada.

22. A assistente SP retirou então a chave da ignição, abandonando a viatura na companhia das filhas.

23. O arguido dirigiu-se, então, para junto da filha MP e, sem que nada o fizesse prever, puxou-lhe violentamente os cabeços e atingiu-a com socos e chapadas na cabeça, no rosto, e nos braços, altura em que SP foi em auxílio da filha, tendo sido igualmente atingida com socos na cara.

24. Como consequência directa e necessária do comportamento descrito, a assistente MP sofreu dores e as seguintes lesões: na face: equimose de cor roxa periorbital esquerdo; no membro superior esquerdo: edema no braço esquerdo doloroso à palpação na face posterior.

25. Tais lesões determinaram vinte dias de doença, com dois dias de afectação da capacidade de trabalho geral e dois dias de afectação da capacidade de trabalho profissional.

26. Como consequência directa e necessária do comportamento descrito, a assistente SP sofreu dores e as seguintes lesões: na face: tumefacção na região frontal esquerda com 2,5 cms de diâmetro dolorosa à palpação, edema na hemiface esquerda com equimose de cor roxa com 8 x 3,8 cms.

27. Tais lesões determinaram vinte dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.

28. Em data não apurada, no final do mês de Dezembro de 2017, durante uma conversa telefónica que manteve com o filho, o arguido afirmou que não autorizava que SP recolhesse os pertences que tinha em casa, acrescentando que a esposa já tinha morrido e ia vender os seus pertences.

29. Durante o relacionamento, por inúmeras vezes, em datas não determinadas, o arguido dirigiu-se à esposa apodando-a de “puta”, “vaca”, “cabra”, “saco de merda” e “puta de merda”.

30. O arguido agiu sempre de forma deliberada, livre e consciente.

31. Nas mencionadas ocasiões e em todas as outras que a assistente SP teve de suportar, o arguido quis molestá-la física e psicologicamente, conforme molestou, sabendo que as expressões que lhe dirigia a ofendiam na sua honra e consideração.

32. O arguido quis causar-lhe dor, atormentá-la, inquietá-la, perturbá-la, causando-lhe medo, ansiedade, nervosismo, insegurança e intranquilidade, afectando a sua liberdade de movimentos e auto-determinação, situação que ainda perdura até à presente data e que foi evidente no decurso da audiência de julgamento.

33. Atingiu-a na sua dignidade, humilhando-a, o que efectivamente conseguiu, por diversas vezes, indiferente ao facto da relação marital que com ela mantinha, sendo ademais mãe dos seus filhos, e ao dever de respeito que dessa relação para si nascia quanto à mesma, relação e dever de que estava bem ciente.

34. O arguido actuou sempre de forma livre, consciente e deliberada, sabedor da censurabilidade penal das suas condutas, tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação e aproveitando-se da sua superioridade física, do ascendente psicológico que tinha sobre a assistente e dos sentimentos de afecto que partilhavam para praticar os factos descritos, na sua maioria no interior da residência comum.

35. O arguido agiu com o propósito concretizado de molestar a integridade física da filha, MP, não se abstendo de o fazer na via pública.

36. Ao proferir as expressões referidas em 20. supra, agiu o arguido com o intuito, que logrou alcançar, de ofender o bom nome, a honra, consideração e dignidade da assistente MP.

37. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram proibidas e punidas por lei, tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com tal avaliação.

Mais se apurou, no que concerne ao pedido de indemnização civil, que:

38. A assistente MP, estudante, ficou profundamente ofendida e triste com as expressões que lhe foram dirigidas pelo próprio pai.

39. Como consequência directa e necessária do comportamento do arguido relatado em 20. a 23. supra, a assistente MP ficou psicologicamente abalada e amedrontada e sentiu-se profundamente humilhada, envergonhada e perturbada.

40. Passou a ter receio de estar sozinha, de andar sozinha na rua e de permanecer na residência dos progenitores.

41. Por forma a ultrapassar o sucedido, passou a ser acompanhada por um psicólogo.

42. Sendo que até hoje persistem os sentimento acima enunciados, nomeadamente a perturbação emocional e o medo de novas investidas do progenitor.

Provou-se, ainda, relativamente à situação pessoal do arguido, com relevo para a determinação da sanção, que:

43. Actualmente exerce as funções de motorista, trabalhando por conta de outrem e auferindo € 960,00 mensais.

44. Reside sozinho em casa própria, suportando empréstimos na ordem dos € 450,00.

45. Paga actualmente uma prestação mensal no valor de € 130,00 à Segurança Social, por dividas contraídas.

46. Paga uma prestação de alimentos no valor de € 150,00.

47. No mais, tem as despesas normais do agregado familiar.

48. Estudou até ao 6º ano de escolaridade.

Resulta, bem assim, do relatório social elaborado pela DGRSP que:

49. Desde Novembro de 2017, depois da separação da família constituída, o arguido mantém-se a viver sozinho.

50. Os dois imóveis, onde reside e onde permanece o restante agregado familiar localizam-se em Portimão e são ainda bens comuns do casal.

