Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
Descritores: | MOTORISTA APRESENTAÇÃO DE PROVA TEMPO DE TRABALHO CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL | ||
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Data do Acordão: | 06/27/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1. As disposições conjugadas do art. 36.º n.º 1 do Regulamento (UE) n.º 165/2014, e do art. 25.º n.º 1 al. b) da Lei 27/2010, pretendem essencialmente assegurar a imediata apresentação aos agentes de controlo das folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores. 2. Não sendo apresentadas todas ou algumas dessas folhas de registo, o condutor deve apresentar aos agentes de controlo, no próprio acto de fiscalização, o documento comprovativo que justifique a ausência de tais folhas em relação aos dias em falta. 3. O que está em causa é a eficácia do acto de fiscalização, que pode ser completamente inutilizado se for permitida à entidade patronal colmatar, a posteriori, a falta de apresentação das folhas de registo, através de apresentação de outros documentos. 4. É inadmissível a posterior apresentação de uma “Declaração de Actividade”, prevista na Decisão da Comissão n.º 2009/959/EU, de 14 de Dezembro, pois a mesma deve estar preenchida e assinada “antes de cada viagem” e ser conservada “juntamente com os registos originais do aparelho de controlo”, precisamente para permitir a sua verificação pelos agentes de controlo no próprio acto de fiscalização. 5. A empregadora, no exercício do seu poder de organização do trabalho, deve garantir o cumprimento da obrigação de apresentação, no acto de fiscalização, das folhas de registo ou dos documentos justificativos da ausência das mesmas. (sumário do relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo do Trabalho de Évora, F... & C.ª, Lda. deduziu impugnação judicial da decisão da Autoridade Para as Condições do Trabalho que a condenou na coima de € 2.958,00, pela prática de uma contra-ordenação muito grave, por violação do art. 25.º n.º 1 al. b) da Lei 27/2010, de 30 de Agosto (não apresentação ao agente de controlo das folhas de registo de tacógrafo do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores). A sentença decidiu pela improcedência total da impugnação deduzida, pelo que a arguida recorre e conclui: 1. A douta sentença que por via deste recurso se impugna manteve a decisão proferida pelo Centro Local do Alentejo da Autoridade para as Condições do Trabalho, condenando a Recorrente ao pagamento de uma coima no montante de € 2.958,00. 2. A Recorrente não pode conformar-se com tal decisão, porquanto considera que a mesma padece de um erro notório da análise da prova apresentada, devendo, nessa medida, a matéria de facto assente ser revista, ao abrigo do disposto no art. 410.º, n.º 2, c) do CPP (aplicável ex vi do art. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, em conjugação com o art. 41.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro). 3. A alegada contra-ordenação subjacente aos autos não contende com a falta de apresentação da declaração de actividades, mas tão só com a suposta ausência de registo de actividade do motorista J..., no período compreendido entre os dias 11 e 22 de Outubro de 2017. 4. Nessa medida, o facto de a Recorrente reconhecer que, no momento da fiscalização a que foi sujeito, o motorista em apreço não se fazia acompanhar da declaração de actividades – pois que dela se havia esquecido nas instalações da empresa – não equivale à assunção de responsabilidade pela prática de qualquer contra-ordenação. 5. Seja como for, a sentença em crise não deveria ter poderia ter dado como não provado que “em data anterior a 08.11.2017 a recorrente emitiu uma declaração de actividade respeitante aos dias 11.10.2017 a 22.11.2017”. 6. Isto porque, uma vez que a Recorrente juntou aos presentes autos a declaração de actividades que havia sido oportunamente emitida (cfr. doc. n.º 02 junto), não se compreende por que motivo, aquando da valoração desse documento, o Tribunal considerou, por um lado, que estava provada a existência da declaração de actividades mas, por outro, que não ficou provado que essa mesma declaração, cuja data de emissão está nela aposta, tenha sido elaborada em dia anterior a 08 de Novembro de 2017. 7. Não obstante a manifesta falta de fundamentação relativamente a esse aspecto (cfr. art. 374.º, n.º 2 CPP, aplicável ex vi dos arts. 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro e 41.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro), sempre se dirá que a adopção, sem mais, de um critério dualista na apreciação do mesmo documento configura inequivocamente um erro notório na valoração daquele meio de prova, 8. Porquanto, salvo melhor entendimento, a não ser que se estribasse numa razão plausível e/ou inteligível para não atribuir a mesma força probatória aos diferentes elementos constantes daquela declaração, jamais o Tribunal a quo poderia ter dado como provado a existência/validade da declaração de actividades e como não provado que o mesmo documento tenha sido emitida na data nele aposta. 9. Independentemente disso, no que respeita à ausência de registo de condução entre os dias 11 e 22 de Outubro de 2017, dir-se-á que o único motivo para essa ausência contende com o facto de, nos dias em apreço, o motorista se encontrar a gozar o seu descanso semanal, 10. Sendo, porém, certo que ainda assim foi feito o registo de actividade correspondente a esse repouso. 11. Para o efeito, lançando mão do mecanismo previsto no art. 34.º, n.º 3, b) da Posição (UE) n.