Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
98/16.0GBGDL.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: PENA DE MULTA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 04/12/2019
Votação: DECISÃO DA RELATORA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário:
I - Perante pena abstracta compósita alternativa (prisão ou multa), impõe-se sempre ao julgador começar por justificar especialmente a eventual escolha da pena (principal) de prisão, já que, nestes casos, o art. 70.º do Código Penal obriga o tribunal a dar preferência à sanção não privativa da liberdade “sempre que esta realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

II - E uma vez decidida a opção pela prisão e fixada a medida desta, cabe ponderar as penas de substituição legalmente previstas para o caso. E se a prisão aplicada admitir substituição por multa, o juiz tem de revelar, na sentença, que ponderou essa possibilidade, afastando-a fundadamente, se for o caso.

III - A circunstância do tribunal concluir que a prisão (principal) é, em determinado caso, necessária para garantir as finalidades da punição, optando pela pena de prisão em detrimento da multa principal, não o dispensa de ponderar depois a possibilidade de opção pelas penas de substituição legalmente previstas, nestas se incluindo a multa de substituição. Multa de substituição cujo afastamento prévio da multa principal não invalida, já que, aqui, relevam preponderantemente razões de prevenção geral e, ali, razões de prevenção especial (sendo depois também diverso o regime previsto para o incumprimento).
Decisão Texto Integral:
O recurso é o próprio, nada obstando ao conhecimento.

Do exame preliminar resulta haver fundamento para a rejeição do recurso, pelo que se passa a proferir Decisão Sumária, nos termos dos arts. 417º, nº 6 - b) e 420º, nº 1 –a) do CPP.

1. No Processo Comum Colectivo n.º 98/16.0 GBGDL do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, e na parte que agora interessa ao recurso, foi proferido acórdão a condenar o arguido DD, como co-autor de um crime de furto simples do artigo 203º, nº 1 do Código Penal (respeitante aos factos ocorridos no Parque Desportivo de Grândola), na pena de 8 (oito) meses de prisão, como co-autor de um crime de furto qualificado dos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e) do Código Penal (respeitante aos factos ocorridos na oficina “Honest Lda”), na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, como co-autor de um crime de furto qualificado dos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 2, alínea e) do Código Penal (respeitante aos factos ocorridos no armazém de “Novadis Lda”), na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, e em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas, na pena única de 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:
“1ª- O arguido DD, ora recorrente, foi condenado pela prática como co-autor (com pessoa de identidade não apurada) na forma não consumada de um crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º, nº1 do Código Penal. (respeitante aos factos ocorridos no Parque Desportivo de Grândola) na pena de 8 (oito) meses de prisão; e bem assim, pela prática de, como co-autor (com pessoa de identidade não apurada) na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea a) do Código Penal (respeitante aos factos ocorridos na oficina “Honest, Lda”, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão; e ainda pela prática como co-autor (com pessoa de identidade não identificada) na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea e) do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

2º- As referidas penas parcelares foram objeto de cúmulo jurídico, tendo ao arguido DD, sido condenado na pena única de 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo; pena que o arguido considera excessiva.

3º- O presente recurso versa apenas sobre matéria de direito, nos termos do disposto no artigo 412º, nº2 do C.P.P., visando o recorrente a reapreciação da matéria refente às “Escolha da pena”, e bem assim, das “Medidas concretas das penas” aplicadas pelo tribunal a quo ao arguido.

4º- Assim, no que respeita ao primeiro crime pelo qual o arguido foi condenado- crime de furto simples - após o Tribunal ter operado a desqualificação inicialmente feita, por virtude do valor do que foi subtraído ser diminuto inferior à UC, e consequentemente procedido à respetiva convolação jurídica, vindo a conduta do arguido a ser subsumida no artigo 203º do Código Penal, punível na moldura pena abstrata de prisão até 3 anos ou com pena de multa; e o Tribunal a quo optado pela aplicação ao arguido duma pena de prisão, ao invés de uma pena de multa; opção que o recorrente considera errada.

4º- Pese embora o Tribunal a quo tenha fundamentado a sua opção relativamente à aludida escolha, sendo o ilícito ema preço punível com pena de multa, e tendo o arguido condições económicas para proceder ao seu pagamento, ainda que de forma faseada, e não tendo anteriormente praticado qualquer ilícito de igual natureza, impunha-se ao tribunal a quo optar pela aplicação ao mesmo de pena não privativa da liberdade,

5º- Até porque, apenas a confissão do arguido permitiu que os factos atinentes ao Parque Desportivo de Grândola fossem dados por provados, visto não existirem testemunhas presenciais dos mesmos, e a escassa prova existente nos autos, que seria de difícil demonstração; conjugado ainda com o estado de saúde que o arguido vivenciava à data da prática dos factos – período depressivo que levou ao seu internamento que foi relevante a sua avaliação decisória estivesse fragilizada.

6º- A gravidade dos factos e respetivas consequências não assumiu especial censurabilidade, como bem referiu o Tribunal a quo, nomeadamente por virtude dos objetos furtados terem sido restituídos ao seu proprietário; e o arrependimento sincero demonstrado pelo arguido capacidade de interiorização da ilicitude ad sua conduta; tudo elementos que deveriam ser sopesados e tido como válidos para que o Tribunal a quo tivesse optado pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade; verificando-se assim uma incorreta aplicação dos artigos 40º e 71º do Código Penal.

