| Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 277/24.6T8LAG.E1 (2.ª Secção)
 
 Relatora: Cristina Dá Mesquita
 1.ª Adjunta: Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
 2.ª Adjunta: Maria Domingas Simões
 
 Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO
 I.1.
 (…), ré na ação declarativa com processo comum ordinário que lhe foi movida por (…) – (…), Agência Predial, Lda., interpôs recurso da decisão proferida pelo Juízo de Competência Genérica de Lagos, Juiz 1, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, o qual julgou procedente o incidente despejo imediato e, em conformidade, decretou o despejo da fração autónoma designada pela letra C, destinada a habitação,  do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Lagos sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo (…), da União de Freguesias de (…).
 
 A decisão recorrida tem o seguinte teor:
 «DO INCIDENTE DE DESPEJO IMEDIATO:
 Veio a autora apresentar o incidente de despejo imediato tendo alegado o não pagamento das rendas vencidas; o não depósito das rendas vencidas.
 A ré veio apresentar oposição ao incidente de despejo imediato, invocou falta de legitimidade processual ativa porquanto se encontra suspensão ação de impugnação de deliberações sociais que poderá invalidar a regularidade do mandato conferido e da propositura da ação; e alegou a caducidade do despejo imediato em virtude de ter procedido ao pagamento das rendas vencidas acrescidas da respetiva indemnização.
 Cumpre apreciar.
 Dispõe o artigo 14.º, n.º 3, do NRAU que “Na pendência da ação de despejo, as rendas que se forem vencendo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais”.
 “Se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final” (artigo 14.º, n.º 4, do NRAU).
 Por fim, dispõe o artigo 14.º, n.º 5, do NRAU que “Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, devendo, em caso de deferimento do requerimento, o juiz pronunciar-se sobre a autorização de entrada no domicílio, independentemente de ter sido requerida, aplicando-se com as necessárias adaptações os artigos 15.º-J, 15.º-K e 15.º-M.
 Nos presentes autos, notificada para apresentar contestação ao incidente de despejo imediato, a ré juntou aos autos comprovativo de depósito de 6 rendas, devidas até setembro de 2024.
 No entanto, não se mostra junto aos autos o comprovativo do depósito das rendas devidas entre outubro de 2024 e a presente data.
 Em consequência, requer a autora o despejo imediato, nos termos do n.º 5 do citado preceito.
 Vejamos.
 Nos presentes autos, a autora pretende que seja declarada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre a autora e a ré, que esta seja condenada a proceder à desocupação do locado e ainda que seja condenada no pagamento das rendas vencidas e vincendas até efetiva desocupação do imóvel.
 A ré contesta, desde logo, invocando a prescrição das rendas, a ilegitimidade processual ativa da autora, a caducidade do direito de resolução do contrato, sendo que a (in)tempestividade é objeto de recurso que tem efeito suspensivo.
 Ora, as normas supra citadas conformam o incidente de despejo imediato, enxertado em ação de despejo pendente, através do qual é facultada ao senhorio a possibilidade de pedir o despejo quando o arrendatário incumpra a obrigação de pagar as rendas vencidas na pendência da ação.
 É, pois, intenção do legislador obstar à manutenção de uma situação de ocupação do locado sem pagamento de rendas cujo prolongamento decorra da duração do processo de despejo.
 Todavia, constitui entendimento jurisprudencial maioritário que o despejo imediato com fundamento na falta de pagamento das rendas na pendência da ação não é automático.
 De facto, chamado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional do disposto no artigo 14.º, n.º 4, do NRAU decidiu o tribunal Constitucional no Acórdão n.º 327/2018 “Interpretar o artigo 14.º, n.º 4, da Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, em consonância com o n.º 5 do mesmo artigo, em conformidade com princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20.º, n.ºs 1 e 4, da Constituição, no sentido de que o despejo imediato com fundamento em falta de pagamento de rendas vencidas na pendência da ação nele previsto não é automático, sendo o seu requerimento livremente apreciado pelo juiz, pelo que, nos casos em que na ação de despejo persista controvérsia quanto à existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda, o réu não deve ser impedido de exercer o contraditório mediante a utilização dos correspondentes meios de defesa”.
