Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
164/23.5JAFAR-E.E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: NULIDADE PARCIAL DE ACÓRDÃO
IMPEDIMENTO
Data do Acordão: 07/10/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Tratando-se de decretamento pelo tribunal superior de nulidade parcial de Acórdão proferido em 1ª Instância, tem de ser o mesmo tribunal a proferir nova decisão devidamente expurgada do vício assinalado, pois só o mesmo assistiu integralmente à produção de prova e pode pronunciar-se, obedecendo ao princípio da imediação, sobre o fundo da causa.
O Tribunal Constitucional foi já por diversas vezes chamado a pronunciar-se, em sede de fiscalização concreta, tendo vindo sempre a declarar a conformidade constitucional da interpretação que considera não haver impedimento na participação de juízes em novo julgamento, anulado o antecedente, quando essa anulação não seja resultado de «vícios intrínsecos e lógicos do conteúdo da própria decisão», mas antes «ditada reflexamente por via da anulação de atos posteriores em consequência do cometimento de uma nulidade decorrente da tramitação da causa.»
Decisão Texto Integral: Considerando que o acórdão do pretérito dia 25/06 (que não foi notificado porque, logo depois da conferência, oficiosamente se detetou a omissão de pronúncia no dito quanto ao recurso interposto pela arguida e, por isso, tal notificação integraria ato inútil, logo proibido, uma vez que ia ser lavrado o novo acórdão) não se pronunciou sobre o recurso da arguida, importa que seja suprida tal omissão, o que se faz nos exatos termos do acórdão que se segue, que, assim, substituirá aquele.
Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - Relatório.

No Juízo Central Cível e Criminal de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo comum coletivo n.º 164/23.5JAFAR, tendo aí sido proferido acórdão com o seguinte teor (transcrição, na parte que interessa à decisão nos presentes autos):

“Tratando-se apenas da prolação de um novo acórdão nos termos determinados e não da realização de novo julgamento, inexiste qualquer fundamento para a declaração de impedimento requerida, o que se declara.”

Inconformado, o arguido AA interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“I – O presente Recurso tem como objeto toda a matéria de facto e de direito da Decisão proferida no dia 17/12/2024, através da qual os Juízes que compõe o Coletivo, não declararam o impedimento para tramitar os presentes autos, alegadamente por não existirem fundamentos e, indeferiram o pedido de afastamento requerido pelo ora Recorrente.

II – O Recorrente tem legitimidade e fundamentos sérios para requer o Incidente de Impedimento, na forma do artigo 41.º, n.º 2 do CPP, razão pela qual insurge-se contra toda a matéria de facto e de direito da citada Decisão.

III – O incidente de impedimento foi apresentado, no seguimento do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, datado de 22/10/2024, que declarou a nulidade do Acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de … – Juiz …, por utilizar, na formação da convicção do julgador, prova ilegal e de valoração proibida.

IV – Dada a ilegalidade, que contaminou a prova, que foi indevidamente valorada pelo Coletivo de Juízes, a Segunda Instância determinou que fosse reconfigurada toda a matéria de facto e respectiva matéria de direito, suprimindo a valoração das declarações em Primeiro Interrogatório.

V – Sucede que a verdade é que que o Coletivo de Juízes, que proferiram a Decisão anulada, tiveram acesso e tomaram total conhecimento acerca da referida prova proibida, pois ouviram a mencionada prova, a valoraram, e dela fizeram menção expressa no Acórdão ora anulado, como sendo um fundamento determinante para a condenação.

VI – Ao ser reconhecida a ilegalidade do referido meio de prova, a verdade é que se torna impossível que seja atribuído aos mesmos Julgadores o dever de reanalisar o processo e proferir novo Acórdão, de modo imparcial e isento, uma vez que não vão passar a se esquecer daquilo que ouviram e de quais conclusões retiraram da valoração de uma prova proibida e ilegal.

VII – Nesse sentido, não temos dúvidas de que a imparcialidade e isenção do Coletivo de Juízes está flagrantemente comprometida, pois tomaram conhecimento das provas proibidas e ilegais, a valoraram e proferiram um Acórdão condenatório, que, entretanto, foi anulado, de modo a valorar uma prova proibida.

VIII – O presente processo envolve a suposta prática de crimes graves, alegado duplo homicídio de um casal em uma quinta em ….

IX – A causa das mortes do casal não foram sequer descobertas, tendo em conta que as Autópsias foram totalmente inconclusivas, podendo ter ocorrido mortes naturais, suicídios ou qualquer outra causa do falecimento, pelo que jamais podemos presumir que o casal … foi assassinado pelo Recorrente.

X – O ora Recorrente não pode jamais ser condenado, à convicção, por um duplo homicídio sem que seja apurada sequer qual foi a real causa da morte do casal … e, é precisamente neste sentido que o Tribunal da Relação determinou que não se pode valorar a prova ilegal e proibida.

XI – Não existe qualquer testemunha que tenha presenciado qualquer agressão ou espancamento do casal …, não existe nenhuma imagem de videovigilância, tampouco qualquer prova cabal e inabalável para concluir que o casal … foi assassinado pelos arguidos.

XII – Não está minimamente provada a prática dos crimes de homicídios, pelo que não existe respaldo probatório mínimo da materialidade dos crimes, tampouco da autoria da sua prática, situação que não pode ser presumida ou hipotético, razão pela qual invoca-se o princípio da presunção de inocência.

