Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3137/23.4T8STR.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: MAIOR ACOMPANHADO
Data do Acordão: 05/09/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. O regime do maior acompanhado previsto nos artigos 138.º a 156.º do CC, na redação dada pela Lei n.º 49/2018 de 14-09, impõe que, o juízo valorativo sobre a necessidade da aplicação das medidas e da sua subsidiariedade, se faça sempre em função das capacidades e possibilidades da pessoa em concreto.
2. Estando a Beneficiaria afetada com uma doença psiquiátrica com uma incapacidade de 60%, só conseguindo realizar tarefas básicas e assentes numa rotina, e porque a doença se encontra estabilizada pela toma de medicação e porque tem tido apoio dos cuidadores informais, de idade já avançada, o superior interesse da Beneficiária, que revelou interesse no seu decretamento e deu a sua autorização, justifica o decretamento de medidas de acompanhamento adequadas e necessárias a suprir as limitações da capacidade para reger de forma plena a sua pessoa e bens, carecendo da proteção jurídica que lhe advirá da procedência da ação.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 3137/23.4T8STR.E1 (Apelação)
Tribunal recorrido: TJ C... – ... – J...
Apelante: Ministério Público
Apelada: AA
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO intentou ação especial de acompanhamento de maior, pedindo que seja decretado o acompanhamento, por razões de saúde mental, de AA, nascida em ../../1972, aplicando-se à mesma as medidas de representação especial e de administração total de bens, de acordo com o artigo 145.º, n.º 2, alíneas b), in fine, e c), do Código Civil (CC), mantendo, no entanto, a prática dos atos da vida corrente, com gestão supervisionada pelo acompanhante de pequenas quantias monetárias destinadas a pequenos gastos diários, em obediência ao disposto no artigo 147.º, n.º 1, do CC.

Para fundamentar o pedido, alegou, em síntese apertada, que, aos 30 anos de idade, a Beneficiária foi diagnosticada como tendo uma psicose, de evolução prolongada, tendo-lhe sido atribuída uma incapacidade de 60%.
É seguida, desde setembro de 2104, em consulta externa no Serviço de Psiquiatria do Hospital Distrital de Santarém, encontrando-se estabilizada do ponto de vista psicopatológico com a terapêutica psicofarmacológica prescrita.
Porém, a doença de que padece é crónica e irreversível e limita-a na sua capacidade de reger a sua pessoa e bens, de forma definitiva, conseguindo apenas realizar pequenas tarefas diárias como cozinhar, vestir-se e realizar a sua higiene pessoal e habitacional.

Foi nomeada defensora oficiosa à Beneficiária, que apresentou contestação, sem, contudo, alegar factualidade que coloque em causa o alegado na p.i.
Foi ouvida a Beneficiária e tomadas declarações a BB (seu pai e pessoa proposta para acompanhante).

Foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo a Beneficiária do pedido.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
1º- ) Nos presentes autos foi requerido o acompanhamento de AA, de 51 anos de idade, por razões de saúde mental, peticionando-se, designadamente, que seja decretado o seu acompanhamento, sob o regime de representação especial, com administração total de bens, mantendo a prática de actos da vida corrente, com gestão supervisionada pelo acompanhante de pequenas quantias monetárias destinadas a pequenos gastos diários.
2º) Encontra-se documentado que a Beneficiária é acompanhada desde setembro de 2014 em consulta externa do Serviço de Psiquiatria do Hospital Distrital de Santarém apresentando diagnóstico de psicose, de evolução prolongada. Actualmente encontra-se estabilizada do ponto de vista psicopatológico com a terapêutica psicofarmacológica prescrita e que em consequência da doença de que padece foi reconhecida à Beneficiária uma incapacidade de 60% conforme atestado médico multiusos- doc.s 2 e 3 juntos com a PI e elencados na matéria provada.
3º) Encontra-se ainda documentado, em relatório de exame pericial solicitado ao IML e realizado por médica psiquiatra, que a Beneficiária, cognitivamente, padece de defeito cognitivo ligeiro a moderado, encontra-se com ligeira diminuição da capacidade para formular um juízo fundamentado e expressar devidamente a sua vontade com base nessa avaliação e reconhece a necessidade de ajuda para gerir os seus bens patrimoniais e que, em conclusão, “A examinanda sofre de Psicose, de carácter crónico e irreversível, que a limita na sua capacidade de reger autonomamente a sua pessoa e bens de forma definitiva, cumprindo assim os pressupostos médico legais para o regime de Acompanhamento de Maior por anomalia psíquica e beneficiando da nomeação de um acompanhante (…).
4º- Conclui-se ainda neste relatório apresentado pelo IML que a Beneficiária não tem necessidade de ser representada em todos os actos da vida corrente mas não tem capacidade de gestão e administração total de bens, conseguindo gerir apenas pequenas quantias para assegurar as suas necessidades básicas, não tem capacidade para casar ou constituir união, não tem capacidade para o exercício de responsabilidades parentais, não tem capacidade para perfilhar ou adotar, não tem capacidade para exercer profissão e tem dificuldades de desempenho mas tem capacidade para se deslocar em distâncias curtas e em localidades conhecidas, mas necessita de acompanhamento para se deslocar em longas distâncias, no país ou no estrangeiro; não tem capacidade para fixar domicilio ou residência autonomamente, tem capacidade reduzida de testar pela diminuída capacidade de juízo critico.
5º-) Encontra-se ainda documentado, por relatório social junto como documento nº ..., que a Beneficiária reside com os seus progenitores e que se encontra “dependente do suporte familiar por parte dos progenitores, após diagnóstico de doença psiquiátrica”- documento nº ..., pag. 2, , isto apesar de assumir “tarefas domésticas diárias” (1º paragrafo de fls. 3) registando-se ainda que a progenitora “recorreu várias vezes ao atendimento social da equipa do Serviço de Atendimento e Acompanhamento social da Santa Casa da Misericórdia de ... por razões económicas, mas na presente data a grande preocupação é a sua filha, porque não a conseguem representar na gestão dos seus rendimentos ou emqualquertipo de decisão ao níveldasaúde”. Mais se diz nesse relatório social que “No interior da sua habitação e na realização das suas atividadesdiárias ou para apoio nahigienehabitacionale confeção de alimentos apresenta competências pessoais, contudo não mantem relacionamento social e tem comportamentos infantilizados”. (bold nosso).
6º) Para além da prova documental junta com a Petição inicial da qual sobressaem os documentos supra referenciados bem como o seu conteúdo, cuja credibilidade não foi afastada na sentença recorrida, foram tomadas declarações à Beneficiária e ao indicado acompanhante, seu pai BB, de cujas declarações resulta matéria diferente da que foi dada como provada, designadamente, quanto aos pontos 14, 16 19 a 23, 30, 34 e 38.
7º) A mera leitura do elenco dos factos provados poderia sugerir, numa visão mais ligeira, a desnecessidade de acompanhamento e, designadamente, quanto aos pontos 14, 16 19 a 23, 30, 34 e 38 onde consta que a Beneficiária “desloca-se forma autónoma a consultas médicas que lhe são agendadas”; “Procede à toma da medicação que lhe é prescrita sem necessidade de supervisão”; e “dirige-se de forma autónoma a instituições pública, praticando junto destas todos os actos de forma própria”, deve constar, respectivamente, que a Beneficiária: “desloca-se sob orientação às consultas médicas que lhe são agendadas, na área da psiquiatria, sendo sempre acompanhada pela mãe nas demais consultas com a médica de família”; “apenas acompanhada ou repetidamente ensinada se desloca a instituições publicas a fim de obter respostas a questões que coloca” e ainda que “por regra procede à toma da medicação que lhe é prescrita de forma autónoma, apesar de supervisionada”.
8º) Designadamente, no ponto 14 dá-se como provado que a Beneficiária “Desloca-se sozinha às consultas que lhe são agendadas, recorrendo para o efeito a transporte público (…) sendo que ao momento 07.58 da sessão de 31.05.2024 perguntada se vai sozinha ao médico responde “vou com a minha mãe” (…) se bem que depois de referir que também vai a consultas de psiquiatria, de seis em seis meses, novamente questionada responde se vai com a mãe responde “não, não, vou sozinha (..) às vezes vou com a minha mãe vou de transportes” (momento 08.30).
9º ) Nos termos constantes da conclusão 7º), ao minuto 25.45 da mesma sessão, respondendo à pergunta onde precisa de ir com o pai volta a dizer “ para ir a uma repartição de finanças ou qualquer médico (…) ao médico vou com a mãe (…) (Juiz): “mas há pouco disse que ia sozinha.” Responde a Beneficiária, ao minuto 26.09: “eu normalmente ao médico vou com a minha mãe mas não é ao médico psiquiatra, é ao médico de família”. Perguntada se é porque se sente mais confortável respondeu afirmativamente.
10º ) Ainda nos termos da conclusão 7º), perguntada ao momento 13.46 da mesma sessão de 31.01.2024 como faz para renovar o cartão de cidadão responde que “vai a uma loja de cidadão”. Perguntada se vai sozinha, diz que “vai com a mãe ou com o pai”, que “vai de carro”. Perguntada se vão consigo à repartição respondeu que “não, acho que não, olhe já nem me lembro, acho que não”. (momentos 13.46 a 14.05).
11º) e, nos mesmo termos, perguntada como se fazia se tivesse de ir a alguma repartição de finanças disse que “chegava lá….” Concluindo não saber onde é, que nunca lá foi mas se calhar foi, já não se lembra – momentos 14.30 a 15.57.
12º) Quanto ao ponto 16 da matéria provada, perguntada sobre a sua saúde respondeu ao momento 19.30 da mesma sessão “ai, como é que aquilo e chama, “ao que a Sra Juiz responde :”uma psicose”- momento 19.30. Quanto à toma da medicação disse “tem de ser a mãe a lembrar-me” para logo acrescentar “mas ela às vezes até me lembra, é muito raro esquecer-me de tomar os medicamentos ultimamente”- momentos 19.45 a 20.13. ao momento 09.22 perguntada se toma a medicação por “vontade própria” disse que sim.
13º) Também os pontos 19,2 1 1 23, 26, 35 e 38, especificamente, da matéria provada, carecem de alteração, pois perguntada sobre quem gere a sua conta bancária responde, ao minuto 05.26: “sou eu e o meu pai” Ao minuto 05.44 é perguntada “Tem conta bancaria? Faz levantamentos ou pagamentos? “responde aos minutos 05.44 a 05.58 “ Fiz uma ou duas vezes, mas acho que não.” Perguntada se não faz por opção ou se não gosta de manejar o cartão, responde “não tem calhado”. Prossegue referindo que vai às compras com o pai e que é ele que faz os pagamentos, referindo, ao momento 06.23, que “é ele que usa o multibanco, Já usei uma vez para experimentar. (juiz) e não se adaptou? Não, foi só para experimentar” (minutos 06.23 a 06.59). Perguntada e nunca disse ao pai: agora quero ser eu a pagar, respondeu ao minuto 07,31 “Por acaso nunca disse”, pelo que não pode resultar provado que gere sozinha a sua pensão.
14º) Ainda sustentando a conclusão 7º) cite-se que dos minutos 13.51 a 14.30, perguntada sobre o que fazia para renovar o cartão de cidadão, respondeu :” vou à loja do cidadão” Perguntada se vai sozinha, respondeu “vou com a mãe ou com o pai”. Perguntada se depois vão consigo à repartição de finanças respondeu “Não. Mais ou menos. Olhe, já não me lembro”.
15º) E, igualmente, quanto à gestão da sua pensão e administração do dinheiro, ao minuto 24.33 perguntada se vai sozinha às compras responde que “vai com a mãe e o pai à feira comprar roupa” e que “às vezes vai sozinha, quando vai ao psiquiatra” e que numa loja perto do hospital compra “sapatos para usar em casa, guarda chuva ou roupa interior ou mata moscas”, do que se retira que sozinha não é autónoma nas compras normais, apenas em pequenos gastos.
16º) Ainda fundamentando a conclusão 7º) ao minuto 25.04, perante a insistência de “em que precisa que o seu pai a ajude” responde que “para ir a uma repartição de finanças ou qualquer medico. Médico vou com a minha mãe.”. Confrontada pela Srª Juiz que lhe diz “mas há pouco disse que ia sozinha” responde, ao minuto 26.09: “eu normalmente ao médico vou com a minha mãe mas não é ao medico psiquiatra é ao medico de família”.
17º) Perguntada ao minuto 26.54 se existe mais alguma área em que necessite de ajuda responde “ Talvez as compras. Mas a compras eu normalmente faço sozinha”. Ao minuto39.10, questionada “se o tribunal chegasse à conclusão de que a senhora precisava de alguém “ respondeu: “ eu preferia” (m 34.15).
18º ) A indicada alteração da matéria de facto a que se refere a conclusão 7º), suporta-se ainda no depoimento prestado pelo pai da Beneficiária, que, na mesma sessão de 31.05.2024, ao minuto 44.52, questionado sobre que dificuldades entende que a sua filha tem resultantes da doença, responde (minutos 45.11 a 45.38) que “ ela necessita porque ela não é autónoma para fazer decisões em relação a ela própria (…) não sei bem explicar, mas em relação a fazer uma compra especial ou qualquer coisa . (…)
19º ) E ainda ao minuto 46.06, perguntado sobre que problemas já se deparou por causa disso, por exemplo banco ou reformas, respondeu “ Todas essas coisas que a Senhora Doutora disse”. Ao minuto 46.28 especificou que “ela não faz tarefas que não esteja já habituada anteriormente” e ao minuto 47.15 disse que “eu abri uma conta para ela mas ela ainda não se habitou a fazer depósitos, el guarda com ela, tem no quarto dela (…) faz poucas ou nenhumas compras pessoais.
20º)Bemaindacomo ao minuto47.58disse“Elaviveinteiramenteàsnossacusta” e do 48.18 ao 48.21 referiu “ a nossa preocupação maior é que amanhã quando eu não estiver cá, mais que eu já tenho 83 anos e a minha mulher tem 76 para 77, é que ela tenha realmente uma orientação de alguém que a ampare” e ainda ao Minuto 48.59, disse que “eutenho de administrar relativamente àquilo que ela ainda não se habituou ainda a fazer”
21º) Na mesma fundamentação da conclusão 7ª), aos minutos 49.09 perguntado pela Srª Juiz se fica com o dinheiro em casa responde que “ela ainda não se habituou a depositar mesmo para abrir conta eu fui com ela”. Perguntado se ela seria capaz de fazer depósitos respondeu, ao minuto 50.47: Não tenho a certeza” e aos minutos 51.59 a 52.14 perguntado se a filha iria a uma consulta a Lisboa respondeu “ A Lisboa que é um sítio desconhecido para ela não sei se ela ia lá mas aqui em Santarém já ia”. Ao minuto 52.44 a Mmª Juiz pergunta: “Tudo o que ela está rotinada faz sozinha, quando sai dessa rotina é que tem de ser ajudada, é isso? Minuto 53.05: “Claro que sim, Em assuntos que transcendem o que é habitual”,
22º) Ainda suportando a conclusão 7º, diga-se que aos minutos 53.19 e 53.35, a Mmª Juiz volta a perguntar o que é que ela não consegue fazer” e a resposta é “ eu não sei o que pode acontecer amanhã. Naquilo que é habitual nós estamos confortáveis com ela. Naquilo que não é habitual não estamos confortáveis” e à pergunta “então porque é que recorreu a este processo?” responde, aos minutos 53.56 a 56.14: “Olhe Srª Drª, porque foi, como hei-de dizer, deram-me indicações nesse sentido (…) Foi por exemplo nas finanças (…) eu fui saber oque é que havia de fazer com uma filha eu tinha nestas condições. A filha não é autónoma, se fosse autónoma (…) fui perguntar o que é que tinha de fazer para fazer parte do agregado familiar porque quando fez 18anos deixei de a integrar no meu agregado familiar”.
23º) De todo o exposto e do demais que consta das audições e documentos, resulta evidente que não estamos perante uma pessoa autónoma, de discurso escorreito e fluente adequado àsuaidade, que consiga, semorientação ou supervisão de terceiros resolver a sua vida, antes revelando discurso “infantilizado”, como indicado na petição inicial, e contrariado na fundamentação exarada em sentença.
24º) Muito menos se aceita como facto provado que tenha conseguido só por si “reunir todos os elementos necessários designadamente junto da Segurança Social” pelo que o ponto 39 da matéria provada deve ser dado como não provado, por ausência de prova nesse sentido sendo que relativamente ao 34 tanto a Beneficiária como o seu pai referiram tratar-se de um subsidio pela incapacidade mas faz-se contar no elenco dos factos provados, sem qualquer suporte testemunhal ou documental, que é uma prestação social para a inclusão.
25º) A título meramente exemplificativo da capacitação certamente involuntária que na sentença se faz das capacidades da Beneficiária, note-se que no ponto 30 da matéria provada pode ler-se que“Dedicao seu tempo à leitura, o que a preenche” mas, na verdade, a Beneficiária limitou-se a responder que gosta “de ler a Bíblia e outros livros relacionados com a sua religião”, o que só por si nos parece insuficiente para se concluir que “dedica o seu tempo livre à leitura, que a preenche”, afirmação que sugere um leque vasto de cultura literária que, no caso, não corresponde ao que foi dito.- cfr. momento 3.20 a 3.30, da sessão de 31.01.2024, pelo que também esse ponto 30 se impugna, antes devendo contar, em seu lugar, que “dedica o seu tempo livre à leitura da Bíblia e outros livros da sua religião”.
26º) Tendo presente toda a prova documental e ainda a audição da Beneficiária e declarações prestadas por seu pai, os pontos 16, 19, 20, na sua parte final, 21 a 23, e 27 a 30, 34, 35 e 38 não poderiam ter sido dados como provados da forma como o foram mas sim como indicado nas conclusões 7º, 24º e 25º, bem como deveriam ter sido dados como provados os factos alegados nos artº 5º, 6º a 9º e 11º, todos do requerimento inicial.
27º ) Dir-se-á, ainda, sempre com o devido respeito, que é ao Tribunal que cabe compreender quais as incapacidades verificadas e a forma de as suprir, não sendo exigível que seja o próprio requerido a reconhecer as suas dificuldades e apresentar soluções para elas.
28º) Evidencia-se, assim, a necessidade de acompanhamento, que aliás não é negada pela sentença recorrida porquanto a mesma se fundamenta apenas no entendimento de que os deveres de cooperação e solidariedade são suficientes para suprir as necessidades da Beneficiária, afirmando não vislumbrar que medidas de acompanhamento aplicar.
29º) Do exposto resulta que se justifica o acompanhamento da Beneficiária, sob o regime da representação especial, não só na área da administração de bens, com restrição do direito de celebração de contratos, como também na vertente de acompanhamento para contactos com entidades públicas e administrativas, bem ainda como no toca aos cuidados de saúde.
30º)Importa ainda notar que a referência final que a douta sentença recorrida inclui no que respeita à motivação que se refere ter sido utilizada para recorrer a este processo, designadamente a menção de que se destinaria ao suprimento de obstáculos resultantes da inspeção tributária e aduaneira, evidencia, ao contrário do decidido, a necessidade do reconhecimento judicial do acompanhamento que vem peticionado.
31º) Na verdade, nos termos do disposto no artº 13º do Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (CIRS) são considerados DEPENDENTES PARA EFEITOS DE IRS, para além do mais, “os filhos, adotados, enteados e sujeitos a tutela, maiores, inaptos para o trabalho e para angariar meios de subsistência (…).
32ª) pelo que a Beneficiária carece do reconhecimento judicial da sua incapacidade como forma de exercer o seu direito a ver reconhecida a sua integração no agregado familiar dos pais, para efeitos fiscais, situação que corresponde à verdade dos factos.
33º) Recusar a declaração de reconhecimento da necessidade de acompanhamento quando se mostram verificados os pressupostos necessários à procedência da ação, mercê das incapacidades evidentes da Beneficiária, será o mesmo que negar um direito que lhe assiste sendo que o instituto do maior acompanhado visa, justamente, suprir incapacidades no que respeita não só ao cumprimento de deveres cívicos como também essencialmente, permitir ao Beneficiário o exercício de Direitos que lhe assistem.
34º) É seguro que a Beneficiária reúne todos os requisitos necessários a que seja decretado o acompanhamento de maior, mostrando-se inequivocamente provado, pela vertente positiva, a incapacidade de a Beneficiária, sozinha, ser capaz de subsistir sem alguém que a substitua nas suas decisões
35º) Por outro lado, mostram-se igualmente verificados os pressupostos do acompanhamento na sua vertente negativa, por se evidenciar, inclusive na matéria que a própria sentença dá como provada, que a Beneficiária não consegue exercer o seu direito de ser reconhecida perante a Autoridade Tributária e para efeitos fiscais como elemento integrante do agregado familiar dos progenitores.
36º) Está demonstrado, como na própria sentença se reconhece, que a Beneficiária não pode viver sozinha, estando integrada de facto no agregado familiar dos pais que, pela sua avançada idade, já preveniram que na sua falta a Beneficiária passará a integrar o agregado familiar do irmão CC (facto 33).
37º) Inibir um agregado familiar débil, cujos rendimentos totalizados não atingem sequer o salário mínimo mensal, de aceder ao direito de ver reconhecido que a filha, com uma incapacidade de 60% não integra aquele agregado familiar, é contrariar os fundamentos do instituto de maior acompanhado que visa, na verdade, permitir que cidadão com incapacidade não seja privado do exercício dos seus direitos cívicos.
38º ) Deste modo, a douta decisão recorrida violou o disposto nos artº 140º, 143º e 145º do C. civil, que interpretou no sentido de que desde que as demais incapacidades se mostrem supridas pelos deveres de solidariedade e cooperação o acompanhamento de maior não deve ser decretado com vista à obtenção de um subsídio, sendo que tais normativos deveriam ter sido interpretados no sentido de que deve ser reconhecida a necessidade de acompanhamento quando este se mostra necessário ao exercício de um direito, ainda que seja para obtenção de um subsídio ou vantagem concedida pela autoridade tributária, só concedida cidadãos com deficiência integrados em determinado agregado familiar.- acórdão TRE, proferido no processo 3192/21.1T8STR.
39º) In casu, encontram-se verificados todos os pressupostos de que depende a procedência da acção pelo que deve a douta sentença recorrida ser revogada, determinando o acompanhamento da Beneficiária, sob o regime da representação especial, com administração total de bens, sem prejuízo de manter pequenas quantias na ordem dos 30 euros semanais para pequenos gastos, bem como deve beneficiar da proibição de celebração de contratos e fixação de domicilio sem autorização do acompanhante, fixando-se o inicio da incapacidade na idade adulta de 30 anos.
40º)Maissediráque,independentementedetalnãotersidorequeridoinicialmente pelo Ministério Público, a natureza híbrida do processo de Acompanhamento de Maior consagrada no artº 891º do C. Processo Civil não só permite como impõe ao Juiz o dever de, ao momento da prolação dasentença,aplicar as medidas que efectivamente se revelam necessárias, naquele momento.
41º) Pelo que, face á matéria que se entende dever ser dada como provada, mais se acrescenta que para além do requerido em sede de petição inicial deverá ainda ser decretado o acompanhamento no que respeita a questões de saúde, na vertente de aconselhamento e supervisão no que respeita a cuidados de saúde, bem como nas repartições públicas, entidades administrativas e agências bancárias, para além da já peticionada representação na administração de bens.»