 Pese embora tal aresto não tenha força obrigatória geral, alinhando com tal posição tem a jurisprudência dos tribunais superiores defendido que “O incidente implica que a existência e validade do contrato de arrendamento e da obrigação de pagamento das rendas em causa pelo requerido não sejam objeto de discussão na ação principal” (cfr. o Acórdão do TRL de 20.05.2021, relatado por Ana de Azeredo Coelho).
 Ou seja, constituem requisitos de procedência do incidente:
 a) não pagamento ou depósito das rendas na sequência da notificação a que alude o artigo 14.º, n.º 4, da Lei 6/2006;
 b) pendência de ação de despejo;
 c) não pagamento de rendas vencidas na pendência da ação;
 d) inexistência de controvérsia, entre os intervenientes processuais na ação principal, quanto à existência e validade do arrendamento;
 e) inexistência de controvérsia, entre os intervenientes processuais na ação principal, quanto à obrigação de pagamento das rendas e à mora do devedor.
 No caso vertente, os primeiros 3 requisitos elencados mostram-se verificados. Senão vejamos. A ré foi citada a 24.05.2024, pelo que na pendência da ação venceram-se, até à data da conclusão, 11 rendas (de maio de 2024 a março de 2025), num valor total de € 4.070,00. Em virtude da notificação operada nos termos do artigo 14.º, n.º 4, do NRAU, foi a ré, por duas vezes, notificada para proceder aos pagamentos das rendas e indemnizações, procedeu ao depósito de um total de € 4.366,00, sendo que eram devidos, na totalidade € 4.884,00 (€ 4.070,00 x 120%), nos termos do artigo 1041.º, n.º 1, do Código Civil.
 Maiores dúvidas suscitam os restantes requisitos elencados. De facto, pese embora a ré não conteste a existência de um contrato de arrendamento celebrado com a autora, não conteste que habita o locado e não conteste o valor de renda acordada, certo é que a ré suscita a inexigibilidade das rendas peticionadas.
 Desde sempre que o incidente de despejo imediato teve como pressuposto legal a validade do contrato de arrendamento (veja-se, neste sentido e com basta jurisprudência o Acórdão do TRL de 20.12.2018, relatado por Carlos Oliveira).
 Tal não significa, todavia, que basta que seja suscitada qualquer questão que belisque a regularidade do contrato de arrendamento para que esteja afastada a possibilidade de o senhorio recorrer ao presente mecanismo.
 Deverá, ao invés, tratar-se de controvérsia séria, daí que deva ponderar-se, em concreto, se os fundamento apresentados pelo inquilino em sua defesa constituem causa de justificação bastante para lhe não ser exigível o pagamento da renda, sendo que, o despejo imediato deverá ser decretado “quando os fundamentos de defesa em nada afetam o cumprimento da obrigação de pagamento de renda e quando mais não sejam que uma forma de protelar o gozo da coisa de forma injustificada e à custa alheia” (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 20.12.2018, relatado por Carlos Oliveira).
 Ora, no caso em apreço, conforme fomos avançando, a ré pugna pela legitimidade processual ativa do requerente invocando que pende uma ação de impugnação de deliberações sociais que tornaria inválida a procuração outorgada para a propositura da presente ação, o que desde logo, improcede porquanto a legitimidade processual enquanto qualidade relacional tem por base a causa de pedir e do pedido, não sendo beliscada a legitimidade processual da mesma com a referente ação de impugnação, podendo sim estar em causa a falta de procuração por não ter o legal representante da autora poderes para a outorgar, o que ainda se desconhece.
 Ou seja, pese embora, como se disse, a ré ponha em a legitimidade processual ativa, não deixa de reconhecer a existência do contrato de arrendamento e a obrigação de pagamento da renda respetiva.
 A matéria alegada na contestação, cuja admissibilidade ainda se discute, e na oposição ao incidente de despejo imediato, pese embora configurem uma controvérsia quanto aos termos do contrato e à sua resolução, não configuram efetiva controvérsia quanto à sua existência ou quanto à existência ou exigibilidade do dever de pagamento da renda. E porque não afetam a obrigação de pagamento da renda, não obstam à procedência do presente incidente.
 Nestes termos, defere-se o presente incidente, decretando-se o despejo imediato do locado, ao abrigo do n.º 5 do artigo 14.º do NRAU.
 Mais se autoriza a entrada imediata no domicílio, com o auxílio da força pública e com recurso ao arrombamento, se necessário e apenas depois de serem esgotadas, por parte do sr. Agente de Execução, as diligências tendentes à realização da diligência de forma voluntária (artigo 15.º-J, n.º 3, do NRAU).
 Custas do incidente pela ré, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que beneficia.
 Notifique.»
 