XIII – O Coletivo de Juízes, que se depararam com uma prova ilegal e proibida, não podem ser mantidos no caso, para fins de proferir um novo Acórdão, pois coloca em causa a própria credibilidade do sistema judicial.

XIV – O Tribunal da Relação de Évora não teve dúvidas nenhumas e foi perspicaz e brilhante ao se aperceber que o Coletivo de Juízes valorou provas ilegais e proibidas, motivo pelo qual determinou a anulação da Decisão de Primeira Instância.

XV – O impacto da valoração de uma prova proibida e ilegal na pessoa dos Julgadores, parece-nos evidente, pois estes formaram a sua convicção para condenar, estritamente pela valoração de uma prova ilegal e proibida, que, caso não tivessem acesso, certamente, teriam que absolver os arguidos.

XVI – A manutenção dos mesmos Julgadores do Coletivo de Juízes à frente do caso, compromete a própria imparcialidade e isenção, exigida ao Tribunal, motivo pelo qual não restam dúvidas de que devem ser afastados dos autos, em absoluto respeito ao princípio da presunção de inocência, até porque o Tribunal não pode assumir o risco de condenar inocentes, sem provas reais.

XVII – Ainda como outro fundamento forte para determinar o afastamento e substituição dos Juízes, não podemos nos olvidar que estamos diante de um processo mediático, tendo sido reproduzidas, na comunicação social, todas as impressões do Coletivo de Juízes, durante a Leitura do Acórdão.

XVIII – No dia 03/04/2024, o Jornal … revelou que: “Na leitura do acórdão, a presidente do Coletivo de Juízes salientou o comportamento de AA e BB, "que agiram com uma única intenção: tirar a vida ao casal". "Os senhores tiveram uma total insensibilidade e desprezo pelas vítimas e ausência de qualquer ato se desculpa ou arrependimento ", concluiu. ”

Conteúdo disponível em: hps://…casal-condenado-a-22-anos-de-prisao-por-duplo-homicidio-de-…-em-…

XIX - No mesmo dia 03/04/2024, a Agência …, através do …, repercutiu que:

“Presidente do coletivo de juízes sublinhou a "ausência de qualquer ato de pesar ou arrependimento" dos homicidas e que o tribunal "não tem dúvidas de que foram os dois que mataram estas pessoas".”

Conteúdo disponível em: hps://…/casal-condenado-a-22-anos-de-prisao-pelo-homicidio-de-idosos-…-em-…

XX – No mesmo sentido, o Jornal …, noticiou, no dia 03/04/2024, que: “Na leitura do acórdão, a presidente do colectivo de juízes que julgou o caso referiu que o tribunal "não tem dúvidas de que foram os dois que mataram estas pessoas" e deu como provados os dois crimes de homicídio e um de furto de que estavam pronunciados.”

Acessível em: hps://…/sociedade/noticia/casal-condenado-22-anos-prisao-homicidio-idosos-…-…-…

XXI – As impressões manifestadas pelo Coletivo de Juízes, através das declarações prestadas pela Juíza Presidente em sede de Leitura do Acórdão, foram amplamente divulgadas em vários outros canais da internet, inclusive em jornais de grande repercussão nacional, repercutir nas rádio e televisão.

XXII – O impedimento alardeado pelo Recorrente ocorreu posteriormente à determinação dos Juízes e revelaram-se por estes terem tido acesso às provas ilegais e proibidas, que jamais poderiam ter sido valoradas, motivo pelo qual ficou inexoravelmente comprometida a independência e a imparcialidade da manutenção dos referidos magistrados.

XXIII – O Coletivo de Juízes formou a sua convicção pessoal quanto à culpabilidade dos arguidos, por meio da valoração de provas proibidas e ilegais, tendo repercutido as suas impressões e convicções no dia da Leitura do Acórdão, situação que foi amplamente noticiada na comunicação social.

XXIV – E, o conhecimento que os Julgadores tiveram sobre as provas ilegais e proibidas, não pode ser apagado ou ignorado, pelo que o Recorrente considera que Coletivo de Juízes sempre terá a tendência, ainda que indireta, de valorar aquilo que tiveram conhecimento, mesmo que não possa referir no Acórdão que a decisão de condenar foi tomada com base na prova ilegal.”

Pugnando, em síntese, pelo seguinte:

“TERMOS EM QUE, E, NOS DEMAIS DE DIREITO, O RECURSO DEVE SER RECEBIDO, COM EFEITO SUSPENSIVO. NO MÉRITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, DEVE SER ACOLHIDO O PRESENTE INCIDENTE DE IMPEDIMENTO, EM ATENÇÃO AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 40º, 41.º, n.º 2, 42.º, n.º 3 E 43.º, n.os 1 E 3 DO CPP, AOS ARTIGOS 1º, 2º, 8º, 16º, 32º, n.os 1, 2 E 9; E 204º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, DE MODO A DETERMINAR O AFASTAMENTO DOS JUÍZES QUE PROFERIRAM O ACÓRDÃO ANULADO, POIS OS REFERIDOS JULGADORES TIVERAM ACESSO À PROVAS PROIBIDAS E REVELARAM TODA A SUA CONVICÇÃO COM BASE NAS PRÓPRIAS IMPRESSÕES E CONCLUSÕES QUE RETIRARAM ACERCA DAS PROVAS ILEGAIS A QUE TIVERAM ACESSO, CONFORME RESTOU AMPLAMENTE DIVULGADO PROCESSUALMENTE, MAS TAMBÉM ATRAVÉS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL, SITUAÇÃO QUE COMPROMETE IRREMEDIAVELMENTE A IMPARCIALIDADE E ISENÇÃO DO TRIBUNAL, QUE DEVE RESPEITAR O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, EM VIRTUDE DA NOTÓRIA AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO DA CAUSA DAS MORTES, CONFORME AUTÓPSIAS REALIZADAS NOS PRESENTE AUTOS, QUE FORAM INCONCLUSIVAS, SITUAÇÃO QUE EVIDENCIA QUE NÃO PODEM SER MANTIDOS OS MESMOS JULGADORES PARA A PROLAÇÃO DE UM NOVO ACÓRDÃO, SOB PENA DE COMPROMETER A PRÓPRIA CREDIBILIDADE JUDICIAL.”

