Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | FRANCISCO MATOS | ||
Descritores: | SEGURO DE GRUPO SEGURO DO RAMO DE VIDA CRÉDITO BANCÁRIO | ||
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Data do Acordão: | 03/10/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | Num contrato de seguro de créditos, se o Banco e a Seguradora não deram conhecimento aos Segurados, na data da celebração do contrato, das condições especiais e gerais do contrato de seguro de vida, uma cláusula de exclusão aí existente deve ser excluída do mesmo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Proc. n.º 66/20.7T8FAR.E1 Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora: I. Relatório 1. (…), solteira, maior, residente na Urbanização das (…), lote 19, 3.º-Dto., Vila Real de Santo António, por si e em representação da sua filha menor (…), instaurou contra (…) Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A., com sede na Rua da (…), n.º 6, Torre A, 2.º, em Lisboa e Banco (…), S.A., com sede na Rua do (…), n.º 88, em Lisboa, ação declarativa com processo comum. Alegou, em resumo, que na constância da união de facto com (…), celebraram ambos com a 1ª Ré um contrato de seguro do ramo vida para garantia do pagamento de empréstimos bancários contraídos junto da 2ª Ré, em caso de morte ou de invalidez de qualquer deles, que participou a morte, por pneumonia, do segurado (…), seu companheiro e pai da autora (…) e que a ré seguradora recusou assumir o pagamento do capital seguro invocando uma cláusula de exclusão, que não lhe foi comunicada ou informada, razão pela qual não pode ser considerada. Concluiu pedindo a condenação da 1ª Ré no pagamento da quantia € 98.380,82, correspondente ao capital em dívida à 2ª Ré, bem como no pagamento à autora (…) da diferença entre o capital contratado e o capital em dívida à 2ª Ré, à data do óbito do segurado (…), acrescido de juros e a condenação solidária das Rés, a reembolsarem a autora (…) das amortizações do empréstimo a partir 13 de junho de 2013, à data € 29.445,45 e dos prémios de seguro, à data € 4.452,15, acrescidas de juros, a liquidar em execução de sentença. Contestou o Banco (…), SA (2ª Ré) alegando que os pedidos de adesão aos dois “Seguros de Vida Grupo” foi formalizado pela Autora e por (…) nos balcões da sua agência de Vila Real de Santo António, que aos referidos proponentes foi entregue documento com informação pré-contratual e explicado, como sempre acontece, as caraterísticas e finalidades do tipo de seguro em apreço, as coberturas, as exclusões contratadas e as obrigações e direitos em caso de sinistro, explicações que a Autora e (…) mostraram haver entendido antes de assinarem o boletim de adesão e impugnando, no mais, os factos alegados na petição inicial. Concluiu pela improcedência da ação. Contestou a ré (…) Seguros – Companhia de Seguros Vida, S.A. (1ª Ré) defendendo, em resumo, que a morte de (…) resultou de doença derivada do consumo de bebidas alcoólicas, condição que se insere numa cláusula de exclusão do seguro contratado e a desonera do pagamento da importância segura, cláusula devidamente informada e explicada ao falecido aquando da subscrição do seguro. Concluiu pela improcedência da ação. Responderam os AA por forma a defenderem a improcedência da defesa da R.
2. Foi proferido despacho que afirmou a validade e regularidade da instância, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova. - declaro a validade dos contratos de seguro celebrados entre a autora (…) e a ré (…) Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A. a que se alude nos pontos 4 a 6 dos factos provados; - julgo não válida a cláusula de exclusão vertida no artigo 6.º, 6.1, alínea c), das condições especiais dos contratos de seguro; - condeno a ré (…) Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A. no pagamento à ré Banco (…), S.A. da quantia de € 98.380,82 correspondente ao valor do capital seguro em dívida na data da propositura da ação; - condeno a ré (…) Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A. no pagamento à autora (…) da quantia correspondente ao remanescente entre o capital contratado e o capital em dívida à data do óbito (13.06.2013), a liquidar posteriormente, em execução de sentença, com limite do pedido; - condeno a ré Banco (…), S.A. no pagamento à autora (…) das importâncias que foram pagas desde a data do sinistro morte do segurado (13.06.2013) relativas à amortização do empréstimo (incluindo capital, juros, impostos, despesas e prémios do seguro de vida e do seguro multi-risco), a liquidar posteriormente, em execução de sentença, com limite do pedido; - condeno as rés no pagamento às autoras dos juros de mora, à taxa de juros legais, calculados sobre as quantias líquidas em que foram condenadas e contados desde a data de citação até efetivo pagamento.”
2. Ora, mantendo a ora Recorrente a profunda convicção de que existem nos autos fundamentos, de facto e de direito, que impunham, no caso concreto, decisão em sentido diverso, procurará adiante a Recorrente explicitar os motivos pelos quais interpõe o presente recurso, especificando, seguidamente, os pontos concretos que, na sua perspetiva (e com a ressalva do devido respeito, que é muito), foram, in casu, incorretamente apreciados. 3. Assim, as presentes alegações de recurso terão por objeto quer a alteração da matéria de facto, por via da reapreciação da prova gravada e de todos os demais elementos probatórios constantes dos autos, quer a alteração da matéria de direito, pretendendo a ora Apelante, mais concretamente: iv. Impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto nos termos previstos no n.º 1 do artigo 640.º do C.P.C., adiante especificando os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, assim como os concretos meios probatórios, constantes no processo, que impõem decisão diversa da recorrida; indicando-se ainda a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada. v. Pugnar pela alteração do teor da sentença proferida com base alteração dos pontos de facto impugnados. vi. Pugnar pela alteração do teor da sentença proferida com base nos depoimentos prestados e na matéria dada como provada nos presentes autos e, bem assim, as normas jurídicas violadas e o sentido com que as normas que constituem fundamento jurídico da presente decisão deveriam ter sido interpretadas e concretamente aplicadas, na medida em que, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo interpretou de forma errónea normas determinantes na apreciação da responsabilidade da Recorrente. 4. Considera a Recorrente incorretamente julgados os pontos agora transcritos da matéria de facto dada como não provada em a) e c) bem como o ponto 10) da matéria de facto provada, na medida em que, da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, e dos documentos juntos aos autos não é possível, salvo o devido respeito, concluir pela procedência do entendimento dado pelo douto Tribunal a quo. 5. Depoimento da testemunha (…) – gravado em CD, em ficheiro com referência n.