Não foi apresentada resposta ao recurso.
Foram colhidos os vistos.

II- OBJETO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), as questões a decidir no recurso são as seguintes:
- Impugnação da decisão de facto;
- Se deve ser revogada a sentença, aplicando-se à Beneficiária as requeridas medidas de acompanhamento.

III- OS FACTOS
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto (com as alterações introduzidas na sequência da apreciação da decisão de facto, que são mencionadas no lugar próprio):
A- FACTOS PROVADOS
1) AA, nascida em ../../1972, solteira, é filha de BB e de DD.

2) A Beneficiária vive com os pais na residência destes, sita na Rua ..., em ....

3) A Beneficiária frequentou o ensino regular, tendo ingressado no ensino superior em idade própria, na Universidade de Aveiro, no curso de Matemática, tendo, posteriormente, pedido transferência para a Universidade de Coimbra, mas não conseguiu equivalência às disciplinas que havia obtido aprovação.

4) Na Universidade de Coimbra não concluiu qualquer disciplina.

5) Após, submeteu-se novamente a exames, ingressando no curso de engenharia industrial, no Instituto Politécnico de Castelo Branco, tendo realizado algumas disciplinas, mas não completou a licenciatura.

6) A mudança continua de Universidade acompanhou a frequente alteração de residência dos pais, fruto sobretudo do ministério religioso desempenhado pelo pai.

7) A Beneficiária frequentou ainda curso básico de informática.

8) Assim como realizou exame teórico e prático para obtenção de licença de condução, o que logrou, mas não conduz.

9) Trabalhou cerca de um mês numa fábrica de loiças nas Caldas da Rainha.

10) A Beneficiária apresenta, desde o início da idade adulta, por volta dos 30 anos de idade, patologia psiquiátrica compatível com diagnóstico de psicose.

11) Em virtude do referido diagnóstico, é seguida, desde Setembro de 2014, em consulta externa do Serviço de Psiquiatria do Hospital Distrital de Santarém.

12) Encontra-se estabilizada do ponto de vista psicopatológico com a terapêutica psicofarmacológica prescrita.

13) Em virtude da referida patologia, foi atribuída à Beneficiária incapacidade permanente global, fixada em 60%, conforme Atestado Médico de Incapacidade Multiuso e que, de acordo com a TNI (Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23-10), integrou a deficiência da Beneficiária no Grau IV aplicável a «Perturbações funcionais importantes, com acentuada modificação dos padrões de actividade diária (*) ... 0,26-0,60.»

14) Desloca-se sozinha às consultas que lhe são agendadas, recorrendo para o efeito a transporte público, adquirindo bilhete de ida e volta da localidade onde reside até Santarém. [Alterada a redação por procedência parcial da impugnação da decisão de facto para: «Desloca-se sozinha às consultas de psiquiatria que lhe são agendadas, recorrendo para o efeito a transporte público, adquirindo bilhete de ida e volta da localidade onde reside até Santarém e desloca-se acompanhada pela mãe às consultas da médica de família.»]

15) A própria anota as datas da consulta e, se necessário, procede de forma própria a contacto para reagendamento da consulta.

16) Procede à toma diária de medicação, o que faz de forma autónoma, consciente, disciplinada e sem supervisão.

17) Tem noção da patologia que lhe foi diagnosticada e das suas consequências.

18) Executa diariamente as tarefas domésticas, como seja cozinhar, higienizar a habitação e tratamento de roupas, o que faz de forma autónoma e sem necessidade de prévia ordem ou orientação.

19) Assim como efectua de forma independente compras destinadas essencialmente à economia doméstica, realizando o pagamento com dinheiro.

20) É o pai da Beneficiária que, na sua maioria das vezes, a transporta às compras, o que faz em virtude da distância a que se situam os supermercados e por facilidade de transporte das compras.

21) AA não recorre a pagamentos por meio de cartão multibanco por falta de hábito na sua utilização.

22) Tem conta aberta em estabelecimento bancário, mas ainda não realizou quaisquer operações bancárias, também por falta de hábito na sua utilização.

23) É a própria que providencia pela renovação do seu cartão de cidadão.

24) Mostra-se orientada no tempo e no espaço.

25) Sabe identificar-se de forma completa.

26) Apresenta discurso espontâneo, coerente, organizado e em volume e débito normais.

27) Reconhece o dinheiro e o seu valor intrínseco.

28) Efectua cálculos mentais acertados e rápidos.

29) Tem conhecimento dos assuntos que dominam a actualidade nacional e internacional, ainda que os programas de informação e os meios de comunicação social não lhe despertem muito interesse.

30) Dedica o seu tempo livre à leitura, o que a preenche.

31) Aos fins-de-semana vai à igreja conjuntamente com os pais.

32) A Beneficiária sente satisfação no modo simples como vivencia os seus dias.

33) Reconhece que a ausência dos pais a pode afectar, mas assume que no seio familiar está acordado que nessa circunstância passará a viver com um dos irmãos, o CC.

34) Aufere, desde Novembro de 2023, prestação social para a inclusão, no montante mensal de €321,54.

35) É a própria a deslocar-se aos CTT para proceder ao levantamento dessa quantia, que utiliza para adquirir alguns bens para uso pessoal e o restante guarda em casa.