51. JJ apresenta um historial de emprego mais instável nos últimos anos, sendo que agora presta serviços de motorista e transporte de mercadorias para uma empresa de construção civil.

52. O arguido é natural do norte do país, tendo-se autonomizado precocemente da família de origem vindo sozinho trabalhar para Portimão cerca dos 16 anos. É um indivíduo com um baixo nível de instrução, mas empreendedor no seu trabalho, que desenvolveu ao longo de 30 anos como serralheiro de construção civil,

53. Aos 26 anos casou com SP, contexto em que nasceram três filhos, que contam no presente 22, 19 e 7 anos de idade.

54. A iniciativa da separação e divórcio coube à esposa, assumindo a situação um carácter definitivo na sequência do último episódio que esteve na base do presente processo, determinante da intervenção policial.

55. O casal há muito apontava dificuldades de relacionamento, intensificando-se conflitos e repetindo-se períodos de separação e reconciliação.

56. Dentre os factores de stress observaram-se com algum impacto as questões económicas, atribuindo-se mutuamente os dois elementos do casal a má gestão dos recursos. Também as questões educativas surgem como ponto de discórdia. O arguido expressa a crença da instrumentalização dos filhos contra si, por oposição à ex-esposa que enfatiza a preocupação quanto ao impacto nos descendentes do testemunho e por vezes vitimização directa dos comportamentos agressivos do pai.

57. O divórcio terá sido decretado pela via litigiosa e a regulação do exercício das responsabilidades parentais determina que o arguido seja impedido de contactar a filha mais nova. Os outros dois filhos, já maiores de idade, no presente recusam contactos com o pai. Está ainda por decidir a divisão de bens.

58. A colaboração pecuniária a título de alimentos não está a ser pacífica, vendo-se com múltiplos encargos, face aos quais é manifestamente desorganizado, sem grande sentido das obrigações em geral. Vê designadamente os contributos à ex-mulher como um prejuízo/um aproveitamento da outra parte.

59. JJ revela dificuldade em perceber o ponto de vista de SP ou avaliar o seu próprio contributo para o insucesso do casamento, mostrando-se rígido na forma como vê a sua própria relação e interpreta os comportamentos da ex-mulher e dos filhos.

60. Admite algumas características individuais como a irascibilidade ou o baixo auto-controle, mas revela uma baixa capacidade para reflectir sobre as consequências nos outros ou para se dispor a mudar.

61. Não reconhece a oportunidade do actual problema judicial, não se revendo em questões de violência doméstica, vendo-se como o principal prejudicado na situação. Mostra-se confuso na distinção dos processos de natureza penal e de jurisdição de família e menores. Ainda assim, desde que foi constituído arguido, não houve registo a mais comportamentos de ofensa ou importunação.

62. Dos factores de risco cumpre salientar: O baixo sentido empático, designadamente para com a ex-mulher e filhos; A rigidez psico-afetiva demonstrada; As distorções cognitivas quanto ao amor e às funções familiares.

(…)

VI. DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
Ao crime de violência doméstica praticado pelo arguido cabe, em abstracto, uma pena de prisão de 2 a 8 anos. O crime de ofensa à integridade física qualificada igualmente cometido pelo arguido é punido com uma pena de prisão até 4 anos. Por ultimo, ao crime de injúria praticado cabe uma pena de prisão até 3 meses ou pena de multa até 120 dias. Tal como estipulam os nºs 4 e 5 do actual art. 152º do C.Penal, pela prática do mencionado crime “podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima (…) pelo período de seis meses a cinco anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção da violência doméstica”, podendo a primeira incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho da vítima.

Dispõe o artigo 70º do C.Penal que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

Deste modo, a opção pela pena de multa deverá verificar-se sempre que o tribunal a entenda ajustada, de acordo com os critérios previstos no art. 40º do C.Penal, ponderada a sua adequação à protecção do bem jurídico visado pela norma penal violada, bem como à reintegração do agente na sociedade.

Tal como salienta a ilustre Profª. Fernanda Palma (15) “a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos – prevenção geral negativa –, incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos – prevenção geral positiva –. A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. A reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral.”

Ora, a circunstância de o arguido não registar antecedentes criminais, sustentam a convicção do Tribunal no sentido de a aplicação de uma pena de multa no que ao crime de injurias concerne ser susceptível de salvaguardar as exigências de prevenção e as finalidades da punição, não se impondo a aplicação de uma pena privativa da liberdade.

Importa, agora, determinar a medida concreta das penas a aplicar ao arguido, as quais, dentro da moldura abstracta, deve encontrar-se entre as exigências da prevenção geral positiva – o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade das normas – e a culpa em concreto do agente, como espaço de resposta às necessidades da sua reintegração social.

Na sua concretização ter-se-ão em atenção os fins das penas mencionados no art. 40º do C.Penal – protecção dos bens jurídicos protegidos e reintegração do agente na sociedade –, bem como os limites legais aplicáveis em função da sua culpa e das exigências de prevenção, sem esquecer todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime ou contra-ordenação, deponham a favor ou contra ele, tudo nos termos do art. 71º do C.Penal.