 I.2.
 A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
 «A) A fixação do efeito suspensivo ao recurso de apelação, a requerimento da parte vencida, está, na verdade, dependente de um duplo requisito – que a execução imediata da sentença cause um prejuízo considerável (à parte vencida) e que o recorrente se ofereça para prestar caução.
 B) O que no presente caso sucede visto que a execução da sentença lhe causará um prejuízo
 considerável, dado que a recorrente a se confirmar a decisão, será despejada do imóvel, que é sua habitação e casa de morada de família, desde há 20 anos a esta parte.
 C) Além do que, a fundamentação deficiente, pouco sustentada e que falta com a verdade factual apresentada pela recorrida não se verificam.
 D) Motivo pelo qual deve proceder o peticionado pela recorrente e consequentemente deve atribuído o efeito suspensivo ao presente recurso.
 E) O Tribunal a quo, no douto Despacho proferido, ao decidir pelo despejo imediato da recorrente não teve em consideração os comprovativos dos pagamentos de todas as rendas
 devidas até á presente data (Abril de 2025) e indemnização (quando devida).
 F) O Tribunal a quo, ao decidir pelo despejo imediato, não teve em consideração como deveria, a controvérsia quanto à existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento de renda.
 J) Em face de tudo quanto foi exposto, cabe concluir pelo manifesto, completo e absoluto de fundamento legal do presente recurso que, assim, deve ser julgado procedente.
 Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a presente apelação ser julgada procedente, por provada, e, em consequência, deve a decisão proferida no despacho judicial que decide pelo despejo imediato da recorrente revogada, com todos os efeitos legais.
 Fazendo, assim, a acostumada JUSTIÇA!»
 
 I.3. Na sua resposta às alegações de recurso, a recorrida termina com as seguintes conclusões:
 «1. A Recorrente foi citada a 24.05.2024, e na pendência da ação venceram-se até à data da conclusão, 11 rendas (de maio de 2024 a março de 2025), num valor total de € 4.070,00, sendo assim devidos, na totalidade e nos termos do artigo 1041.º, n.º 1, do CC, € 4.884,00 (€ 4.070,00 x 120%).
 2. Facto que a Recorrente não logrou realizar, tendo depositado só parte deste valor das rendas – nomeadamente 6 rendas.
 3. E estando ainda preenchidos os outros dois requisitos: o facto de não ser objecto de discussão na ação principal, 1) a existência e validade do contrato de arrendamento e a 2) obrigação de pagamento das rendas.
 4. O douto Despacho que deu por procedente o pedido de despejo imediato, é irrepreensível.
 Termos em que, deve ser julgada improcedente a presente apelação e, em consequência, ser mantido o despacho Recorrido.
 Assim se fazendo a sempre costumada JUSTIÇA!
 I.4.
 O recurso foi recebido pelo tribunal de primeira instância.
 Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC) cumpre decidir.
 II. FUNDAMENTAÇÃO
 II.1.
 As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do CPC).
 
 II.2.
 A única questão que cumpre conhecer é avaliar do mérito da decisão.
 
