Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
68/21.6T8STR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: CONVENÇÃO COLECTIVA DE TRABALHO
ACORDO
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. Do art. 607.º n.ºs 3 a 5 do Código de Processo Civil decorre o dever do tribunal discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, e após interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
2. Daí que a enunciação da matéria de facto deva ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjectivação.
3. Nomeadamente, deve evitar-se a inclusão na matéria de facto de afirmações de direito, em matéria jurídica controvertida nos autos, contendo em si mesmos a decisão da própria causa.
4. Numa acção em que o trabalhador reclama o pagamento de vários créditos salariais, não pode a sentença dar como facto provado que este tem “direito” a determinadas remunerações e a outros complementos remuneratórios, e dar, também, como facto provado que o valor de tais remunerações a que terá direito é de x, y ou z.
5. O sistema remuneratório estabelecido em contratação colectiva pode ser alterado por acordo entre trabalhador e empregador, ou mesmo unilateralmente, através de um compromisso vinculativo para o empregador, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador.
6. Se esse sistema remuneratório estabelecido em alternativa se mostrar menos favorável para o trabalhador, este tem direito apenas à diferença em que tenha sido prejudicado.
7. O princípio da irredutibilidade salarial impede a redução do valor global da retribuição, mas não impede que, sendo esta constituída por diversas parcelas, se altere o quantitativo de algumas delas, desde que o quantitativo da retribuição global resultante da alteração não se mostre inferior ao que resultaria do somatório das parcelas retributivas anterior a essa alteração.
(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Santarém, AA demandou Mosca Portugal, Lda., alegando ter sido contratado como motorista TIR, não tendo a Ré pago os valores que lhe eram devidos em função da convenção colectiva, motivo porque procedeu à resolução do contrato de trabalho com justa causa.
Assim, pede a condenação da Ré no pagamento da quantia global de € 36.438,19, acrescida de juros, sendo € 18.188,56 a título de cláusula 74.ª n.º 7 do CCT de 1980, férias, subsídio de férias, complemento salarial, cláusula 61.ª do CCT de 2018, subsídio nocturno e indemnização por resolução do contrato com justa causa; € 6.667,50, a título de dias de descanso trabalhados (sábados, domingos e feriados); € 307,13, a título de descansos compensatórios não gozados; € 5.000,00, a título de indemnização por danos morais pelo não gozo dos períodos de repouso semanal regular em estabelecimentos hoteleiros; e € 6.275,00, a título de diárias não pagas.
Na contestação, a Ré alega que o trabalhador nunca reclamou do valor que recebia, pois foram-lhe pagos todos os valores peticionados sob a forma de ajudas de custo, por conveniência fiscal, que este regime era mais favorável do que o pagamento das rúbricas do CCT; e inexistindo justa causa para a resolução do contrato, deduz reconvenção no valor de € 1.350,00, de inexistência de pré-aviso pela denúncia do contrato de trabalho.
Após julgamento, a sentença julgou a causa parcialmente procedente e condenou nos seguintes termos:
A. “Julga-se verificada a justa causa para resolução do contrato de trabalho por parte do autor AA e, em consequência, condena-se a ré Mosca Portugal, Lda., no pagamento ao autor de indemnização no valor de € 2.100,00 (dois mil e cem euros).
B. Condena-se a ré no pagamento ao autor a título de:
1. Retribuição prevista na Cláusula 74.ª, n.º 7 da CCT aplicável, referente a 20 dias de Março e aos meses de Abril a Dezembro de 2018 no valor total de 3.669,02€ (três mil, seiscentos e sessenta e nove euro e dois cêntimos);
2. Proporcionais do subsídio de férias e dos proporcionais de férias não gozados de 2018 no valor de 1.291,58€ (mil duzentos e noventa e um euros e cinquenta e oito cêntimos);
3. Retribuições previstas nas Cláusulas 45.ª, 61.ª e 48.ª do CCT aplicável referente aos 12 meses de 2019 no valor total de 6.252,22€ (seis mil duzentos e cinquenta e dois euros e vinte e dois cêntimos);
4. 3 dias de trabalho de Fevereiro de 2020 no valor de 156,51€ (cento e cinquenta e seis euros e cinquenta e um cêntimos);
5. Retribuições previstas nas Cláusulas 45.ª, 61.ª e 48.ª do CCT aplicável referente a Janeiro de 2020, no total de 484,69€ (quatrocentos e oitenta e quatro euros e sessenta e nove cêntimos)
6. Subsídio de férias e das férias não gozados vencidas a 01-01-2020 no valor de 1.660,18€ (mil seiscentos e sessenta euros e dezoito cêntimos);
7. Trabalho prestado em dias de descanso (sábados, domingos e feriados) de Abril de 2018 a Dezembro de 2018, num total de 50 dias no valor de 2.250,00€ (dois mil duzentos e cinquenta euros);
8. Trabalho prestado em dias de descanso (sábados, domingos e feriados) de Janeiro de 2019 a Maio de 2019, num total de 17 dias no valor de 803,25€ (oitocentos e três euros e vinte e cinco cêntimos);
9. Trabalho prestado em dias de descanso (sábados, domingos e feriados) de Junho de 2019 a Janeiro de 2020, no valor total de 2.031,75€ (dois mil e trinta e um euros e setenta e cinco cêntimos);
10. Trabalho prestado em dias de descanso (sábados, domingos e feriados) de Janeiro de 2020, no valor total de 147,00€ (cento e quarenta e sete euros);
11. Descansos compensatórios de 13 dias pela prestação de trabalho em dias de descanso (sábados, domingos e feriados) no valor de 307,13€ (trezentos e sete euros e treze cêntimos);
12. Ajudas de custo relativas aos meses de Abril a Dezembro de 2018 e Janeiro a Dezembro de 2019 no valor de € 6.275,00 (seis mil duzentos e setenta e cinco euros).