No que concerne às exigências de prevenção geral, revelam-se as mesmas intensas, atenta a expressão que a violência doméstica e as ofensas qualificadas assumem na sociedade portuguesa, a gravidade e a intensidade dos sentimentos em regra envolvidos por força da excessiva proximidade entre o agente e as vítimas e as consequências que os mesmos implicam ao nível individual, familiar e colectivo. De salientar os números dramáticos que estes tipos de ilícito vêm apresentando e, bem assim, o número de vítimas, directa e indirectamente, atingidas, muitas das vezes engrossando a lista de óbitos envolvendo elementos da mesma família. Não é de olvidar o facto de este ser, infelizmente, um fenómeno transversal a todas as classes sociais – embora com maior incidência nas classes mais desfavorecidas, já penalizadas com os inúmeros condicionalismos decorrentes das dificuldades económicas que atravessam, por si só potenciadoras de conflitos.

São igualmente elevadas no que às injúrias concerne face à incontestável danosidade social que os factos implicam e os sentimentos de perturbação que lhes estão associados.

É considerável o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido, atendendo, por um lado, à gravidade das ofensas infligidas, ao teor das injúrias proferidas e à forma como condicionou a vida, liberdade e auto-determinação das assistentes, com as inevitáveis consequências psicológicas que tal implicou na esfera destas.

No que concerne à culpa, o arguido previu e quis todos os resultados alcançados, actuando em conformidade com os mesmos, agindo, portanto, sempre, com dolo directo.

As exigências de prevenção especial são elevadíssimas.

Se por um lado se atende ao facto de o arguido não registar antecedentes criminais e de já se encontrar divorciado da assistente SP e de já não residir com a assistente MP, demonstra uma personalidade bastante impulsiva e agressiva, sem auto-controle e não revelou qualquer tipo de arrependimento ou interiorização da gravidade das suas condutas.

Ademais, revela bastante dificuldade em perceber o ponto de vista nomeadamente da ex-mulher e de avaliar o seu próprio contributo para o insucesso do casamento, revelando uma quase nula capacidade para reflectir sobre as consequências que os seus actos assumem na esfera dos outros ou para se dispor a mudar.

Evidencia, bem assim, ainda hoje, como salientado pelas técnicas da reinserção social, um baixo sentido empático com as vítimas e uma distorção cognitiva quanto ao amor e às funções familiares.

Atentas as considerações expendidas, julga-se adequada a aplicação ao arguido de:

- uma pena de 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, pela prática do crime de violência doméstica;

- uma pena de 1 (um) ano de prisão, pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificada;

- uma pena de 70 (setenta) dias de multa, pela prática do crime de injuria.

Entende, bem assim, o Tribunal, em face da factualidade apurada, ser de aplicar ao arguido, ao abrigo do preceituado no art. 52º nºs 1 alíneas b) e c) e e alínea b) e 152º nºs 4 e 5 do C.Penal:

- a pena acessória de frequência de programas específicos de prevenção de violência doméstica;

- bem como a pena acessória de proibição de contactos com a assistente SP, de qualquer natureza ou por qualquer meio, nomeadamente pessoais, telefónicos ou em redes sociais, incluindo o envio de mensagens de voz ou texto, pelo período de 3 (três) anos e 3 (três) meses;

- e a pena acessória de proibição de se aproximar do seu local de residência ou local de trabalho pelo período de 3 (três) anos e 3 (três) meses.

Deverá manter-se, por mais 6 meses, o programa de teleassistência a vítimas de violência doméstica de que actualmente beneficia SP, já implementado durante o inquérito.

Os crimes acima referidos encontram-se, como referido supra, numa relação de concurso real efectivo, pelo que, nos termos do disposto no artigo 77º/1 do C.Penal, haverá lugar à aplicação de uma única pena, obtida através de um cúmulo jurídico.

Atenta a identidade de duas das penas parcelares principais objecto de cúmulo, o limite superior da moldura penal abstractamente aplicável é de 4 anos e 3 meses de prisão e o limite inferior de 3 anos e 3 meses de prisão.

No caso presente, os factos praticados assumem bastante gravidade, embora o arguido não registe antecedentes criminais. Não confessou, nem revelou arrependimento. Pelo contrário assumiu uma postura vitimizante e evidencia uma postura agressiva, impulsiva e sem qualquer auto-controlo.

Ponderados estes factores, mostra-se adequada a aplicação de uma pena única de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão.

Uma vez fixada a pena de prisão, importa determinar se existe esperança na socialização do arguido em liberdade e na sua capacidade para não cometer novos crimes, ou seja, se existem razões fundadas e sérias que levem o tribunal a concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, o que possibilitaria a suspensão da sua execução ao abrigo do art. 50º do C.Penal.

Como atrás de deixou exposto, as funções das penas não são primordialmente punitivas, visando, antes, a ressocialização do condenado.