Em resposta, o MP concluiu que (transcrição):

“1 – O Tribunal da Relação de Évora declarou a nulidade parcial do Acórdão recorrido e determinou prolação de nova decisão, na qual deve ser excluída o meio de prova que considerou ilegal por ser meio proibido de prova.

2 – Na sequência do decidido, o recorrente suscitou o incidente de suspeição, alegando para tal que não pode a nova decisão ser proferida por aquele Tribunal Coletivo atento à alegada falta de imparcialidade e de isenção que os mesmos terão, porquanto os mesmos apreciaram o nominado meio de prova proibido e ilegal.

3 – Contudo, o Tribunal Coletivo a quo entendeu ter legitimidade para proferir o novo acórdão, afirmando de que não se trata de um novo julgamento e, é desta decisão que o recorrente recorre.

4 - Cremos, salvo o devido respeito, que não assiste razão ao recorrente, não merecendo censura o Despacho ora recorrido, e, consequentemente, o recurso está condenado à improcedência.

5 – O Tribunal de 2ª Instância não ordenou um segundo/novo julgamento,

6 – Apenas declarou nulo parcialmente o acórdão proferido pelo Tribunal a quo.

7 – Pelo que tem o Tribunal coletivo a quo que formular novo acórdão, não valorando o meio de prova considerado proibido e ilegal.

8 – O julgamento ocorreu perante “este” Tribunal a quo, que assistiu a toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, e que tem condições em proceder na avaliação da mesma respeitando os princípios da oralidade e da imediação, princípios fundamentais que visam assegurar o princípio basilar do julgamento em processo penal – o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador.

9 - Assim, bem decidiu o Tribunal Coletivo em declarar que inexistia fundamento para a declaração de impedimento requerida pelo recorrente.

10 – Pelo que, não merecendo quaisquer reparos deverá, pois, ser mantido, nos seus precisos termos, o despacho ora recorrido.”

Pugnando, em síntese, pelo seguinte:

“Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmado o despacho ora recorrido, nos seus precisos termos.”

Também a arguida BB interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“I - A Recorrente apresentou Incidente de Impedimento, com pedido de afastamento dos Juízes, na forma do artigo 41.º, n.º 2 do CPP, que não foi acolhido pela Decisão do dia 17/12/2024, que ora é objeto de Recurso.

II – Contudo, a Recorrente indigna-se contra toda a matéria de facto e de direito da referida Decisão.

III – O Acórdão de Primeira Instância foi anulado porque os Juízes formaram a sua convicção através da valoração de uma prova proibida, conforme brilhante Acórdão da Relação de Évora, de 22/10/2024.

IV – O Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora foi enfático e digno de aplausos, por tutelar os direitos da arguida.

V – Os Juízes foram expostos, tiveram acesso e tomaram conhecimento de prova ilegal e proibida, o que foi determinante para a condenação, mas que jamais poderiam ter sido valorados.

VI – Por terem sido expostos à prova ilegal, proibida e ilícita, os Juízes devem ser afastados, pois já não reúnem condições para decidir o processo, de forma isenta, imparcial e independente.

VII – A Recorrente insiste que o afastamento dos Juízes é a única forma de se assegurar a isenção e a imparcialidade judicial, uma vez que os Juízes não podem se olvidar do que ouviram na prova ilegal e proibida, situação que seria humanamente impossível.

VIII – Não podem ser os mesmos Julgadores a proferirem uma nova Decisão de Primeira Instância, pois a sua isenção e credibilidade, acabou por ser, inegavelamente, afetada, quando valoraram e decidiram com base em uma prova ilegal e proibida.

IX – A seriedade do processo é evidente, uma vez que a Recorrente arrisca uma pena extremamente grave, pelo que o julgamento dos autos vai ditar o seu futuro, definir a sua vida e a forma como vai viver até o restou da sua vida, se em liberdade ou em situação de reclusão.

X – A Recorrente não pode consentir e tolerar que seja julgada por um Coletivo de Juízes que foi exposta à prova proibida e ilegal, razão pela qual ostenta total legitimidade para recorrer da Decisão que indeferiu o incidente de impedimento.

XI – O Acórdão de Primeira Instância foi anulado, graças à extrema competência dos Desembargadores da Relação de Évora, que, foram extremamente perspicazes em constatar a ilegalidade da prova proibida.

XII – A anulação do Acórdão fez “renascer” esperanças à ora Recorrente, propiciou um sentimento de alívio e assegurou extrema confiança nos julgados do Tribunal da Relação de Évora.