13. Juros sobre as quantias discriminadas de 1. a 12., à taxa legal, contados desde 03.02.2020 e até integral pagamento.
C. Julga-se a reconvenção improcedente, por não provada.
D. Condena-se a ré como litigante de má-fé, no pagamento de multa no valor de 2 UC.
E. Absolve-se a ré do demais peticionado.”

Interpõe a Ré recurso da sentença e conclui:
a) O Tribunal a quo notificou a R para tomar posição sobre um tema que o Tribunal considerou revestir a natureza de litigância de má-fé, no caso concreto, a circunstância de a R ter prestado o seu depoimento de parte em pessoa que não sendo gerente da R não tinha conhecimento dos factos nem podia ter (atenta a data em que foi contratada);
b) A R veio apresentar a sua resposta, identificando a pessoa que tinha conhecimento dos factos, indicando a sua residência e explicando que, mercê não ter qualquer relacionamento com o mesmo, não tem as condições para o fazer comparecer em Tribunal;
c) O Tribunal proferiu despacho, imediatamente antes da prolação da sentença, dizendo que atento o facto da audiência de julgamento se encontrar encerrada e inexistirem factos que cumpra apurar mediante a produção de nova prova, ia indeferido o requerimento de inquirição de José Carlos da Silva Soares;
d) Atendendo a isto, embora o tribunal tenha concedido o contraditório, não o concedeu de forma plena. Com efeito, a questão da litigância de má-fé, nos termos que foi suscitada pelo Tribunal, após o encerramento da prova, traduz-se numa questão incidental, e à parte visada, in casu, assistia o direito de apresentar a sua resposta e, querendo, apresentar prontamente a prova de que dispunha para o efeito;
e) O facto de audiência se encontrar encerrada, traduz uma questão que ultrapassa a R e que apenas resultou do momento em que o Tribunal entendeu por bem notificar a R para exercício do contraditório e que foi, como resulta do processo, após a produção de prova;
f) A circunstância de inexistirem factos que cumpra apurar mediante a produção de nova prova, não é exacta pois, a matéria que a R apresentou para a defesa da questão suscitada pelo Tribunal quanto à litigância de má fé e que não encontra qualquer reflexo no despacho saneador a propósito dos temas da prova e identificação do objecto do litígio. Pelo que, necessariamente, era matéria “nova” (carecendo por isso de nova prova);
g) Tendo as alegações já sido apresentadas, no momento em que o Tribunal suscitou a questão da litigância de má fé, também assistia à R o direito de se pronunciar sobre o tema em apreço, o que foi protelado;
h) No entendimento da R, o Tribunal deveria ter reaberto a audiência para produção de prova, a fim de ser salvaguardado o direito ao contraditório por parte da R, concedendo-se à parte o direito de produzir, querendo, as suas alegações e somente depois proferindo-se decisão a propósito da questão da litigância de má fé;
i) A fundamentação que a R apresentou para a sua defesa, dando nota que os legais representantes da R, por serem cidadãos Espanhóis que nunca falaram com o A e nenhum têm dos factos em apreço não foi sequer questionada ou impugnada pela parte contrária, pelo que, salvo o devido respeito, deviam ser considerados provados por acordo;
j) Actuando desta forma, o Tribunal violou as regras do contraditório, ao não conceder o direito de a parte produzir a prova que indicou para a defesa que alegou;
k) Além do que se expôs, o Tribunal decidiu que a resolução do contrato de trabalho, por iniciativa do trabalhador, funda-se em justa causa, cifrando em 30 dias de retribuição base por cada ano completo;
l) O Tribunal deu como provado que, o A nunca reclamou da falta de pagamento de valores previstos nos CCT, como resulta do facto provado n.º 28. O que é relevante pois, evidencia, que nunca a R foi confrontada pelo A pela falta de qualquer pagamento;
m) Ao mesmo tempo, o Tribunal deu como provado, sob o ponto n.º 27 dos factos provados, que o A auferiu ao longo do contrato de trabalho, um total de 29.613,85 € a título de ajudas de custo, o que, em média, correspondia a um valor mensal de 1.480€;
n) E estes factos provados são relevantes pois, no entendimento da R, contendem com a decisão que foi proferida pelo Tribunal, quanto à justa causa;
o) Com efeito, se o A nunca reclamou da falta de pagamento das cláusulas previstas nos CCT, não poderá a falta de pagamento ser imputada à R, muito menos a título culposo, nem um rendimento médio global de 2.180 € (quando consideradas as ajudas de custo – em média mensal de 1.480€ – e retribuição base auferida pelo trabalho), superior ao dobro da média nacional, pode traduzir-se numa situação de ofensa à subsistência digna do trabalhador;
p) A falta de pagamento de créditos laborais que são devidos, embora nunca reclamados, traduz um incumprimento do contrato mas, os valores que o A auferia, estavam longe de consubstanciar uma situação de impossibilidade absoluta de manutenção da relação laboral;
q) Aspecto que, contudo, nem sequer foi levado ao elenco dos factos provados (circunstanciado ou na sua dimensão mais genérica);
r) Pelo que, salvo o devido respeito, a decisão do Tribunal que considerou a resolução do contrato de trabalho, com justa causa, deve ser revogada, com todas as legais consequências;
s) Acresce ainda que, o Tribunal considerou que o contrato prolongou-se por 2 anos e 11 meses, mas tal conclusão padece de lapso e contraria o teor dos factos provados n.º 2 e 3, segundo os quais, o contrato iniciou-se em 12/03/2018 e terminou em 03/02/2020, ou seja, durou um ano, dez meses e dezassete dias. Pelo que, a indemnização da justa causa deve ser reduzida para 1.225 € (mil duzentos vinte cinco euros);
t) Ademais, o A reivindicou o pagamento de créditos salariais, referentes à cláusula 74.º n.º 7 do CCT referente a 2018, proporcionais no subsídio de férias e férias de 2018, complemento salarial, subsídio nocturno e diárias não pagas;
u) A R, a este propósito, assentou a sua contestação na circunstância de que esse valor já tinha sido pago, sob a rubrica das ajudas de custo. A decisão a quo, contudo, não atendeu a esta defesa e levou a mesma ao elenco dos factos não provados, mais propriamente, o facto não provado descrito na al. A) “Aquando da contratação do autor as partes acordaram no pagamento na rúbrica “ajudas de custo” das verbas que estão previstas na lei e nos CCTV aplicáveis.”;
v) Contudo, é entendimento da R que há três razões para que este facto não provado, passe para os factos provados (revogando-se consequentemente os factos provados n.º 7.º a 16.º, 18.º e 20.º a 25.º (todos inclusive);
w) A primeira dessas razões, reside na circunstância de que os recibos de vencimento contêm a menção às ajudas de custo e, parte dos recibos que foram apresentados nos autos, estão inclusivamente assinados pelo A, o que, cremos, traduz uma anuência quanto ao teor desses recibos;
x) A segunda dessas razões, resulta do depoimento prestado pela testemunha BB e que, no entendimento da R, impõe uma decisão diversa da que foi proferida;
y) A terceira dessas razões, resulta da conjugação que, no entendimento da R deva ser feita, relativamente à falta de reclamação do A relativamente a valores em dívida, com a explicação dos recibos feita pela testemunha BB e acima transcrita;
z) Se o Tribunal reconhece que ao longo do contrato de trabalho o A nunca reivindicou o que quer que seja, esse silêncio deve ser valorado. E a valoração desse silêncio deve ser no sentido de que, efectivamente, ao longo do contrato de trabalho, a retribuição estava a ser paga, com o acordo das partes;
aa) Com efeito, não há, cremos, outra conclusão a extrair. Pois, a haver a falta de pagamento de parte da retribuição, jamais o A iria trabalhar sem suscitar essa questão;
bb) Fundamentos pelos quais, cremos, deve a decisão da matéria de facto ser alterada, de modo que o facto não provado descrito na al. A), passe para os factos provados (revogando-se consequentemente os factos provados n.º 7.º a 16.º, 18.º e 20.º a 25.º (todos inclusive).

A resposta sustenta a manutenção do julgado.
Já nesta Relação, a Digna Magistrada do Ministério Público emitiu o seu parecer, propondo a confirmação da sentença.
Cumpre-nos decidir.

Da impugnação da matéria de facto:
Garantindo o sistema processual civil um duplo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, como previsto no art. 640.º do Código de Processo Civil, continua a vigorar o princípio da livre apreciação da prova por parte do juiz – art. 607.º n.º 5 do mesmo diploma, ao dispor que “o juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.”
Deste modo, a reapreciação da prova passa pela averiguação do modo de formação dessa “prudente convicção”, devendo aferir-se da razoabilidade da convicção formulada pelo juiz da 1.ª instância, face às regras da experiência, da ciência e da lógica, da sua conformidade com os meios probatórios produzidos, sem prejuízo do poder conferido à Relação de formular uma nova convicção, com renovação do princípio da livre apreciação da prova[1].
Por outro lado, o art. 662.º do Código de Processo Civil permite à Relação alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Trata-se de uma evolução em relação ao art. 712.º da anterior lei processual civil, consagrando uma efectiva autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto, competindo-lhes formar a sua própria convicção, podendo, ainda, renovar os meios de prova e mesmo produzir novos meios de prova, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada em primeira instância.
Deste modo, na reapreciação da matéria de facto o Tribunal da Relação deve lançar mão de todos os meios probatórios à sua disposição e usar de presunções judiciais para obter congruência entre a verdade judicial e a verdade histórica, não incorrendo em excesso de pronúncia se, ao alterar a decisão da matéria de facto relativamente a alguns pontos, retirar dessa modificação as consequências devidas que se repercutem noutra matéria de facto, sendo irrelevante ter sido esta ou não objecto de impugnação nas alegações de recurso[2].
Ponderando, ainda, que o ónus a cargo do recorrente consagrado no art. 640.º do Código de Processo Civil, “não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado; nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação e, que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, maxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica”[3], proceder-se-á à análise desta parte do recurso, no uso da referida autonomia decisória dos Tribunais da Relação na reapreciação da matéria de facto.
*
Alínea a) dos factos não provados:
Na sentença, foi dado como não provado o seguinte: “a) Aquando da contratação do autor as partes acordaram no pagamento na rúbrica “ajudas de custo” das verbas que estão previstas na lei e nos CCTV aplicáveis.”
Argumenta a Ré que a decisão deste ponto deve ser alterada, pois os recibos de vencimento mencionam o pagamento de ajudas de custo, pelos valores especificados no ponto 27, tendo o A. assinado parte deles e assim manifestado anuência quanto ao seu teor, nunca tendo reclamado dessa estrutura remuneratória, e ainda porque no sentido da realidade desse facto foi produzido o depoimento da testemunha BB.
A sentença entendeu considerar este facto como não provado, argumentando não ter resultado das declarações do A., nem do depoimento da testemunha CC “que se tivesse acordado em as ajudas de custo englobarem o valor das cláusulas de expressão pecuniárias previstas no CCT.”