 II.3.
 FUNDAMENTAÇÃO
 II.3.1.
 FACTOS
 Os factos a considerar são aqueles que constam da decisão recorrida e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, bem como os enunciados infra que se extraíram dos autos:
 1 – Na petição inicial, a autora pediu que fosse declarada a resolução do contrato de arrendamento e a condenação da ré no restituição imediata do locado e, ainda, no pagamento das rendas vencidas e em dívida (rendas de janeiro, agosto e setembro de 2019, março a junho de 2020, janeiro e março de 2021, abril a dezembro de 2022, janeiro a dezembro de 2023  janeiro a abril de 2024), num total de € 12.580,00, bem como das rendas vincendas, acrescidas de juros de mora contados desde 8 de julho de 2021 e até integral e efetivo pagamento.
 2 – A ré foi citada para a ação na data de 24 de maio de 2024, através de agente de execução.
 3 - Em 11.09.2024 ré apresentou contestação, invocando a falta de legitimidade processual da autora, a caducidade de direito de resolução do contrato em virtude de ter feito intervenções no locado que ascenderam a € 19.900,00, tendo ficado combinado entre ela e a autora que a ré faria as obras, apresentaria as faturas respetivas e que fariam o acerto de contas, ficando a ré desobrigada de pagar as rendas até perfazer o valor que tinha despendido.
 4 – Mediante despacho proferido em 18.09.2024, o tribunal recorrido julgou a contestação da ré extemporânea e decidiu que seriam de aplicar as regras de revelia previstas nos artigos 566.º a 568.º do CPC.
 5 – Da decisão referida em (4) foi interposto recurso de apelação, o qual foi recebido pelo tribunal de primeira instância, mediante despacho proferido em 15.12.2024, que ordenou a subida imediata, em separado e com efeito suspensivo, à luz do artigo 647.º, n.º 3, alínea b), do CPC.
 6 – Mediante requerimento datado de 18.09.2024, a ré juntou aos autos documentos que protestara juntar com a sua contestação, entre eles um documento emitido pela Caixa Geral de Depósitos demonstrativo de sete (7) depósitos bancários no valor de € 370,00 cada, nas datas de 11.10.2021, 11.11.2021, 11.11.2021, 17.12.2021, 03.01.2022, 03.03.2022 e 03.03.2022, e uma certidão emitida pela Autoridade Tributária «relativa aos pagamentos respeitantes a rendas efetuados em nome de (…), no âmbito de processos de execução fiscal instaurados a (…), Agência Predial, Lda.».
 7- Em 19.09.2024, a autora juntou aos autos um requerimento que denominou de “incidente de despejo imediato (por apenso)”, alegando que a ré não procedeu ao depósito das rendas vencidas desde a data da sua citação (24.05.2024), concretamente às rendas relativas aos meses de maio, junho, julho, agosto e setembro de 2024, e concluiu pedindo: «Nestes termos e nos demais de Direito deve o presente incidente ser considerado procedente, sempre se decretando o despejo imediato, no caso do não pagamento e junção de comprovativo no prazo de 10 dias, com a devida autorização de entrada no locado, pelo serviço externo do douto Tribunal».
 8 – A ré foi notificada do incidente através do seu mandatário e apresentou, em 30.09.2024, contestação ao incidente.
 9 - Na sua contestação a ré alegou estar pendente contra a autora uma ação de impugnação de deliberações sociais a correr termos no Juízo do Comércio de Lagoa, Juiz 1, no qual foi arguida a invalidade da deliberação da nomeação de novo gerente e que a verificar-se a procedência da ação os atos praticados pelo atual gerente da autora, nomeadamente o poder de nomear mandatário para a prática de determinados atos e propor a ação em representação da sociedade, estão viciados por falta de legitimidade; mais alegou que pagou as rendas vencidas após a contestação; juntamente com a contestação a ré juntou um documento comprovativo de um depósito autónomo, no valor de € 2.220,00, efetuado na data de 30.09.2024.
 10 – Mediante requerimento apresentado em 21.11.2024, a autora requereu ao tribunal que ordenasse a entrega do montante de € 2.220,00 referente a «parte das rendas em atraso».
 11 – Em 06.02.2024, a autora veio pronunciar-se sobre a matéria de exceção invocada pela ré na sua contestação ao incidente de despejo imediato e alegou que «relativamente ao pagamento das rendas para opor ao despejo imediato uma vez que a ré não juntou os comprovativos do seu pagamento deverá também improceder», requerendo a final que fosse determinado o despejo imediato.
 12 – Mediante despacho datado de 16.02.2025, o tribunal a quo ordenou a notificação da ré para comprovar nos autos o depósito das rendas vencidas e subsequentes a setembro de 2024, acrescidas de indemnização devida, no prazo de 10 dias.
 13 - Na data de 24.02.2025 a ré requereu a junção de «documento comprovativo de pagamento de rendas», concretamente, de um depósito autónomo efetuado na data de 19.02.2025, no montante de € 2.146,00.
 14 – Mediante requerimento apresentado em 24-02-2025, a autora alegou que à data em que deduziu o incidente de despejo imediato estavam em dívidas as rendas vencidas desde a data da citação (rendas de maio, junho, julho, agosto e setembro de 2024), num total de € 1.850,00, o que acrescido de 20% de indemnização, ascende a um total de € 2.220,00, mas que de setembro de 2024 a fevereiro de 2025 a ré não liquidou mais nenhuma renda, estando em dívida cinco rendas, e que o valor depositado pela ré em 19.02.2025 (€ 2.146,00) é inferior ao que se encontra em dívida, a saber, € 2.220,00 correspondente a cinco rendas e indemnização).
 15 – Em 01.04.2025 foi proferida a decisão objeto do presente recurso.
 