36) Além da referida pensão, apenas detém como seu um órgão e pequenos objectos no seu quarto.

37) O pai da Beneficiária diligenciou pelo processo de maior acompanhado por ter sido a isso aconselhado nos serviços de finanças.

38) Para o efeito, foi a própria Beneficiária de forma própria a reunir todos os elementos necessários designadamente junto do Instituto da Segurança Social.[Eliminado por procedência da impugnação da decisão de facto]

39) A Beneficiária não possui testamento vital ou procuração para cuidados de saúde.

40) BB, pai da Beneficiária, não apresenta condenações averbadas no seu Certificado de Registo Criminal.

41) BB e CC, são irmãos da Beneficiária.

B- FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultam por provar quaisquer outros factos com pertinência para a decisão da causa.

IV- CONHECIMENTO DAS QUESTÕES COLOCADAS NO RECURSO
1. Impugnação da decisão de facto
Na Conclusão 26, o recorrente sintetiza qual a matéria de facto que impugna, mencionando que se reporta aos «(…) os pontos 16, 19, 20, na sua parte final, 21 a 23, e 27 a 30, 34, 35 e 38 [que] não poderiam ter sido dados como provados da forma como o foram mas sim como indicado nas conclusões 7º, 24º e 25º, bem como deveriam ter sido dados como provados os factos alegados nos artº 5º, 6º a 9º e 11º, todos do requerimento inicial».
Ao longo das Conclusões 1 a 26 expressa e fundamenta o desacordo com o decidido, justificando-o nas declarações prestadas pela Beneficiária e pelo indicado acompanhante, referindo-se, ainda, aos documentos juntos aos autos.
Ainda que nem sempre de forma clara e completa (como infra melhor se dirá) indica a decisão que deveria ter sido tomada.
Assim sendo, passamos à análise da impugnação da decisão de facto, considerando que compete à Relação no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do CPC, desde que preenchidos os requisitos do artigo 640.º do mesmo Código quando a prova tenha sido gravada, reapreciar a decisão de facto, em ordem a formar uma convicção própria com base na análise global e crítica da prova carreada para os autos, aferindo da correta valoração dos meios de prova produzidos e dos respetivos ónus de prova, tendo em conta a fundamentação da decisão de facto, bem como as razões da discordância invocadas pelo impugnante.

Facto provado 14

«Desloca-se sozinha às consultas que lhe são agendadas, recorrendo para o efeito a transporte público, adquirindo bilhete de ida e volta da localidade onde reside até Santarém.»

Pretende o recorrente que seja alterada a redação para: «desloca-se sob orientação às consultas médicas que lhe são agendadas, na área da psiquiatria, sendo sempre acompanhada pela mãe nas demais consultas com a médica de família.»
Para fundamentar a impugnação invoca as declarações da Beneficiária no sentido da alteração pretendida dizendo que a mesma tal afirmou nas suas declarações.
Na fundamentação da decisão de facto sobre esta matéria, consta o seguinte:
«(…) considerou-se as declarações da Beneficiária AA, que, de forma objetiva, escorreita e compreensível (…) Falou (…) da regularidade das consultas, onde se desloca sozinha, tomando o autocarro de ida e volta da localidade onde reside até ao hospital.»
E em relação ao depoimento de BB, pai da Beneficiária, consta da mesma no que concerne a esta matéria:
«Confirmou que a filha vai sozinha às consultas (…).»
«O seu depoimento em nada contrariou as declarações prestadas pela Beneficiária, ao invés, corroboraram-se entre si: escorreitas na forma e sérias e objectivas no conteúdo.»

Na apreciação da impugnação, dir-se-á que é patente que a redação do facto provado 14 se reporta tão só às deslocações da Beneficiária em relação às consultas de psiquiatria que têm lugar no Hospital Distrital de Santarém e não a outras consultas médicas, realizadas noutro local, aditamento que o recorrente pretende agora ver aditado.
A Beneficiária, efetivamente, precisou que às consultas com a médica de família vai acompanhada pela mãe, pelo que o requerido aditamento tem razão de ser.
O que não pode ser aditado é o segmento «sob orientação».
Mesmo que se tivesse tal expressão como factual, que não é, pois evidencia um juízo conclusivo, também tal não resultou minimamente provado.
Desde logo, porque em relação às consultas de psiquiatria é notório que indo sozinha, em transportes públicos, adquirindo bilhete de ida e volta, desde a sua residência até Santarém (fazendo até uma compras pessoais de permeio, como disse a Beneficiária), não se pode considerar que essa deslocação se faça «sob orientação»; depois, porque em relação às consultas do médico de família, o facto de ir acompanhada, só por si, nada significa, pois assim pode ser por uma variedade de situações que não foram concretamente apuradas.
Aliás, o pai disse que a filha ia ao médico de família só quando estava doente e que ia com a mãe, inferindo-se, em face das regras da experiência comum, que a razão de ir acompanhada pode muito bem estar relacionada com essa circunstância.
Em suma, procede em parte a impugnação, alterando-se a redação do ponto 14 dos factos provados, que passa a ter a seguinte redação:
«Desloca-se sozinha às consultas de psiquiatria que lhe são agendadas, recorrendo para o efeito a transporte público, adquirindo bilhete de ida e volta da localidade onde reside até Santarém e desloca-se acompanhada pela mãe às consultas da médica de família.»

Facto provado 16:
«Procede à toma diária de medicação, o que faz de forma autónoma, consciente, disciplinada e sem supervisão.»
Pretende o recorrente que a redação deste facto seja alterada para: «por regra procede à toma de medicação que lhe é prescrita de forma autónoma, apesar de supervisionada.»
Para fundamentar a impugnação invoca as declarações da Beneficiária no sentido da alteração pretendida, porquanto disse que, ora, é a mãe que tem de a lembrar, ora, disse que, às vezes, a mãe lembra-a; ora, que ultimamente é muito raro esquecer-se de tomar os medicamentos.
Na fundamentação da decisão de facto sobre esta matéria, consta o seguinte:
A Beneficiária «Falou sem pejo sobre a doença, a medicação que toma (…).
Ouvidas as declarações da Beneficiária, ficou perfeitamente claro que é a mesma que assume a responsabilidade pela toma da medicação e que o faz de forma autónoma, aliás, como o recorrente aceita ao não pretender alterar esse segmento fático da redação do ponto impugnado.
O facto de, alguma vezes, a mãe lhe lembrar a toma da medicação, como a Beneficiária reconheceu, não significa que haja a tal «supervisão» que o recorrente invoca e que inculca a ideia que a Beneficiária não se encontra capaz de assumir essa responsabilidade e de agir em conformidade tomando a medicação pela sua própria iniciativa e de forma que a mesma controla.
Não evidenciando as declarações da Beneficiária que assim seja, improcede a impugnação em relação a este ponto 16, cuja redação se mantém.

Factos provados 19 a 23
«19) Assim como efectua de forma independente compras destinadas essencialmente à economia doméstica, realizando o pagamento com dinheiro.»

«20) É o pai da Beneficiária que, na sua maioria das vezes, a transporta às compras, o que faz em virtude da distância a que se situam os supermercados e por facilidade de transporte das compras.»

«21) AA não recorre a pagamentos por meio de cartão multibanco por falta de hábito na sua utilização.»

«22) Tem conta aberta em estabelecimento bancário, mas ainda não realizou quaisquer operações bancárias, também por falta de hábito na sua utilização.»

«23) É a própria que providencia pela renovação do seu cartão de cidadão. »

Decorre do teor destes pontos de facto que estão em causa três grupos de matérias: (i) a relacionada com a forma de pagamento, usando dinheiro para fazer compras e não o multibanco, apesar de ter conta bancária; (ii) a deslocação para fazer compras, mormente a supermercados; (iii) renovação do cartão de cidadão.
Em relação a estas matérias, o recorrente não concretiza em que termos deve a sua redação ser alterada, pois limita-se a referir genericamente na Conclusão 26, a par dos demais pontos impugnados, que «não deveriam ter sido dado como provados como o foram mas sim como indicado nas conclusões 7º, 24º e 25.º», tendo na Conclusão 7 referenciado que deve constar «apenas acompanhada ou repetidamente ensinada se desloca a instituições públicas a fim de obter respostas a questões que coloca», sem concretizar em relação a qual facto ou factos provados se propõe a inclusão deste segmento, porquanto esta Conclusão se reporta a todos os factos impugnados, dos quais há apenas que excetuar a redação dos pontos 14 e 16 por ser percetível que as demais alterações de redação propostas se referem a estes pontos (como acima já analisado).
Percebe-se do alinhamento da alegação recursória que o recorrente pretende questionar que se dê como provado que a Beneficiária faz compras de forma independente utilizando como forma de pagamento apenas dinheiro, por opção, e não por não conseguir usar o cartão bancário e que a sua interação com os locais onde realiza as compras (supermercados) e com outras instituições (como sucede com a renovação do cartão de cidadão) e entidades bancárias, seja feita de forma autónoma e sem a ajuda ou colaboração do pai ou da mãe.
As Conclusões 9.º, 10.º, 11.º, 13.º a 23.º evidenciam esse raciocínio que culmina com o escrito na Conclusão 23.º onde ficou expressamente dito que o recorrente entende que «não estamos perante uma pessoa autónoma, de discurso escorreito e fluente adequado à sua idade, que consiga, semorientação ou supervisão de terceiros resolver a sua vida, antes revelando discurso “infantilizado”, como indicado na petição inicial, e contrariado na fundamentação exarada em sentença.»
Todavia, a impugnação da decisão de facto para lograr ter êxito tem de especificar a concreta alteração pretendida em relação a cada facto impugnado (ou grupo de factos se relacionados entre si) e não pode limitar-se a extratar determinados trechos dos depoimentos para depois proclamar de forma conclusiva o que entende ter resultado da prova sem que se refira concretamente ao que efetivamente ficou provado e ao que deve ser alterado.
Ainda assim, e por se nos afigurar que a impugnação tem como finalidade a alteração da factualidade dada como provada nos termos acima referidos, vejamos a fundamentação da decisão de facto sobre esta matéria.
Em relação às declarações da Beneficiária consta da fundamentação da decisão de facto:
«Apontou que as suas maiores dificuldades se centram na ida às compras porque necessita de ser transportada pelo pai, que a leva de carro para não carregar com as compras já que a própria apesar de ter carta de condução não conduz.