A sentença reconhece que outra testemunha inquirida em audiência, BB, directora de recursos humanos, quanto à forma de processamento de salários, “afirmou que a Ré pagava o vencimento, o prémio TIR (cujo valor estava acima do obrigatório, sendo que ficavam a faltar cerca de € 100,00 ao valor previsto para a Cláusula 64º) e, nas ajudas e custo, pagava todas as outras rúbricas do CCT, bem como € 60,00 por cada dia Sábado, Domingo, Feriado (os quais não eram declarados) e dias em que o motorista estava parado por culpa da empresa.”
Mas entendeu que, não se encontrando esta testemunha ao serviço da empresa à data da admissão do A., no que concerne ao acordo entre as partes se trataria de depoimento de ouvir dizer.
Mais referiu a sentença que entendeu valorar o depoimento desta testemunha com reservas, pois “revelou-se tranquila e cooperante durante a inquirição por parte do Ilustre Mandatário da ré mas, a instâncias da Ilustre Mandatária do autor mudou de postura (chegado a afirmar que não se encontrava ali para ser insultada, sendo que tal não ocorreu), tendo inclusive manifestado revolta com a propositura da presente acção (bem como com outras que terão sido propostas contra a ré), tendo declarado considerar errado e estarem os trabalhadores a aproveitarem-se da empresa.”
Após audição das gravações, este tribunal não obtém as mesmas conclusões.
Com efeito, o próprio A. revelou que já era motorista TIR há muitos anos (desde 2003), e que optou por vir para a empresa Ré porque esta propunha uma estrutura remuneratória que lhe convinha: em vez de receber valores mensais fixos, sujeitos a tributação e a contribuições para a Segurança Social, passava a receber a retribuição base e o prémio TIR no valor global de cerca de € 1.050,00, e o resto era pago como “ajudas de custo”, através do número de quilómetros percorridos (€ 0,10 por quilómetro). Como relatou, entre 45m30s e 45m55s do seu depoimento, “todos os motoristas quando há qualquer coisa passam a mensagem, e eu cheguei…, disseram-me, olha, o Mosca vem para Portugal, está a precisar de motoristas, paga mil e cinquenta euros de ordenado base, paga prémio TIR e cláusula 74 e dez cêntimos ao km, pronto, foi fácil.” E logo a seguir, a instâncias que lhe foram feitas, confirmou que essas foram as condições que a Ré lhe ofereceu e que aceitou ao entrar na empresa.
Este depoimento é coincidente com o que a testemunha BB relatou: as condições eram os mil e cinquenta euros (base e prémio TIR), e o resto (cláusula 74, sábados, domingos e feriados, e subsídio de alimentação) pago na rúbrica “ajudas de custo”, calculado com base em dez cêntimos ao quilómetro, mais sessenta euros para os dias de paragem. Não estava na empresa quando o A. entrou, mas foi o que lhe foi relatado pelos colegas, e confirmado pelo próprio A., que a abordou uma ou duas vezes para reclamar diferenças de pagamento.
A circunstância desta testemunha ter revelado a sua opinião pessoal sobre o pleito em litígio (e certo é que, ouvindo o seu depoimento com atenção, apesar de um momento exaltado, acaba por serenar e responder com calma e prontidão a tudo o que lhe foi perguntado pela Ilustre Mandatária do A.), não é bastante para desvalorizar o seu depoimento, em especial porque este é coincidente, nos seus aspectos essenciais, com o depoimento prestado pelo trabalhador.
Ademais, ao longo da sua relação laboral, o A. recebeu a título de “ajudas de custo” os valores mencionados no ponto 27 do elenco de factos provados, que excedem claramente o valor da ajuda de custo diária “para fazer face às despesas com alimentação, dormidas e outras”, a que se refere a cláusula 59.ª n.ºs 1 e 3 do CCT em vigor durante a maior parte do tempo da relação laboral – o publicado no BTE n.º 34/2018 – pelo que não podem ser consideradas como meras ajudas de custo, para os fins do art. 260.º n.º 1 al. a) do Código do Trabalho.
Assim, ao contrário do que se decidiu na sentença recorrida, será eliminada a referida alínea a) dos factos não provados, e a respectiva matéria incluída no elenco de factos provados, embora concretizando-se que naquela rúbrica de “ajudas de custo” estavam incluídas as verbas previstas nos CCTV a título de trabalho suplementar, trabalho em dias de descanso semanal ou feriados e despesas com alimentação.
Assim, concede-se provimento a esta parte da impugnação fáctica, determinando-se a eliminação da al. a) dos factos não provados e o aditamento aos factos provados de um novo ponto, que terá a seguinte redacção:
“Aquando da contratação do A., as partes acordaram no pagamento, sob a rúbrica “ajudas de custo”, das verbas previstas nos CCTV a título de trabalho suplementar, trabalho em dias de descanso semanal ou feriados e despesas com alimentação.”
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Ponto 7 dos factos provados:
A Ré argumenta que a modificação da decisão quanto à alínea a) dos factos não provados impõe a alteração da decisão de outros pontos dos factos provados, nomeadamente os 7 a 16, 18 e 20 a 25 dos factos provados, por congruência fáctica.
No entender do tribunal, a alteração da decisão impõe-se não apenas por esse motivo: são também conclusivos, por conterem afirmações de direito, a extrair dos factos provados.
Helena Cabrita ensina que “os factos conclusivos são aqueles que encerram um juízo ou conclusão, contendo desde logo em si mesmos a decisão da própria causa ou, visto de outro modo, se tais factos fossem considerados provados ou não provados toda a acção seria resolvida (em termos de procedência ou improcedência) com base nessa única resposta.”[4]
Ora, do art. 607.º n.ºs 3 a 5 do Código de Processo Civil decorre o dever do tribunal discriminar os factos que julga provados e os que julga não provados, e após interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Daí que a enunciação da matéria de facto deva ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjectivação.
A propósito, escreveu-se o seguinte, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2021 (Proc. 2999/08.0TBLLE.E2.S1)[5]:
«(…) como é sabido, em sede de fundamentação de facto (traduzida na exposição descritivo-narrativa tanto da factualidade assente, quer por efeito legal da admissão por acordo, quer da eficácia probatória plena de confissão ou de documentos, como dos factos provados durante a instrução), a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjectivação.
Todavia, vem sendo entendido que tal enunciação pode conter referência:
· Quer a situações jurídicas consolidadas, desde que não hajam sido postas em causa, isto é, desde que sejam usadas sem representar uma aplicação do direito à hipótese controvertida (quando se trate de elementos adquiridos sobre os quais não vai incidir um esforço de apreciação normativa);
· Quer a termos jurídicos portadores de alcance semântico socialmente consensual (portadores de uma significação na linguagem corrente) desde que não sejam objecto de disputa entre as partes e não requeiram um esforço de interpretação jurídica, devendo ser tomados na sua acepção corrente ou mesmo jurídica, se for coincidente, ou estiver já consolidada como tal na linguagem comum.»
No caso, a sentença declarou provado, no ponto 7, o seguinte: “As retribuições a que o A. tinha direito…”, descrevendo depois o valor das retribuições a que este teria direito, quer a retribuição base e o prémio TIR fixadas nos recibos, quer as que resultariam dos CCTV aplicáveis (cláusula 74.ª n.º 7 do CCTV de 1980, cláusulas 45.ª, 61.ª e 48.ª do CCTV publicado no BTE de 15.09.2018, e cláusulas 44.ª, 48.ª, 59.ª, 61.ª, 63.ª e 89.ª do CCTV publicado no BTE de 08.12.2019).
Notoriamente, neste ponto foram realizadas afirmações de direito, em matéria jurídica controvertida nos autos, contendo em si mesmos a decisão da própria causa.
Podiam – e deviam – ser declarados provados os valores das retribuições descritas nos recibos, nomeadamente a base e o subsídio TIR, mas uma vez que está controvertido nos autos o valor das restantes retribuições e a sua inclusão na rúbrica “ajudas de custo”, a sua definição deve resultar da discussão jurídica da causa, a extrair dos factos provados.
Assim, quanto ao ponto 7, reduz-se o seu teor ao seu seguinte:
7. De Março de 2018 a Dezembro de 2019, a Ré pagou ao A. a retribuição base de € 675,00 e sob a rúbrica “Subsídio TIR”, a quantia de € 380,40”.
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Pontos 8 a 14 dos factos provados:
A Ré propõe a alteração destes pontos por incongruência fáctica quanto à decisão da al. a) dos factos não provados.