º 20210412095108_4090361_2870816, com início às 09:51h de dia 12.04.2021 e duração de 15:58 minutos. 6. Depoimento da testemunha (…) – gravado em CD, em ficheiro com referência n.º 20210412105034_4090361_2870816, com início às 10:50h de dia 12.04.2021 e duração de 24:46 minutos. 7. Ora, resulta claro e cristalino que, juntamente com os certificados remetidos por carta, nos termos constantes do ponto 10 da matéria de facto provada, a seguradora remetia, igualmente, as condições gerais e particulares do seguro a que a Autora e o falecido marido aderiram. 8. Pelo que, face aos depoimentos prestados e agora transcritos, deveria ter resultado provado que “A ré seguradora remeteu a (…), por cartas datadas de 14.11.2015, os certificados números 15.226271 e 15.2266313, juntamente com as condições gerais e particulares das apólices em causa”, fazendo uma conjugação do facto provado 10 e do facto não provado a). 9. Sendo certo que, nunca a Autora ou o falecido marido questionaram a Ré Seguradora sobre as condições recebidas ou sequer pediram esclarecimentos, podendo fazê-lo a qualquer momento. 10. Depoimento da testemunha (…) – gravado em CD, em ficheiro com referência n.º 20201027095228_4090361_2870816, com início às 09:52h de dia 27.10.2020 e duração de 16:30 minutos. 11. Na verdade, é importante salientar que também o segurado estava sujeito à obrigação de atuar de boa-fé (artigo 227.º, n.º 1, do Código Civil). E atuar de boa-fé, neste contexto, é mais do que sujeitar-se à vontade da contraparte. Se bem que, por regra, não haja liberdade de estipulação nos contratos de adesão ou pré-formulados, continua a subsistir a autonomia de vontade de contratar ou não contratar. E essa só é plenamente exercida se, antes de ser expressa, é esclarecida. 12. Ora, uma pessoa de comum diligência não assina um documento e não aceita celebrar um contrato sem que, previamente, se certifique do respetivo teor e condições do mesmo. 13. Pelo que dúvidas não restam de que, no caso concreto, o segurado teria todas as condições para ter conhecimento esclarecido das condições dos contratos em causa, sendo que, não o tendo feito, não pode agora, vários anos depois, vir tentar prevalecer-se de tal facto, quando sempre teve na sua posse as condições gerais das apólices em causa. 14. Depoimento da testemunha (…) – gravado em CD, em ficheiro com referência n.º 20210412100710_4090361_2870816, com início às 10:07h de dia 12.04.2021 e duração de 15:01 minutos. 15. Depoimento da testemunha (…) – gravado em CD, em ficheiro com referência n.º 20210412102257_4090361_2870816 e ficheiro com referência nº 20210412102817_4090361_2870816, com início às 10:22h e fim às 10:50h de dia 12.04.2021. 16. Para além dos referidos depoimentos, foi solicitado ao INML, pelo próprio Tribunal, com base nos quais resulta claro e cristalino que há nexo de causalidade entre a pancreatite crónica de etiologia alcoólica e a pneumonia causa da morte do falecido. 17. De facto, a causa última da morte foi a pneumonia, mas tal pneumonia apenas ocorreu uma vez que o falecido teve de efetuar ventilação mecânica devido à pancreatectomia a que foi submetido, consequência da pancreatite crónica de etiologia alcoólica de que sofria. 18. Pelo que a pneumonia, causa da morte, nunca pode ser dissociada da situação clínica de que o falecido padecia à data do óbito – a pancreatite crónica alcoólica –, motivo da realização da intervenção cirúrgica – pancreatectomia – que conduziu a tal pneumonia e consequentemente à morte. 19. Devendo, por isso, com base na prova testemunhal e documental junta aos autos, o ponto c) ter sido dado como provado. 20. Pelo que se impugna a decisão proferida sobre matéria de facto nos termos previstos no n.º 1 do artigo 640.º do C.P.C., considerando-se os factos constantes do ponto 10 da matéria de facto provada e pontos a) e c) da matéria de facto não provada incorretamente julgados pelos motivos supra expostos, impondo-se a sua alteração, com base nos depoimentos prestados pelas testemunhas supra identificadas e o resultado do relatório médico-legal juntos aos autos. 21. Nos presentes autos estão em causa dois contratos de seguro de grupo do ramo Vida celebrados entre a 1ª Ré, como seguradora, e 2ª Ré, como tomador do seguro, ao qual a Recorrida e o falecido aderiram enquanto pessoas seguras na sequência de terem recorrido ao crédito à habitação concedido pelo Réu Banco. 22. Ou seja, existem nos presentes autos dois tipos de contratos: o contrato de crédito a habitação – celebrado entre a Recorrida e o falecido e o Recorrente Banco (…) – e o contrato de seguro celebrado entre o Réu Banco e a Ré Seguradora. 23. O seguro de grupo que não tinha regulamentação autónoma no quadro legal português, passou a ser contemplado e definido pelo artigo 1.º, alínea g), do D.-L. n.º 176/95, de 26 de Julho, segundo o qual aquele é o seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador por um vínculo ou interesse comum. 24. No caso dos contratos de seguro de Vida-Grupo, o clausulado é negociado apenas entre um banco e uma seguradora, para garantia de contratos de mútuo para aquisição de habitação que se celebraram com o banco tomador do seguro - beneficiário do capital seguro em caso de verificação de sinistro coberto pela garantia do seguro -, sendo que os particulares/mutuários se limitam a subscrever ou aceitar aquele seguro, através de simples declaração individual de adesão, constituindo, estes, essencialmente o objeto do risco. 25. Por via do contrato de seguro de grupo celebrado entre a ora Recorrente e o Banco, a Seguradora, feita que está a análise de risco individual para cada uma das pessoas propostas como segurados, aceita (ou não) a adesão ao contrato, na qualidade de pessoa segura, de cada um dos vários milhares de clientes mutuários do Banco, os quais passam a figurar no contrato de seguro de grupo como pessoas seguras. 26. Tendo, depois da aceitação, e conforme já supra se verificou, a Seguradora remetido, por carta, aos segurados as respetivas condições gerais e especiais para que delas tivessem pleno conhecimento. Sendo que após tal envio, não foi pelos segurados dirigida qualquer interpelação à Seguradora relativamente a dúvidas ou questões quantos às cláusulas contratuais. 27. Mais, não nos parece que a cláusula em causa necessite de qualquer comunicação ou explicação, já que, por razões de ordem pública, nunca se poderiam celebrar contratos de seguro que cobrissem riscos advenientes do consumo de álcool ou drogas. Não carecendo, por isso, tal cláusula de qualquer comunicação ou explicação, bem sabendo qualquer homem médio, colocado na mesma situação – de celebração de um contrato de seguro – que o consumo excessivo de bebidas alcoólicas ou o consumo de drogas nunca poderiam estar cobertos por qualquer contrato celebrado em território nacional. Sob pena de subversão completa da ordem pública. 