Questionada sobre a forma como faz a gestão do seu património, disse que, para além da pensão de invalidez que aufere desde Novembro de 2023, apenas possui um órgão e pequenos haveres no seu quarto; mas que é a própria que vai aos CTT levantar o dinheiro que recebe, porque lhe é remetido por vale postal, que gasta algum desse dinheiro, mas pouco, na aquisição de bens, como seja de higiene pessoal, e o restante guarda no quarto. Mais disse que tem cartão multibanco, mas não usa, nem faz uso da conta bancária de que é titular com o pai.» (…)

«Confrontada com situações hipotéticas para simulação de cálculos matemáticos, respondeu de forma acertada e célere.»

E em relação ao depoimento de BB mencionou:

«(…) a filha executa as lides domésticas, higieniza a habitação e roupas sem qualquer supervisão, ou prévia orientação; assim como afirmou que é a mesma efectuar para casa as compras do dia a dia, indo, por vezes, sozinha e nessas alturas faz o pagamento em dinheiro; mas, outras vezes, dada a distância que se situam os supermercados, o próprio leva-a de carro, deixando-a no local, ou vai com ela, e nessas vezes é o próprio que faz o pagamento. Referiu que a filha tem conta bancária e cartão multibanco, mas que não utiliza porque ainda não está habituada, necessitando o próprio de lhe dar mais motivação para o efeito.»

«(…) é a própria a tratar dos seus, dela, assuntos burocráticos, como seja a renovação do cartão de cidadão; a levantar a sua pensão, a qual destina a compras de pouca monta, produtos de higiene pessoal, e que o restante a filha guarda no quarto à sua maneira, referido que ela não tem necessidade de gastar muito porque é o próprio que suporta o pagamento de todas as suas necessidades.»

Ouvidas as declarações e depoimento referidos não vemos desacerto na fundamentação assim expressa uma vez que a mesma reproduz, de forma sintética, mas fiel, o que foi dito e o sentido em que o foi.
Acresce que a valoração crítica destes meios de prova, à luz das regras da experiência comum e da lógica, não nos merece qualquer censura, tendo-se formado convicção própria nesta sede de recurso de modo a secundar a convicção formada pela 1.ª instância.
Efetivamente, apesar da Beneficiária sofrer de uma doença psiquiátrica que lhe provoca uma incapacidade global de 60%, prestou declarações de forma muito serena e clara respondendo com desenvoltura a tudo o que lhe foi perguntado, evidenciando, compreensão das perguntas e assertividade nas respostas. A tudo conseguiu responder e quando não se lembrava, dizia-o, dando explicações percetíveis e compreensíveis. Manifestou, inclusivamente, estar a par de assuntos relacionados com a atualidade, dizendo que via as notícias, sabendo dizer quem era o Presidente da República, o Primeiro Ministro, referindo que estava espantada com o que passava nos Açores e na Madeira e manifestou tristeza pelas guerras (referindo-se expressamente à guerra da Rússia/Ucrânia e de Israel/Hamas). E respondeu a algumas perguntas que exigem um raciocínio mais abstrato. Por exemplo, foi-lhe perguntado: se sabia o que era um contrato, ao que respondeu: é «uma espécie de uma aliança entre duas partes»; se sabia o que era um inventário, ao que respondeu «não»; o que era uma herança, ao que respondeu «o que se herda dos pais ou em testamento»; se sabia o que era uma letra de câmbio, ao que respondeu que era uma «grande quantidade de dinheiro».
Respondeu a uma questão que envolvia cálculo mental aritmético, tendo respondido de forma rápida e certeira.
Em relação à factualidade em causa nestes pontos de facto impugnados disse que era ela quem fazia a lista de compras e depois fazia as compras; que as pagava com dinheiro; que era o pai quem a levava de carro para fazer as compras no supermercado. Quanto ao uso de cartão bancário disse que fez um ou dois levantamentos e que não o usa porque «não tem calhado», dizendo, ainda, que se quisesse conseguia usar o cartão e que sabia o código.
Em relação à questão das compras no supermercado, o pai da Beneficiária corroborou o que disse a filha e até disse que, por vezes, deixava a filha sozinha no supermercado para fazer as compras; que era ela quem decidia o que comprar e que era a filha quem fazia as refeições. Também disse que ia com a filha às compras sobretudo por causa do transporte.
Quando ao uso do cartão bancário disse que tinha aberto uma conta em nome da filha e dele para depósito da pensão da filha, mas que a filha ainda não estava muito habituada a usar o cartão e que não o usava no pagamento das compras quando era ela a efetuar o pagamento, fazia-o em dinheiro.
Ora, estes depoimentos sustentam plenamente o que foi dado como provado nos pontos 19 a 22.
Quanto à renovação do cartão de cidadão (ponto 23 dos factos provados), a Beneficiária disse que ia à loja do cidadão com a mãe ou com o pai, mas que não era todos os dias que se renovava o cartão de cidadão; o pai disse que a renovação era na junta de freguesia.
Não se vislumbra, pois, que se possa inferir do facto da Beneficiária dizer que ia com a mãe ou com o pai que não seja a própria a providenciar pela renovação do cartão.
Nestes termos, em face destes meios de prova, entende-se que não existe qualquer erro de julgamento em relação aos pontos 19 a 23 dos factos provados, improcedendo a impugnação.

Facto provado 30
«Dedica o seu tempo livre à leitura, o que a preenche.»

Defende o recorrente que das declarações da Beneficiária resulta que apenas lê a Bíblia e outros livros da sua religião, devendo a redação deste ponto ser alterada para «dedica o seu tempo à leitura da Bíblia e outros livros da sua religião.»
Na fundamentação da decisão de facto sobre esta concreta questão, consta:
«Explicou também a sua vivência diária, considerando-se satisfeita na realização das tarefas domésticas, que realiza sem orientação prévia ou supervisão; assim como os seus tempos de leitura, que muito preza.»
Da audição das declarações da Beneficiária verifica-se que a mesma também disse que sabe ler e escrever; que tem o 12.º ano; que frequentou a universidade, tendo feito alguma cadeiras (9 ou 10 num curso; 7 noutro curso, ambos inacabados); que gosta de ler a Bíblia e outros livros relacionados com a sua religião.
Destas declarações o que ressalta é que a Beneficiária gosta de ler e tem hábitos de leitura, o que se encontra refletido na redação do ponto 23 dos factos provados.
Se a leitura versa apenas sobre livros religiosos, é absolutamente despiciendo para o que se discute nesta ação.
Por conseguinte, improcede a impugnação, mantendo incólume a redação do ponto 23 dos factos provados.

Facto provado 34
«Aufere, desde Novembro de 2023, prestação social para a inclusão, no montante mensal de €321,54.»

O recorrente insurge-se contra a redação deste facto provado dizendo que tanto a Beneficiária como o pai mencionaram que era um subsídio pela incapacidade, não existindo suporte documental que comprove que se trata de uma prestação social para a inclusão (Conclusão 24).
Ora, esta alegação surpreende, porquanto foi o ora recorrido que na p.i. alegou no artigo 18.º expressamente: «A Beneficiária requereu, a 7.9.2022, a Prestação Social para a Inclusão, no valor de 298,42€ (duzentos e noventa e oito euros e quarenta e dois cêntimos) – documento nº ....»
O documento em causa corresponde ao Relatório Social elaborado pela Segurança Social onde consta na parte referente à situação económica da Beneficiária, a menção ao referido subsídio e respetivo valor, em conformidade com o alegado.
O facto alegado não foi impugnado em sede de contestação, pelo que o mesmo, na parte coincidente com a alegação – tipo de subsídio - se encontra admitido por acordo (artigo 574.º, n.º 2, do CPC). Na parte do valor, o recorrido não deduz impugnação, pelo que nada há a alterar.
Assim, improcede a impugnação em relação ao ponto 34 dos factos provados.

Facto provado 38
«Para o efeito, foi a própria Beneficiária de forma própria a reunir todos os elementos necessários designadamente junto do Instituto da Segurança Social.»

O facto refere-se à documentação para dar início ao processo de maior acompanhado, por ser essa a factualidade inscrita no ponto antecedente.
Defende o recorrente que tal facto não pode ser dado como provado por ausência de prova nesse sentido.
Na fundamentação da decisão de facto, e em relação ao depoimento de BB, consta o seguinte:
«Questionado sobre o que o motivou a recorrer ao processo de maior acompanhado, respondeu, de forma perentória e em moldes idênticos à Beneficiária perante a mesma questão, que foi a isso aconselhado no serviços de finança porque pretende que a filha passe a constar em termos fiscais do seu agregado familiar, relatando que foi a própria filha a reunir toda a documentação necessária, como seja junto da Segurança Social, para instruir o processo.»