Já acima abordámos a necessidade da matéria de facto ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjectivação.
Tal volta a suceder em parte do elenco fáctico agora em discussão.
Nos pontos 8 a 14, a sentença declara provado o seguinte:
8. “A Ré não pagou ao A. a Clª 74 nº 7, nos meses de Março a Dezembro de 2018, no valor total de 3.669,02€.
9. A Ré não pagou ao A. os proporcionais de férias e de subsídio de férias respeitantes ao ano de 2018, no valor de € 2.290,84.
10. A Ré não pagou ao A. nos 12 meses do ano e no subsídio de férias as quantias relativas às seguintes retribuições fixadas no CCT de 15/08/2018, no total de 6.252,22€, com os seguintes valores mensais:
Complemento Salarial (Clª 45) ------------------------------ 33,75€
Clª 61 ----------------------------------------------------------- 379,69€
Subsídio Nocturno (Clª 48) ------------------------------------- 67,50€
11. A Ré não pagou ao A. os dias 1 a 3 em que trabalhou em Fevereiro de 2020, no valor de € 156,51.
12. A Ré não pagou ao A., no mês de Janeiro de 2020, as quantias relativas ao complemento salarial (€35,00), à Clª 61 (€379,79) e ao subsídio nocturno (€70,00), no total de € 484,69.
13. A Ré pagou ao A., a título de férias vencidas a 01.01.2020 e respectivo subsídio, a quantia de € 1.470,00, tendo ficando em falta a quantia de € 1.660,18.
14. A Ré não pagou ao A. os dias de descanso trabalhados.”
Ora, quanto ao ponto 8, para além de incongruência quanto à decisão da al. a) dos factos não provados, temos duas conclusões jurídicas: que a cláusula 74.ª n.º 7 é devida, por o sistema remuneratório acordado não ser favorável ao trabalhador, e que o valor devido são os citados € 3.669,02.
Quanto ao ponto 9, para além de estabelecer uma conclusão jurídica acerca do valor devido ser de € 2.290,84, a sentença incorre em manifesto lapso: o que se pede a esse título é apenas € 999,26, porque € 292,32 já foram pagos (cfr. o art. 17.º da petição inicial).
Neste ponto, a sentença somou o valor que o A. afirmava ter direito, de € 1.291,58, e aditou a diferença de € 999,26, assim obtendo o valor de € 2.290,84 (1.291,58+999,26).
Porém, a operação aritmética que consta do art. 17.º da petição inicial é outra: 1.291,58-292,32=999,26.
Assim, o ponto 9 tem de ser alterado, declarando-se provado, apenas, que a Ré pagou ao A., no recibo de 31.12.2018, a quantia de € 292,32, a título de subsídio de férias.
Quanto ao ponto 10, ocorre igualmente incongruência quanto à decisão da al. a) dos factos não provados, bem como duas conclusões jurídicas: que os valores das cláusulas 45.ª, 61.ª e 48.ª são devidos, por o sistema remuneratório acordado não ser favorável ao trabalhador, e que o valor assim devido é de € 6.252,22.
Quanto ao ponto 11, para além da conclusão jurídica de ser devido um valor de € 156,51, está junto aos autos o recibo do mês de Fevereiro de 2020 (documento n.º 33 junto à contestação, não impugnado), discriminando o pagamento de diversas retribuições, entre elas o vencimento base por quatro dias trabalhados nesse mês (no valor de € 93,33).
Conjugando este ponto 11 com o 13 – o pagamento de férias e respectivo subsídio, no recibo de Fevereiro de 2020, no valor de € 1.470,00 – temos a afirmar que a declaração que ainda ficou a faltar € 1.660,18 envolve outra conclusão jurídica, relativa à afirmação da existência de direito a tal valor específico.
Assim, o ponto 11 será eliminado, enquanto o ponto 13 será alterado, para expressar os valores que efectivamente são creditados ao A. no citado recibo de Fevereiro de 2020.
Quanto ao ponto 12, para além da incongruência quanto à decisão da al. a) dos factos não provados, ocorrem duas conclusões jurídicas: que os valores relativos ao complemento salarial, cláusula 61.ª, e subsídio nocturno são devidos no mês de Janeiro de 2020, por o sistema remuneratório acordado não ser favorável ao trabalhador, e que o valor assim devido é de € 484,69.
Acresce, ainda, que no recibo final, de Fevereiro de 2020, são creditados vários valores a esse título, que serão discriminados na resposta alterada ao ponto 13.
Finalmente, quanto ao ponto 14, ocorre incongruência quanto à decisão da al. a) dos factos não provados, pelo que será eliminado.
Em resumo, quanto aos 8 a 14 dos factos provados, toma-se a seguinte decisão:
· os pontos 8, 10, 11, 12 e 14 são eliminados;
· o ponto 9 passa a ter a seguinte redacção: “No recibo de 31.12.2018, a Ré pagou ao A. a quantia de € 292,32, a título de subsídio de férias”;
· o ponto 13 passa a ter a seguinte redacção: “No recibo de Fevereiro de 2020, a Ré pagou ao A. os seguintes valores:
- Vencimento, 4 dias: € 93,33;
- Subsídio de férias, 30 dias: € 735,00;
- Férias não gozadas: € 735,00;
- Compl. salarial, 34 dias: € 39,67;
- Cláus.61, 34 dias: € 399,84;
- Prémio TIR, 34 dias: € 153,00;
- Devolução Antecipo: € 1.536,50;
- Proporcional Sub. Férias: € 71,05;
- Proporcional Mês Férias: € 71,05;
- Proporcional Sub. Natal: € 71,05”.
*
Pontos 15 e 16 dos factos provados:
A Ré propõe a alteração destes pontos por incongruência fáctica quanto à decisão da al. a) dos factos não provados.
Quanto ao ponto 15, numa primeira parte, ocorre a descrição específica de sábados, domingos e feriados, entre Junho e Dezembro de 2019, que o A. passou ao serviço da Ré, em viagens por esta determinadas, terminando com a seguinte conclusão: “Total: 43 dias, no valor de € 2.031,75.”
O mesmo se passa quanto ao mês de Janeiro de 2020. A descrição de três dias de sábado, domingo e feriado em serviço da Ré e a seguinte conclusão: “Total: 3 dias, no valor de € 147,00.”
Segue-se uma segunda parte, esta dedicada ao período de Abril de 2018 a Maio de 2019. Aqui não há a descrição específica de sábados, domingos e feriados trabalhados, mas apenas o seguinte: “O A. trabalhou 50 dias de Abril a Dezembro de 2018, não tendo a ré pago a quantia de € 2.250,00; O A. trabalhou 17 dias de Janeiro a Maio de 2019, não tendo a ré pago a quantia de € 803,25”.
Ocorre aqui, não apenas incongruência quanto à decisão da al. a) dos factos não provados, como ainda duas conclusões jurídicas: que os valores relativos ao trabalho nesses dias são devidos, por o sistema remuneratório acordado não ser favorável ao trabalhador, e que os valores assim devidos são os mencionados (€ 2.031,75 de Junho a Dezembro de 2019, € 147,00 em Janeiro de 2020, € 2.250,00 de Abril a Dezembro de 2018, e € 803,25 de Janeiro a Maio de 2019).
Tais conclusões serão, pois, eliminadas.
Quanto ao ponto 16, ocorre a mera descrição de domingos e feriados trabalhados entre Junho e Dezembro de 2019, sem qualquer outra conclusão. Como aqui também não se vislumbra incongruência fáctica, nesta parte a impugnação fáctica não procede.
Em resumo, quanto aos 15 e 16 dos factos provados, toma-se a seguinte decisão:
· no ponto 15, eliminam-se as seguintes expressões conclusivas: “Total: 43 dias, no valor de € 2.031,75”; “Total: 3 dias, no valor de € 147,00”; “…não tendo a ré pago a quantia de € 2.250,00”; e “…não tendo a ré pago a quantia de € 803,25”;
· quanto ao ponto 16, a impugnação fáctica é julgada improcedente.
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Pontos 18 e 20 a 25 dos factos provados:
A Ré também propõe a alteração destes pontos por incongruência fáctica quanto à decisão da al. a) dos factos não provados.
Nestes pontos foi dado como provado o seguinte:
18. “A ré não pagou, a título de descansos compensatórios, 13 dias, no valor de € 307,13. (…)
20. No mês de Novembro de 2018 o A. trabalhou 21 dias e recebeu 3 diárias nacionais e 12 internacionais, pelo que a Ré não pagou 6, no valor total de € 301,20.