 II.4.
 Apreciação do objeto do recurso
 Está em causa uma decisão judicial que decretou o despejo imediato da fração melhor identificada nos autos, no âmbito de uma ação de despejo em que se pede, em primeira linha,  a resolução do contrato de arrendamento outorgado entre as parte, com fundamento na falta de pagamento de rendas.
 Insurge-se a apelante contra tal decisão, alegando, em síntese, que comprovou nos autos o pagamento/depósito de todas as rendas vencidas até à data de abril de 2025 e da indemnização, quando devida, o que não foi tido em linha de conta pelo tribunal a quo, que também não teve em conta a controvérsia relativa «à existência ou exigibilidade do próprio dever de pagamento da renda».
 No seu recurso a apelante argumenta, desde logo, que procedeu ao pagamento do todas as rendas vencidas até à data de abril de 2025 e da indemnização, quando devida.
 A este respeito escreveu-se na decisão sob recurso o seguinte trecho: «A ré foi citada a 24.05.2024 pelo que na pendência da ação venceram-se, até à data da conclusão, 11 rendas (de maio de 2024 a março de 2025), num valor total de € 4.070,00. Em virtude da notificação operada nos termos do artigo 14.º, n.º 4, do NRAU, foi a ré, por duas vezes, notificada para proceder aos pagamentos das rendas e indemnizações, procedeu ao depósito de um total de 4.366,00€, sendo que eram devidos, na totalidade, € 4.884,00 (€ 4.070,00 x 120%), nos termos do artigo 1041.º do Código Civil».
 Vejamos.
 O incidente de despejo imediato mostra-se previsto no artigo 14.º, n.ºs 3 a 5, da Lei n.º 6/2006, de 27/02, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14/08.
 Dispõem aqueles normativos que:
 «3 – Na pendência da ação de despejo, as rendas que se forem vencendo devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais.
 4 – Se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final.
 5 – Em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no número anterior, o senhorio pode requerer o despejo imediato, aplicando-se, em caso de deferimento do requerimento, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 7 do artigo 15.º e nos artigos 15.º-J, 15.º-K e 15.º-M a 15.º-O» (itálicos nossos).
 O incidente em causa – enxertado na ação de despejo e que se inicia com um requerimento do senhorio - tem um âmbito específico e temporalmente delimitado, a saber: o pagamento das rendas já na pendência da ação de despejo, sendo que a respetiva causa de pedir é a falta do seu pagamento e o pedido respetivo é o despejo imediato do locado. Trata-se, pois, de um incidente que embora enxertado na ação principal é autónomo dela, com causa de pedir e pedido próprios. Ao criar este incidente o legislador pretendeu obstar a que alguém pudesse desfrutar o imóvel durante o longo período que pode durar uma ação até ao despejo efetivo, sem pagar a remuneração correspondente (durante o tempo daquela pendência). Dito de outra forma, a pendência da ação não desonera o réu (arrendatário) do cumprimento das suas obrigações, designadamente da respeitante ao pagamento das rendas que se forem vencendo.
 Como já assinalámos, este incidente inicia-se com o requerimento do senhorio para notificação do inquilino nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 14.º do NRAU.
 Considerando que a causa de pedir do incidente em apreço consiste na falta de pagamento das rendas vencidas na pendência da ação de despejo, importa, desde logo, determinar quais as rendas vencidas na pendência da ação de despejo. Refere Rui Pinto que «A lei não distingue, mas a jurisprudência constante tem declarado que “as rendas vencidas na pendência da ação de despejo (…) são as que se vencerem após a sua propositura com a entrega da petição inicial, quando a causa de pedir não seja a falta de pagamento de rendas, e as que se vencerem após o termo do prazo da contestação, quando a causa de pedir seja aquela”, atento o direito de expurgo da mora pelo inquilino, ao abrigo do artigo 1048.º , n.