Ouvido o depoimento em causa, confirmou-se que o depoente mencionou que a razão da instauração do presente processo, a par da preocupação com o futuro da filha quando os pais já não estiverem, está relacionada com questões fiscais, referenciando o aconselhamento que lhe foi dado nas finanças; porém, em relação a ter sido a filha a ter tratado de toda a documentação, não se nos afigura que tenha tal sido dito desse modo. Efetivamente, a testemunha disse que seguiu o que lhe foi aconselhado e que seguiu as instruções que lhe foram dadas, mas não disse de forma, pelo menos clara e explicita, que foi a filha quem tratou da documentação nos termos que consta do ponto impugnado.

Por assim ser, procede a impugnação, eliminando-se dos factos provados o ponto 38.

Artigos 5º, 6º a 9º e 11º, da petição inicial

O recorrente menciona que deveriam ter sido dados como provados os factos alegados nestes artigos.

A impugnação não procede, pois, se bem percebemos esta alegação (que não tem qualquer concretização nem na motivação, nem nas Conclusões), a pretensão impugnatória visava incluir nos factos provados matéria conclusiva, insuscetível de ser incluída na decisão de facto, ou matéria que ficou não provada.

Assim, em relação ao artigo 5.º estará em causa o segmento em que se refere que a doença de que padece a Beneficiária (facto não impugnado) a limita na «sua capacidade de reger a sua pessoa e bens», o que tem caráter conclusivo.

O que igualmente sucede com o artigo 11.º, todo ele escrito de forma conclusiva.

Por sua vez, nos artigos 6.º a 9.º estará em causa a sua incapacidade para proceder aos atos ali referidos, o que resultou infirmado em face da prova produzida.

Enfatizando-se que os documentos médicos juntos se encontram sujeitos ao princípio da livre apreciação, apesar de provirem de quem tem especiais conhecimentos sobre a matéria (artigo 388.º e 389.º do CC).

Assim, se dos mesmos se pode extrair em termos probatórios, sem qualquer margem para dúvidas, a doença que acomete a Beneficiária e o grau de incapacidade, já em relação à necessidade de aplicação de medida(s) no âmbito destes autos, a conclusões ali vertidas, mormente no Relatório da Perícia Médico-Legal, Psicologia, têm de ser valoradas em face dos demais meios de prova juntos aos autos. O que sucedeu, nos termos explanados na fundamentação da decisão de facto, sem que tal mereça qualquer censura, sem prejuízo do acima decidido em relação à concreta impugnação daquela decisão de facto.

Em face do exposto, procede parcialmente a pretensão do recorrente quanto à alteração da matéria de facto nos pontos que se assinalaram, improcedendo quando ao demais invocado.
Oficiosamente, atento o disposto nos artigos 663.º, n.º 2, e 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, e porque se revela necessário para a boa decisão da causa ponderar o significado da atribuição do grau IV de incapacidade nos termos da TNI, que consta do Atestado Médico de Incapacidade Multiuso, adita-se ao ponto 13) dos factos provados o seguinte segmento: «conforme Atestado Médico de Incapacidade Multiuso e que, de acordo com a TNI (Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23-10), integrou a deficiência da Beneficiária no Grau IV aplicável a «Perturbações funcionais importantes, com acentuada modificação dos padrões de actividade diária (*) ... 0,26-0,60.»

2. Se deve ser revogada a sentença, aplicando-se à Beneficiária as requeridas medidas de acompanhamento.
O recorrente insurge-se contra a sentença recorrida alegando que a mesma violou os artigos 140.º, 143.º e 145.º do CC por ter considerado que os deveres de solidariedade e de cooperação familiar suprem as incapacidades da Beneficiária, negando a aplicação da medidas de acompanhamento requeridas no âmbito da administração de bens, requerendo, ainda, a aplicação de outras mediadas que adiciona ex novo na Conclusão 41, abrangendo a celebração de contratos, a fixação de domicílio, a interação com entidades públicas administrativas e entidades bancárias, bem como aconselhamento e supervisão na área da saúde.
Mais aduz que a sentença recorrida devia ter reconhecido a necessidade de acompanhamento quando esta se torna «necessário ao exercício de um direito, ainda que seja para obtenção de um subsídio ou vantagem concedida pela autoridade tributária, só concedida a cidadãos com deficiência integrados em determinado agregado familiar» (Conclusão 38).
Na sentença recorrida, após se fazer o enquadramento jurídico do regime legal do maior acompanhado, mormente dos princípios que o regem e da finalidade visada com o mesmo, considerou-se que, em face dos factos provados, apesar da doença que a acomete, «(…) resulta à evidência que a Beneficiária não se mostra carecida da aplicação de qualquer medida de acompanhamento nos termos requeridos [nem de qualquer outra]».
Na concretização dessa conclusão, a sentença recorrida levou em conta que referida doença e a incapacidade que lhe foi fixada «(…) não assume uma tal gravidade que a incapacite de governar a sua pessoa e bens, posto que apresenta autonomia desde logo para cuidar não só da sua pessoa, na vertente da área pessoal [realiza a sua higiene, confeciona as suas refeições]; como na área da saúde [vai a consultas médicas e procede à toma da medicação sem qualquer apoio ou descuido, inexistindo qualquer relato demostrativo de que descure a frequência das consultas que lhe são agendadas]; e também na área patrimonial [procede ao levantamento de forma autónoma e pessoal da quantia mensal que aufere, dando-lhe o destino que entende, assim como realiza compras e faz os respectivos pagamentos].»
E em relação à gestão do património, a sentença teve em conta que o facto da Beneficiária «(…) não fazer uso do cartão multibanco para realizar compras ou não fazer movimentos na conta bancária [porque ainda não está habituada], não é sinónimo de incapacidade de gestão do património.
Realçando, ainda, que «(…) a forma como gere o seu património, apresenta-se cuidada, ponderada, podendo mesmo afirmar-se que tem hábitos de poupança, guardando os seus proventos, limitando-se a gastar apenas o necessário para assegurar as suas necessidades básicas [ponto 35].
De resto, o seu património resume-se à pensão que aufere, em montante frugal [ponto 34], um órgão e a pequenos bens que detém no seu quarto – ponto 35 da factualidade provada- tudo resumido a “pequenas quantias”, diremos nós, e quanto a estas, concluiu o relatório pericial [na sua página 7], a Beneficiária apresenta capacidade para gerir.»
Acrescentando:
«Não olvidamos que a Beneficiária apresenta gostos simples e sem ambições, desde logo, não exerce qualquer actividade profissional, nem parece almejar fazê-lo; não apresenta um vasto leque de relacionamentos interpessoais, nem aparenta interessar-se por isso. Mas essa atitude perante a vida não se nos oferece merecedora de censura jurídica [o que poderia assim ser entendido se essa postura fosse reconduzível a aplicação de uma qualquer medida de acompanhamento].
Acresce que a Beneficiária apresenta discurso escorreito, estruturado e até empático, diga-se; raciocínio lógico, assim como realiza cálculos mentais de forma correcta, reconhecendo o dinheiro e o seu valor intrínseco. »
Donde concluiu:
«Do exposto, e frisando, resulta à saciedade que a Beneficiária não obstante o diagnóstico de psicose, mas estabilizada do ponto de vista psicopatológico com a terapêutica psicofarmacológica prescrita, apresenta-se perfeitamente funcional e autónoma para todas as activiades da vida diária.
E se apresenta alguma limitação, é inegável, como seja a nível relacional ou de mobilidade- sobretudo porque tendo carta de condução não conduz, dependendo maioritariamente do pai para efectuar deslocações-, não é passível daí se poder retirar a necessidade de aplicação de uma qualquer medida de acompanhamento, pois que o apoio familiar se tem mostrado apto a suprir essa necessidade de forma completa.
Ainda no tange ao facto de a Beneficiária não manter relação social muito alargada, não permite concluir que a sua vivencia é alheada da realidade; inversamente, tem dela conhecimento [domina a actualidade nacional e internacional- cfr. ponto 29 da factualidade provada], mas opta por dedicar-se à leitura, passatempo que lhe oferece maior satisfação.
Não podemos, neste ponto, deixar de atentar ao contexto social em que a Beneficiária está inserida: meio mais rural em que lhe é permitido seguir com uma vivencia simples, com a interajuda dos familiares com quem reside, os pais, que cooperam e a assistem numa ou outra dificuldade que se lhe apresenta [designadamente e sobretudo, na mobilidade para efetuar algumas deslocações]; estando, inclusive, já familiarmente decidido que, em caso de qualquer ocorrência futura com os pais, passará a residir com um dos irmãos [ponto 32 dos factos provados], demonstração séria de que os deveres de cooperação familiares estão em completo funcionamento.
Dito isto, no rigor e em consciência, não podemos afirmar que o quadro clínico que a Beneficiária presenta seja impeditivo do exercício pleno, pessoal e conscientemente dos seus direitos e do cumprimento dos seus deveres com o mínimo de constância; pois que a mesma realiza de forma autónoma todos os actos da vida diária.
Refira-se ainda que não obstante a medida Beneficiária, o julgador não está vinculado à mesma e deverá aplicar aquela que mais se adeque ao grau de incapacidade ou à gravidade das deficiências (artigo 145.º, n.º 2 do Código Civil).
E nesta senda, é de trazer à liça que o relatório pericial aflora a restrição de direitos pessoais, [diga-se, com rigor, medidas que sequer foram Beneficiárias pelo Ministério Públio] como seja o casar, constituir união de facto, perfilhar, adoptar.
Mas, concluímos igualmente pela desnecessidade de aplicação de qualquer medida nessas áreas.
Há que fazer notar que apenas em casos excepcionais, e tendo sempre em vista o superior interesse do acompanhado, podem tais direitos ser coartados (…) A lei estabelece quanto aos mesmos um princípio de liberdade (…).
Uma vez mais se reitera que não pode ser descurado o fim último deste regime, que é o de debelar /aplicar medidas concretas que se façam sentir ao caso concreto. Da factualidade provada não ressalta qualquer necessidade de acautelar situações como o casamento, a perfilhação, adpopção, ou o direito a testar, nomeadamente, quando a Beneficiária por um lado, não apresenta limitações de molde profundas que a impeçam de vir fruir desses direitos, e por outro, sequer evidencia qualquer predilecção em singrar por essa via.
Em conclusão: não vislumbramos qualquer medida que possa ser aplicada à Beneficiária, posto que, trazendo à liça o que supra se disse quanto aos princípios norteadores do regime do maior acompanhado, a medida de acompanhamento é subsidiária perante deveres gerais de cooperação e assistência (nomeadamente, de âmbito familiar), e estes tem sido, in casu, suficientes para acautelar as necessidades da Beneficiária, razão bastante para improceder, in tottum, a presente acção.»
Em relação ao facto da medida de acompanhamento visar (ou também visar) a integração da Beneficiária no agregado familiar dos pais em ordem a obterem benefícios de ordem tributária, escreveu-se na sentença recorrida:
«Uma última nota se deixe: a motivação para recorrer ao processo de maior acompanhando – como forma de ultrapassar obstáculos de ordem puramente burocrática junto da autoridade tributária e aduaneira sem qualquer correlação com a necessidade de aplicação de medidas de acompanhamento - não pode sobrelevar para a procedência de uma acção desta natureza; a atender-se a uma tal motivação, estaria aberta a porta para que o Tribunal – ou seja, o processo de acompanhamento de maior- fosse utilizado por todo e qualquer cidadão só para conseguir ultrapassar óbices burocráticos com que se depare, e isso mesmo quando desnecessária a aplicação de medidas de acompanhamento, o que não é de todo em todo compatível com o figurino normativo do presente processo.»