21. No mês de Dezembro de 2018 o A. trabalhou 20 dias e recebeu 5 diárias, pelo que a Ré não pagou 15, no valor total de € 753,00.
22. No mês de Maio de 2019 o A. trabalhou 22 dias e recebeu apenas 1 “diária” nacional e 14 “diárias” estrangeiro, pelo que a Ré não pagou 7, no valor total de €351,40.
23. No mês de Julho de 2019 o A. trabalhou 23 dias e recebeu apenas 15 diárias, uma de 50,20€ e as 14 restantes de 89,35€, pelo que a ré não pagou 8, no valor total de 401,60€.
24. No mês de Agosto de 2019 o A. trabalhou 21 dias e recebeu 15 diárias “estrangeiro”, pelo que a ré não pagou 6, no valor total de € 301,20.
25. No mês de Outubro de 2019 o A. trabalhou 23 dias e recebeu apenas 15 diárias no valor unitário de 89,35€, pelo que a ré não pagou 8, no valor total de 401,60€.”
Quanto ao ponto 18, não é apenas uma questão de incongruência fáctica, mas de nova expressão de juízos conclusivos: que o número de dias de descansos compensatórios devidos é de 13 (sem se identificar a que datas ou período temporal se está a referir), que o pagamento desses dias é devido, e que o valor assim devido é de € 307,13.
Quanto aos pontos 20 a 25, para além da incongruência fáctica, temos igual expressão de afirmações de direito, que deveriam ser extraídas dos factos provados: que o A. tinha direito a determinado número de diárias por mês, que o sistema remuneratório acordado não lhe era favorável e que o valor devido de diárias em cada mês era de x ou de y (€ 301,20 no mês de Novembro de 2018, € 753,00 no mês de Dezembro de 2018, € 351,40 no mês de Maio de 2019, € 401,60 no mês de Junho de 2019, € 301,20 no mês de Agosto de 2019 e € 401,60 no mês de Outubro de 2019).
Em consequência, determina-se a eliminação dos mencionados pontos 18 e 20 a 25 dos factos provados.
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Ponto 26 dos factos provados:
No ponto 26, a sentença declarou provado o seguinte: “No que concerne aos meses de Abril a Outubro de 2018 e de Janeiro a Abril, Junho, Setembro, Novembro e Dezembro de 2019, o A. trabalhou pelo menos 20 dias em cada mês e a Ré só pagou 15 diárias por mês, tendo ficando por pagar 5 diárias em cada um dos 15 meses, no valor total de €3.765,00.”
Apesar deste ponto não ter sido expressamente impugnado pela Recorrente, há que proceder à sua alteração, para se obter congruência fáctica, na linha do que é a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, expressa nos seus Acórdãos de 13.01.2015 e de 28.09.2022 (supra identificados em nota), pois, como se afirma no último destes arestos, a Relação “deparando-se com contradições factuais produzidas pelas alterações por si introduzidas, tem que fazer prevalecer o que irradia da sua reapreciação/convicção e alterar os pontos da matéria de facto (cuja reapreciação não foi requerida) que retratem tais contradições factuais.”
Ora, este ponto 26 não apenas é incongruente com a decisão quanto à al. a) dos factos não provados, como também é incongruente com a decisão tomada quanto aos pontos 20 a 25, pois ali se expressam as mesmas afirmações de direito, que deveriam ser extraídas dos factos provados: que o A. tinha direito a determinado número de diárias por mês, que o sistema remuneratório acordado não lhe era favorável e que o valor devido de diárias em cada mês era de x, e o valor total assim devido seria de € 3.765,00.
Como tal, também este ponto 26 será eliminado.
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Em resumo, a impugnação fáctica procede parcialmente, nos seguintes termos:
· a al. a) dos factos não provados é eliminada, aditando-se aos factos provados um novo ponto, com a seguinte redacção: “Aquando da contratação do A., as partes acordaram no pagamento, sob a rúbrica “ajudas de custo”, das verbas previstas nos CCTV a título de trabalho suplementar, trabalho em dias de descanso semanal ou feriados e despesas com alimentação”;
· o ponto 7 passa a ter a seguinte redacção: “De Março de 2018 a Dezembro de 2019, a Ré pagou ao A. a retribuição base de € 675,00 e sob a rúbrica “Subsídio TIR”, a quantia de € 380,40”;
· o ponto 9 passa a ter a seguinte redacção: “No recibo de 31.12.2018, a Ré pagou ao A. a quantia de € 292,32, a título de subsídio de férias”;
· o ponto 13 passa a ter a seguinte redacção: “No recibo de Fevereiro de 2020, a Ré pagou ao A. os seguintes valores:
- Vencimento, 4 dias: € 93,33;
- Subsídio de férias, 30 dias: € 735,00;
- Férias não gozadas: € 735,00;
- Compl. salarial, 34 dias: € 39,67;
- Cláus.61, 34 dias: € 399,84;
- Prémio TIR, 34 dias: € 153,00;
- Devolução Antecipo: € 1.536,50;
- Proporcional Sub. Férias: € 71,05;
- Proporcional Mês Férias: € 71,05;
- Proporcional Sub. Natal: € 71,05”.
· no ponto 15, eliminam-se as seguintes expressões conclusivas: “Total: 43 dias, no valor de € 2.031,75”; “Total: 3 dias, no valor de € 147,00”; “…não tendo a ré pago a quantia de € 2.250,00”; e “…não tendo a ré pago a quantia de € 803,25”;
· os pontos 8, 10, 11, 12, 14, 18 e 20 a 26 são eliminados;
· quanto ao ponto 16, a impugnação fáctica é julgada improcedente.

Em consequência, a matéria de facto provada fica assim estabelecida:
1. A Ré dedica-se ao Transporte Rodoviário de Mercadorias.
2. O Autor foi admitido ao serviço da Ré em 12-03-2018, sob as suas ordens, direcção e fiscalização como motorista, desempenhando as funções de motorista dos Transportes Internacionais Rodoviários de Mercadorias entre Portugal e vários países europeus como a Espanha, França, Alemanha, Holanda, Reino Unido, conduzindo veículos pesados de mercadorias até 44 toneladas.
3. Por carta registada datada de 03-02-2020 o Autor comunicou à Ré a cessação de contrato com efeitos imediatos, apresentando como fundamento o não pagamento, desde a aplicação do CCT de 15.09.2018, da diferença entre a quantia recebida 1.055,40€ e a receber de 1.237,42€.
4. É aplicável às partes até Setembro de 2018 o contrato colectivo de trabalho celebrado entre a ANTRAM – Associação Nacional dos Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e a FESTRU – Federação dos Sindicatos de Transportes Rodoviários e outros, publicado no BTE, 1ª série nº 9, de 08.03.1980, com as alterações introduzidas em posteriores revisões (publicadas nos BTE’s 16/1982, 18/1986, 20/1989, 18/1991, 25/1992/ 25/1993, 24/1994, 20/1996, 30/1997 e 32/1998), por força das Portarias de Extensão publicadas no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª série, nº 30, de 15 de Agosto de 1980 e no mesmo Boletim, 1ª Série, nº 33, de 8 de Setembro de 1982 e a partir de Outubro de 2018 o C.C.T.V. celebrado entre a ANTRAM e a FECTRANS in BTE nº 34 de 15/09/2018 e a Portaria de Extensão in separata do BTE nº 40 de 17/09/2018 e, finalmente, a partir de 14/12/2019 o CCT celebrado entre as mesma partes, in BTE nº 45 de 08/12/2019 a Portaria de Extensão de 49/2020 de 26/02.
5. O A. como motorista TIR passava nas viagens, ao estrangeiro, em cada mês, cerca de 22 dias pois nunca ficava parado em Portugal mais de 8 dias.
6. O horário do A. era de 40 horas semanais, sendo 8 horas por dia útil de 2ª a 6ª feira, sendo os sábados e os domingos os dias de descanso complementar e obrigatório.
7. (Alterado) De Março de 2018 a Dezembro de 2019, a Ré pagou ao A. a retribuição base de € 675,00 e sob a rúbrica “Subsídio TIR”, a quantia de € 380,40.
8. (Eliminado).
9. (Alterado) No recibo de 31.12.2018, a Ré pagou ao A. a quantia de € 292,32, a título de subsídio de férias.
10. (Eliminado).
11. (Eliminado).
12. (Eliminado).