7º- Na eventualidade de assim não vir a ser entendido, poderia (e deveria) o Tribunal a quo, ter optado pela substituição da pena de prisão que optou por aplicar ao arguido, substituindo-a por uma pena de multa, nos termos do disposto no artigo 43º do Código Penal, cuja opção ainda equacionou, e nessa medida estamos perante uma violação do artigo 43º do Código Penal.

8º- Relativamente ao segundo crime pelo qual o arguido foi condenado – como co-autor, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea a) do Código Penal (respeitante aos factos ocorridos na oficina “Honest, Lda.”), na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão; o recorrente entende que a mesma é excessiva.

9º- Sendo certo que, esta factualidade quando comparada com a factualidade dada apor provada relativamente aos ilícitos anteriormente considerados se reveste de maior gravidade, mormente, pelo modus operandi utilizado, bem como pelas consequências da atuação do arguido, que se apropriou da quantia de €4.862,00, e de alguns cheques; há que não esquecer que, estes foram recuperados, e no que tange à quantia subtraída, o arguido celebrou transação com a lesada, encontrando-se a reparar o prejuízo sofrido por aquela.

10º- Não menos importante, é que apenas a confissão do arguido permitiu que estes factos fossem dados por provados, e nessa medida o Tribunal a quo violou igualmente os artigos 40º e 71º do Código Penal, devendo ter sido aplicada aquele a pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão.

11º- Deste modo, na eventualidade do presente recurso ser julgado procedente, impor-se-á proceder novamente à determinação da pena unitária ao arguido, desta feita considerando como o seu limite máximo a pondera 4 (quatro) anos e 9 (nove) messes de prisão, sendo de 2 (dois) anos e 9 (nove) mês o seu limite mínimo, afigurando-se ad necessidade de fazer nova ponderação de todos ao factos atinentes à personalidade do arguido, que o Tribunal a quo até já valorou de forma que nos aprece correta, conjugado com a circunstância da conduta criminosa do arguido ter sido empreendida num curto período temporal, muito específico, e restrito, mais concretamente entre 4 dias ou 2 dias seguidos.do arguido

Na verdade, também quanto a este crime só a confissão do arguido permitiu que os factos atinentes a este episódio fossem dados por provados, e pese embora, a ilicitude dos mesmos seja mais elevada do que no ilícito anterior, também não assumiram considerável relevância.

9º- O recorrente entende que a medida da pena que lhe foi apicada pelo Tribunal quo, é excessiva, e como tal ter-se-á verificado também neste segmento uma violação dos artigos 40º e 71º do Código Penal, devendo a pena a aplicar ao mesmo ser fixada em 2 (dois) anos de prisão.

10º- Por último, relativamente aos factos respeitantes ao crime praticado pelo arguido no armazém da sociedade “Novadis, Lda”. por cuja prática o mesmo foi condenado, , como co-autor na forma consumada, de um crime de de furto qualificado , p. e p. pelos artigos 203º, nº1 e 204º, nº2, alínea a) do Código Penal,, na pena de 3(três) anos e 4(quatro) meses de prisão, o mesmo discorda da mesma, por igualmente a considerar excessiva,.

11º- De facto, a factualidade respeitante a este crime quando comparada com os anteriores já se reveste de maior gravidade, não só pelo modus operandi do arguido, como pelas consequências da respetiva conduta; visto que o aquele se apropriou da quantia de €4.82,00, e de alguns cheques pertencentes à lesada.

12º- Sucede porém, também quanto a estes factos apensa a postura de confissão assumida pelo arguido tornou possível dará esta factualidade por provada, além de ter o mesmo assumido a obrigação de reparar a lesada, tendo revelado inteira disponibilidade para realizar transação com a mesma.

13º- Entende, pois, o recorrente, salvo o devido respeito e diferente opinião que mais uma vez o Tribunal a quo violou os artigos 40º e 71º do Código Penal, devendo a medida da pena que lhe foi aplicada ser não de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses, mas sim de, 2 (dois) anos e 9 (nove) meses.

14º-Na eventualidade do presente recurso ser julgado procedente, impor-se-á a necessidade de determinar novamente a pena unitária a aplicara ao arguido, considerando apenas duas penas de prisão, sendo o seu limite máximo de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão, e o mínimo de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão.

15º- Afigurando-se necessário fazer nova ponderação de tofos os factos atinentes à personalidade do arguido, e que o tribunal a quo já valorou, de forma que nos parece correta, considerando ainda a circunstância da conduta criminosa do mesmo ter sido empreendida num período temporal muito específico, e restrito, mais concretamente, entre 4 dias ou 2 dias seguidos; fixando-se a apena única a aplicar ao arguido não em 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses de prisão, mas sim e 3 (três) anos e 4 (quatro) meses, suspensa na sua execução.

Nestes termos, deve ser revogada a decisão recorrida, devendo ser substituída por outra que:

a) Condene o arguido pela prática, como co-autor, na forma consumada, de um crime de furto simples, p.e p. pelo artigo 203º do código penal, em pena não privativa da liberdade, a determinar tomando em consideração aos condições sócio-ecomómicas do recoirente;

b) Condene o arguido, pela prática como co-autor, na forma consumada, de um crimde de furto qualificado, p.e p. pelos artigos 203º, nº1 e 204º; nº2, alínae a) do código penal na pena de 2 (dois) anos de prisão;

c) Condene o arguido, pela prática como co-autor, na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º e 204º, nº2, alíne ae) do código penal, na pena de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão;

d) Em cúmulo jurídico, seja o arguido condenado, na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período de tempo.”