28. No entanto, tendo sido celebrados tais contratos de seguro em Novembro de 2005, é-lhes aplicável, quanto ao que agora está em causa, o regime definido pelo Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho (Estabelece regras de transparência para a atividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro, na redação então em vigor), e não o que veio a constar do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril; 29. Assim, não pode proceder a pretensão de eliminação da cláusula de exclusão 6.1 das condições especiais dos contratos de seguro, relativa à exclusão do risco de morte resultante de doença que tenha resultado do consumo excessivo de bebidas alcoólicas. 30. Na verdade, esta posição, que conduz à exclusão do contrato das cláusulas relativamente às quais não foi cumprido o dever de informação, em aplicação do regime definido pelas alíneas a) e b) do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 446/85, para além de não se mostrar conforme com a configuração do contrato de seguro de grupo, não é a que resulta do disposto no artigo 4.º Decreto-Lei n.º 176/95, que prevê uma consequência diversa da exclusão das cláusulas não comunicadas – a imposição ao tomador da “obrigação de suportar a parte do prémio correspondente ao segurado” (n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 176/95). 31. Pelo que, necessariamente, a douta sentença tem de ser alterada no que diz respeito à condenação da seguradora no petitório, sob pena de incorreta interpretação da legislação aplicável ao presente caso, no caso em concreto do DL n.º 176/95. 32. No caso em apreço, resultou provado que (…) era portador de pancreatite crónica alcoólica, tendo sido submetido a uma intervenção cirúrgica abdominal – pancreatectomia – motivada por tal condição clínica (factos 15 e 16). 33. Com efeito, vem provado que, naturalisticamente, a causa direta da morte foi pneumonia nosocomial, mas no contexto de ventilação mecânica a que teve de ser sujeito, por complicações decorrentes de tal cirurgia programada. Sendo que apenas foi sujeito a tal cirurgia devido à sua condição clínica de pancreatite crónica alcoólica. 34. Interpretada globalmente a decisão de facto, é forçoso concluir que tem de resultar naturalisticamente assente, que a ventilação mecânica não foi a única causa da pneumonia que diretamente provocou a morte, conforme concluiu a sentença. 35. Na verdade, um dano não é, apenas, a consequência da sua causa imediata (no caso, da ventilação mecânica); em regra, é produto de um encadeamento ou sequência de causas. 36. Portanto, se por um lado é certo que a pancreatite crónica alcoólica não foi a causa principal e/ou direta da morte do falecido (…), por outro não se poderá dissociar tal causa de todo o quadro clínico do falecido e esta da necessidade de realização da intervenção cirúrgica que conduziu à sua morte. 37. Ora, também neste conspecto andou mal a douta sentença ao concluir pela falta de nexo de causalidade entre o consumo de álcool e a causa da morte, não aplicando a cláusula de exclusão invocada pela seguradora ao sinistro morte em causa nos presentes autos, devendo, por isso, tal sentença, igualmente nesta parte, ser alterada. 38. Mais se dirá, que nos contratos em causa nos presentes autos, o capital seguro é mensalmente revisto a fim de coincidir com o valor que, de mês para mês, vai estando em dívida ao Banco nos termos do mútuo hipotecário celebrado entre o Banco (tomador de seguro) e o seu cliente (pessoa segura). 39. Pelo que, ao contrário do constante na douta sentença, não estamos perante seguros de capital fixo, não cabendo, nessa medida e conforme resulta da condenação, à seguradora o pagamento à Autora do remanescente entre o capital contratado e o capital em dívida à data do óbito. 40. Assim, nunca a seguradora pode ser condenada num valor superior àquele que é o capital seguro na data do sinistro, e para o qual não recebeu a respetiva contrapartida – pagamento do prémio de seguro. Podendo sim, caso haja discrepância entre este e o capital em dívida no mútuo (na data do sinistro), liquidar essa diferença aos herdeiros legais, conforme resulta das condições do contrato. 41. Face ao exposto, e caso se mantenha a condenação da seguradora, sem alteração da decisão proferida, deverá, ainda assim, tal pedido improceder, sendo a douta sentença alterada no que a este ponto da condenação diz respeito, sob pena de violação do regime jurídico do contrato de seguro e respetivas condições dos contratos em causa. Nestes termos e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença proferida e, em consequência, ser a Ré Seguradora absolvida no pagamento do montante peticionado pelos Recorridos, só assim se fazendo JUSTIÇA!” - a ré Banco (…), S.A.: A) O presente recurso tem por objeto os seguintes dois pontos: (iv) Impugnação da decisão do Tribunal a quo quanto à matéria de facto, especificamente quanto à circunstância de ter sido considerado como não provado que: a) As rés deram conhecimento aos segurados, na data da sua celebração, das condições especiais e gerais do contrato de seguro em apreço. (v) Parte decisória da sentença com o seguinte teor: “Condenação do Banco no pagamento à autora das importâncias que foram pagas desde a data do sinistro morte do segurado (13.06.2013) relativas à amortização do empréstimo (incluindo capital, juros, impostos, despesas e prémios do seguro de vida e do seguro multirisco), a liquidar posteriormente, em execução de sentença, com limite do pedido”; (vi) Parte decisória da sentença com o seguinte teor: “Condenação das rés no pagamento às autoras dos juros de mora, à taxa de juros legais, calculados sobre as quantias líquidas em que foram condenadas e contados desde a data de citação até efetivo pagamento”. B) No entender do Banco a prova produzida nos autos (maxime a prova testemunhal gravada e a documental carreada) impunha que fosse considerada como provada a referida matéria da al. a) dos Factos Não Provados pelo Tribunal a quo. C) Com efeito, face aos depoimentos, acima transcritos, de (…), (…) e (…), conjugados com a matéria provada no ponto 10 dos Factos Provados, julga-se que deveria ter sido dado como provado que “A ré seguradora remeteu a (…), por cartas datadas de 14.11.2015, os certificados números (…) e (…), juntamente com as condições gerais e particulares das apólices em causa.” D) Desta forma, e ainda que subsistam dúvidas quanto à explicitação, no momento do preenchimento do boletim de adesão, da cláusula de exclusão em apreço (uma vez que a testemunha (…) disso não se recordava, o que é perfeitamente compreensível dado terem, entretanto, decorrido mais de 12 anos), certo é que os segurados, quando receberam as Condições Gerais