13. (Alterado) No recibo de Fevereiro de 2020, a Ré pagou ao A. os seguintes valores:
- Vencimento, 4 dias: € 93,33;
- Subsídio de férias, 30 dias: € 735,00;
- Férias não gozadas: € 735,00;
- Compl. salarial, 34 dias: € 39,67;
- Cláus.61, 34 dias: € 399,84;
- Prémio TIR, 34 dias: € 153,00;
- Devolução Antecipo: € 1.536,50;
- Proporcional Sub. Férias: € 71,05;
- Proporcional Mês Férias: € 71,05;
- Proporcional Sub. Natal: € 71,05.
14. (Eliminado).
15. (Alterado) O A. passou ao serviço da Ré, nas viagens por esta determinadas, os seguintes dias de descanso (sábados, domingos e feriados):
1 – De Junho de 2019 a Janeiro de 2020:
A – Ano de 2019
Junho – 1, 2, 9, 10, 15, 16, 20, 22, 29, 30
Julho – 6, 7, 13, 14, 20, 28
Agosto – 10, 15, 17, 25, 31
Setembro – 7, 8, 14, 21, 28, 29
Outubro – ---
Novembro – 2, 3, 9, 10, 16, 17, 23(a), 24(a), 30
Dezembro – 1, 7(b), 8(b), 14, 25, 28, 29
(a) – O A. passou estes 2 dias em “pausa” no Reino Unido;
(b) – O A. passou estes 2 dias em “pausa de 48h” na Holanda;
B – Ano de 2020
Janeiro: 1(a), 4, 5
(a) – O A. passou este dia de “pausa” horária em França.
2. De Abril de 2018 a Maio de 2019:
O A. trabalhou 50 dias de Abril a Dezembro de 2018;
O A. trabalhou 17 dias de Janeiro a Maio de 2019.
16. A. trabalhou os seguintes domingos e feriados, de 01/06/2019 até 31/12/2019:
Junho – 2, 9, 10, 16, 20, 30
Julho – 7, 14, 28
Agosto – 15, 25
Setembro – 8, 29
Outubro – ---
Novembro – 3, 10, 17, 24
Dezembro – 1, 8, 25, 29
Total: 21 dias
17. Os dias úteis não trabalhados pelo A. de 01/06/2019 até 31/12/2019 foram os seguintes:
Junho – ---
Julho – 8, 23, 24, 25, 26
Agosto – ---
Setembro – 9
Outubro – ---
Novembro – 14, 15
Dezembro – ---
Total: 8 dias
18. (Eliminado).
19. A ré nunca pagou ao A. qualquer dia de descanso em estabelecimento hoteleiro.
20. (Eliminado).
21. (Eliminado).
22. (Eliminado).
23. (Eliminado).
24. (Eliminado).
25. (Eliminado).
26. (Eliminado).
27. O A. recebeu, a título de ajudas de custo:
- Abril de 2018: € 982,85;
- Maio de 2018: € 1390,45;
- Junho de 2018: € 675,65;
- Julho de 2018: € 1479,80;
- Agosto de 2018: € 1837,20;
- Setembro de 2018: € 1569,15;
- Outubro de 2018:---
- Novembro de 2018: € 1222,80;
- Dezembro de 2018: € 251,00;
- Janeiro de 2019: € 1.172,60;
- Fevereiro de 2019: € 1.479,80;
- Março de 2019: € 1.658,50;
- Abril de 2019: € 1.390,45;
- Maio de 2019: € 1.301,10;
- Junho de 2019: €1.541,05
- Julho de 2019: € 1.301,10
- Agosto de 2019: €1.340,25
- Setembro de 2019: € 1.390,45
- Outubro de 2019: € 1.340,25
- Novembro de 2019: € 150,60
- Dezembro de 2019: € 1658,50
28. O autor nunca reclamou da falta de pagamento de valores previstos nos CCT.
29. A ré apresentou em audiência de julgamento, para prestação de depoimento de parte, pessoa que passou a exercer funções na empresa após a cessação do contrato do autor.
30. (Aditado) Aquando da contratação do A., as partes acordaram no pagamento, sob a rúbrica “ajudas de custo”, das verbas previstas nos CCTV a título de trabalho suplementar, trabalho em dias de descanso semanal ou feriados e despesas com alimentação.

APLICANDO O DIREITO
Da nulidade do acordo remuneratório
A relação laboral iniciou-se ainda no período de vigência do CCTV celebrado entre a ANTRAM e a FESTRU, publicado no BTE de 08.03.1980, com as suas sucessivas alterações, o qual conferia aos motoristas de transportes internacionais de mercadorias, quando deslocados no estrangeiro, além da retribuição base:
- o direito a uma retribuição mensal, não inferior à remuneração correspondente a duas horas de trabalho extraordinário por dia (cl.ª 74.ª n.º 7);
- o direito a que o trabalho prestado em dias feriados ou de descanso, semanal ou complementar, seja remunerado com o acréscimo de 200% (cl.ª 41.ª n.º 1);
- o direito ao gozo de igual número de dias de descanso, imediatamente após a chegada, a par com o gozo das 24 horas que antecedam cada viagem ou, em alternativa, o direito a que esses dias remunerados com o acréscimo de 200% (cl.ªs 20.ª e 41.ª n.ºs 5 e 6);
- o direito a que as refeições tomadas em viagem sejam pagas à factura (cl.ª 47.ª-A);
- o direito a auferirem uma quantia, denominada no Anexo II como “ajuda de custo mensal”, mas que se trata de uma prestação fixa, com carácter regular e periódico, sem qualquer causa específica ou individualizável diversa da remuneração do trabalho ou da disponibilidade da força de trabalho, integrando assim o conceito de retribuição.[6]
A partir de 01.10.2018, passou a ser aplicável a tabela salarial e as cláusulas de natureza pecuniária previstas no CCTV publicado no BTE de 15.09.2018 – art. 2.º n.º 2 da Portaria de Extensão n.º 287/2018, de 24 de Outubro – que previa o pagamento a estes profissionais, para além da retribuição base, de:
- complemento salarial (cl.ª 45.ª);
- subsídio de trabalho nocturno (cl.ª 48.ª n.ºs 2 e 3);
- pagamento em dobro do valor dia, pelo trabalho em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar ou em feriado, independentemente do concreto número de horas de trabalho prestado, sendo igualmente devido nos dias em que o trabalhador, quando deslocado fora do país de residência, não tenha prestado qualquer trabalho e tenha realizado apenas descanso diário e/ou semanal (cl.ª 51.ª n.ºs 1 a 5);
- ajudas de custo diárias para fazer face às despesas com alimentação, dormidas e outras (cl.ª 59.ª);
- ajuda de custo TIR (cl.ª 60.ª); e,
- o pagamento de um valor correspondente a duas horas de trabalho suplementar (cl.ª 61.ª).
Finalmente, a partir de 01.01.2020, passou a ser aplicável a tabela salarial e as cláusulas de natureza pecuniária previstas no CCTV publicado no BTE de 08.12.2019 – art. 2.º n.º 2 da Portaria de Extensão n.º 49/2020, de 26 de Fevereiro – que previam o pagamento a estes profissionais, para além da retribuição base, de:
- complemento salarial (cl.ª 59.ª);
- subsídio de trabalho nocturno (cl.ª 63.ª);
- pagamento em dobro do valor dia, pelo trabalho em dias de descanso semanal, obrigatório ou complementar ou em feriado, independentemente do concreto número de horas de trabalho prestado, sendo igualmente devido nos dias em que o trabalhador, quando deslocado fora do país de residência, não tenha prestado qualquer trabalho e tenha realizado apenas descanso diário e/ou semanal (cl.ª 50.ª n.ºs 1 a 5);
- ajudas de custo diárias para fazer face às despesas com alimentação, dormidas e outras (cl.ª 58.ª);
- ajuda de custo TIR (cl.ª 64.ª); e,
- o pagamento de um valor correspondente a duas horas de trabalho suplementar (cl.ª 61.ª).