Na oportunidade concedida, o Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso e concluindo:

“1ª O arguido DD foi condenado pelo Exmº Colectivo na pena única de 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

2ª - Insurge-se o arguido quanto às medidas das penas parcelares, alegando, para tanto e em síntese, que as penas parcelares aplicadas, as quais deveriam quedar-se por uma pena de multa (quanto ao furto simples), bem como nas penas de 2 (dois) anos e 2 (dois anos e 9 (nove) meses, fixando-se em 3 (três) anos e 4 meses a pena única, pelo que foram incorrectamente aplicadas as disposições previstas nos artigos 40º e 71º do Código Penal.

3ª - Entende o Ministério Público que não assiste razão ao arguido, ora recorrente.

4ª - A determinação da medida concreta da pena é determinada em função da culpa do agente e tendo em conta as exigências de prevenção de futuros crimes - artº 71º, nº1 do Código Penal. E deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, nomeadamente as aludidas nas várias alíneas do nº2 daquele normativo.

5ª - Há ainda que atender ao critério especial previsto no nº1 do artº 77º do Código Penal, o qual impõe que “Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

6ª - Estamos perante crimes contra o património, mais concretamente de furtos qualificados (um deles convolado para furto simples, por via do valor dos bens subtraídos), cujas penas parcelares são de 8 meses, 2 anos e 2 anos e 10 meses e 3 anos e 4 meses de prisão, tendo sido considerado médio o grau de ilicitude, com maior gravidade no furto da empresa Novadis, sendo intenso o dolo porque directo.

7ª São também fortes as exigências de prevenção geral, atento o número de ilícitos da mesma natureza praticados nesta comarca, sendo de aplicar a este caso e semelhantes, penas concretas bem acima dos níveis mínimos da penalidade, a fim de se restaurar, na medida do possível, a segurança e o respeito pela tranquilidade das pessoas e segurança de bens de cada um.

8ª- Quanto às razões de prevenção especial, as mesmas não se mostram tão prementes, face aos antecedentes criminais do arguido (condenado por crime de natureza diversa e numa pena de multa), bem como a sua actual inserção familiar e profissional, parecendo ter interiorizado desvalor das suas condutas parecendo ter adoptado uma conduta conforme com os valores sociais, sem propensão para a prática de ilícitos desta natureza.

9ª As finalidades da punição são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração dos arguidos na sociedade.

10ª Assim sendo, existindo superioridade de agravantes, em relação às atenuantes, a medida concreta da pena deveria ser superior ao meio da pena abstracta, pelo que se considera adequada a aplicação das penas unitárias, bem como da pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão

11ª Face ao exposto, não se mostram violadas quaisquer normas jurídicas.”

Neste Tribunal, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, e cumprido o art. 417º, nº 2, do CPP o arguido nada acrescentou.

2. A sentença recorrida, na parte que interessa ao recurso, tem o seguinte teor:

“1º Em data não concretamente apurada mas entre as 21h do dia 24 e as 8h do dia 26 de Março de 2016, o arguido DD e outra pessoa de identidade desconhecida, deslocaram-se ao Parque Desportivo Municipal de Grândola.

2º Aí chegados, o arguido e essa pessoa aproveitaram o facto do portão exterior estar aberto (encostado) e introduziram-se no perímetro do mencionado parque.

3º Já no interior arrombaram a fechadura da porta do escritório e introduziram-se no mesmo, onde remexeram todas as gavetas e armários.

4º Arrombaram ainda um cofre existente no escritório de onde retiraram a quantia de €7 que levaram consigo, assim como a CPU de um computador fixo que se encontrava numa das secretárias e três pen drive ligadas entre si através de uma fita com os dizeres “Grândola um novo destino”, em valor não apurado.

5º O arguido e essa pessoa remexeram ainda o interior de um armário metálico.

6º Em data também não concretamente apurada mas entre as 23h do dia 25 e as 16h40m do dia 26 de Março de 2016, o arguido DD e pessoa desconhecida, dirigiram-se à oficina designada Honest – Reparações e Seviços, Lda., sita no Cerrado das Aranhas, Lote 3 em Grândola.

7º O arguido e essa pessoa arrombaram o portão principal, e entraram nas referidas instalações e dirigiram-se ao escritório de onde retiraram duas máquinas de diagnóstico e um “Notebook” que lá se encontravam.

8º Do interior do cofre existente no escritório, que estava aberto, retiraram do seu interior a quantia de € 75,00 em dinheiro.

9º No dia 28 de Março de 2016, pela 1h26m, o arguido DD e pessoa de identidade desconhecida, dirigiram-se ao armazém da sociedade designada “Novadis – Unipessoal, Lda.”, sita na Rua Dr. Arlindo Vicente, nº 714, Bairro da Liberdade em Grândola.

10º O arguido e essa pessoa faziam-se transportar no automóvel com a matrícula --TL.

11º Chegados ao referido armazém o arguidos e a pessoa de identidade desconhecida, dirigiram-se às traseiras das instalações e cortaram a vedação que as delimita em todo o perímetro.

12º Depois de cortada a vedação introduziram-se nas instalações, o arguido DD subiu a um monte de grades de bebidas empilhadas, tendo sido partido o candeeiro que iluminava aquela área.