do seguro, tomaram conhecimento da dita cláusula. E) Ora, o dever de informação que incumbe à Seguradora e ao tomador do seguro tem como contrapartida da parte do segurado, a obrigação de adotar “um comportamento ativo, diligente, no sentido de tomar conhecimento real e efetivo das cláusulas do contrato”. F) Assim, como bem entende a jurisprudência do STJ: “Feita, assim, a comunicação ao aderente do teor integral das cláusulas contratuais, com especificação das condições especiais, impunha-se a este a adoção de um comportamento ativo, diligente, no sentido de tomar conhecimento real e efetivo das cláusulas do contrato. De facto, quando o dever de comunicação do predisponente esbarra com o alheamento ou indiferença do destinatário, que não cuida de se inteirar das condições em que a responsabilidade da seguradora opera, não pode imputar-se a esta qualquer desvio no cumprimento desse dever. Como se discorreu no acórdão deste tribunal de 24.03.2011[6], não se justifica que a proteção concedida à parte mais fraca vá ao ponto de abarcar as situações em que a falta de conhecimento das cláusulas apenas decorreu de um comportamento negligente ou pouco diligente dessa parte que, apesar de ter sido colocado em posição de conhecer essas cláusulas, não teve qualquer preocupação em assegurar-se do seu teor” Vide Ac. STJ de 03.10.2017, em www.dgsi.pt. G) Ora, in casu, dúvidas não restam que, se o segurado não sabia da existência da cláusula de exclusão em apreço – o que apenas academicamente se admite – tal apenas se ficou a dever a negligência da sua parte. H) Acresce que a cláusula em causa é do conhecimento de qualquer pessoa média, não necessitando, até, de qualquer comunicação ou explicação. I) Com efeito, é notório e do conhecimento comum, que não se celebram contratos de seguro que cubram riscos resultantes do consumo de álcool ou drogas. J) Face ao exposto, alterando-se, nos termos expostos, a decisão do Tribunal a quo relativamente à matéria de facto, impõe-se concluir que foi in casu cumprido o dever de informação quanto à referida cláusula de exclusão, com a inerente absolvição do Banco. K) Ao entender diversamente, a sentença recorrida efetuou uma errada interpretação da lei tendo, designadamente, violado o artigo 4.º do DL 176/95, de 26/7. L) Sem conceder, ainda se alega, quanto à condenação do Banco “no pagamento à autora das importâncias que foram pagas desde a data do sinistro morte do segurado (13.06.2013) relativas à amortização do empréstimo (incluindo capital, juros, impostos, despesas e prémios do seguro de vida e do seguro multirisco)” que o pagamento de tais quantias nunca poderia caber ao Banco, mas sim à Seguradora. TERMOS em que deve o presente recurso ser julgado procedente, alterando-se, nos termos expostos, a decisão da 1.ª Instância quanto à matéria de facto, e revogando-se, em consequência, a sentença recorrida. Respondeu a Autora por forma a defender a improcedência dos recursos. Admitidos os recursos e observados os vistos legais, cumpre decidir. - no recurso de (…) Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A: (i) a impugnação da decisão de facto, (ii) se a cláusula de exclusão é válida, (iii) se se verifica um nexo causal entre a morte e a pancreatite crónica de etiologia alcoólica, (iv) se (apenas) é devido à beneficiária (…) o remanescente entre o capital contratado e o capital em dívida à data do óbito; - no recurso do Banco (…), S.A.: (i) a impugnação da decisão de facto, (ii) procedendo esta, se os segurados foram informados das condições gerais e especiais dos contratos de seguro, (iii) em qualquer caso, se o Banco não é responsável pelo reembolso das amortizações dos empréstimos (capital e juros) liquidadas após o falecimento do segurado (…).
Provado 1- A autora (…) viveu em união de facto com (…) desde setembro de 2003 até 13 de junho de 2013. 2- Ambos adquiriram por título de compra e venda e mútuo com hipoteca, outorgada em 11.11.2005, a fração autónoma designada pela letra “M” do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Urbanização das (…), Lote 19, no (…), (…), freguesia e concelho de Vila Real de Santo António, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António sob o n.º … (doc. de fls. 11 vº/13 vº, cujo teor se dá por reproduzido). 3- Para pagamento do preço solicitaram e obtiveram do Banco (…), S.A. os empréstimos bancários n.º (…) e n.º (…), hipotecando o imóvel adquirido para garantia do reembolso dos montantes emprestados (doc. de fls. 14/23, cujo teor se dá por reproduzido). 4- Para garantia do pagamento do capital em dívida dos empréstimos contratados com a segunda ré a autora (…) e o falecido (…), celebraram com a ré (…) Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A, um contrato de seguro, na modalidade Seguro de Vida Grupo – Crédito à Habitação, por morte e cobertura complementar de invalidez total e permanente por doença ou acidente, com a apólice n.º … e certificados n.ºs … (associado ao empréstimo …) e … (associado ao empréstimo …) – (doc. de fls. 24/25, cujo teor se dá por reproduzido). 5- O contrato de seguro titulado pela apólice n.º (…), com o certificado n.º (…), ficou associado ao empréstimo (…), sendo tomador do seguro o Banco (…), S.A., a 1.ª pessoa segura (…), a 2.ª pessoa segura (…), beneficiário do capital em dívida do empréstimo contraído pelas pessoas seguras, à data da ocorrência (morte ou invalidez total e permanente das pessoas seguras), o Banco (…), S.A., e beneficiários do capital remanescente ao capital em dívida à data da ocorrência, o cônjuge, na sua falta, os filhos e na sua falta os herdeiros legais (doc. de fls. 24, cujo teor se dá por reproduzido). 6- O contrato de seguro titulado pela apólice n.º (…), com o certificado n.º (…), ficou associado ao empréstimo ..., sendo tomador do seguro o Banco (…), S.A., a 1.ª pessoa segura (…), a 2.ª pessoa segura (…), beneficiário do capital em dívida do empréstimo contraído pelas pessoas seguras, à data da ocorrência (morte ou invalidez total e permanente das pessoas seguras), o Banco (…), S.A., e beneficiários do capital remanescente ao capital em dívida à data da ocorrência, o cônjuge, na sua falta, os filhos e na sua falta os herdeiros legais (doc. de fls. 25, cujo teor se dá por reproduzido). 7- O pedido de adesão da autora e de (…) foi formalizado em 22.04.2005, no balcão da ré instituição bancária em Vila Real de Santo António, mediante assinatura do boletim de adesão, tendo-lhes sido entregue informação pré-contratual (doc. de fls. 51/54, cujo teor se dá por reproduzido). 8- Do boletim de adesão consta, imediatamente antes das assinaturas da autora e de (…) “declaramos que, previamente ao ato de preenchimento deste boletim, tomamos perfeito conhecimento das informações pré-contratuais, através de espécimenes que lhe foram fornecidos, e consentimos na efetivação do presente contrato” (doc. de fls. 51/54, cujo teor se dá por reproduzido). 