No caso dos autos, o arguido não regista antecedentes criminais e faz, neste momento, vidas separadas das assistentes, com quem não mais manteve contacto.

Nessa medida, apesar da gravidade dos ilícitos cometidos, está o Tribunal convicto que a ameaça de prisão mostra-se, ainda, suficiente para afastá-lo da criminalidade e, dessa forma, assegurar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Na verdade, entendemos que, neste momento, seriam maiores os prejuízos, para a ressocialização do arguido, decorrentes do cumprimento efectivo da pena do que a suspensão da sua execução, condicionada, naturalmente, ao cumprimento de determinadas condições e regras de conduta.

Importa, ainda, realçar que a reprovação pública inerente à pena suspensa, aliada ao cumprimento de condições, e o castigo que a pena envolve, aplicada num processo-crime e em audiência, satisfazem o sentimento jurídico da comunidade e, consequentemente, as exigências de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.

Assim, entende-se suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido pelo período de 3 (três) anos e 10 (dez) meses.

A suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido deverá ser acompanhada de regime de prova, da competência da D.G.R.S.P. (art. 53º do C.Penal), a incidir, nomeadamente: na avaliação psicológica para eventual apoio psicoterapêutico, a fim de trabalhar a estabilidade emocional e melhorar o autocontrolo.

No que concerne ao quantitativo diário da pena de multa – que poderá variar entre € 5,00 e € 500,00 –, deverá ser o mesmo determinado em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais (art. 47º/1 e 2 do C.Penal).

A este propósito, esclareceu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 02.10.1997, que o montante da multa “regra geral, deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado sem, no entanto, deixar de lhe serem asseguradas as disponibilidades indispensáveis ao suporte das suas necessidades e do respectivo agregado familiar.”

Ora, Em face das apuradas condições económicas do arguido, entende o Tribunal ser adequado, justo e equitativo, fixar o quantitativo diário da multa em € 6,00 (seis euros), o que, contabilizados os 70 dias de multa a que foi condenado, perfaz tal pena a quantia de € 420,00 (quatrocentos e vinte euros).

No caso de a multa não ser paga voluntária ou coercivamente, será a mesma convertida em prisão subsidiária, nos termos do disposto no art. 49º/1 do C.Penal, que o arguido cumprirá pelo tempo correspondente a 2/3 dos dias de multa a que foi condenada, ou seja, 46 (quarenta e seis) dias.

VII. DA PONDERAÇÃO DE ARBITRAMENTO DE INDEMNIZAÇÃO À ASSISTENTE SP

Prevê o legislador, no art. 82º-A do C.P.Penal, a respeito da reparação da vítima, que “não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham”.

Por seu turno, dispõe o art. 21º da L. 112/2009, de 16.06, diploma que define e regulamenta o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e assistência das suas vítimas, que “à vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito de obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável”, havendo “sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, excepto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser”.

Decorre do teor deste último preceito que, com excepção daqueles casos em que a vítima expressamente se oponha, o Tribunal deverá sempre ponderar o arbitramento de indemnização, já que a lei parece fazer presumir a existência de particulares exigências de protecção da vítima.

Pese embora não se ignore a letra da lei e alguma jurisprudência já publicada, consideramos que aquilo que a norma em causa impõe ao julgador é a ponderação do arbitramento da indemnização e não a sua fixação automática de um quantum indemnizatório, independentemente das circunstâncias do caso concreto. É que importa não esquecer que mantém a validade o disposto no artigo 496º/1 do C.Civil, de acordo com o qual, só os danos não patrimoniais que se revistam de gravidade, justificam a atribuição de indemnização.

Importa, por conseguinte, averiguar se in casu os factos que resultaram provados integram os pressupostos da obrigação de indemnizar.

Da prova produzida, resultaram demonstrados factos, imputáveis ao arguido, que são extremamente lesivos dos direitos de SP, mormente o direito à integridade física, dignidade pessoal, à honra, à reputação e ao bom nome, direitos subjectivos constitucional protegidos e civilmente tutelados. Ademais, os factos foram praticados pelo seu cônjuge a quem incumbiam deveres morais acrescidos de respeito, cooperação e assistência.

Por conseguinte, é de concluir que a conduta do demandado se revestiu de evidente e especial ilicitude.

Está igualmente comprovada a voluntariedade da conduta ilícita e inexiste qualquer causa de justificação ou de exclusão da culpa.

Decidida a questão da existência de uma conduta culposa e violadora de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, impõe-se apreciar a verificação dos restantes pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, ou seja, a existência de danos como consequência directa e necessária da conduta do arguido.

Considerando que só os danos resultantes da violação estão abrangidos pela obrigação de indemnizar, é necessário determinar, de entre as várias condições do evento danoso, as que legitimam a imposição dessa obrigação sobre o agente. Tal determinação faz-se de acordo com o disposto no art. 563º do C.Civil, nos termos do qual “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.”