13º Após, o arguido DD partiu uma das janelas existentes na parte de trás do edifício e ambos entraram pela mesma.

14º Já no interior do edifício dirigiram-se ao escritório de onde retiraram a chave de um cofre bem como da porta da divisão em que o mesmo se encontrava.

15º Na posse da chave, um delas, deslocou-se à mencionada divisão cuja porta abriu e, depois de tentar abrir o cofre sem sucesso, arrombou-o.

16º Com o cofre já aberto o arguido retirou do respectivo interior a quantia de €4.862,97 em dinheiro e treze cheques emitidos pelo valor global de € 3.835,21.

17º No dia 7 de Abril de 2016, foram encontrados na casa dos pais dos arguidos, onde RR residia, e que DD também usava, o computador e as máquinas de diagnóstico subtraídas da oficina Honest – Reparações e Seviços, Lda.

18º Para além disso, na garagem da habitação, encontravam-se a CPU do computador e as pen drive retirados das instalações do Parque Desportivo Municipal de Grândola.

19º Ainda no interior dessa casa, foram encontrados um par de ténis, um par de calças e um blusão.

20º Também no dia 7 de Abril o arguido DD tinha em sua posse o veículo com a matrícula --TL.

21º Dentro do referido automóvel encontravam-se dois gorros passa-montanhas e dois pares de luvas.

22º Ao actuar do modo descrito quis o arguido DD, em conjunto com pessoa não identificada, apoderar-se de bens que sabiam não lhes pertencerem, contra a vontade dos respectivos proprietários, o que fizeram.

23º Sabia o arguido que a sua conduta era proibida e ainda assim actuou do modo descrito.

24º O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente.

Mais se provou:
Que o valor da CPU mencionada no artigo 4º dos factos provados, pese embora não concretamente apurado, era inferior a € 102,00 -, não perfazendo o valor total desta CPU e das “pen drive” retiradas, esse montante.

Que esses objectos foram entregues ao Município de Grândola, a 8.4.2016.

Que o “Notebook” referido no artigo 7º dos factos provados era um “Asus” e valia cerca de € 300,00.

Que os cheques subtraídos à Novadis eram “traçados”, e emitidos a favor da própria sociedade.

Que o automóvel com a matrícula --TL pertence ao pai dos arguidos.

Que o arguido DD retirou os objectos, destinando-os ao seu uso, e o dinheiro, a fazer face aos seus encargos do dia-a-dia.

Que de acordo com a informação clínica do Centro Hospitalar de Setúbal, junta aos autos em sede de julgamento, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os legais efeitos, o arguido DD deu entrada no Hospital São Bernardo, a 17.2.2016, na sequência de um episódio de urgência, onde ficou internado no serviço geral de psiquiatria, com o diagnóstico de “Perturbação depressiva maior episódio recorrente, severa sem menção de comportamento psicótico”, com alta hospitalar a 26.2.2016 e acompanhamento em consulta psiquiátrica subsequente, com as anotações em diário médico respeitantes aos dias 10.3.2016 e 5.5.2016, constantes dessa mesma documentação, sendo que em ambas as datas se encontrava sob terapêutica, na primeira se mostrou “vigil, calmo e colaborante”, anotando-se a manutenção de pensamentos de morte, ideias suicidárias – pouco intensas, sem plano estruturado -, e homicidas – sem planos, ou verdadeira intenção de passar ao acto, e na segunda “melhorado, dorme bem, apetite conservado”, não se apurando sintomas produtivos.

Do relatório social do arguido DD, junto aos autos, consta designadamente:

“(…) A infância e adolescência de DD decorreram sem incidentes dignos de registo junto dos pais, dos avós e dos seus dois irmãos, no Bairro da Paragem Nova, em Grândola.

Os pais sempre lhe proporcionaram a satisfação das necessidades básicas, bem como afecto e disciplina, que DD nunca contestou. O pai constituía para ele uma referência preferencial.

A subsistência do agregado era assegurada pelo trabalho regular que os pais exerciam, o pai era funcionário de uma Bomba de Gasolina e a mãe empregada de mesa na restauração.

Iniciou o percurso escolar aos seis anos de idade. Sem problemas de comportamento, transitou de ano até ao 6ºano de escolaridade, embora tivesse pouco interesse pelas actividades escolares.

No 7ºano reprovou três vezes consecutivas, depois mudou para o curso de serralheiro civil, que lhe deu equivalência ao 9ºano de escolaridade.

Aos dezasseis anos começou a trabalhar, inicialmente numa oficina de motorizadas, onde permaneceu cinco anos, depois, na expectativa de progressão, trabalhou na NOVADIS, em Grândola, como distribuidor e posteriormente como fiel de armazém, empresa que não lhe renovou o contrato ao fim de um ano e seis meses de serviço efectivo

Entretanto unira-se maritalmente à ex-companheira, concretamente aos dezassete anos, relação da qual teve três filhos, respectivamente com quatro, cinco e seis anos de idade, à presente data.

Porém, esta união veio a revelar incompatibilidades relacionais, sobretudo relacionadas com a gestão da economia doméstica, assegurada unicamente pelo seu vencimento.
(…)
Aquando da instauração dos autos (Março de 2016) DD encontrava-se desempregado e em fase de ruptura conjugal. Vivia com a companheira e os filhos, em ambiente de grande instabilidade emocional, em casa atribuída pela Câmara, em Grândola, e na dependência dos pais e sogros.