9- A autora e o (…) limitaram-se a aderir ao clausulado que lhes foi apresentado pela ré Banco (…), S.A.. 10- A ré seguradora remeteu a (…), por cartas datadas de 14.11.2015, os certificados números … e … (doc. de fls. 24/25, cujo teor se dá por reproduzido). 11- Através dos contratos de seguro, em caso de morte da pessoa segura, foi garantido o pagamento do capital seguro aos beneficiários, com efeito a partir de dia 11.11.2005 (doc. de fls. 24/25, cujo teor se dá por reproduzido). 12- A autora (…) nasceu em 27.05.2008 e é filha de … e de … (doc. de fls. 26/27, cujo teor se dá por reproduzido 13- E única herdeira de … (doc. de fls. 27 verso/28, cujo teor se dá por reproduzido). 14- Este faleceu em 13.06.2013 (doc. de fls. 29/30, cujo teor se dá por reproduzido). 15- Devido a pneumonia nosocomial (adquirida no hospital) no contexto da ventilação mecânica em resultado de uma pancreatectomia programada (doc. de fls. 30 verso, cujo teor se dá por reproduzido). 16- Intervenção cirúrgica abdominal motivada pela pancreatite crónica alcoólica de que era portador. 17- A autora (…) participou o óbito de (…) à ré (…) Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A.. 18- Esta não assumiu a responsabilidade pelo pagamento do capital seguro, referente aos certificados (…) e (…), alegando que o sinistro se encontrava excluído nas Condições Especiais da apólice (doc. de fls. 31, cujo teor se dá por reproduzido). 19- Nos termos da cláusula 6.6.1.c) ficou estabelecido que a seguradora não garante o pagamento das importâncias seguras, caso o falecimento da pessoa segura seja devido a doenças ou acidentes que sobrevenham à pessoa segura em resultado do consumo de bebidas alcoólicas ou de consumo de qualquer tipo de drogas e/ou medicamentos não prescritos pelo médico (doc. de fls. 31, cujo teor se dá por reproduzido). 20- Atenta a posição assumida pela ré seguradora a primeira autora continuou a pagar os prémios de seguro e as prestações de capital e juros dos contratos de empréstimo celebrados com a ré instituição bancária. 21- Liquidando desde a data do óbito do segurado à ré seguradora € 4.452,15 a título de prémios de seguro (de vida e multirriscos) – (doc. de fls. 31 verso/36 verso, cujo teor se dá por reproduzido). 22- E à ré instituição bancária € 18.776,48 a título de capital, € 10.192,20, € 423,62 a título de comissão de gestão e € 53,15 a título de imposto de selo (doc. de fls. 31 verso/36 verso, cujo teor se dá por reproduzido). 23- Na data em que foi instaurada a ação encontrava-se em dívida de capital à ré instituição bancária € 88.541,73 do empréstimo … e € 9.839,09 do empréstimo … (doc. de fls. 37/37 verso, cujo teor se dá por reproduzido). 24- Em 27.10.2020 ação encontrava-se em dívida de capital à ré instituição bancária € 86.022,36 do empréstimo (…) e € 9.559,17 do empréstimo (…). Não provado: a) As rés deram conhecimento aos segurados, na data da sua celebração, das condições especiais e gerais do contrato de seguro em apreço; b) Explicando antes da sua assinatura as caraterísticas e finalidades, designadamente as coberturas e causas de exclusão contratadas e as obrigações e direitos em caso de sinistro; c) O (…) faleceu em contexto de uma complicação possível e frequente de cirurgia programada.
1.2. Impugnação da decisão de facto 1.2.1. Com fundamento nos depoimentos das testemunhas … (profissional de seguros) e … (bancário) e no depoimento de parte de … (bancária e legal representante da 2ª Ré), a recorrente (…) Seguros, S.A. impugna a decisão de facto vertida no ponto 10 dos factos provados e na alínea a) e c) dos factos não provados por forma a considerar que se prova [“fazendo uma conjugação do facto provado 10 e do facto não provado a)”] que “a ré seguradora remeteu a (…), por cartas datadas de 14.11.2015, os certificados números (…) e (…), juntamente com as condições das apólices em causa”. Visa-se acrescentar ao ponto 10 dos factos provados a expressão “juntamente com as condições das apólices em causa” e eliminar, depreendemos, a matéria constante na alínea a) dos factos não provados segundo a qual não se prova que “as rés deram conhecimento aos segurados, na data da sua celebração, das condições especiais e gerais do contrato de seguro em apreço”. Inicia-se por dizer que o facto aditando – remessa dos certificados “juntamente com as condições das apólices em causa” – não foi alegado pela Impugnante; esta afirmou que “o falecido foi devidamente informado e esclarecido das cláusulas contratuais” “aquando da subscrição do seguro de vida”, que o mesmo “no prazo legalmente previsto” não solicitou “quaisquer esclarecimentos” e que, por tais razões, “tinha pleno e efetivo conhecimento das cláusulas contratuais” (artigos 29.º a 31.º da contestação junta de fls. 60 a 65), mas não alegou que o falecido subscritor do seguro foi informado das condições gerais e particulares dos seguros na data em que lhe foram remetidos os correspondentes certificados. Cabendo às partes alegar os factos essenciais em que baseiam as exceções que invocam (artigo 5.º, n.º 1, do CPC) e não tendo tal facto sido alegado, não se vê, nem a Impugnante explica, como poderia o mesmo vir a constar dos factos provados. Ouvidos, ainda assim, os depoimentos não encontramos razões para concluir pela alteração preconizada; a testemunha … (profissional de seguros) e a legal representante da 2ª Ré, …, desconheciam o concreto caso dos autos circunscrevendo-se os seus depoimentos a enunciar, respetivamente, as práticas habituais da Seguradora (a qual não dispõe de balcões abertos ao público) e do Banco nos casos em que os clientes contraem empréstimos associados a seguros de vida, razão pela qual não constituem base probatória suficiente para, com recurso a eles, se formar uma opinião sobre se os certificados de seguro remetidos ao falecido companheiro da autora … (fls. 66 e 67 dos autos) se faziam acompanhar das respetivas condições das apólices e tal junção, dir-se-á, também não resulta documentada em tais certificados (cfr. fls. 66 e 67 dos autos) como cremos apropriado, a ter-se verificado, ao uso de boas práticas negociais. Intervenção no processo negocial e pré-negocial que culminou com a subscrição dos seguros de vida reportados nos autos teve a testemunha (…), bancário ao serviço da 2ª Ré, à data em serviço nos balcões desta em Vila Real de Santo António, mas também o seu depoimento não permite formar uma opinião sobre o aditamento visado pela recorrente, pelo contrário, instado sobre se no concreto caso dos autos as condições gerais e especiais dos contratos de seguros foram juntas com os certificados respondeu: “não consigo confirmar” (minutos 20:20 a 20:28 do depoimento). A prova produzida não impõe decisão diversa quanto ao ponto 10 dos factos provados e alínea a) dos factos não provados, improcedendo o recurso quanto a esta questão.