Estabelece, por seu turno, o art. 562º do mesmo diploma legal, como princípio geral, que "quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação".

Na fixação da indemnização, nos termos do art. 496º do C.Civil, são considerados quer os danos patrimoniais, quer os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

No caso dos autos resultou sobejamente demonstrada a existência de danos não patrimoniais, porquanto a assistente SP, sofreu dores, suportou marcas físicas das lesões infligidas e foi afectada na sua dignidade pessoal, integridade física, bem como o seu equilíbrio psicológico e emocional, sofrendo sentimentos de humilhação, insegurança, medo e inquietação pela sua vida e integridade física. Sentimentos estes que ainda hoje perduram e que foram perfeitamente evidentes no decurso do julgamento.

Por conseguinte, sofreu danos de natureza não patrimonial que merecem a tutela do direito e justificam a atribuição de indemnização.

Considerando que, quanto a este tipo de danos, será impossível, na maioria das vezes, reconstituir a situação que existiria se o facto danoso não se tivesse verificado, deve o julgador conceder ao lesado o montante indemnizatório capaz de compensá-lo indirectamente pelos sofrimentos físicos, desgostos, entre outros, que o facto lhe causou.

Recorrendo à equidade, de harmonia com o que se estabelece no art. 496º/3 do C.Civil, considerando, por um lado, a relevância dos danos apurados, e por outro, o grau da culpa do lesante e a sua situação económica, entende-se adequada a condenação do arguido no pagamento a SP, sua ex-mulher, de uma indemnização cujo montante se fixa em € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).

Ao valor da quantia arbitrada a título de danos patrimoniais, acrescerão juros de mora, devidos desde o trânsito em julgado da presente sentença, à taxa legal, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 559º/1, 804º, 805º nºs 1 e 3 e 806º nºs 1 e 2 do C.Civil.

VIII. DO PEDIDO CÍVEL
A assistente MP deduziu pedido de indemnização civil no valor de € 2.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos na sequência dos factos de que foi vítima.

O pedido de indemnização civil deduzido assentou na prática do crime de ofensas qualificadas e injuria imputados ao arguido, em cumprimento do princípio da adesão constante do art. 71º do C.P.Penal.

Embora formalmente enxertado no processo penal, o pedido civil emergente da prática de um crime conserva a natureza de acção civil, sendo “a indemnização de perdas e danos emergentes de um crime regulada pela lei civil”, tal como estipula o art. 129º do C.Penal. O que nos remete para o Código Civil, mais especificamente para o âmbito da responsabilidade civil por actos ilícitos.

Ora, nos termos do disposto no art. 483º do C.Civil, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, “aquele que, com dolo ou mera culpa violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios”.

A indemnização por factos ilícitos pressupõe, assim, a verificação simultânea dos seguintes requisitos:

a) um acto voluntário do agente;
b) a ilicitude de tal acto;
c) o nexo de imputação do facto ao agente, ou seja, a sua prática a título de dolo ou mera culpa;
d) a existência de um dano por parte do assistente;
e) e um nexo de causalidade entre o facto praticado e o dano sofrido.

No caso dos autos, a prova produzida permitiu concluir que, de forma violenta, o arguido agarrou e puxou os cabelos da assistente e desferiu-lhe socos na face, cabeça e braços, causando-lhe dores, hematomas e 20 dias de doença. Mais se apurou que a apelidou, em pleno espaço publico, de “vaca” e “puta”.

Mais resultaram assentes a perturbação psicológica sofrida pela assistente, a ansiedade, a tristeza, a humilhação, a vergonha e o intenso receio ainda hoje sentido.

Como esclarece o ilustre Prof. Mota Pinto, “os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial são infungíveis, não podem ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro. Não se trata, portanto, de atribuir ao lesado um «preço de dor» ou um «preço de sangue», mas de lhe proporcionar uma satisfação, em virtude da aptidão do dinheiro para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses (…)”.

De acordo com o critério estabelecido no art. 496º do C.Civil, “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam tutela do direito”.

Ora, apesar de insusceptível de avaliação pecuniária, é naturalmente ressarcível a dor, perturbação, ansiedade, humilhação e receio sentidos pela assistente na sequência das condutas do arguido, seu próprio pai, e a circunstância de ter ficado com lesões que lhe determinaram um período de 20 dias de doença.

Na fixação do montante da indemnização o Tribunal tem em atenção, quer o grau de culpabilidade do agente, que no caso é elevado, quer a situação económica deste e do lesado, bem como as demais circunstâncias do caso que o justifiquem e que já foram oportunamente mencionadas na ponderação da ilicitude do comportamento do arguido. Assim impõem os arts. 496º/3 e 494º, ambos do C.Civil.

Ora, como se extrai das considerações supra expendidas relativamente à ponderação da pena a aplicar, a culpa do demandado é intensa, sendo a sua ilicitude elevada, devendo atender-se a todas as circunstâncias, também ali melhor descritas, que envolveram a prática dos factos e as consequências que daí advieram para a assistente.