º 1, do CC»[1]. Ou seja, se o fundamento da ação de despejo for um dos previstos no artigo 1083.º, n.º 2, do Código Civil que não a falta de pagamento de rendas, as rendas vencidas na pendência da ação para efeitos do incidente de despejo imediato são aquelas que se vencerem após o recebimento da petição inicial na secretaria do tribunal (artigos 259.º e 144.º ambos do CPC), mas se o fundamento da ação principal for a falta de pagamento de rendas, as rendas vencidas na pendência da ação serão aquelas que se vencerem após o termo do prazo da contestação, atento o disposto no artigo 1048.º do Código Civil, o qual prescreve que «o direito à resolução do contrato por falta de pagamento de renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da ação declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º». Com efeito, quando esteja em causa na ação principal o despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas, podendo o arrendatário pagá-las no prazo da contestação, fazendo assim caducar o direito de resolução do contrato de arrendamento, não faria sentido poder o senhorio requerer o despejo imediato por falta de pagamento de rendas vencidas no prazo que decorre entre a data da entrada em juízo da petição inicial e a contestação.
 No incidente de despejo imediato, quando a causa de pedir da ação principal é a falta de pagamento das rendas (que se venceram até à data da propositura da ação) e é alegada a falta de pagamento de rendas durante a pendência da ação, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos do pagamento/depósito das rendas que se venceram após o termo do prazo da contestação para a ação principal e até ao momento em que é deduzido o incidente. As rendas que “se venceram na pendência da ação” são as que se venceram até à dedução do incidente de despejo imediato. Donde, no caso em apreço, considerando que a ré foi citada para a ação de despejo na data de 24 de maio de 2024, através de agente de execução, o prazo para contestar (30 dias) teve início em 25 de maio de 2024 e terminou em 24 de junho de 2024. Considerando que está em causa um despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas e que nos termos do contrato de arrendamento a renda se vence no dia 1 de cada mês, as rendas  que apenas poderão ser tidas em conta como vencidas na pendência da ação para efeitos do incidente de despejo imediato apresentado na data de 19.09.2024, são as rendas que se venceram após 24 de junho de 2024 e até 19.09.2024, isto é, as rendas que se venceram em 01.07.2024, 01.08.2024 e 01.09.2024, num total de três, e cujo valor global ascende ao montante de € 1.110,00 (€ 370,00 x 3 meses), ao qual acresce  uma indemnização no montante de € 222,00, correspondente a 20% do valor das rendas em dívida.
 Resulta igualmente dos autos que a ré apresentou a sua contestação ao incidente na data de 30.09.2024 e que em anexo àquela contestação juntou um documento comprovativo do depósito autónomo, na data de 30.09.2024 do valor de € 2.220,00. Ou seja, por referência ao incidente de despejo imediato instaurado na data de 19.09.2024, a ré comprovou nos autos ter pago o valor de € 2.220,00. Frisa-se que não foi alegada nos autos a extemporaneidade daquele depósito e a mesma tão pouco resulta do processo.
 Note-se, que o valor de € 2.220,00 excede o valor das rendas que se haviam vencido entre o termo do prazo da contestação da ré da ação principal e a data de 19.09.2024 (data em que foi proposto o incidente de despejo imediato), pois o valor das rendas em dívida ascendia a 1.110,00€ e o valor da indemnização era de € 222,00, perfazendo tudo um total de 1.332,00€.
 Na decisão recorrida o tribunal a quo julgou que na pendência da ação de despejo se venceram «até à data da conclusão» (?) 11 rendas (de maio de 2024 a março de 2025), num valor total de € 4.070,00 e que a ré só procedeu ao depósito de um total de € 4.366,00, quando era devido na totalidade o valor de € 4.884,00, incluindo a indemnização prevista no artigo 1041.º, n.º 1, do Código Civil.