XIII – A Recorrente sempre confiou na sua inocência, e, sempre teve a convicção de que não poderia ser julgada à convicção.

XIV – Certamente, a sensibilidade e a competência dos Desembargadores que anularam a condenação de Primeira Instância, decorreu do facto de as Autópsias serem inconclusivas e não determinarem a causa das mortes.

XV – As Autópsias foram totalmente inconclusivas e não determinaram sequer qual foi a causa das mortes e provam a inocência da Recorrente.

XVI – Se não sabemos sequer as causas das mortes, como as pessoas poderiam ser condenadas como autoras de um duplo homicídio?

XVII – Não podemos presumir que o casal foi assassinado, uma vez que as Autópsias foram inconclusivas e não desvendaram a causa das mortes, motivo pelo qual deve incidir o princípio da presunção de inocência.

XVIII – As mortes podem ter ocorrido por causas naturais, podem ter sido através de suicídios ou qualquer outra causa do falecimento.

XIX – A prática de crimes não pode ser presumida ou hipotética, pois não existe respaldo probatório para se configurar sequer a autoria, tampouco a materialidade, até porque nem sequer se sabe se terá ocorrido crimes ou se as mortes foram naturais.

XX – É impossível afirmar categoricamente que os arguidos cometeram os alegados crimes de homicídios: não existe nenhuma testemunha que tenha presenciado qualquer agressão ou espancamento do casal alemão, tampouco existem imagens de videovigilância, muito menos existe qualquer prova cabal para afirmar que o casal de … foi assassinado.

XXI – Sem sequer apurarmos quais foram as causas das mortes, não se pode julgar à convicção, e presumir que ocorreram crimes de homicídios é totalmente desleal, motivo pelo qual justifica-se o pedido de afastamento dos Juízes e o recurso sobre tal matéria.

XXII – O Tribunal da Relação de Évora constatou a ausência de provas e jamais poderia compactuar com uma condenação à convicção, até porque percebeu que as Autópsias foram totalmente inconclusivas e não determinaram sequer a causa das mortes.

XXIII – O processo sempre foi mediático e as informações veiculadas na comunicação social noticiaram as impressões e toda convicção dos Juízes, conforme divulgado no dia da leitura do Acórdão, tendo sido noticiada no dia 03/04/2024, inclusive no Jornal …, pela Agência …, através do … e ainda pelo Jornal ….

XXIV – As impressões e a convicção manifestada pelo Coletivo de Juízes, através da M.ma Juíza Presidente, foram amplamente divulgadas em vários outros canais da internet, em jornais de grande repercussão nacional, e repercutiu nas rádios e ainda na televisão, através da ….

XXV – O facto de no dia da Leitura do Acórdão, a Presidente do Coletivo de Juízes, ter manifestado as suas impressões e também as convicções de que ficou, para proferir a decisão condenatória, situação que foi amplamente revelada na comunicação social, comprometem a manutenção do mesmo Coletivo de Juízes, que devem ser afastados do novo Acórdão.

XXVI – As provas ilegais e proibidas a que os Julgadores tiveram acesso e a qual os Juízes acabaram por ser expostos, são questões determinantes e que os impede de voltar a exercer a função de julgar os arguidos.

XXVII – Logo, o impacto da prova proibida na formação da convicção dos Julgadores é evidente e afeta a sua manutenção no processo.

XXVIII – Os impedimentos alardeados nos autos e, agora, objeto de Recurso, derivam do facto de o Coletivo de Juízes ter sido exposto à prova ilegal e ter tomado conhecimento de prova prova proibida.

XXIX – A anulação do Acórdão de Primeira Instância, pelo Tribunal da Relação de Évora, justificou-se pelo facto de o Coletivos de Juízes ter valorado uma prova proibida, prova ilegal da qual tiveram acesso e, naturalmente, não poderiam ter tido acesso, mas, que cujo conhecimento, não pode ser apagado, motivo pelo qual já não tem legitimidade para se manter no julgamento.

XXX – Por fim, a Recorrente repisa que o Tribunal da Relação de Évora foi perspicaz e brilhante em se aperceber que o Coletivo de Juízes, valoraram provas proibidas e ilegais, razão pela qual determinou a anulação da Decisão de Primeira Instância.”

Pugnando, em síntese, pelo seguinte:

TERMOS EM QUE, E, NOS DEMAIS DE DIREITO, O RECURSO DEVE SER RECEBIDO, COM EFEITO SUSPENSIVO. NO MÉRITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E, POR VIA DELE, DEVE SER ACOLHIDO O PRESENTE INCIDENTE DE IMPEDIMENTO, EM ATENÇÃO AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 40º, 41.º, n.º 2, 42.º, n.º 3 E 43.º, n.ºs 1 E 3 DO CPP, AOS ARTIGOS 1º, 2º, 8º, 16º, 32º, n.ºs 1, 2 E 9; E 204º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, DE MODO A DETERMINAR O AFASTAMENTO DOS JUÍZES QUE PROFERIRAM O ACÓRDÃO ANULADO, POIS OS REFERIDOS JULGADORES TIVERAM ACESSO À PROVAS PROIBIDAS E REVELARAM TODA A SUA CONVICÇÃO COM BASE NAS PRÓPRIAS IMPRESSÕES E CONCLUSÕES QUE RETIRARAM ACERCA DAS PROVAS ILEGAIS A QUE TIVERAM ACESSO, CONFORME RESTOU AMPLAMENTE DIVULGADO PROCESSUALMENTE, MAS TAMBÉM ATRAVÉS DA COMUNICAÇÃO SOCIAL, SITUAÇÃO QUE COMPROMETE IRREMEDIAVELMENTE A IMPARCIALIDADE E ISENÇÃO DO TRIBUNAL, QUE DEVE RESPEITAR O PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, EM VIRTUDE DA NOTÓRIA AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO DA CAUSA DAS MORTES, CONFORME AUTÓPSIAS REALIZADAS NOS PRESENTE AUTOS, QUE FORAM INCONCLUSIVAS, SITUAÇÃO QUE EVIDENCIA QUE NÃO PODEM SER MANTIDOS OS MESMOS JULGADORES PARA A PROLAÇÃO DE UM NOVO ACÓRDÃO, SOB PENA DE COMPROMETER A CREDIBILIDADE JUDICIAL.

Em resposta, o MP concluiu que (transcrição):

“1 – O Tribunal da Relação de Évora declarou a nulidade parcial do Acórdão recorrido e determinou prolação de nova decisão, na qual deve ser excluída o meio de prova que considerou ilegal por ser meio proibido de prova.

2 – Na sequência do decidido, a recorrente suscitou o incidente de suspeição, alegando para tal que não pode a nova decisão ser proferida por aquele Tribunal Coletivo atento à alegada falta de imparcialidade e de isenção que o mesmo terá, porquanto o mesmo apreciou o nominado meio de prova proibido e ilegal.

3 – Contudo, o Tribunal Coletivo a quo entendeu ter legitimidade para proferir o novo acórdão, afirmando de que não se trata de um novo julgamento e, é desta decisão que a recorrente recorre.

4 - Cremos, salvo o devido respeito, que não assiste razão à recorrente, não merecendo censura o Despacho ora recorrido, e, consequentemente, o recurso está condenado à improcedência.

5 – O Tribunal de 2ª Instância não ordenou um segundo/novo julgamento,

6 – Apenas declarou nulo parcialmente o acórdão proferido pelo Tribunal a quo.

7 – Pelo que tem o Tribunal coletivo a quo que formular novo acórdão, não valorando o meio de prova considerado proibido e ilegal.

8 – O julgamento ocorreu perante “este” Tribunal a quo, que assistiu a toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, e que tem condições em proceder na avaliação da mesma respeitando os princípios da oralidade e da imediação, princípios fundamentais que visam assegurar o princípio basilar do julgamento em processo penal – o princípio da livre apreciação da prova por parte do julgador.

9 - Assim, bem decidiu o Tribunal Coletivo em declarar que inexistia fundamento para a declaração de impedimento requerida pelo recorrente.

10 – Pelo que, não merecendo quaisquer reparos deverá, pois, ser mantido, nos seus precisos termos, o despacho ora recorrido.

Pugnando, em síntese, pelo seguinte:

“Termos em que, em nosso entender, deverá ser negado provimento ao recurso e confirmado o despacho ora recorrido, nos seus precisos termos.”

Neste TRE, o Digno PGA exarou o seguinte parecer:

“Concordo com a resposta ao recurso apresentada pela Exma. Colega junto da primeira instância, que aqui dou por reproduzida. Assim, sou de parecer que deve ser negado provimento ao recurso e mantido o douto despacho recorrido, já que não existe qualquer fundamento para ser declarado o impedimento pretendido.”

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do Código de Processo Penal1, sendo que o recorrente respondeu, mantendo a sua pretensão recursória.

Para melhor compreensão da questão, mencionam-se as vicissitudes processuais ocorridas:

Foi, no âmbito dos autos principais, proferido em 22.10.2024 neste TRE acórdão com o seguinte dispositivo:

“Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

A) Declarar a nulidade parcial do acórdão recorrido, por utilização na formação da convicção do julgador de prova de valoração proibida no que concerne à supra referida factualidade e demais com ela conectada, incluindo a concernente à arguida, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355º, nºs 1 e 2 e 357º, nº 1, alínea b), do CPP, impondo-se a prolação de novo acórdão que exclua como meio de prova as declarações prestadas pelos arguidos AA e BB em sede de 1ª interrogatório judicial de arguido detido e, em conformidade, reconfigure a matéria de facto e respectiva matéria de direito;

B) Julgar prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso que não foram apreciadas, sendo que, proferido que se mostre novo acórdão, pretendendo o recorrente que tais questões (e/ou outras relativas a esta nova peça) sejam apreciadas, terá de ser interposto o pertinente recurso.”

Em tal acórdão intervieram os juízes desembargadores Artur Vargues (relator), Moreira das Neves (1.º adjunto) e Edgar Valente (2.º adjunto).

Após baixa dos autos à 1.ª instância, para cumprimento do decidido, o arguido AA deduziu incidente onde peticiona o seguinte:

“Diante do exposto, o presente Incidente de Impedimento deve ser acolhido, em atenção ao disposto nos artigos 40º e 41.º, n.º 2 do CPP, aos artigos 1º, 2º, 8º, 16º, 32º, n.os 1 e 2 e 204º, da Constituição da República Portuguesa e do artigo 6º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, de modo a determinar o afastamento dos Juízes que proferiram o Acórdão anulado, pois os referidos Julgadores tiveram acesso à provas proibidas e revelaram toda a sua convicção com base nas próprias impressões e conclusões que retiraram acerca das provas ilegais que tiveram acesso, conforme restou amplamente divulgado processualmente, mas também através da comunicação social, situação que compromete irremediavelmente a imparcialidade.”