A situação económica de arguido não é desafogada, face às dívidas contraídas. Nada se apurou relativamente às condições de vida da assistente, para além de ser estudante.

Desta forma e atenta a factualidade provada, entende o Tribunal que o montante peticionado pela demandante, no que aos danos não patrimoniais concerne, se mostra ligeiramente excessivo, julgando-se adequada e equitativa uma indemnização no montante de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de compensação pelos danos sofridos em razão da ofensa e injuria de que foi vítima.

Ao valor da quantia arbitrada a título de danos não patrimoniais, acrescerão juros de mora, devidos desde a notificação para contestação do pedido cível, à taxa legal, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 559º/1, 804º, 805º nºs 1 e 3 e 806º nºs 1 e 2 do C.Civil.”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP (AFJ de 19.10.95) – que, no caso, não se detectam – as questões a apreciar respeitam à pena e ao montante indemnizatório.

Da impugnação da decisão sobre a pena
Considera o recorrente que “a sentença recorrida violou o princípio da proporcionalidade e da necessidade da sanção criminal e princípio da culpa consagrados nos artigos 40.°, 41.°, 70.° e 71.° do Código Penal, pois que, na verdade, as penas (principais e acessórias) aplicadas ao arguido, afiguram-se demasiado elevadas e injustas, ultrapassando o juízo de censura que o ora Recorrente merece”. Alega que “não se conforma com a fundamentação conjunta da pena do crime de violência doméstica cometido a contra mulher, agora ex-mulher, tendo-se apurado atos isolados (sete atos) e reiterados (no período de oito anos), com a pena do crime de ofensa à integridade física qualificada cometido contra a filha, tendo-se apurado um único ato isolado ocorrido no dia 25/11/2017”, que “a ilicitude, a culpa e as necessidades de prevenção são absolutamente distintas, não obstante existirem laços comunicantes entre os dois crimes, a valorização da medida concreta da pena sem destrinçar a individualidade de cada um dos crimes, viola os artigos 40.°, 41.°, 70.° e 71.° do Código Penal”, que “o grau de ilicitude não é considerável, porquanto «não terem resultado lesões muito graves para as assistentes» (vide Promoção do MP aquando da utilização da faculdade constante no art. 16.º, n.º3 do CPP), os atos apesar de reiterados no período entre Verão de 2010 e 25/11/2017, foram 7 (sete) atos isolados”.

Sinaliza, por último, a ausência de antecedentes criminais, a integração social e profissional, a circunstância de fazer vidas separadas das assistentes, com que não mais manteve contacto, e de existir uma filha menor em comum, vendo-se assim limitado no exercício das suas responsabilidades parentais nos eventuais e futuros contactos/visitas com os filhos.

Mas o recorrente não tem razão. Lida a sentença, não se vislumbram erros de decisão em matéria de pena, tanto no que respeita às penas parcelares, como à pena única e às penas acessórias aplicadas. Ou seja, a argumentação que desenvolve não fragiliza em nada o decidido na sentença.

Recorda-se que os recursos são sempre remédios jurídicos e que também em matéria de pena mantêm o arquétipo de recurso-remédio. E a propósito da determinação concreta da pena, a doutrina mais representativa e alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça têm sufragado o entendimento de que a sindicabilidade da medida da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (cf. Figueiredo Dias, DPP. As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197).

Assim, o tribunal ad quem não julga de novo, não determina a pena como se inexistisse uma decisão de primeira instância, e a sindicância dessa decisão (de primeira instância) pelo tribunal superior não abrange a fiscalização do quantum exacto de pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se revele proporcionada. E não inclui a compressão da margem de apreciação livre reconhecida ao tribunal de primeira instância enquanto componente individual do acto de julgar. E a margem de liberdade do juiz de julgamento nos limites expostos, abrange todo o processo prático de decisão sobre a pena.

Dentro deste quadro de entendimento e de definição dos poderes de cognição da Relação, e perante uma argumentação em recurso que nada de novo, e de ainda não apreciado (e que o devesse ter sido) traz à discussão, é de reconhecer que a leitura da sentença leva a concluir que esta não evidencia qualquer inobservância de regra legal ou de princípio (legal e constitucional) respeitante à pena, concretamente no que se refere à(s) medida(s) (das penas parcelares e única), à determinação das penas de substituição e à aplicação das penas acessórias. Tudo se mostra correctamente justificado na sentença, mostrando-se a pena exaustivamente fundamentada passo a passo, no seu iter aplicativo que o tribunal, no exercício de uma actividade sempre judicialmente vinculada, percorreu.

Adite-se que, na interacção com o arguido, dispôs o colectivo de julgamento de condições óptimas para poder avaliar as necessidades de pena, condições seguramente melhores do que aquelas de que dispõe a Relação. Este quadro de dissimilitude das “distâncias” é o naturalmente decorrente da distinção de tratamento entre uma existência de imediação e uma ausência dela. Note-se que, também aqui, o arguido tem não apenas o dever mas também o direito a estar (presencialmente) perante o juiz que lhe fixa a pena.