No Acórdão de 30.03.2017, esta Relação de Évora decidiu que “nada impede que o sistema retributivo do CCTV celebrado entre a ANTRAM (…) e a FESTRU (…) seja alterado por acordo entre as partes contratantes, ou mesmo unilateralmente, através de um compromisso vinculativo para a entidade empregadora, desde que daí resulte um regime mais favorável para o trabalhador”, e que “compete à entidade empregadora provar que o sistema remuneratório estabelecido é mais vantajoso para o trabalhador do que o estabelecido no CCTV (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).”[7]
De igual modo, em Acórdão de 15.02.2023, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu que “substituído, por acordo das partes, o sistema remuneratório estabelecido na contratação colectiva por outro, menos favorável para o trabalhador, este tem direito à exacta diferença em que tenha sido prejudicado, sob pena de enriquecimento injustificado da sua parte”, e que “compete à entidade empregadora provar que o sistema remuneratório estabelecido é mais vantajoso para o trabalhador do que o estabelecido no CCTV (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).”[8]
Por outro lado, já em Acórdão de 29.04.2015, o Supremo Tribunal de Justiça havia apontado que “tendo-se declarado a nulidade da alteração do regime convencionado nas clausulas 41ª, nº 1 e 47ª-A do CCTV do sector dos TIR, e condenado a ré a pagar ao autor os valores que em sede de incidente de liquidação se venham a apurar relativamente a despesas com refeições (cláusula 47ª A do CCTV) e a trabalho prestado em dias de descanso (cláusula 41ª, nº 1 do CCTV), no período entre 2003 e 18-10-2011, esta declaração tem efeito retroactivo, devendo o trabalhador restituir tudo o que tiver sido prestado ao abrigo do regime remuneratório que foi praticado, conforme determina o art. 289.º/1 do Código Civil.”[9]
No caso, está apurado que o A. foi admitido para exercer as funções de motorista de veículos pesados de mercadorias até 44 toneladas, entre Portugal e vários países europeus, e que auferia, de Março de 2018 a Dezembro de 2019, a retribuição base de € 675,00 e sob a rúbrica “Subsídio TIR”, a quantia de € 380,40.
Mais está apurado que as partes acordaram no pagamento, sob a rúbrica “ajudas de custo”, das verbas previstas nos CCTV a título de trabalho suplementar, trabalho em dias de descanso semanal ou feriados e despesas com alimentação, tendo assim recebido as verbas melhor discriminadas no ponto 27 dos factos provados.
Será este acordo remuneratório mais favorável ao trabalhador?
Vejamos.
No que concerne ao período que decorreu entre o início da relação laboral e o final do mês de Setembro de 2018, em que se aplicou o CCTV de 1980 e suas sucessivas alterações, o A. reclama:
· a título de cláusula 74.ª n.º 7, a quantia global de [245,42 + (380,40 x 6)] = € 2.527,82;
· a título de férias e subsídio de férias [6 meses x 2 x (675+380,40+379,69) : 20] x 2 = € 1.721,63;
· a título de trabalho em dias de descanso, a quantia global de [6 meses x 7 x (675,00 : 30 x 2)] = € 1.890,00;
· total assim reclamado: € 6.139,45.
Porém, está demonstrado que, neste período, o A. recebeu a título de ajudas de custo a quantia global de € 7.935,10, pelos mencionados títulos (trabalho suplementar, trabalho em dias de descanso e despesas com alimentação), pelo que pode concluir-se que o acordo remuneratório estabelecido lhe foi favorável, pelo que nesta parte a sua pretensão deve improceder.
De todo modo, temos o seguinte reparo a fazer.
No art. 12.º da sua petição inicial, o A. afirma que tinha direito a um valor mensal de € 379,69 a título de cláusula 74.ª n.º 7, mas os cálculos que realiza no art. 16.º não têm por base esse valor, mas sim o de € 380,40, que alegou (também no art. 12.º) tratar-se de “Subsídio (Prémio) TIR – (fixada pela Ré)”.
A discrepância fica aqui anotada, mas a ligeira diferença de cálculos que tal implica não tem relevância quanto à conclusão acima obtida do acordo remuneratório ser favorável ao trabalhador.
Ainda no que concerne ao período que decorreu até ao final do mês de Setembro de 2018, o A. reclama, a título de diárias, a quantia global de (5 x 6 x 50,20) = € 1.506,00.
Sucede que a cláusula 47.ª-A do CCTV de 1980 concede direito ao pagamento das despesas com refeições, mediante factura, aos trabalhadores quando deslocados no estrangeiro. Porém, o A. não apresentou qualquer factura (diz, de resto, na sua petição inicial, que não pedia nem entregava qualquer factura, e que a esse título não teve qualquer prejuízo), nem estabeleceu quais os dias em que esteve deslocado no estrangeiro, pelo que esta parte da pretensão improcede por falta de alegação e prova de requisitos essenciais do pedido formulado.
Vejamos agora o período que decorreu de Outubro de 2018 a Dezembro de 2019, em que foi aplicável a tabela salarial e as cláusulas de natureza pecuniária previstas no CCTV publicado no BTE de 15.09.2018.
Neste período, o A. reclama:
· de Outubro a Dezembro de 2018, a título de cláusula 74.ª n.º 7 do CCTV de 1980 (já não aplicável, mas a que corresponde a cláusula 61.ª do CCTV de 15.09.2018), a quantia global de (380,40 x 3) = € 1.141,20;
· a título de férias e subsídio de férias relativos ao mesmo período, deduzido o valor de € 292,32 pago em 31.12.2018, a quantia global de [3 meses x 2 x (675+380,40+379,69) : 20] x 2 – 292,32 = € 568,48;
· ainda nos mesmos meses de 2018, a título de trabalho em dias de descanso, a quantia global de [3 meses x 7 x (675,00 : 30 x 2)] = € 945,00;
· no ano de 2019, a título de cláusulas 45.ª, 48.ª e 61.ª do CCTV de 15.09.2018, a quantia global de 13 x (33,75+379,69+67,50) = € 6.252,22;
· de Janeiro a Maio de 2019, a título de trabalho em dias de descanso, a quantia de € 1.653,75;
· de Junho a Dezembro de 2019, pelo mesmo título, a quantia de € 2.031,75;
· ainda de Junho a Dezembro de 2019, a título de descansos compensatórios não gozados, a quantia de € 307,13;
· total assim reclamado: € 12.899,53.
Estando demonstrado que, neste período, o A. recebeu a título de ajudas de custo a quantia global de € 17.198,45, igualmente concluímos que o acordo remuneratório estabelecido lhe foi favorável, motivo pelo qual também aqui a sua pretensão não deve proceder.
Pelo período de Outubro de 2018 a Dezembro de 2019, o A. reclama, ainda, a título de diárias, a quantia global de 2.510,00 + (5 x 9 x 50,20) = € 4.769,00.
Para além de se observar que o A. admitiu, no art. 8.º da sua petição inicial, que nenhum prejuízo teve no que respeita a alimentos, voltamos a notar que não apresentou despesas com refeições no estrangeiro, nem estabeleceu quais os dias em que esteve em território nacional, quais os que esteve em Espanha e quais os que esteve deslocado nos restantes países europeus, motivo pelo qual também esta parte da sua pretensão improcede por falta de alegação e prova de factos constitutivos do pedido formulado.
Finalmente, quanto ano de 2020, o A. reclama:
· três dias de remuneração no mês de Fevereiro de 2020, no valor de € 156,51;
· complemento salarial, subsídio de trabalho nocturno e trabalho suplementar (cláusula 61.ª do CCTV de 08.12.2019), a quantia de € 484,69;
· férias vencidas em 01.01.2020 e respectivo subsídio, no valor de € 3.130,18; e,
· trabalho em três dias de descanso no mês de Janeiro de 2020, no valor de € 147,00.
A este respeito, está apurado que a Ré pagou ao A. os valores mencionados no recibo de Fevereiro de 2020, no qual foram incluídos os valores melhor descritos no ponto 13 dos factos provados, entre eles quatro dias de vencimento, férias e subsídio de férias, complemento salarial por 34 dias, cláusula 61.ª por 34 dias, prémio TIR por 34 dias, e proporcionais das férias e subsídios de férias e de Natal.
Tal recibo demonstra que, quanto ao mês de Fevereiro de 2020, estão pagos mais dias de remuneração que os reclamados pelo A. (aparentemente, a Ré atendeu ao dia de recepção da carta de resolução do contrato de trabalho), pelo que nesta parte nada mais tem a receber.
Demonstra, igualmente, o pagamento do complemento salarial relativo a todo o período trabalhado no ano de 2020, o mesmo se passando quanto à cláusula 61.ª e à ajuda de custo TIR (cláusula 64.ª do CCTV de 08.12.2019)[10], pelo que também nesta parte nada mais se reconhece ao A..