 Está provado que para além dos € 2.220,00 acima referidos, na sequência da notificação ordenada pelo despacho proferido em 16.02.2025[2] e que  foi notificado à ré na mesma data, eta última  procedeu ainda ao depósito de mais € 2.146,00, na data de 19.02.2025. Através do referido despacho, o tribunal a quo ordenou a notificação da ré para, no prazo de 10 dias, comprovar o depósito do valor das rendas que se venceram após setembro de 2024. Ao fazê-lo, o tribunal recorrido extravasou o âmbito do incidente de despejo imediato instaurado na data de 19.09.2024 no qual estavam em causa (apenas) as rendas que se haviam vencido até à data da instauração do incidente (e não todas as demais que se foram vencendo na pendência da ação); acresce que só mediante requerimento datado de 24.02.2025 (portanto, posteriormente à prolação do referido despacho) é que a autora veio invocar a falta de pagamento das rendas vencidas entre Setembro de 2024 e fevereiro de 2025, inclusive,  requerendo, simultaneamente, que fosse ordenado o despejo imediato e ordenada a entrega à autora dos valores de € 2.146,00 e de € 2.220,00. Independentemente da bondade daquele despacho, que a ré não impugnou, esta última juntou aos autos, na data de 24.02.2025, «documento comprovativo de pagamento de rendas», concretamente, de um depósito autónomo efetuado na data de 19.02.2025, no montante de € 2.146,00. Também relativamente a este depósito não foi alegada a sua extemporaneidade nem resulta dos autos que a mesma se haja verificado. E na própria decisão recorrida afirma-se que a ré procedeu ao depósito de um total de € 4.336,00 (€ 2.146,00 + € 2.220,00).
 As rendas que se venceram em 01.07.2024, 01.08.2024, 01.09.2024, 01.10.2024, 01.11.2024, 01.12.2024, 01.01.2025 e 01.02.2025, num total de oito (8), ascendem ao valor global de € 2.960,00, a que acrescerá a devida indemnização no quantitativo de € 592,00, ou seja, € 3.552,00. Donde, o valor global que a ré depositou e já referido supra ultrapassa o valor correspondente ao valor global das oito (8) rendas e respetiva indemnização. Ou seja, a ré logrou comprovar o depósito das rendas que se venceram em 01.07.2024, 01.08.2024, 01.09.2024, 01.10.2024, 01.11.2024, 01.12.2024, 01.01.2025 e 01.02.2025 e respetivas indemnizações, o que, por si só, implica a improcedência do incidente de despejo imediato (e a revogação da decisão recorrida), ficando, assim, prejudicado o conhecimento da segunda linha de argumentação da recorrente que se prende com  alegada existência de controvérsia quanto à obrigação de pagamento das rendas por parte da arrendatária. Não obstante, sempre se dirá a seu respeito que na sua contestação à ação principal (cuja admissibilidade ainda se discute, atenta a interposição do recurso que recaiu sobre o despacho que a julgou extemporânea) a ré alegou a existência de um acordo entre ela e a senhoria relacionada com o facto de a primeira ter efetuado obras no locado e de acordo com o qual a ré ficaria desobrigada de pagar as rendas até perfazer o valor que tinha despendido com as obras no locado. Donde, e ao contrário do que se afirmou na decisão recorrida, não é exato que a ré não tenha posto em causa a obrigação de pagamento das rendas reclamadas nos autos.
 
 Sumário: (…)
 
 III.
 DECISÃO
 Em face do exposto, acordam julgar a apelação procedente e, em conformidade, revogam a decisão recorrida.
 As custas na presente instância recursiva são da responsabilidade da apelada porque vencida.
 
 Notifique.
 Registe.
 DN.
 Évora, 2 de outubro de 2025
 Cristina Dá Mesquita
 Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
 Maria Domingas Simões
 
 
 
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 [1] O Novo Regime Processual do Despejo, Coimbra Editora, pág. 59.
 [2] Através deste despacho, o tribunal a quo ordenou a notificação da ré para, no prazo de 10 dias, comprovar o depósito do valor das rendas que se venceram após setembro de 2024.
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