Este direito de audiência e de presença, expressão máxima do princípio contraditório e do exercício dos direitos de defesa, visa facultar ao tribunal que vê e ouve o arguido, que interage directamente com ele, o máximo de informação sobre a sua personalidade, circunstância necessariamente (muito) relevante no processo de determinação da sanção.

Todas as circunstâncias apresentadas pelo arguido no recurso como “atenuantes”, se mostram já devidamente ponderadas na sentença.

E agora contrariamente ao alegado em recurso, não se tratou “apenas de sete episódios isolados” (os quais, refira-se, só por si justificariam já a pena aplicada). Os sete episódios a que o arguido se refere terão sido os sete episódios mais expressivos no sentido da sua significância penal típica. Para além destes, que devidamente se encontram bem concretizados nos factos provados, outros se podem também ali descortinar. Assim, releiam-se com mais atenção os pontos de facto seguintes:

“29. Durante o relacionamento, por inúmeras vezes, em datas não determinadas, o arguido dirigiu-se à esposa apodando-a de “puta”, “vaca”, “cabra”, “saco de merda” e “puta de merda”.

31. Nas mencionadas ocasiões e em todas as outras que a assistente SP teve de suportar, o arguido quis molestá-la física e psicologicamente, conforme molestou, sabendo que as expressões que lhe dirigia a ofendiam na sua honra e consideração.

32. O arguido quis causar-lhe dor, atormentá-la, inquietá-la, perturbá-la, causando-lhe medo, ansiedade, nervosismo, insegurança e intranquilidade, afectando a sua liberdade de movimentos e auto-determinação, situação que ainda perdura até à presente data e que foi evidente no decurso da audiência de julgamento.”

Ainda contrariamente ao alegado em recurso, o grau de ilicitude mostra-se devidamente mesurado e avaliado, sendo descabida a invocação da “promoção do MP aquando da utilização da faculdade constante no art. 16.º, n.º3 do CPP”. Uma coisa é considerar que o grau da ilicitude do facto e a culpa do agente é compatível com uma punição com pena de prisão não superior a cinco anos (e assim se encontra, efectivamente, punido o arguido), outra, o considerar que dentro desta moldura encontrada ao abrigo do disposto no art. 16º, nº 3, do CP o grau da ilicitude não seja considerável.

Também contrariamente ao invocado, foram devidamente sopesadas “as circunstâncias que depõem a favor do arguido, nomeadamente: - O arguido não regista antecedentes criminais; - O arguido já se encontra divorciado da assistente SP; - O arguido já não reside com as assistentes SP e MP; Após o último ato criminal em 25/11/2017, antes, durante e após o julgamento não se verificaram quaisquer perturbações relevantes com as assistentes - O arguido está social e profissionalmente integrado; - O arguido faz, neste momento, «vidas separadas das assistentes, com que não mais manteve contacto.»

Com efeito, a avaliação adequada das exigências de prevenção especial conduziu já à suspensão da execução da pena de prisão, havendo então que compatibilizar esta prognose na ressocialização em liberdade com o reforço das medidas que em concreto se revelarem necessárias, não só à protecção da vítima deste processo, como à ressocialização do condenado, na sociedade e para a sociedade. O que passa necessariamente por uma alteração do comportamento deste, designadamente no seu relacionamento com a mulher com quem prive mais intimamente, no âmbito de relações afectivas futuras que possa vir a desenvolver.

Com efeito, a pena, na sua vertente de prevenção especial, visa prevenir a recidiva criminosa, obstar a que o arguido volte a atentar contra os bens jurídicos protegidos com a(s) norma(s) penal(is), e não necessariamente (e apenas) impedir que atente tão só contra esta vítima em concreto.

Ou seja, visa-se punir para recuperar. Recuperar o condenado para a sociedade, numa actuação de respeito pelos bens jurídicos, no sentido de o arguido interiorizar que a forma como se relaciona, como se pode e deve relacionar, com a sua mulher, companheira, namorada, no âmbito de uma qualquer futura relação, não pode incluir comportamentos como os provados nos factos da sentença. O mesmo se diga na relação com os seus filhos.

Nesta medida, e sempre face aos factos provados da sentença e independentemente de o arguido já se encontrar separado da(s) vítima(s), mostra-se plenamente justificada a aplicação das penas acessórias, designadamente da obrigação de frequência de um programa específico de prevenção de violência doméstica (nº 4 do art. 152º do C.Penal), que não necessita do acordo ou aceitação do condenado (a lei não o exige). Se o condenado optar por incumprir, sujeita-se às consequências do incumprimento, máxime à revogação da suspensão da prisão. O n.º3 do art. 52.º CP sujeita ao consentimento do condenado apenas o “tratamento médico” e o “internamento em instituição”, o que não foi ponderado nem aplicado. A pena aplicada não contém nenhuma obrigação cujo cumprimento não seja razoavelmente de exigir (art. 51º, nº 2, do CP).