1.2.2. Com fundamento nos depoimentos das testemunhas … (médico e prestador de serviços de consultadoria médica para a recorrente Seguradora, há mais de vinte anos) e … (médico no Hospital Distrital de Faro que emitiu a certidão de óbito de …) e no relatório de autópsia médico-legal (fls. 216 e 271), pretende a recorrente (…) Seguros, S.A. que se julgue provada a matéria discriminada na alínea c) dos factos não provados – “(…) faleceu em contexto de uma complicação possível e frequente de cirurgia programada”. Segundo o certificado de óbito elaborado pela testemunha (…) a morte de (…) teve como causa direta pneumonia, devida ou consecutiva a status pós-ventilação mecânica, devida ou consecutiva a cirurgia abdominal, devida ou consecutiva a pancreatite crónica (cfr. junto a fls. 72). Esta etiologia da morte de (…), confirmada pelos depoimentos que servem de fundamento à impugnação e pela prova pericial produzida, segundo a qual, a “causa da morte de (…) é a pneumonia que surgiu após ter sofrido ventilação mecânica. Esta ventilação mecânica foi efetuada após ter sido submetido a cirurgia efetiva para pancreatectomia. O que quer dizer que a pneumonia sofrida foi nosocomial (adquirida no Hospital). Ou seja, se o doente não tivesse sido submetido a um procedimento invasivo respiratório (ventilação mecânica), muito provavelmente não teria uma pneumonia nosocomial”, mostra-se adequadamente refletida nos pontos 15 e 16 dos factos provados e dela não decorre que a pneumonia constitua “uma complicação possível e frequente de cirurgia programada”; nenhuma das testemunhas o afirmou e, pelo contrário, resulta da prova pericial que “se o doente não tivesse sido submetido a um procedimento invasivo respiratório (ventilação mecânica), muito provavelmente não teria uma pneumonia nosocomial” o que só pode significar que do ponto de vista médico-legal a pneumonia nosocomial não constitui uma complicação frequente da cirurgia abdominal. A prova produzida não impõe decisão diversa quanto à matéria constante da alínea c) dos factos não provados, improcedendo o recurso quanto a esta questão.
1.2.3. Com fundamento nos depoimentos das testemunhas … (profissional de seguros) e … (bancário) e no depoimento de parte de … (bancária e legal representante da 2ª Ré), a recorrente Banco (…), S.A. pretende se julgue provada a matéria constante na alínea a) dos factos não provados e se altere o ponto 10 dos factos provados por forma a constar: “A ré seguradora remeteu a (…), por cartas datadas de 14.11.2015, os certificados números (…) e (…), juntamente com as condições das apólices em causa”. Visa-se acrescentar ao ponto 10 dos factos provados a expressão “juntamente com as condições das apólices em causa”, matéria não alegada pela Impugnante; esta afirmou que antes da assinatura dos pedidos de adesão aos seguros de vida “como sempre faz, explicou à Autora e a (…) as caraterísticas e finalidades do tipo de seguro em apreço”, “o objetivo e âmbito do mesmo, as coberturas e causas de exclusão contratadas e as obrigações e direitos em caso de sinistro”, “tendo (…) entregue (…) documento com informação pré-contratual” e que os subscritores entenderam as explicações e declararam no boletim de adesão haverem tomado “perfeito conhecimento das informações pré-contratuais” (artigos 12.º a 16.º, da contestação junta de fls. 44 a 50), mas não alegou que o falecido subscritor do seguro foi informado das condições gerais e particulares dos seguros na data em que lhe foram remetidos os correspondentes certificados. Cabendo às partes alegar os factos essenciais em que baseiam as exceções que invocam (artigo 5.º, n.º 1, do CPC) e não tendo sido tal facto alegado não se vê, nem a Impugnante explica, como poderia o mesmo vir a constar dos factos provados. Ouvidos, ainda assim, os depoimentos não encontramos razões para concluir pela alteração preconizada pelas razões supra adiantadas (ponto 1.2.1.), aqui dadas por reproduzidas e de cuja síntese resulta que a testemunha (…), única com intervenção direta no processo negocial que levou à subscrição dos seguros pela recorrida (…) e pelo seu falecido companheiro, instado sobre se no caso concreto dos autos as condições gerais e especiais dos contratos de seguros foram juntas com os certificados respondeu: “não consigo confirmar” (minutos 20:20 a 20:28 do depoimento); e perguntado, por várias vezes, sobre se tinha informado os mesmos subscritores acerca das condições especiais e gerais das apólices dos seguros e respetivas cláusulas de exclusão, nunca referiu ter prestado tal informação como resulta dos seguintes passos do seu depoimento: “Na pasta dossier do cliente ia só essa informação (pré-contratual) os clientes até à contratação do empréstimo que era feito com a aceitação do seguro de vida por parte da seguradora recebiam em sua casa o certificado de seguro conjuntamente com as condições gerais (minutos 6:05 a 6:32 do depoimento); Era explicado às pessoas as coberturas e as exclusões do contrato de seguro? “No momento da simulação era esclarecido ao cliente o valor do prémio do seguro, a razão da necessidade de celebrar um seguro de vida, a necessidade de preencher um questionário médico e que em função desse questionário médico iria ser determinado o valor em termos de prémio e se a seguradora aceitaria … ou se seria necessário exames médicos (minutos 6:40 a 7:30 do depoimento); E as exclusões eram explicadas às pessoas? “Por norma esse tipo de assunto nunca era abordado na simulação prévia com o cliente (minutos 8:16 a 8:30 do depoimento); Em que momento era abordado? “Não … em situações em que o cliente suscitava esses esclarecimentos era prestado mas por norma remetia-se sempre para as condições gerais do produto que o cliente iria receber (minutos 8:31 a 8:57). A prova produzida não impõe decisão diversa quanto aos pontos 10 dos factos provados e alínea a) dos factos não provados. Improcedem as impugnações da decisão de facto.