Não aceitando a inviabilidade deste relacionamento, tentou várias vezes a reconciliação sem êxito e no final de Março de 2016 a relação terminou, pelo que esteve quinze dias internado em psiquiatria no Hospital de S. José, em Lisboa.

Seguidamente esteve uns meses a trabalhar em serralharia na Alemanha e em França, onde também se ocupou na montagem de tectos falsos, mas o distanciamento da família fê-lo regressar a casa dos pais.

Os filhos haviam ficado a cargo da mãe.

Em Grândola tem trabalhado por conta própria na colocação de “pladur” e desde há cerca de quatro meses encontra-se integrado na Oficina …, a trabalhar como condutor de reboques, com contrato de trabalho de um ano, e o vencimento mensal de 1200€ líquidos, com comissões incluídas.

Em 14-6-2018 casou-se com MM, a qual integra a Corporação dos Bombeiros Voluntários de… e trabalha como empregada de balcão…, em Melides.

Reside com o cônjuge provisoriamente num anexo no quintal dos pais, no Bairro da Paragem Nova, integrando-se no agregado as duas filhas do cônjuge, respectivamente com oito e dez anos de idade.

Actualmente DD aparenta estar compensado com o seu novo contexto familiar e com a proximidade que mantém com os seus filhos, preservando os fortes laços de afectividade que os unem e contribuindo para o seu sustento com 210€ mensais de alimentos.

Em 15-6-2018 fracturou uma clavícula no trabalho, estando em fase de reabilitação, abrangida pelo Seguro.

No meio de residência são-lhe reconhecidas qualidades de trabalho, não dispondo de ocupação estruturada de tempos livres.
(…)
O arguido manifestou arrependimento pelo seu envolvimento no presente processo, tendo demonstrado empenho na reparação de eventuais danos.

A sua família, assim como a comunidade de residência ficou chocada (…). No entanto os pais têm apoiado a sua reabilitação e a comunidade de residência ultrapassou o desapontamento, sem o marginalizar ou ostracizar.

[Em conclusão]
DD, actualmente com 27 anos de idade, casado e com o 9ºano de escolaridade (…) Beneficiou de um enquadramento familiar protector que lhe veiculou afectividade, normas de conduta segundo os padrões socialmente aceites, e habilitou-se profissionalmente, desenvolvendo competências laborais.

Porém a não aceitação da ruptura conjugal, perturbou-o temporariamente, obrigando-o a internamento psiquiátrico, situação que aparenta ter ultrapassado. Presentemente apresenta estabilidade emocional e afectiva, pensamento consequencial e reflexivo (…)”.

Do CRC do arguido DD, a fls. 738 dos autos, consta o averbamento da uma condenação, pela prática a 4.8.2015, de um crime de emissão de cheque sem provisão, na pena de 130 dias de multa (sentença transitada em julgado a 30.4.2018, e declaração de extinção dessa pena a 13.6.2018).

(…)
V – ESCOLHA E DETERMINAÇÃO DA PENA E DA SUA MEDIDA

Quanto ao crime de furto simples, praticado nas instalações do Parque Desportivo Municipal de Grândola.

O grau de ilicitude da conduta, traduzido na entrada nessas instalações através de um portão que não se encontrava fechado (com aproveitamento pelo arguido de uma vantagem que “tem à mão”), seria de escassa intensidade, não fora a circunstância de após, já no interior dessas instalações, ter arrombado a fechadura da porta do escritório, onde o arguido entrou, acompanhado da pessoa não identificada do interior do qual subtraiu € 7,00 e os aludidos bens (sendo esta a actuação que eleva o grau de ilicitude da conduta, colocando-a num patamar de mediana intensidade).

A gravidade das suas consequências também não é relevante, considerando o montante da quantia subtraída, e o valor dos bens (o qual, ainda que não concretamente apurado, se cifra abaixo da UC), sendo ademais que tais objectos foram entregues por elementos policiais ao seu proprietário, a 8.4.2016.

O arguido actuou com dolo directo, que regra geral é a mais intensa forma de manifestação da intenção criminosa.

Todavia, em momento anterior, próximo da data do respectivo cometimento, o arguido sofreu um período depressivo, que levou ao seu internamento, não sendo por isso difícil aceitar que o mecanismo psíquico respeitante à avaliação decisória estivesse, à data, algo fragilizada (o que atenua a intensidade do dolo directo com que actuou).

Quanto às necessidades de prevenção geral:
Encontramo-nos perante um dos ilícitos que são praticados com mais frequência nas comunidades, traduzindo-se o mesmo num crime denominado “de proximidade”, que é justa causa do grande alarme social que se lhe encontra agregado.

Assim sendo;
As premências reclamadas pelas necessidades de prevenção geral são muito elevadas, devendo a sub-moldura penal ser graduada neste domínio (de modo a explicitá-las adequadamente), no limite máximo da pena.

O arguido confessou de forma integral, os apurados factos.

E tal confissão foi fundamental, no apuramento respectivo, porquanto ninguém assistiu aos factos, e como já se referiu, a prova recolhida nos autos escassamente teria aptidão para a sua demonstração.

Colhendo-se dela, capacidade de interiorização da ilicitude da conduta, arrependimento sincero (que denotou desde a fase investigatória, como também já se referiu) e uma personalidade em que avulta a responsável assunção das consequências da conduta empreendida.