Também não corresponde à verdade a afirmação de que “a proibição de contactos com a ofendida é inexequível, por ser fisicamente impossível, e desnecessária para a finalidade pretendida, ou seja, para que a sanção principal satisfaça de forma adequada e suficiente as necessidades da punição, designadamente evitando eventuais comportamentos ilícitos por parte do arguido” e que “a circunstância de terem uma filha menor em comum é um sério condicionador/obstáculo ao exercício das responsabilidades parentais do arguido, vendo-se limitado no exercício das suas responsabilidades parentais nos eventuais e futuros contactos/visitas com os filhos”.

O exercício das responsabilidades parentais, a regular em sede própria que não no processo penal, não é incompatível com a proibição de contacto com a ofendida, podendo esta circunstância (da proibição de contacto) ser enquadrada e ponderada na determinação do regime de responsabilidades parentais.

Em suma e para concluir, é de reconhecer o total acerto no processo de determinação da pena (das penas parcelares, da pena única e das penas acessórias), no que respeita a todos os crimes cometidos pelo arguido.

Visando a pena finalidades exclusivamente preventivas, mostram-se ali devidamente avaliadas as exigências de prevenção geral e especial, que se mostram elevadas e que foram ali correctamente mensuradas e sempre factualmente concretizadas. O tribunal atendeu aos itens enunciados no art. 71.º do CP que, não fazendo parte do tipo de crime, depunham a favor e contra o arguido, detalhando-os e concretizando-os factualmente, nos termos transcritos.

Da impugnação da decisão sobre o quantum indemnizatório
O arguido impugna também o quantum indemnizatório alegando que “face à situação socioeconómica do arguido, à ilicitude, a culpa e aos danos dos factos provados nos autos, o arbitramento de indemnização à assistente SP no montante de €2.500 e da condenação do pedido cível à assistente MP no montante indemnizatório de €1.500 por danos não patrimoniais, são violadores do princípio da equidade, por serem desproporcionais e desadequadas por excesso.”

O Ministério Público suscitou a questão prévia da irrecorribilidade da decisão em matéria cível, considerando ainda carecer de legitimidade para responder ao recurso no concernente à condenação no pedido de indemnização civil da assistente MP.

Alegou que “para efeito do preenchimento do artigo 400.º, n.º 2 do CPP, cumpre subsumir cada um dos valores indemnizatórios ao crivo do valor da alçada, sendo que no caso do arbitramento da indemnização no valor de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), verifica-se a falta do primeiro requisito, o do valor pedido e, relativamente à decisão desfavorável sempre se dirá que o valor arbitrado tem o valor exacto de €2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), não sendo possível, salvo melhor opinião, recorrer desta parte da douta sentença do Tribunal a quo.”

Na verdade, o art. 400º, nº 2 do CPP preceitua que “o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade dessa alçada”.

Assim, o recurso da parte da sentença relativa à matéria civil seria, no presente caso, inadmissível, já que não se verificam, relativamente a cada parcela individualmente considerada, os dois requisitos que a lei exige cumulativamente para a recorribilidade. Desde logo, inexiste qualquer pedido formulado situado além do valor da alçada do tribunal recorrido (de € 5000,00).

Mas mesmo considerando o valor total da condenação em matéria cível (e aceitando agora que este ultrapassaria o valor de metade da alçada), sempre a sentença seria, também nesta parte, de confirmar.

Com efeito, o recorrente limita-se a tecer afirmações conclusivas sobre uma alegada desproporção dos valores arbitrados. Mas o certo é que inexiste motivo para discordar dos itens que, na sentença, relevaram na quantificação dos danos (acrescente-se que na mensuração destes releva ainda o período de tempo, longo, em que os factos se desenrolaram, no que respeita à violência doméstica). Estas verbas respeitam ainda o referente jurisprudencial e os valores atribuídos em casos semelhantes. Pois como se refere no acórdão do STJ de 02.03.2011 (a propósito da quantificação do dano morte) “não pode deixar de ser ponderado o que se decidiu em casos anteriores, relativamente semelhantes”, não sendo conveniente “alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos. Há que não perder a realidade económica e social do país. E é vantajoso que o trajecto no sentido de uma progressiva actualização das indemnizações se faça de uma forma gradual, sem rupturas e sem desconsiderar (muito pelo contrário) as decisões precedentes acerca de casos semelhantes”.

Em suma, os valores fixados na sentença encontram-se próximos dos montantes indemnizatórios que têm vindo a ser fixados para casos semelhantes, mostram-se adequados à concreta dimensão dos danos causados às vítimas (a sentença avaliou-os devidamente) e não se afigura incomportável para a capacidade económica do lesante.

Nenhum reparo merece, pois, a decisão, também na parte civil.

4. Face ao exposto, decide-se rejeitar o recurso atenta a sua manifesta improcedência (arts. 420º, nº1, al. a) e 417º, nº 6 –b) do CPP).

Custas cíveis e crime pelo recorrente, fixando-se as custas crime em 3UC (art. 420º, nº3 do CPP).

Évora, 20.02.2019

(Ana Maria Barata de Brito).