Alinhados os fundamentos da discordância do decidido e as razões da improcedência do pedido, importa aferir se assiste razão ao recorrente.
Para efeitos dessa análise, cumpre referir, em termos sintéticos, que o regime do maior acompanhado encontra-se previsto nos artigos 138.º a 156.º do CC, na redação dada pela Lei n.º 49/2018 de 14-09, e que veio a acolher no ordenamento interno os compromissos decorrentes da Convenção das Nações Unidas de 30 de Março de 2007 sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência[1].
Como prescreve o artigo 138.º do CC, os maiores com incapacidade para o exercício de direitos e cumprimentos de deveres, por razões de saúde, deficiência, ou pleno seu comportamento com deficiência física ou mental, beneficiam de medidas de acompanhamento.
Por sua vez, o artigo 140.º do CC, estipula sobre os objetivos e supletividade do regime, prescrevendo:
«1 - O acompanhamento do maior visa assegurar o seu bem-estar, a sua recuperação, o pleno exercício de todos os seus direitos e o cumprimento dos seus deveres, salvo as excepções legais ou determinadas por sentença.
2- A medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.»
É consensual que o atual regime do maior acompanhado introduziu uma alteração de paradigma no acompanhamento de maiores com incapacidade, revogando os anteriores regimes da interdição e da inabilitação, porquanto na lei atual o legislador parte do princípio que essas pessoas têm capacidade de exercício dos seus direitos e deveres, embora necessitem de terem assistência e apoio, que se vai traduzir-se nas medidas adequadas a caso concreto e absolutamente necessárias para o desiderato previsto no n.º 1 do artigo 140.º do CC.
Daí que o artigo 145.º do CC, ao determinar o âmbito e contudo do acompanhamento, determine que as medidas se limitam ao necessário, devem ser aplicadas em função de cada caso e sempre sob decretamento judicial.
Como refere o Prof. PINTO MONTEIRO: «(…) a Lei 49/2018 (…) acolheu a mudança de paradigma já há muito anunciada, afastando-se do modelo de tomada de decisões por substituição e abraçando o modelo do acompanhamento, pela tomada de decisões com recurso à assistência e apoio. (…) Mas fê-lo com realismo, permitindo o recurso à representação legal quando, excepcionalmente, não houver alternativa credível, no interesse do necessitado e por decisão judicial.»
Para além do supra referido critério da necessidade, também o legislador consagrou o princípio da subsidiariedade no decretamento das medidas de acompanhamento ao prescrever no artigo 140.º, n.º 2, do CC: «A medida não tem lugar sempre que o seu objetivo se mostre garantido através dos deveres gerais de cooperação e de assistência que no caso caibam.»
Sintetizando os requisitos de aplicação das medidas de acompanhamento de maior, refere o Prof. TEIXEIRA DE SOUSA[2]:
«A medida de acompanhamento de maior só é decretada se estiverem preenchidas duas condições:
- Uma condição positiva (orientada por um princípio de necessidade: tem de haver justificação para decretar o acompanhamento do maior e, designadamente, uma das medidas enumeradas no artº 145.º, n.º 2, CC; isto significa que, na dúvida, não é decretada nenhuma medida de acompanhamento;
- Uma condição negativa (norteada pelo princípio da subsidiariedade): dado que a medida de acompanhamento é subsidiária perante os deveres gerais de cooperação e assistência (nomeadamente, no âmbito familiar) (art-º 140.º, n.º 2, CC) o tribunal não deve decretar aquela medida se estes deveres forem suficientes para cautelar as necessidades do maior.»

Decorre, assim, do que vem sendo dito, que o regime do maior acompanhado afastou a rigidez da regra da incapacidade de exercício prevista para os anteriores regimes da interdição e da inabilitação, que tinha como pressuposto a incapacidade e/ou a supressão ou limitação severa da capacidade de exercício de forma previamente definida por lei, substituindo-a pela regra da capacidade e pela figura maleável do maior acompanhado, com um conteúdo que deve ser preenchido casuisticamente pelo juiz em função da situação efetiva e das capacidades e possibilidades da pessoa em concreto, aplicando-se-lhe as medidas que constituem meios necessários para a efetivação dessa capacidade.
Tendo sempre presente a primazia da autonomia do Beneficiário, a necessidade das medidas e a subsidiariedade de quaisquer limitações judiciais à sua capacidade. [3]
Sendo as medidas sujeitas a revisão periódica (artigo 155.º do CC).
Na aplicação de qualquer medida de acompanhamento, como se refere no Acórdão desta Relação de Évora, de 22-03-2024[4], deve o julgador ter em mente o seguinte:
«3 – A matéria das restrições judiciais dos direitos do acompanhado é de natureza estritamente casuística, sujeita aos princípios da necessidade, proporcionalidade e flexibilidade de acordo com o critério da imprescindibilidade individual e da vontade esclarecida do beneficiário.
«4. A aplicação de qualquer medida de acompanhamento tem que ser fundamentada, devendo o Tribunal averiguar e apurar se a sua imposição é necessária, adequada e proporcional, e se se justifica, em face do concreto estado de saúde, deficiência e/ou comportamental que o maior apresenta e em face do cumprimento dos deveres gerais de cooperação e de assistência que, no caso concreto, caibam por parte dos seus familiares.
5 – Tanto no domínio dos direitos pessoais como na dimensão patrimonial dos negócios da vida corrente, as intervenções no âmbito do regime do maior acompanhado devem garantir o poder de autodeterminação e salvaguardar a vontade do beneficiário, quando que tal se mostre possível e sempre que este seja detentor um discernimento esclarecido, estando todas as actuações que visam a resolução de determinado problema limitadas pelos princípios da necessidade, proporcionalidade e suficiência, sendo que estas medidas surgem, ainda assim, como subsidiárias dos deveres gerais de cooperação e apoio de natureza familiar ou assistencial.
6 – Em sede de procedimento de jurisdição voluntária, o julgador pode fazer uso das «regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, de molde a descobrir e adoptar a solução mais conveniente para os interesses em causa.»
Sendo ainda de sublinhar, como decidido no Acórdão desta Relação de Évora, de 30-06-2022[5], que deve ser considerada a pessoa em si mesma e as suas circunstâncias, ponderadas à luz das regras da experiência e do bom senso prático:
«5- Importa assim considerar que, neste regime, apenas se pondera o superior interesse do/a beneficiário/a, estritamente ligado à sua concreta pessoa e circunstâncias.
6- E nessa ponderação, pode e deve o Tribunal considerar regras de bom senso prático.»