O arguido foi já condenado em pena de multa, pelo crime oportunamente referido.

Não obstante, para além da natureza distinta desse crime, relativamente ao que ora se aprecia, o trânsito em julgado da respectiva decisão condenatória sobreveio em momento subsequente ao da prática pelo arguido dos apurados factos (pelo que aquando da sua prática, era delinquente primário).

Assim, tudo visto, atenta a moldura abstractamente aplicável ao ilícito em apreço, punível em alternativa, com pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal opta, considerando a análise destes factos, na sua relação com os demais apurados, por não aplicar ao arguido uma mera pena de multa, a qual, sem embargo da preferência legislativa pela mesma, ainda não é sentida nem socialmente, nem por quem a sofre, como uma “verdadeira pena”.

Reputando-se adequado aplicar ao arguido uma pena de 8 (oito) meses de prisão, (que pelas razões que nos levaram a optar pela aplicação de uma pena de prisão, não se substitui pela pena de multa, nos termos do artigo 45º do Código Penal).

*
Crime de furto qualificado, praticado na oficina “Honest, Lda”.
O grau de ilicitude da conduta, traduzido na entrada nessa instalações através de arrombamento do portão principal das mesmas, é de mediana intensidade.

A gravidade das suas consequências, considerando que o arguido subtraiu do interior dessas instalações, € 75,00, duas máquinas de diagnóstico e um Notebook que valia cerca de € 300,00, já não é despicienda, sendo mais elevada, na sua análise relacional, do que aquela que emerge da prática do ilícito anterior.

Remetem-se para todas as considerações expendidas aquando da determinação em concreto da pena respeitante ao anterior ilícito, no que tange ao dolo, às necessidades de prevenção geral, à confissão do arguido, e ao seu passado criminal, que são aplicáveis por inteiro ao crime ora em apreço.

As quais sopesadas, nos levam a concluir pela adequação da aplicação ao arguido de uma pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão.
*
Crime de furto qualificado, praticado no armazém da sociedade “Novadis, Lda”.

O grau de ilicitude da conduta, traduzido na entrada nessa instalações após ter sido cortada a vedação que delimita o perímetro das instalações, ter havido escalamento através de uma janela ali existente que foi partida, pela qual houve introdução no edifício, e arrombamento de um cofre que ali se encontrava, já é intenso (superior ao grau apurado quanto aos dois anteriores ilícitos).

O mesmo se diga, quanto à gravidade das consequências, pois que desse local, foi subtraída a quantia de € 4.862,00, que é já um montante significativo (não se apura que tenha sido desapossada do valor dos cheques emitidos, pois que estes eram “traçados” e emitidos a favor da própria e por isso, só a mesma os podia depositar).

Não obstante, o facto de em julgamento ter havido transacção entre esta sociedade (que tinha deduzido pretensão indemnizatória civil) e o arguido, traduz vontade na reparação das consequências da conduta praticada.

Remetem-se para todas as considerações expendidas aquando da determinação em concreto das penas respeitantes aos anteriores ilícitos, no que tange ao dolo, às necessidades de prevenção geral, à confissão do arguido, e ao seu passado criminal, que são aplicáveis por inteiro ao crime ora em apreço.

As quais sopesadas, nos levam a concluir pela adequação da aplicação ao arguido de uma pena de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
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Da determinação da pena unitária a aplicar

Nos termos previstos pelo artº 77º/2 do C. Penal;

“A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.

Nos autos;
O limite máximo a ponderar é de 6 anos e 10 meses de prisão, sendo de 3 anos e 4 meses de prisão, o seu limite mínimo.

Valorando os factos e a personalidade manifestada pelo arguido, pondera-se em seu desabono, que os três crimes praticados nos autos em relação de concurso são iguais (ainda que um, na sua forma simples, e dois, na forma qualificada).

Todavia, a conduta criminosa é empreendida num período de tempo muito específico, e restrito, mais concretamente, entre 4, ou dois dias seguidos (não se apurando quantos, em concreto).

Afigura-se-nos, pois, que nos encontramos apenas perante uma pluriocasionalidade, que não espelha qualquer tendência criminosa do arguido (até porque inexistem notícias nos autos, que desabonem a sua conduta subsequente à prática dos crimes).

Desse modo, sopesando o desabono acrescido, pela prática de 3 crimes iguais, com o que acabou de ser referido, a propósito do período restrito no respectivo cometimento, afigura-se-nos adequado aplicar ao arguido a pena única de 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses de prisão.
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Resta por fim, ponderar se se exige o cumprimento efectivo das penas de prisão, ou se se justifica a suspensão da sua execução (artº 50º do C. Penal).

Preceitua o mencionado preceito legal que o tribunal decretará a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às consequências deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Encontramo-nos face a um poder-dever, sendo certo que a suspensão da execução da pena de prisão é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a exigências de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a sua vida de acordo com os valores inscritos nas normas.

Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as exigências do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção de reincidência são fundadas.

Conectando tais considerações com o caso dos autos, anota-se:

Que para além da conduta do arguido adoptada em julgamento, e já antes, na fase investigatória, na qual perpassou a sua capacidade de interiorização da ilicitude da conduta praticada, o teor do seu relatório social, acima parcialmente transcrito, dá-nos nota de uma pessoa social, laboral e familiarmente integrada, em que a prática dos ilícitos ora em apreço, emergem de um período de desorganização pessoal e psicológica, que se encontrará actualmente ultrapassado, tudo nos levando a crer em que este período se tratará de um evento isolado na sua vida, que (estamos convictos), não replicará.