A referir que o princípio da irredutibilidade salarial “não obsta à alteração, por parte do empregador, do modo de cálculo da retribuição, na relação entre a remuneração de base e os respectivos complementos, desde que, evidentemente, tal alteração não redunde na diminuição da retribuição.”[11]
Com efeito, o que a lei ressalva é a impossibilidade de redução do valor global da retribuição, nada impedindo que, sendo esta constituída por diversas parcelas ou elementos, o empregador altere o quantitativo de algumas delas ou até os suprima, desde que o quantitativo da retribuição global resultante da alteração não se mostre inferior ao que resultaria do somatório das parcelas retributivas anterior a essa alteração.[12]
Onde não se demonstra que o A. esteja pago, respeita ao subsídio por trabalho nocturno – cláusula 63.ª do CCTV de 08.12.2019 – pelo que, pelo trabalho prestado no ano de 2020, se reconhece o valor de (70:30x34) = € 79,33.
Quanto às férias vencidas em 01.01.2020 e respectivo subsídio, o A. foi pago pelo valor da sua retribuição base e complemento salarial (700x1,05) x 2 = € 1.470,00.
Face às regras previstas nas cláusulas 61.ª n.º 4, 63.ª n.º 2 e 64.ª n.º 2 do CCTV de 08.12.2019, as férias e respectivos subsídio deveriam ter incluído os valores relativos ao subsídio por trabalho nocturno, prestação pecuniária da cláusula 61.ª e ajuda de custo TIR, pelo que a este título se reconhece ao A. o seguinte crédito: (70+352,80+135) x 2 = € 1.115,60.
Quanto ao trabalho em três dias de descanso no mês de Janeiro de 2020, o valor peticionado pelo trabalhador está conforme à fórmula constante da cláusula 50.ª n.ºs 1, 4 e 5 do CCTV de 08.12.2019, pelo que a esse título se reconhece ao A. a quantia de € 147,00.
Finalmente, quanto à indemnização pela justa causa de resolução do contrato de trabalho, diremos que os factos apurados não demonstram a redução salarial invocada na carta de 03.02.2020, em especial face ao acordo remuneratório estabelecido entre as partes, a que se reporta o ponto 30 dos factos provados, motivo pelo qual esta parte do pedido deve improceder.

Litigância de má fé
Entrando agora na análise da questão da litigância de má fé, com base no facto que consta do ponto 29, escreveu-se o seguinte na sentença: “A apresentação de pessoa, em substituição do gerente da ré (que não vive em Portugal, motivo pelo qual se compreendeu que não comparecesse em juízo), que nada sabe, e nem pode saber, sobre a contratação do autor, porque apenas começou a trabalhar na empresa quando o autor já havia saído, configura uma conduta reprovável, reveladora de falta de respeito para com o tribunal e a parte contrária e que não pode ter tido outro objectivo que não o de dificultar o apuramento dos termos da contratação do autor.”
Antes do mais, há a notar que a Ré é uma sociedade por quotas, representada por dois gerentes que, segundo informação prestada nos autos, são cidadãos de nacionalidade espanhola e residentes em Espanha.
Face ao disposto no art. 252.º n.ºs 6 e 7 do Código das Sociedades Comerciais, os gerentes não podem fazer-se representar no exercício do seu cargo, mas não está excluída a faculdade de a gerência nomear mandatários ou procuradores da sociedade para a prática de determinados actos ou categorias de actos, sem necessidade de cláusula contratual expressa.
No caso, a Ré informou que os aludidos gerentes não tiveram qualquer contacto com o A. nem o conhecem, motivo pelo qual nada podiam dizer a respeito das relações contratuais com ele estabelecidas. Nessa sequência, a Ré apresentou na sessão do dia 14.02.2023 DD, formadora de recursos humanos, que “disse estar com delegação de poderes do director geral da ré, que representa os gerentes da mesma”, conforme consta da acta respectiva.
Para além de não constar dos autos qualquer documento que comprove a alegada qualidade dessa pessoa – nem se vislumbra que o tribunal recorrido tenha tomado algum procedimento para comprovar que a pessoa apresentada dispunha de procuração conferida pelos gerentes da sociedade para a representar em audiência de julgamento e prestar depoimento de parte em seu nome – está por demonstrar que a Ré dispusesse de outra pessoa ao seu serviço em quem pudesse depositar a sua confiança para a representar em julgamento e que, simultaneamente, tivesse estado presente ou assistido à contratação do A..
Note-se que o exercício da faculdade a que se refere o art. 252.º n.º 7 do Código das Sociedades Comerciais assiste exclusivamente aos gerentes da sociedade por quotas, pelo que não se pode estabelecer a exigência que a sentença recorrida traça, de dever a Ré apresentar pessoa que estivesse ao seu serviço ao tempo da contratação do A. e conhecesse pessoalmente os termos da sua contratação.
Ponderando que a Ré não pode ser colocada numa situação mais grave por não ter apresentado em julgamento uma pessoa com as características exigidas na sentença recorrida, que aquela que resultaria dos próprios gerentes se apresentarem em julgamento e manifestarem o seu desconhecimento dos termos de contratação do A., não se pode concluir pela reprobabilidade da sua conduta ou desrespeito para com o tribunal e a parte contrária, ou sequer que tivesse por objectivo dificultar o apuramento dos termos da contratação do autor.
Em consequência, também esta parte da sentença não se pode manter.

DECISÃO
Destarte, concede-se parcial provimento ao recurso, reduzindo-se a condenação da Ré ao pagamento, apenas, dos seguintes valores:
a) a título de subsídio por trabalho nocturno, no ano de 2020, a quantia de € 79,33;
b) a título de subsídio por trabalho nocturno, prestação pecuniária da cláusula 61.ª e ajuda de custo TIR, que deveria ter sido incluída no cálculo das férias e subsídio de férias vencidas em 01.01.2020, a quantia de € 1.115,60; e,
c) pelo trabalho em três dias de descanso no mês de Janeiro de 2020, a quantia de € 147,00;
d) valores estes acrescidos de juros, à taxa legal, desde 03.02.2020 e até integral pagamento.
A sentença é igualmente revogada na parte relativa à litigância de má fé da Ré.
Custas na proporção do decaimento.

Évora, 9 de Maio de 2024

Mário Branco Coelho (relator)
Emília Ramos Costa
João Luís Nunes
__________________________________________________
[1] Cfr. o Acórdão da Relação de Guimarães de 04.02.2016 (Proc. 283/08.8TBCHV-A.G1), e do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1572/12.2TBABT.E1.S1), ambos publicados em www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido, cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13.01.2015 (Proc. 219/11.9TVLSB.L1.S1) e de 28.09.2022 (Proc. 314/20.3T8CMN.G1.S1), ambos publicados na mesma base de dados.
[3] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.05.2016 (Proc. 1184/10.5TTMTS.P1.S1), também publicado em www.dgsi.pt.
[4] In A Fundamentação de Facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra Editora, 2015, págs. 106-107.
[5] Publicado em www.dgsi.pt.
[6] Neste sentido, vide por todos o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.05.2011 (Proc. 273/06.5TTABT.S1), publicado em www.dgsi.pt.
[7] Proferido no Proc. 345/16.8T8EVR.E1 e publicado em www.dgsi.pt.
[8] Proferido no Proc. 2738/19.0T8STR.E1.S1 e publicado em www.dgsi.pt.
[9] Proferido no Proc. 10/12.5TTTVD.L1.S1 e publicado em www.dgsi.pt.
[10] Verificámos os valores constantes daquele recibo e coincidem com os nossos cálculos.
Os cálculos que efectuámos foram os seguintes:
quatro dias de remuneração do mês de Fevereiro de 2020: (700:30x34) = € 93,33;
34 dias de complemento salarial, a que se refere a cláusula 59.ª: (35:30x34) = € 39,67;
34 dias da prestação pecuniária a que se refere a cláusula 61.ª: (735:30x34x0,48) = € 399,84;
34 dias da ajuda de custo TIR a que se refere a cláusula 64.ª: (135:30x34) = € 153,00.
[11] Maria do Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª ed., Setembro de 2016, pág. 526.
[12] Neste sentido, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 01.04.2009 (Proc. 08S3051), da Relação do Porto de 07.12.2018 (Proc. 1938/17.1T8VLG.P1) e de 29.04.2019 (Proc. 2756/17.2T8MTS.P1), e ainda o Acórdão desta Relação de Évora de 10.10.2019 (Proc. 1841/18.8T8EVR.E1, com o mesmo Relator do presente), todos publicados em www.dgsi.pt.