| Acórdão do Tribunal da Relação de  Évora | |||
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| Relator: | PAULA DO PAÇO | ||
| Descritores: | FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL MEDIDA DA COIMA | ||
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| Data do Acordão: | 10/02/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
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| Meio Processual: | RECURSO PENAL - CONTRA-ORDENAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA A DECISÃO RECORRIDA | ||
| Área Temática: | SOCIAL | ||
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| Sumário: | Sumário elaborado pela relatora: I- Mostra-se cumprido o dever de fundamentação previsto no artigo 39.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14/9, quando na sentença se faz a análise crítica da prova (a que foi produzida em julgamento e a que foi apresentada na fase administrativa do processo), dando a conhecer os motivos porque, no que se refere à matéria de facto, se julga de forma idêntica à da decisão administrativa, confirmando-se tal decisão e remetendo-se para a mesma, em vez de se voltar a elencar a factualidade. II- Tendo em consideração uma moldura abstrata da coima de 90 UC a 300 UC, não se justifica a aplicação da medida mínima da coima numa situação de contraordenação muito grave, negligente, em que a arguida (empregadora), com um elevado volume de negócios, não assegurou a adequada manutenção de um equipamento de trabalho, por forma a garantir que o mesmo possuía os requisitos mínimos de segurança para a saúde dos trabalhadores, tendo um trabalhador, em consequência da omissão do dever de cuidado da empregadora, sofrido um acidente de trabalho. | ||
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| Decisão Texto Integral: | P. 4787/24.7T8STB.E1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora1 Relatório 1. PINGO DOCE – DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, S.A. impugnou judicialmente a decisão da Autoridade Para As Condições de Trabalho (doravante designada por ACT), que a condenou na coima de 145 UC e na sanção acessória de publicidade da condenação, pela prática, em autoria material, de uma contraordenação muito grave, negligente, por violação do disposto no artigo 3.º, alínea e), do Decreto-lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro. Foi ainda condenada, solidariamente, pelo pagamento da coima, a Presidente do Conselho de Administração da sociedade. 2. A 1.ª instância julgou improcedente a impugnação, tendo mantido, na íntegra, a decisão administrativa. 3. A impugnante interpôs recurso, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões: «1. A douta sentença recorrida confirmou a decisão condenatória proferida pela ACT e, consequentemente, condenou a Recorrente por violação do disposto no art. 3.º, al. e) do DL 50/2005, o que constitui contraordenação muito grave, nos termos do disposto no art. 43.º, n.º 1 do mesmo normativo. 2. A douta sentença proferida é nula por total omissão de enunciação de factos provados e não provados. 3. Com efeito, percorrendo o douto aresto, ora em crise, forçoso será concluir pela não enunciação da matéria de facto provada e não provada. 4. Inicia a douta sentença recorrida por identificar o normativo alegadamente infringido e a condenação proferida pela ACT, prosseguindo com a transcrição das conclusões da Recorrente em sede de recurso de impugnação judicial e enquadramento factíco-jurídico, no qual não se mostram enunciados os factos provados, nem provados e finalmente o decisão condenatória.. 5. Quanto a factos provados e não provados, afirma o douto Tribunal a quo: “Concordamos com o decidido pela ACT quer quanto aos factos, quer quanto ao Direito, pelo que a decisão administrativa não merece qualquer reparo, devendo, por isso, ser confirmada e para a qual remetemos“ 6. Dispõe o art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, que se aplica subsidiariamente às contraordenações laborais, o regime geral das contraordenações, o qual prevê no art. 41.º a aplicação subsidiária do código do processo penal, no qual pode ler-se, no art. 374.º, n.º 2 que: segue-se ao relatório a fundamentação, na qual se enumeram factos provados e não provados, o que in casu, não se verifica, inexistindo a enunciação de um único facto, quer provado, quer não provado, no decurso da douta sentença ora recorrida. 7. Ao omitir integralmente a fundamentação de facto, incorreu o douto Tribunal a quo, em nulidade, que urge declarar com as legais consequências. 8. Neste sentido, veja-se, o acórdão proferido nos autos de processo n.º 62/17.1T8CNT.C1, pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, em 24 de Janeiro de 2018, que teve como relator o Desembargador Orlando Gonçalves, supra transcrito e que aqui se dá por integralmente reproduzido. 9. Forçoso será concluir pela invalidade da douta sentença recorrida na modalidade de nulidade e, em consequência, ser a Recorrente integralmente absolvida. 10. Caso assim se não entenda, pugna aqui a Recorrente pela redução da coima ao valor mínimo legal, atendendo a que conforme se deixou já alegado em sede de notificação para defesa a Recorrente foi notificada para pagamento de valor de coima pelo mínimo, agravado por alegada reincidência. Factualidade que impugnou e cuja impugnação foi considerada procedente. Não obstante, a decisão da ACT manteve como valor de coima aplicada, precisamente o valor mínimo acrescido de agravamento pela reincidência. 