Por isso que a simples censura do facto e a ameaça da pena, se afiguram factores suficientemente desmotivadores da prática de novas condutas criminosas e que por isso, entendendo-se assim, que a suspensão da pena se mostra suficiente para acautelar a salvaguarda das finalidades das penas.

Quanto ao período dessa suspensão (tendo em conta que entrou em vigor no dia 21.11, a 45ª versão do Código Penal, introduzida pela Lei 94/2017, de 23.8), onde se recupera no seu artigo 50º, uma versão anterior (segundo a qual esse período suspensivo já não tem a mesma duração da pena, antes sendo fixado entre um e cinco anos):

A opção por um período suspensivo superior ao da pena aplicada, por se traduzir na aplicação retroactiva de um regime penal mais desfavorável, não é de ponderar.

Dizendo-se neste conspecto, que sem embargo da nova alteração legislativa, toda a experiência que decorre dos anos em que aplicámos períodos suspensivos iguais aos das penas e do subsequente acompanhamento a essa execução, vai no sentido de concluir que a eficácia desta modalidade penal impõe um reduto mínimo de consolidação quanto à respectiva eficácia, perspectivada do ponto de vista das necessidades das penas, que aconselha a fixação do prazo suspensivo em período igual ao da pena aplicada.

Assim, opta-se por aplicar um período suspensivo igual ao da medida da pena.

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP (AFJ de 19.10.95) – que, no caso, não se detectam – a única questão a apreciar respeita à determinação da(s) pena(s).

Assim, em relação à pena aplicada pelo crime de furto simples, defende o recorrente que o grau da ilicitude dos factos e as suas consequências não assumiram a intensidade reflectida na pena, atendendo ao valor dos objectos furtados (que foram ainda recuperados), à confissão e arrependimento, pelo que deveria ter-se optado aqui pela aplicação de pena de multa. Em relação aos dois crimes de furto qualificado, o recorrente entende que as penas de prisão são demasiado elevadas, atendendo mais uma vez à confissão do arguido, confissão concretamente relevante para a descoberta da verdade. Pugna aqui por penas parcelares de 2 (dois) anos e de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de prisão e, por último, por uma pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão (igualmente suspensa na sua execução, como já determinado na sentença). Considera incorrectamente aplicados os artigos 40º e 71º do Código Penal.

O Ministério Público pronunciou-se nas duas instâncias pela confirmação da pena fixada na sentença.

Começa por se recordar que, também em matéria de pena, o recurso mantém o seu arquétipo de remédio jurídico. E como tribunal decisor de recursos-remédios, a Relação não julga de novo e, logo, não determina a pena como se inexistisse uma decisão de primeira instância.

A sindicância desta decisão de primeira instância pelo tribunal superior, aqui até de uma decisão colegial (de três juízes), não abrange a fiscalização do quantum exacto de pena que, decorrendo duma correcta aplicação das regras legais e dos princípios legais e constitucionais, ainda se apresente como aceitável e proporcionada.

Não inclui assim a compressão da “margem de apreciação livre”, sempre reconhecida ao tribunal de primeira instância, por ser “componente individual do acto de julgar”. E a margem de liberdade do juiz de julgamento nos limites expostos, abrange todo o processo prático de decisão sobre a pena.

A propósito da determinação concreta da pena de prisão, doutrina importante e alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça dão precisamente nota do entendimento de que a sindicabilidade da medida da pena em recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (cf. Figueiredo Dias, DPP. As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197).

É dentro deste quadro de entendimento e de definição dos poderes de cognição da Relação, que se considera ser ainda de aceitar a(s) pena(s) aplicadas no acórdão.

Na verdade, por um lado, a argumentação desenvolvida em recurso é abstractamente acertada e encontra-se devidamente contextualizada nos factos provados. Mas nada de novo, no sentido de ainda não apreciado no acórdão e que o devesse ter sido, traz à impugnação. Por outro lado, abstraindo um ponto da fundamentação que merece a correcção a que se procederá mas que em nada altera a decisão final, o acórdão não evidencia inobservância de regra legal ou de princípio (legal e constitucional) respeitante à pena, concretamente no que se refere à(s) medida(s) (das penas parcelares e única) e à determinação da pena de substituição. Tudo se mostra correctamente justificado na sentença, mostrando-se a pena exaustivamente fundamentada passo a passo, no seu iter aplicativo que o tribunal, no exercício de uma actividade sempre judicialmente vinculada, percorreu.

E fê-lo, atendendo a todas as circunstâncias, designadamente às que pendem a favor do arguido e que o mesmo reafirma em recurso. E as penas aplicadas situam-se sempre abaixo do ponto médio da moldura penal respectiva e ainda relativamente próximas do limite mínimo, com as flutuações que se compreendem, das explicações do acórdão.

Refira-se apenas como justificação menos acertada, a que se deu no acórdão para o afastamento da pena de multa.

Disse-se ali, a propósito da multa principal: “o tribunal opta, considerando a análise destes factos, na sua relação com os demais apurados, por não aplicar ao arguido uma mera pena de multa, a qual, sem embargo da preferência legislativa pela mesma, ainda não é sentida nem socialmente, nem por quem a sofre, como uma “verdadeira pena”. E acrescentou-se, a respeito da multa de substituição: “… reputando-se adequado aplicar ao arguido uma pena de 8 (oito) meses de prisão, que pelas razões que nos levaram a optar pela aplicação de uma pena de prisão, não se substitui pela pena de multa, nos termos do artigo 45º do Código Penal.