Também a arguida BB deduziu semelhante incidente, onde peticiona o seguinte:

“Diante do exposto, o presente Incidente de Impedimento deve ser acolhido, em atençaÞo ao disposto nos artigos 40º e 41.º, n.º 2 do CPP, aos artigos 1º, 2º, 8º, 16º, 32º, n.os 1 e 2 e 204º, da ConstituiçaÞo da Repuìblica Portuguesa e do artigo 6º, n.º 1, da ConvençaÞo Europeia dos Direitos do Homem.

Assim, deve ser determinado o afastamento dos Juýzìes que proferiram o AcoìrdaÞo anulado, pois os referidos Julgadores tiveram acesso aÌ provas proibidas e revelaram toda a sua convicçaÞo com base nas proìprias impressoÞes e conclusoÞes que retiraram acerca das provas ilegais que tiveram acesso, conforme restou amplamente divulgado processualmente, mas tambeìm atraveìs da comunicaçaÞo social, situaçaÞo que compromete irremediavelmente a imparcialidade.”

Sobre o incidente deduzido recaiu despacho, onde foi decidido:

“Tratando-se apenas da prolação de um novo acórdão nos termos determinados e não da realização de novo julgamento, inexiste qualquer fundamento para a declaração de impedimento requerida, o que se declara.

Consigna-se que o presente despacho será subscrito por todos os juízes que integram o Tribunal Colectivo.”

Inconformados, os arguidos interpuseram os recursos ora em apreciação.

Subidos os autos a este TRE, foi então, após cumprimento do disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP, deduzido pelo arguido novo incidente de impedimento, nos termos que se transcrevem:

“1.º Antes de mais, dispõe o n.º 2 do artigo 41.º do CPP, que a declaração de impedimento pode ser requerida pelo arguido, razão pela qual este dispõe de legitimidade para deduzir o presente incidente.

2.º Sucede que o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, no dia 22/10/2024, declarou a nulidade do Acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de … – Juiz …, por utilizar, na formação da sua convicção, prova de valoração proibida.

3.º O referido Acórdão, proferido no dia 22/10/2024, foi assinado pelos Juízes Desembargadores Artur Vargues, Moreira das Neves e Edgar Gouveia Valente.

4.º Após compulsar atentamente os presentes autos, o mandatário do ora Recorrente, constatou que este Recurso foi distribuído ao Exmo. Juiz Desembargador Relator Dr. Edgar Gouveia Valente, tendo como 1º Adjunto, o Juiz Desembargador Dr. Artur Vargues e como 2º Adjunto, Juiz Desembargador Dr. Jorge Antunes.

5.º De imediato, o mandatário do arguido reconhece a sapiência dos Juízes Desembargadores Artur Vargues, Moreira das Neves e Edgar Gouveia Valente, que proferiram o Acórdão em 22/10/2024 e determinaram a anulação do Acórdão de Primeira Instância.

6.º Nesse sentido, o mandatário do ora Recorrente reconhece que o Acórdão proferido no dia 22/10/2024, está muito bem fundamentado e digno de aplausos.

7.º Contudo, o mandatário do ora Recorrente entende que o disposto no Artigo 40.º, n.º 1, al. d) do CPP, não permite que o mesmo Juiz volte a proferir Decisão em Recurso anterior.

DA CONCLUSÃO:

Diante do exposto, o presente Incidente de Impedimento deve ser acolhido, em atenção ao disposto no artigo 40º, n.º 1, al. d) do CPP, de modo a reconhecer o presente impedimento ora suscitado e, por forma a determinar o afastamento.”

Perante o aludido incidente, foi proferido acórdão neste TRE onde se decidiu indeferir o deduzido incidente de impedimento.

Foi interposto recurso pelo mencionado arguido para o STJ, que foi ali rejeitado “por manifesta improcedência.”

Estamos, pois, em condições de proferir decisão, pelo que, colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“Ref.ªs … e …:

Vieram os arguidos requerer a declaração de impedimento dos juízes que integram este Tribunal Colectivo, ao abrigo do disposto no art, 41º n.º 2 do CPP.

De acordo com o disposto no art. 41º do CPP:

“1 - O juiz que tiver qualquer impedimento nos termos dos artigos anteriores declara-o imediatamente por despacho nos autos.

2 - A declaração de impedimento pode ser requerida pelo Ministério Público ou pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis logo que sejam admitidos a intervir no processo, em qualquer estado deste; ao requerimento são juntos os elementos comprovativos. O juiz visado profere o despacho no prazo máximo de cinco dias.

3 - Os actos praticados por juiz impedido são nulos, salvo se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.”

Constituem causas de impedimento, nos termos do art. 40º do CPP:

“1 - Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver:

a) Aplicado medida de coação prevista nos artigos 200.º a 202.º;

b) Presidido a debate instrutório;

c) Participado em julgamento anterior;

d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior.

e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta.

2 - Nenhum juiz pode intervir em instrução relativa a processo em que tiver participado nos termos previstos nas alíneas a) ou e) do número anterior.