11. Numa moldura sancionatória fixada entre 90 a 300 UCs, sem evidência de consequências irreversíveis para o sinistrado, sem factualidade que sustente o agravamento para além do valor mínimo e sem fundamentação do mesmo, não se vislumbra adequação da coima fixada à factualidade alegadamente infratora. 12. Termos em que, se requer a redução da coima ao valor mínimo. 13. Em face do exposto deverá a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que considerando procedente o presente recurso absolva a Recorrente. Nestes termos, E nos melhores de Direito que Vs. Exas. doutamente suprirão deverá a douta sentença recorrida ser declarada nula e de nenhum efeito, com as legais consequências, ou, caso assim se não entenda, ser a coima reduzida ao valor legal mínimo nos termos supra expostos.» 4. A 1.ª instância admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. 5. O Ministério Público respondeu, propugnando pela improcedência do recurso. 6. O processo subiu ao Tribunal da Relação e a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no qual sustentou que, por ter ocorrido julgamento, deveria o tribunal a quo ter enunciado os factos provados e não provados, pois a remissão prevista no artigo 39.º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, aplica-se apenas aos casos em que não houve julgamento. Na sequência, pronunciou-se pela procedência do recurso. 7. A recorrente não respondeu. 8. Colhidos os vistos legais, cumpre, em conferência, apreciar e decidir. * Objeto do recurso É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro. Em função destas premissas, as questões suscitadas são as seguintes: 1. Nulidade da sentença. 2. Visada redução do valor da coima. * Nulidade da sentença A recorrente arguiu a nulidade da sentença por falta de enunciação dos factos provados e não provados, em clara violação do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, subsidiariamente aplicável. Vejamos. Está em causa um recurso de contraordenação laboral, ao qual se aplica o regime processual especial, consagrado na Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro. Dispõe o artigo 39.º deste diploma legal: «1 - O juiz decide do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho. 2 - O juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham. 3 - O despacho pode ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação. 4 - O juiz fundamenta a sua decisão, tanto no que respeita aos factos como no que respeita ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção, podendo basear-se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa. 5 - Em caso de absolvição, o juiz indica porque não considera provados os factos ou porque não constituem uma contraordenação.» Infere-se da norma citada, que a impugnação judicial pode ser decidida mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho. Quanto ao dever de fundamentação da decisão, decorre da regra inserta no n.º 4, uma evidente intenção do legislador de simplificar a decisão judicial, ao ponto de permitir que a mesma consista numa mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa. Cita-se a propósito o Acórdão desta Relação de 11-05-2023 (Proc. n.º 1351/22.9T8TMR.E1)2: «De acordo com o n.º 4 do aludido artigo, o juiz fundamenta a sua decisão (sentença ou despacho judicial), tanto no que respeita aos factos como no que respeita ao direito aplicável e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção, podendo basear-se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa. Decorre desta norma uma evidente intenção do legislador de simplificar a decisão judicial, ao ponto de permitir que a mesma consista numa mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa. Todavia, sempre terá de ser cumprido o dever de fundamentação da decisão, em matéria de facto e de direito.» E, ainda, o Acórdão da Relação de Coimbra de 26-04-2012 (Proc. n.º 162/11.1TTCTB.C1)3: «A faculdade conferida pelo n.º 4 do artigo 39.º do novo regime legal das contraordenações laborais, aprovado pela Lei n.º 107/09, de 14/09 (permitindo ao julgador a elaboração da sentença basear-se em mera declaração de concordância com a decisão declaratória da autoridade administrativa) apenas é possível quando dessa simples declaração resulte o cumprimento cabal do dever que sobre o julgador impende de fundamentar as suas decisões quanto aos factos e quanto ao direito». Ora, no caso dos autos, escreveu-se na sentença recorrida: «Como ponto prévio cumpre referir que a arguida recorrente prescindiu da prova testemunhal por si arrolada. A senhora Inspetora da ACT que procedeu à autuação, confirmou o teor do auto de notícia, nas declarações que prestou. Nos termos do disposto no art. 39º, n.º 4, da Lei n.º 107/2009, de 14/09, O juiz fundamenta a sua decisão, tanto no que respeita aos factos como no que respeita ao direito aplicado e às circunstâncias que determinaram a medida da sanção, podendo basear-se em mera declaração de concordância com a decisão condenatória da autoridade administrativa. Concordamos com o decidido pela ACT quer quanto aos factos, quer quanto ao Direito, pelo que a decisão administrativa não merece qualquer reparo, devendo, por isso, ser confirmada e para a qual remetemos. A questão suscitada pela arguida de não aproveitamento de todo o teor das declarações da testemunha inquirida em sede de instrução, quanto à informação que foi dada ao trabalhador sinistrado, é, salvo o devido respeito, irrelevante para a análise da infração em causa. De facto, do que aqui se cura é da manutenção no local de trabalho de equipamento que não está apto a ser usado, em condições de segurança. Era inequívoco que aquele equipamento estava danificado e que carecia de reparação. A arguida sabia disso e contratou com uma empresa essa reparação. Note-se que está provado que a arguida estava à espera da recolha daquele equipamento e sua substituição enquanto o mesmo estivesse a reparar. Diz a arguida que foi prestada a informação ao trabalhador sinistrado quanto ao estado em que se encontrava aquele equipamento, pelo que sabia do estado em que o mesmo se encontrava. Porém, saber do estado em que se encontrava o equipamento não é o mesmo que saber que o não podia utilizar. Note-se que segundo o que consta daquela declaração, AA transmitiu a avaria da máquina ao sinistrado, mas disse-lhe também que estava a utilizar a máquina: 