Perante pena abstracta compósita alternativa (prisão ou multa), impõe-se sempre ao julgador começar por justificar especialmente a eventual escolha da pena (principal) de prisão, já que, nestes casos, o art. 70º do Código Penal obriga o tribunal a dar preferência à sanção não privativa da liberdade “sempre que esta realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. E uma vez decidida a opção pela prisão e fixada a medida desta, cabe ponderar as penas de substituição legalmente previstas para o caso. E se a prisão aplicada admitir substituição por multa, o juiz tem de revelar, na sentença, que ponderou essa possibilidade, afastando-a fundadamente, se for o caso. A circunstância do tribunal concluir que a prisão (principal) é, em determinado caso, necessária para garantir as finalidades da punição, optando pela pena de prisão em detrimento da multa principal, não o dispensa de ponderar depois a possibilidade de opção pelas penas de substituição legalmente previstas, nestas se incluindo a multa de substituição. Multa de substituição cujo afastamento prévio da multa principal não invalida, já que, aqui, relevam preponderantemente razões de prevenção geral e, ali, razões de prevenção especial (sendo depois também diverso o regime previsto para o incumprimento).

Voltando ao acórdão, a circunstância da multa, no dizer do tribunal de julgamento, “não ser sentida socialmente como uma verdadeira pena” é algo que, mesmo a ser verdade, não relevaria nunca como critério de decisão. Desde logo, porque assim não o quis o legislador penal, que erigiu a multa como verdadeira pena (e em duas modalidades: de pena principal e de pena de substituição); depois, porque o argumento empregue conduziria ao afastamento da multa em todos os casos.

Interessaria apenas saber (e dizer) se a multa (principal), em concreto, e em relação ao presente caso e a este arguido, cumpriria as suas finalidades (preventivas) de pena.

E aceita-se que as não cumprisse, desde logo porque, não se trata de um só crime isolado, antes se estando em presença de uma situação de crimes em concurso efectivo. Também por esta razão (que eleva logo as necessidades de prevenção, designadamente a especial), haveria sempre que aplicar pena de prisão em relação aos restantes crimes (visto que nestes a moldura abstracta prevê apenas pena de prisão).

Tratando-se assim de concurso de crimes, na mensuração das necessidades de pena e na coerência da ponderação global das penas, compreende-se o afastamento da multa, na ponderação da única pena parcelar que em abstracto a admitiria, ou seja, a opção pela prisão que integrará então a pena única.

Por esta razão, e não pela referida no acórdão, se mostra acertada a aplicação da pena parcelar de prisão no caso do crime de furto simples. E não é de proceder depois à ponderação sobre a multa de substituição, não pelas razões que se referiram no acórdão (já se disse que essas não seriam impeditivas de tal apreciação), mas porque a reflexão sobre a aplicação da pena de substituição em casos de concurso de crimes (e de penas) faz-se só após determinação da pena única. E esta pena única de prisão já só admitiria a suspensão na execução.

Com esta ressalva e por tudo o que se disse, mormente por todas as circunstâncias apresentadas pelo arguido no recurso como “atenuantes” se mostrarem já devidamente ponderadas na sentença, as penas parcelares e únicas são de manter.

Adite-se que, na interacção com o arguido, dispôs o colectivo de julgamento de condições óptimas para poder avaliar as necessidades de pena, condições seguramente melhores do que aquelas de que dispõe a Relação. Este quadro de dissimilitude das “distâncias” é o naturalmente decorrente da distinção de tratamento entre uma existência de imediação e uma ausência dela.

O direito do arguido, direito de audiência e de presença, é expressão máxima do princípio contraditório e do exercício dos seus direitos de defesa. E visa facultar ao tribunal que vê e ouve o arguido, que interage directamente com ele, o máximo de informação sobre a sua personalidade, circunstância necessariamente (muito) relevante no processo de determinação da sanção.

Sabendo-se que a prevenção geral positiva ou de integração se apresenta como a finalidade primordial a prosseguir com as penas, sabendo-se que a prevenção especial positiva não pode pôr em causa o mínimo de pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, sabendo-se que a culpa é sempre o limite da pena, olhando a decisão recorrida, constata-se que o tribunal graduou as penas de prisão num ponto em que é de considerar ainda aceitável.

Sendo certo que as finalidades de prevenção geral são aqui elevadas, com elas convergem as finalidades de prevenção especial. Estas mais atenuadas, é certo, atendendo à primariedade do arguido à data dos factos, à sua confissão, colaboração processual e inserção social, mas mesmo assim presentes, atendendo à pluriocasionalidade no(s) furto(s).

O tribunal fez, por último, uso adequado do instituto de suspensão da execução da pena, dando por verificados os seus pressupostos de aplicação, e assim concretizando os princípios da intervenção mínima do direito penal e da restrição máxima das sanções criminais.

4. Face ao exposto, decide-se rejeitar o recurso atenta a manifesta improcedência (arts. 420º, nº1, al. a) e 417º, nº 6 –b) do CPP).

Custas pelo recorrente que se fixam em 3UC (art. 420º, nº3 do Código de Processo Penal).

Évora, 12.04.2019

ANA BARATA BRITO