3 - Nenhum juiz pode intervir em processo que tenha tido origem em certidão por si mandada extrair noutro processo pelos crimes previstos nos artigos 359.º ou 360.º do Código Penal.”

No caso concreto, entendemos não se verificar qualquer impedimento. A decisão proferida pelo Tribunal da Relação é clara: “ Declarar a nulidade parcial do acórdão recorrido, por utilização na formação da convicção do julgador de prova de valoração proibida no que concerne à supra referida factualidade e demais com ela conectada, incluindo a concernente à arguida, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355º, nºs 1 e 2 e 357º, nº 1, alínea b), do CPP, impondo-se a prolação de novo acórdão que exclua como meio de prova as declarações prestadas pelos arguidos AA e BB em sede de 1ª interrogatório judicial de arguido detido e, em conformidade, reconfigure a matéria de facto e respectiva matéria de direito”

Tratando-se apenas da prolação de um novo acórdão nos termos determinados e não da realização de novo julgamento, inexiste qualquer fundamento para a declaração de impedimento requerida, o que se declara.

Consigna-se que o presente despacho será subscrito por todos os juízes que integram o Tribunal Colectivo.”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objeto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (art.º 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

A única questão a decidir nos presentes recursos é da verificação (ou não) do impedimento dos juízes de 1.ª instância após a prolação de acórdão deste TR.

B. Decidindo.

Questão única.

Os recorrentes invocam a existência de um impedimento dos juízes que integram o coletivo, com base no art.º 40.º.

Vejamos a redação:

Artigo 40.º

Impedimento por participação em processo

1 - Nenhum juiz pode intervir em julgamento, recurso ou pedido de revisão relativos a processo em que tiver:

a) Aplicado medida de coação prevista nos artigos 200.º a 202.º;

b) Presidido a debate instrutório;

c) Participado em julgamento anterior;

d) Proferido ou participado em decisão de recurso anterior que tenha conhecido, a final, do objeto do processo, de decisão instrutória ou de decisão a que se refere a alínea a), ou proferido ou participado em decisão de pedido de revisão anterior.

e) Recusado o arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória ou a forma sumaríssima por discordar da sanção proposta.

2 - Nenhum juiz pode intervir em instrução relativa a processo em que tiver participado nos termos previstos nas alíneas a) ou e) do número anterior.

3 - Nenhum juiz pode intervir em processo que tenha tido origem em certidão por si mandada extrair noutro processo pelos crimes previstos nos artigos 359.º ou 360.º do Código Penal.

De forma significativa, quer o recorrente, quer a recorrente, nas suas conclusões, não invocam em que alínea (do art.º 40.º) se fundamentam para a existência do impedimento que alegam.

De qualquer forma, afigura-se-nos que apenas poderá ser a participação (dos juízes do coletivo) em “julgamento anterior” prevista na alínea c) do n.º 1.

A este propósito, diz-nos, lapidarmente, Henriques Gaspar2: “A função do vício «nulidade», a natureza e o conteúdo da decisão do tribunal superior quando a anulação tenha sido determinada em recurso, bem como a possibilidade que a lei atribui ao próprio tribunal que proferiu a decisão de reparar o vício, afastam os motivos que, directamente, a lei considera como susceptíveis de afectar a imparcialidade objectiva, constituindo fundamento de impedimento . A expurgação do vício da sentença, quer em termos funcionais, quer pelo aproveitamento razoável dos actos, apenas poderá ser efectuada pelo tribunal que proferiu a decisão; apenas o mesmo tribunal pode fundamentar adequadamente ou recompor os termos da decisão: ao expurgar o vício, o tribunal não profere novo julgamento, mas apenas complementa o julgamento anterior.”

Em face desta cristalina clareza, pouco mais há a dizer: salvo o devido respeito, até nos parece evidente que, tratando-se de decretamento pelo tribunal superior de nulidade parcial (como é precisamente o caso dos autos), tem de ser o mesmo tribunal a proferir nova decisão devidamente expurgada do vício assinalado, pois só o mesmo assistiu integralmente à produção de prova e pode pronunciar-se, obedecendo ao princípio da imediação, sobre o fundo da causa. Pergunta-se: se não fosse o mesmo tribunal a proferir nova decisão, que tribunal estaria em condições de o fazer quanto à parte não afetada pela nulidade?

No exato sentido propugnado se pronunciaram os seguintes acórdãos:

Acórdão do TRP de 08/05/2013 proferido no processo n.º 125/09.7GCPRG.P1 (relatora Eduarda Lobo):

“No caso concreto, não está em causa a aplicação dos artigos 426º e 426º-A do Código de Processo Penal - que só são convocados quando o tribunal ad quem julgue verificados vícios intrínsecos quanto ao conteúdo da decisão tomada sobre a matéria de facto pelo tribunal recorrido, tipificados no nº2 do artigo 410º do Código de Processo Penal -, mas tão só a mera anulação do processado a partir de determinado acto – no caso, a repetição parcial do julgamento em consequência de se ter considerado ocorrer uma nulidade processual, susceptível de reflexamente se repercutir nos ulteriores termos da causa, incluindo a própria sentença.

Os vícios tipificados no artigo 410º nº2 do Código de Processo Penal, reportam-se a vícios intrínsecos quanto ao conteúdo da decisão tomada sobre a matéria de facto – insuficiência ou contradição dos factos e razões que suportam a própria decisão, ou de erros ostensivos ou patentes na valoração da prova, que pela sua natureza e gravidade constituem verdadeira nulidade de sentença, justificando o reenvio para julgamento noutro tribunal.