2. Direito Depois de concluir que “as rés não lograram provar ter comunicado e explicado à autora e ao segurado falecido a cláusula de exclusão da cobertura dos contratos celebrados, ou seja, que a morte derivada de doença que resulte do consumo de álcool não seria abrangida pelo seguro”, a decisão recorrida julgou não válida a cláusula de exclusão considerada provada no ponto 19 dos factos provados, ajuizou, ainda assim, que inexiste nexo causal entre a morte e o consumo de bebidas alcoólicas uma vez que a causa da morte do segurado (…) não se deveu à pancreatite crónica de origem alcoólica de que era portador, mas a pneumonia sobrevinda após intervenção cirúrgica e condenou a recorrente Seguradora a pagar o capital em dívida nos empréstimos a que os seguros de vida se mostram associados. A recorrente Seguradora discorda; argumenta que a cláusula de exclusão não pode ser eliminada, uma vez que ao caso é aplicável o regime do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26/7, o qual estabelece uma sanção específica para o tomador do seguro em caso de incumprimento da obrigação de informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas – a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado – regime especial que afasta a aplicação do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais e que “se por um lado é certo que a pancreatite crónica alcoólica não foi a causa principal e/ou direta da morte do falecido (…), por outro não se poderá dissociar tal causa de todo o quadro clínico do falecido e esta da necessidade de realização da intervenção cirúrgica que conduziu à sua morte (…) andou mal a douta sentença ao concluir pela falta de nexo de causalidade entre o consumo de álcool e a causa da morte” [cclªs 28ª a 37ª].
2.1. Se a cláusula de exclusão é válida Atenta a data de adesão e início de vigência dos contratos de seguros (pontos 7 e 11 dos factos provados) é aplicável o regime jurídico do D.-L. n.º 176/95, de 26/7, o qual veio estabelecer regras de transparência para a atividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro, uma vez que o regime jurídico do contrato de seguro, aprovado pelo D.-L. n.º 72/2008, de 16/4, não obstante aplicável aos contratos de seguro (…) celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, circunscreveu esta aplicação (retroativa) “ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente” (artigo 2.º) e, no caso, colocam-se questões relativas à validade substancial dos contratos e não ao seu conteúdo. O artigo 4.º do D.-L. 176/95 dispõe assim: “1 - Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora. 2 - O ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro. 3 - Nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.º 1 implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação. 4 - O contrato poderá prever que a obrigação de informar os segurados referida no n.º 1 seja assumida pela seguradora. 5 - Nos seguros de grupo a seguradora deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efetiva compreensão do contrato”. Segundo a norma, nos seguros de grupo, a obrigação de informar os segurados incumbe, em princípio, ao tomador do seguro e o incumprimento desta implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação. Previsão que tem suscitado opiniões desencontradas na jurisprudência quanto à oponibilidade à seguradora do incumprimento da obrigação de informar do tomador do seguro, para efeitos de se ter por excluída do contrato determinada cláusula não adequadamente explicada e informada.[1] Divergências que não afetarão, estamos em crer, os contratos de seguro de grupo celebrados após 1 de Janeiro de 2009, data da entrada em vigor do D.-L. n.º 72/2008 (artigo 7.º), uma vez que quanto a estes a lei é expressa em afirmar que o disposto no regime jurídico do contrato de seguro, não prejudica a aplicação ao contrato de seguro do disposto na legislação sobre cláusulas contratuais gerais, sobre defesa do consumidor e sobre contratos celebrados à distância, nos termos do disposto nos referidos diplomas (artigo 3.º do Regime jurídico do contrato de seguro aprovado pelo referido D.-L. n.º 72/2008) assim introduzindo um forte argumento, se bem vemos, a favor da posição que considera não haver qualquer incompatibilidade entre o regime do D.-L. n.º 176/95, na parte referente aos seguros de grupo e o regime jurídico das cláusulas contratuais gerais instituído pelo D.-L. n.º 446/85, de 25/10. “Na verdade, não se verifica qualquer relação de exclusão entre os regimes em causa, pois não consagram disciplinas opostas, mas antes de complementaridade. Tem-se em vista reforçar a proteção do aderente ao contrato de seguro, sem que se justifique uma interpretação que conduza a um menor proteção do consumidor no domínio dos seguros coletivos”.[2] Seguiremos, pois, esta linha de orientação e não se questionando que a autora (…) e o falecido (…), aderiram a cláusulas contratuais previamente elaboradas pela recorrente Seguradora, sem prévia negociação individual, limitando-se a subscrevê-las e a aceitá-las, os seguros de grupo por estes subscritos estão abrangidos pelo regime das cláusulas contratuais gerais, definido pelo D.-L. n.º 446/85, de 25/10, do qual resulta a imposição, à parte que submete à outra as cláusulas não negociadas, dos deveres de comunicação adequada e de informação suficiente das referidas cláusulas (artigos 5.º e 6.º), sob pena de se haveram como excluídas do contrato concretamente celebrado (artigo 8.º, todos do Decreto-Lei n.º 446/85). No caso, não se prova que “as Rés deram conhecimento aos segurados, na data da celebração dos contratos, das condições especiais e gerais do contrato de seguro em apreço” [alínea a) dos factos não provados], razão pela qual a cláusula de exclusão (referida no ponto 19 dos factos provados e não nas apólices de seguro que não se mostram juntas aos autos) deve ela, por sua vez, ser excluída do contrato, como se decidiu. Solução a que não obstam, a nosso ver, os argumentos segundo os quais o dever de informação da cláusula de exclusão se mostra suprido pela comunicação aos segurados das condições gerais e especiais do seguro ou é dispensável face às razões de “ordem pública” que a justificam [conclusões 26ª e 27ª] e isto porque, independentemente de outras razões, nenhum dos argumentos afasta a natureza da cláusula de exclusão, ou seja, a sua elaboração sem prévia negociação individual, modo específico de elaboração que justifica a sua submissão ao regime das cláusulas gerais contratuais e depois porque o primeiro dos apontados argumentos assenta em factos que não se provam. O recurso improcede quanto a esta questão.
2.2. Se se verifica um nexo causal entre a morte e a pancreatite crónica de etiologia alcoólica E tanto bastaria para julgar improcedente o recurso na parte em que supõe a validade de a cláusula de exclusão eliminada do contrato. Seguindo, porém, a metodologia da decisão recorrida dir-se-á que não se verifica um nexo de causalidade entre a morte do segurado (…) e a pancreatite crónica de que era portador (ponto 16) suposto pela cláusula de exclusão do risco que, por não informada, não vigora entre as partes. Segundo o artigo 563.º do Código Civil, “[a] obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. A causa da morte de (…), para efeitos normativos, não foi devida a doença ou acidente sobrevinda em resultado do consumo de bebidas alcoólicas mas a pneumonia nosocomial (adquirida no hospital) no contexto da ventilação mecânica, razão pela qual morte não se encontraria abrangida pela cláusula de exclusão ainda que esta não se houvesse de ter por excluída, como é o caso.