 Ou seja, apesar daquela avaria AA continuava a usar a máquina, o que naturalmente gerou no trabalhador sinistrado que, apesar da avaria, também a poderia utilizar. Daquela declaração não resultava, assim, que do conhecimento da avaria resultava para o trabalhador também o conhecimento dos riscos a ela associados.4 Concluindo, nunca ninguém disse ao trabalhador sinistrado que não podia usar a máquina, e, pelos vistos, não havia ordens nesse sentido da sua não utilização quanto aos demais trabalhadores, pois a trabalhadora AA continuava a utilizá-la, apesar daquele estado em que a mesma se encontrava. Bem andou a ACT ao concluir como concluiu. Não existe, pois, a arguida omissão de fundamentação e sequer desconsideração infundada de parte daquelas declarações.» Resulta do trecho transcrito que o tribunal a quo não deixou de expor a análise que fez da prova apresentada (a que foi produzida em julgamento e a que foi apresentada na fase administrativa do processo), dando a conhecer os motivos porque, no que se refere à matéria de facto, julgou de forma idêntica à da decisão administrativa, pelo que confirmou tal decisão e remeteu para a mesma, em vez de voltar a elencar a factualidade. Ou seja, o tribunal não se limitou a fazer uma mera declaração de concordância com a decisão de facto constante da decisão administrativa. A sua decisão foi explicada/fundamentada, e os factos provados e não provados constam da mesma, por via remissiva. Por conseguinte, consideramos que, no caso concreto, foi minimamente cumprido o dever de fundamentação de facto, exigido pelo n.º 4 do artigo 39.º da Lei n.º 107/2009. Consequentemente, não procede a arguida nulidade da sentença. Medida da coima A recorrente não coloca em crise a prática da infração contraordenacional, mas pretende que seja reduzida a coima aplicada para o mínimo legal. Analisemos a questão. A recorrente praticou uma infração muto grave, negligente, resultante da violação do artigo 3.º, alínea e), conjugado com o artigo 43.º, ambos do Decreto-lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro. A moldura abstrata da coima aplicável situa-se entre as 90 UC e as 300 UC, conforme é reconhecido pela recorrente. Na determinação desta moldura não houve qualquer agravamento resultante de reincidência, por esta não se verificar. A ACT aplicou a coima de 145 UC, que o tribunal a quo manteve. Nos termos previstos pelo artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, subsidiariamente aplicável, a determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contraordenação. Ora, no caso que nos ocupa, foi praticada uma contraordenação muito grave, a título de negligência, por não ter sido assegurada a adequada manutenção de um equipamento de trabalho, que estava a ser utilizado, por forma a garantir que o mesmo possuía os requisitos mínimos de segurança para a saúde dos trabalhadores. Na sequência da omissão deste dever de cuidado do empregador (a ora recorrente) um trabalhador sofreu um acidente de trabalho, que consistiu em ficar com a mão entalada pela tampa do equipamento – cuja mola de segurança estava danificada, há cerca de um mês – o que lhe provocou uma fratura da mão direita. A recorrente tem uma excelente situação económica, pois em 2019, o seu volume de negócios foi de 582.399.006 euros. Não se apurou que tenha tido qualquer benefício económico decorrente da prática da infração. Tudo ponderado, afigura-se-nos que a coima aplicada de 145 UC é justa e adequada à dupla finalidade da aplicação de uma coima, que simultaneamente serve como medida sancionatória e como medida de prevenção geral e especial. No caso, a gravidade da infração e as suas consequências não justificam a medida da coima mínima aplicável. Enfim, também nesta parte, improcede o recurso. Concluindo, o recurso improcede na totalidade. Vencida no recurso, a recorrente deverá suportar o pagamento das custas, que se fixam em 4 UC - artigo 8.º, n.ºs 7 e 9, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, e respetiva tabela III anexa. * Decisão Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a decisão recorrida. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC. -------------------------------------------------------------------------------------------------------- Évora, 2 de outubro de 2025 Paula do Paço Mário Branco Coelho Emília Ramos Costa 
 ________________________________________ 1. Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Emília Ramos Costa↩︎ 2. Consultável em www.dgsi.pt.↩︎ 3. Idem.↩︎ 4. Fazemos notar que o alegado conhecimento dos riscos inerentes ao uso do equipamento, por parte do trabalhador sinistrado, corresponde ao facto não provado descrito na decisão administrativa.↩︎ |