No caso em apreço, o Requerente intentou a presente ação para que fosse aplicada à Beneficiária as medidas de representação especial e de administração total de bens, com exceção dos atos práticos da vida corrente, mas com gestão supervisionada de pequenos gastos diários, tendo acrescentado no recurso que também devem ser aplicadas medidas de acompanhamento nas questões de saúde e na interação da Beneficiária com entidades publicas administrativas e agências bancárias, com proibição de celebração de contratos e de fixação de domicílio sem autorização do acompanhante.
O juízo valorativo sobre a necessidade da aplicação das medidas e a sua subsidiariedade não se podem abstrair do facto da Beneficiária padecer de uma doença psiquiátrica que lhe causa uma incapacidade e 60%, que foi fixada levando em conta o grau IV dessa incapacidade (entre I a V), o qual prevê um intervalo de 26% a 60%, tendo-lhe sido fixado a maior percentagem desse grau IV, e que se traduz como consta da TNI, num quadro de «Perturbações funcionais importantes com acentuada modificação dos padrões de actividade diária».
O que significa que, na ponderação em curso, temos de ter em conta essa realidade e, dentro desse quadro, ponderar se, ainda assim, carece de medidas de acompanhamento nos termos preconizados pelo Requerente.
Como decorre dos factos provados, apesar da doença que a acomete e da incapacidade que lhe foi fixada, a Beneficiária consegue realizar tarefas do dia-a-dia e até revela bastante autonomia na sua realização.
Todavia, não se pode olvidar que tal se deve à medicação e acompanhamento psiquiátrico da doença, encontrando-se estabilizada por essa razão, o que significa que esta situação pode mudar ou agravar-se, nunca melhorar, porquanto a doença tem natureza crónica e progressiva e o seu controle depende da toma de medicação.
Como se refere no Relatório da Perícia Médico-Legal da especialidade de Psicologia junto aos autos se faltarem os meios de apoio «que assegurem a subsistência da beneficiária e todos os tratamentos prescritos na consulta de Psiquiatria», surgirão as «descompensações psicóticas agudas e alterações de comportamento que comprometem o acompanhamento ou a convivência social.»
Por outro lado, também não se pode deixar de ponderar que a referida autonomia decorre de um suporte e assistência que lhe é dado pelos pais, incentivando-a a realizar tarefas por si própria dentro das suas capacidades e num âmbito bastante restrito de atividades.
Enquanto esse quadro se mantiver, ou seja, enquanto os pais lhe puderem proporcionar a ajuda e apoio que lhe têm dispensado, poder-se-á dizer que as medidas de acompanhamento requeridas não são necessárias por a incapacidade da Beneficiária se encontrar suprida pelos referidos deveres gerais de cooperação e de assistência, não se verificando quer a condição positiva, quer a negativa supra referidas.
Esse foi o raciocínio seguido na sentença, que respeitamos, mas não podemos subscrever, essencialmente pelas seguintes razões:
A aparente desnecessidade de medidas de acompanhamento para a Beneficiária reger autonomamente a sua pessoa e bens decorre do caráter básico das tarefas (limpeza da casa, confeção de refeições, compras pessoais de pequena monta ou idas ao supermercado para adquirir produtos para a confeção das refeições) ou do seu caráter rotineiro e programado (ida às consultas de psiquiatria). Todas as demais que não tenham essas caraterísticas, a Beneficiária não as realiza, ainda que dê explicações para não o fazer (como é o caso da utilização do cartão bancário), ou seja, até poderá conseguir realizá-las mas precisa de ser orientada nesse sentido, apreendendo a fazê-lo para depois as poder fazer de forma rotineira.
Sendo que não tem capacidade para fazer coisas diferentes e novas pela sua iniciativa. O que significa que precisa de ser acompanhada para as poder vir a realizar.
O pai da Beneficiária explicou muito bem a situação quando disse que a filha tinha de aprender a fazer as coisas, tinha de lhe ensinar porque por ela sozinha não tomava a iniciativa de as realizar, nem tinha capacidade para tomar a decisão de as fazer.
O apoio dos pais tem sido essencial para minorar ou suprir essas dificuldades criando uma espécie de «bolha» onde a mesma diz que é feliz, embora não negue que ficava mais «confortável» se forem decretadas as medidas de acompanhamento. Ou seja, manifestou a sua vontade nesse sentido.
A idade avançada dos pais, sobretudo do pai, com 82 anos (à data do julgamento) evidencia que essa interajuda pode alterar-se ou até desaparecer, ficando a Beneficiária desprotegida até, eventualmente, ser instaurado e decidido novo processo com a finalidade do presente. É certo que um dos irmãos estará disponível para acolher a irmã, de acordo com o que ficou provado. Mas, se é de louvar a antecipação da assunção do compromisso, também há que levar em conta que as circunstâncias da vida mudam, podendo esse compromisso não ser suficiente para acautelar o interesse da Beneficiária.
Tudo visto e analisado, entende-se que, no caso, ponderados os factos provados à luz das regras da experiência e do bom senso, considerando que as medidas são decretadas a favor e no superior interesse da Beneficiária, que revelou interesse no seu decretamento e deu a sua autorização (artigo 141.º, do CC), entende-se que as mesmas se revelam necessárias e que a forma como tem vindo a ser suprida a incapacidade da Beneficiária não elimina o facto de ser uma pessoa que sofre de uma incapacidade grave com limitações na capacidade para reger de forma plena a sua pessoa e bens, carecendo de proteção jurídica que lhe advirá da procedência desta ação.
Afigura-se, assim, que em face das limitações da Beneficiária para reger a sua pessoa e bens de forma plena, é adequada a medida de representação especial, a proibição de realização de determinados atos e o aconselhamento e supervisão para outros (artigos 145.º, n.º 1, 2, alínea b), a e), do CC).
Atenta a natureza destes autos (processo de jurisdição voluntária) as medidas de acompanhamento devem ser adaptadas à situação verificada. Ou seja, nada impede que, nos termos dos artigos 986.º, n.º 2, e 987.º, do CPC, se leve em conta o aditamento de medidas preconizado pelo recorrente em sede de recurso, sem que tenha havido oposição da Beneficiária, cujo defensor oficioso não apresentou resposta ao recurso.
Sublinhando-se que na ponderação da concreta situação apresentada nos autos, se afastam dos fundamentos do decretamento das medidas de acompanhamento a alegada obtenção de vantagens fiscais (não concretamente apuradas), pois o que releva para a decisão é apenas o superior interesse da Beneficiária estritamente ligado à sua pessoa e circunstâncias de vida em que se encontra e não os eventuais benefícios que daí advenham para o agregado familiar onde se encontra inserida. Sem prejuízo, de se considerar que é um direito que assiste à Beneficiária ser-lhe reconhecido o estatuto de maior acompanhado com todas as legais consequências que daí advenham, mormente a de integrar o agregado familiar dos pais.
Referindo-se, ainda, que se justifica decretar medidas de aconselhamento e supervisão no que concerne aos aspetos de saúde dada a essencialidade das consultas de Psiquiatria e toma da medicação prescrita para se manter um quadro de compensação, como acima referido.
A designação do acompanhante segue o disposto no artigo 143.º, n.º 1, do CC levando em conta a escolha da acompanhada, sendo nomeado para esse efeito o pai da mesma que, não obstante a idade avançada, é pessoa que se encontra em melhores condições para o exercício do cargo em benefício da filha por ser o seu principal cuidador (artigo 143.º, n.ºs 1 e 2, alínea c), e 146.º, todos do CC).
A constituição do conselho de família segue o regime da tutela (artigo 145.º, n.º 4, e artigos 1951.º a 1960.º do CC), justificando-se a sua constituição atenta a idade do acompanhante, sendo designados como vogais os dois irmãos da Beneficiária residentes em Portugal, presidindo o Ministério Público (artigo 1951.º e 1952.º, do CC).
A data da incapacidade fixa-se desde os 30 anos de idade da acompanhada, altura em que se começou a verificar o quadro de incapacidade permanente da Beneficiária.
Nestes termos, procede a apelação.

V- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, decretando-se que AA fica sujeita às medidas de acompanhamento infra referidas, nomeando-se como acompanhante seu pai, BB:
a)- Representação especial, com administração total de bens, mantendo a prática de atos da vida corrente, com gestão supervisionada pelo acompanhante de pequenas quantias monetárias destinadas a pequenos gastos pessoais diários, que não devem exceder um sexto do subsídio social que recebe;
b)- Representação especial perante entidades públicas e administrativas, bem como perante instituições bancárias;
c) – Proibição para celebrar contratos e fixar domicílio sem autorização do acompanhante;
d)- Aconselhamento e supervisão em matéria de cuidados de saúde.

Fixa-se a idade de 30 anos da Beneficiária como a data em que começou a verificar-se o quadro de incapacidade permanente.

Nomeia-se para compor o conselho de família, os irmãos da beneficiária com residência em Portugal: CC, residente em Urb. .... 195, ... ... e BB, residente na Rua ..., ... ..., ..., sendo o conselho de família presidido pelo Ministério Público como é de lei.

As medidas de acompanhamento decretadas devem ser revistas no prazo de 03 (três) anos.

Sem tributação, atento o disposto no artigo 4.º, n.º 2, alínea h), do RPC.

Dê-se publicidade da decisão final através de anúncios em sítio oficial, nos termos do artigo 893.º, n.º 2, do CPC.

Após trânsito em julgado, cumpra-se o disposto no artigo 78.º do Código do Registo Civil, para efeitos da inscrição ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do artigo 1.º do referido diploma, com referência ao artigo 894.º do CPC.

Évora, 09-05-2024
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Maria João Sousa e Faro (1.ª Adjunta)
Ana Pessoa (2.ª Adjunta)
_________________________________________________
[1] Adotada em Nova Iorque e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n° 56/2009, de 07-05, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 71/2009, de 30-06, tendo o Protocolo Adicional, adotado pelas Nações Unidas em 30-03-2007 também sido aprovado pela Resolução da AR nº 57/2009 e ratificado pelo Decreto do Presidente da República nº 72/2009, de 30-07.
[2] “O Regime do Acompanhamento de Maiores: Alguns Aspectos Processuais”, p. 51, in Cadernos do CEJ, O Novo Regime Jurídico do maior Acompanhado, fevereiro 2019, consultável em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=_nsidISl_rE%3d&portalid=30
[3] Cfr. MAFALDA MIRANDA BARBOSA, “Fundamento, Conteúdo e Consequências do Acompanhamento de Maiores”, pp. 63-64, in Cadernos do CEJ, O Novo Regime Jurídico do maior Acompanhado, fevereiro 2019, consultável em https://cej.justica.gov.pt/LinkClick.aspx?fileticket=_nsidISl_rE%3d&portalid=30
[4] Proc. n.º 766/23.0T8BJA.E1, em www.dgsi.pt
[5] Proc. n.º 3192/21.1T8STR.E1, em www.dgis.pt