Já assim não é quando a anulação do julgamento decorre, não por vícios intrínsecos e lógicos do conteúdo da própria decisão, mas quando a mesma é ditada reflexamente por via da anulação de atos posteriores em consequência do cometimento de uma nulidade decorrente da tramitação da causa ou do próprio julgamento.

No caso sob recurso não chegou a ser apreciado o conteúdo da decisão condenatória, quer em sede de matéria de facto, quer em sede de matéria de direito, nem sequer a coerência lógica da sentença, mas apenas aspetos exteriores à mesma (embora com possibilidade de nela se repercutirem), como a documentação da prova.”

Acórdão do TRG de 20/02/2017 proferido no processo n.º 2559/13.3TAGMR.G1 (relatora Fátima Furtado)

“A verificação deste impedimento é evidente na situação linear em que o tribunal de recurso anula uma decisão do juiz (ou em que este tenha participado), com fundamento de nela se verificarem vícios decisórios previstos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal; procedendo ao reenvio (parcial ou total) do processo para novo julgamento, por a natureza do vício detetado não permitir ao tribunal de recurso decidir a causa, nos termos do disposto nos artigos 426.º e 426.º-A do Código de Processo Penal.

Contudo, outros casos há em que a decisão proferida no recurso tem também como consequência a nulidade da sentença, mas não é determinado o reenvio processual para novo julgamento, com convocação do preceituado nos aludidos artigos 426.º e 426.º-A. É essa a situação que se verifica sempre que a anulação da sentença e do julgamento é ditada não por vícios intrínsecos da própria decisão, mas apenas reflexamente, por via do cometimento de uma nulidade decorrente da tramitação da causa.

Nestes casos, a jurisprudência tem vindo a entender não se verificar o impedimento do juiz a que alude a alínea c) do artigo 40.º do Código de Processo Penal, por não se poder dizer «que o julgador se esteja a debruçar sobre uma causa que haja julgado em fase anterior à do recurso, nessa medida imbuído de convicções, ideias, juízos e valorações précondicionantes da sua independência e imparcialidade, aos quais se mostra autovinculado e incapaz de se demarcar. O julgamento a realizar, por força da anulação, retorna ao ponto inicial da fase de recurso, tudo se passando como se, para esse efeito, não tivesse tido lugar qualquer julgamento.» Cfr. acórdão do STJ, de 09.06.2010, proferido no proc. n.º 2290/07.9TABRG.G1-A.S1, disponível em www.dgsi/jstj.pt

Precisamente sobre esta interpretação da alínea c) do artigo 40.º, do Código de Processo Penal, o Tribunal Constitucional foi já por diversas vezes chamado a pronunciar-se, em sede de fiscalização concreta, tendo vindo sempre a declarar a conformidade constitucional da interpretação que considera não haver impedimento na participação de juízes em novo julgamento, anulado o antecedente, quando essa anulação não seja resultado de «vícios intrínsecos e lógicos do conteúdo da própria decisão», mas antes «ditada reflexamente por via da anulação de atos posteriores em consequência do cometimento de uma nulidade decorrente da tramitação da causa.» Cfr. acórdãos do TC, n.º 393/2004, in DR II Série, de 8.7.2004 e n.º 399/2003, disponível em www.tribunalconstitucional.pt.”

Uma última palavra quanto às palavras proferidas pela Exm.ª Sr.ª Juíza presidente do coletivo após a leitura do acórdão em 1.ª instância: trata-se da alocução prevista na lei (art.º 375.º, n.º 2), que, obviamente, estará de acordo com o essencial sentido do decidido, não sendo suscetível de ter qualquer efeito numa eventual nova decisão a ser proferida ulteriormente na sequência do decretamento de uma nulidade parcial, como vimos anteriormente, sendo totalmente inócuas as referências a quaisquer notícias da comunicação (como as mencionadas pelo recorrente) a propósito de tal alocução.

Não está nesta sede em causa (nem poderia estar, uma vez que a decisão recorrida não é o acórdão condenatório) o fundo da causa, ou seja, a alegada consistência (ou inconsistência) dos meios probatórios para a fundamentação da matéria de facto e de direito que, aliás, nem foi, como vimos, objeto de decisão no acórdão deste TR de 22.10.2024.

Não se vislumbram, consequentemente, quaisquer das violações legais e/ou constitucionais3.

Assim, pelos motivos expostos, entendemos negar provimento ao recurso.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento aos recursos e, consequentemente, confirmar integralmente a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça, para cada um, em 5 UC. (art.º 515.º, n.º 1, alínea b) do CPP e art.º 8.º, n.º 9 / Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 10/07/2025,

Edgar Valente (relator)

Artur Vargues (1.º adjunto)

Jorge Antunes (2.º adjunto)

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1 Diploma a que pertencerão todas as indicações normativas ulteriores que não tenham indicação diversa.

2In Código de Processo Penal Comentado, 3.ª edição revista, 2021, Almedina, página 114. No mesmo exato sentido, José Mouraz Lopes in Comentário Judiciário da Código do Processo Penal, tomo I, 2019, Almedina, página 476 /477.

3 Não se descortinando nem sendo alegada qualquer relevância das disposições constitucionais que os recorrentes invocam.