2.3. Se (apenas) é devido à beneficiária (…) o remanescente entre o capital contratado e o capital em dívida à data do óbito A recorrente (…) Seguros, S.A. insurge-se ainda contra o segmento decisório que a condenou a pagar à autora (…) da quantia correspondente ao remanescente entre o capital contratado e o capital em dívida à data do óbito (13.06.2013), a liquidar posteriormente, em execução de sentença, com limite do pedido. Argumenta que nos contratos em causa (…) o capital seguro é mensalmente revisto a fim de coincidir com o valor que, de mês para mês, vai estando em dívida ao Banco nos termos do mútuo hipotecário celebrado entre o Banco (tomador de seguro) e o seu cliente (pessoa segura), “ao contrário do constante na douta sentença, não estamos perante seguros de capital fixo, e, assim, não lhe incumbe pagar um valor superior àquele que é o capital seguro na data do sinistro [conclusões 38ª a 41ª]. Tem razão, a nosso ver. Na síntese da circular n.º 2/2010, de 25/2 do Instituto de Seguros de Portugal, os seguros de vida associados a contratos de crédito à habitação incluem, em regra, uma das seguintes modalidades de cobertura: a) O capital seguro acompanha a evolução do capital em dívida no contrato de crédito à habitação, pelo que, em caso de sinistro, a prestação é paga à instituição de crédito mutuante; b) O capital seguro acompanha a evolução do capital em dívida no contrato de crédito à habitação, mas a atualização não é imediata apenas se processando anualmente, pelo que, em caso de sinistro, a prestação é repartida entre a instituição de crédito mutuante e os beneficiários designados, ou na ausência destes, os herdeiros legais; c) O capital seguro mantém-se inalterado ao longo da vigência do contrato de crédito à habitação, correspondendo ao capital em dívida no início, pelo que, em caso de sinistro, a prestação é repartida entre a instituição de crédito mutuante e os beneficiários designados, ou na ausência destes, os herdeiros legais. No caso, resulta dos certificados de seguro para que remetem os pontos 4 a 6 e 10 dos factos provados que o Banco (…), SA é “beneficiários do capital em dívida do empréstimo contraído pelas Pessoas Seguras, à data da ocorrência”, que “os beneficiários do capital remanescente ao capital em dívida à data da ocorrência” são “o cônjuge, na sua falta, filhos; na sua falta herdeiros legais” e que “o capital inicial seguro é igual ao valor do empréstimo em dívida à data de efeito acima indicada, multiplicado pelo coeficiente da percentagem atribuído à Pessoa Segura em referência, sendo, durante a vida do contrato, no máximo o capital constante do boletim de adesão que serviu de base à emissão deste contrato. Periodicamente, o Banco (…), S.A., informará a Seguradora sobre a evolução do capital em dívida do empréstimo que, multiplicado pela percentagem atrás referida, resultará no capital seguro em cada momento.” Assim, na modalidade de cobertura, em concreto, acordada, o capital inicial seguro não se mantém inalterado, varia de acordo com a evolução do capital em dívida do empréstimo e é a diferença, se existir, entre o capital seguro à data da ocorrência e o capital em dívida na mesma data que constitui o remanescente de que beneficia o cônjuge e na falta deste os herdeiros do falecido, no caso a recorrida (…). O pressuposto que motiva a decisão recorrida – seguro com capital fixo – a nosso ver não se verifica e, assim, a recorrente seguradora deverá ser condenada a pagar à autora (…) a quantia correspondente ao remanescente entre o capital seguro à data do óbito (13.06.2013) e o capital em dívida na mesma data, a liquidar em execução de sentença, com limite do pedido.
2.4. Se do Banco (…), S.A. não responde pelo reembolso das amortizações dos empréstimos (capital e juros) liquidadas após o falecimento do segurado (…) Condenado a pagar à autora (…) as importâncias que foram pagas desde a data do sinistro morte do segurado (13.06.2013) relativas à amortização do empréstimo (incluindo capital, juros, impostos, despesas e prémios do seguro de vida e do seguro multi-risco), a liquidar posteriormente, em execução de sentença, com limite do pedido, o Banco (…), S.A., para além de impugnar a decisão de facto concluiu, de direito, que o pagamento das referidas quantias não é responsabilidade sua, mas sim da Seguradora. A impugnação da decisão de facto improcedeu e, por via dela, improcedem as conclusões do recurso na parte em que assentam numa alteração da base factual do litígio que não se reconhece e também aquelas que supõem a comunicação aos segurados do teor integral das cláusulas, gerais e especiais, dos seguros, por manifesta falta de adesão aos factos provados; note-se que as Recorrentes não só não demonstram haver feito esta comunicação como não juntaram aos autos as apólices dos seguros, documentos que titulam os contratos de seguro celebrados contendo necessariamente o objeto do seguro, os riscos cobertos, a vigência do contrato, a quantia segura e o prémio ajustado e as estipulações que visam excluir certo tipo de riscos. Prosseguindo, referiu-se supra que resulta dos certificados de seguro, para que remetem os pontos 4 a 6 e 10 dos factos provados, que o Banco (…), S.A. é “o beneficiário do capital em dívida do empréstimo contraído pelas Pessoas Seguras, à data da ocorrência” e que a recorrida (…), enquanto herdeira do falecido (…), apenas beneficia do capital remanescente ao capital em dívida à data da ocorrência, o que significa que com a verificação da eventualidade contratualmente prevista surge na esfera jurídica do Banco/tomador um direito de crédito sobre o capital seguro que este, na qualidade de beneficiário, pode exercer perante a seguradora. Assim, impendendo sobre a Seguradora a obrigação de pagar ao recorrente Banco o capital seguro em dívida à data da morte de (…) cabia ao Banco, como parte no contrato de seguro – e no de mútuo –, a obrigação de exigir à Seguradora o cumprimento das obrigações decorrentes do mesmo, nada podendo exigir às Recorridas a partir daquele momento. Por isto não se vê, nem o Recorrente explica, como poderiam as Recorridas exigir da Seguradora o pagamento de um capital de que é ele e não estas, o beneficiário. Situação similar foi equacionada e resolvida no já citado Ac. do STJ de 18-02-2021 por forma a considerar que o reembolso do capital e juros liquidados depois de verificada a eventualidade é da responsabilidade do Banco mutuário. Improcede o recurso do Banco (…), S.A..
3. Custas No recurso do (…) Seguros – Companhia de Seguros de Vida, S.A., o pagamento das custas incumbe à Recorrente e às Recorridas na proporção de 9/10 e 1/10 respetivamente (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC); no recurso do Banco (…), S.A., as custas correm por este (artigos 527.º, nºs 1 e 2, do CPC).
b) julgar improcedente o recurso interposto por Banco (…), S.A.. Custas pelas Recorrentes e Recorridas nos termos supra (ponto 3). |