º 13/2013, do Conselho em Primeiro Leitura, tendo em vista a adopção do regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários, que revoga o Regulamento (CEE) n.º 3821/85 do Conselho relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários e que altera o Regulamento (CE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, o motorista J... efectuou uma introdução manual (mecanismo de “entrada adicional”) no tacógrafo logo que regressou ao trabalho, registando como tempo de repouso o período compreendido entre os dias 11 e 22 de Outubro de 2017. 12. E fê-lo no dia 23 de Outubro de 2017, assim que regressou ao serviço após o gozo da pausa semanal, já que essa introdução manual apenas pode ser exercida no momento em que é retomada a actividade, sendo o próprio aparelho que questiona o condutor acerca da actividade que realizou nos dias imediatamente anteriores, em que não havia sido inserido qualquer registo. 13. Equivale isto a dizer que a data de introdução dos dados que fica a constar do registo tacográfico não pode ser adulterada e/ou aposta retroactivamente, dado que o tacógrafo apenas permite a efectivação da introdução manual logo no momento em que o condutor volta a introduzir o seu cartão no aparelho, 14. O que, no presente caso, veio a suceder no dia 23 de Outubro de 2017. 15. Posto isto, uma vez que a Recorrente apresentou oportunamente o registo tacográfico referente à actividade do motorista J..., do qual consta expressa e inequivocamente o cômputo (através daquele mecanismo de “entrada adicional” e/ou introdução manual) do período compreendido entre o dia 11 e o dia 22 de Outubro de 2017 como tempo de repouso, 16. Não se compreende nem se alcança por que motivo o Tribunal a quo se permite dar como não provado que o condutor tenha procedido a esse registo em data anterior a 08 de Novembro de 2017. 17. Aliás, a este propósito urge destacar que nem sequer se mostra possível averiguar se a suposta ausência de registo de actividade que o agente autuante diz ter verificado se ficou a dever a alguma discrepância entre o sistema de controlo electrónico por ele utilizado face àquele que é usado pela Recorrente - o que, por vezes, sucede -, já que ele nem sequer teve o cuidado de instruir o auto de notícia com o talão de registo de actividade referente à fiscalização a que procedeu. 18. E se o art. 13.º, n.º 3 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro estatui que “consideram-se provados os factos materiais constantes do auto de notícia levantado nos termos do número anterior”, o certo é que também ressalva que apenas assim o é “enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa”. 19. Neste cenário, posto que a Recorrente apresentou prova documental (registo tacográfico) de onde consta expressa e inequivocamente que o motorista procedeu à introdução manual no tacógrafo da sua actividade (repouso) em relação àqueles dias, é notório que, no mínimo, a veracidade do conteúdo do auto de notícia em crise foi fundadamente posta em causa. 20. Por esse motivo, salvo o devido respeito, a Recorrente não pode conformar-se com a posição sufragada pelo Tribunal a quo quanto à fixação da matéria de facto, especialmente quando ademais de o auto de notícia não ter sido instruído com qualquer suporte documental, a sentença nem sequer procedeu a uma análise crítica da prova oportunamente apresentada pela Recorrente. 21. Face ao exposto, é firme convicção da Recorrente, uma vez mais ressalvado o devido respeito, que o Tribunal a quo incorreu num erro notório na apreciação da prova, devendo, por isso, a fixação da matéria de facto ser alterada, 22. Por forma a que seja dado como assente não apenas que a declaração de actividades havia sido emitida em 22 de Outubro de 2017, mas ainda que logo que regressou ao trabalho (antes de 08 de Novembro de 2017) o motorista efectuou a introdução manual do tempo de repouso semanal que gozou entre os dias 11 e 22 de Outubro de 2017. 23. Consequentemente, deverá ser reconhecida a inexistência de qualquer prática de infracção, bem como de fundamento para a condenação da Recorrente ao pagamento de uma coima, devendo a mesma ser absolvida da acusação que lhe foi feita. 24. Sem prescindir, ainda que se admitisse que a conduta do motorista comportou uma violação das normas em causa - o que não se concebe nem se concede e apenas por mero dever de patrocínio se equaciona -, o certo é que a Recorrente sempre diligenciou no sentido de garantir que estes erros e/ou lapsos sejam evitados, fornecendo para o efeito a competente formação a todos os motoristas que se encontram ao seu serviço. 25. A corroborar o que vem de dizer-se, veja-se o registo de presenças na acção de formação ministrada a 24.09.2012, do qual consta o motorista João Marrafa, cujo sumário se reporta a “Aparelhos de controlo de tempos de condução e repouso – tacógrafo analógico e digital; tempos de condução e repouso; livrete individual de controlo; condução defensiva e económica; regras de manutenção básica das viaturas” (cfr. doc. junto em sede administrativa sob o n.º 03). 26. Paralelamente, a Recorrente não descura a sua qualidade de fiscalizadora e garante da implementação das normas em causa, mantendo um registo actualizado de quaisquer situações que possam comprometer o seu integral cumprimento e/ou colocar em risco a segurança dos seus colaboradores e terceiros. 27. Ou seja, tendo a Recorrente criado as condições necessárias e lançado mão de todas as medidas ao seu alcance para a promoção e incentivo ao estrito cumprimento das normas em apreço pelos seus colaboradores, não lhe será obviamente exigível que controle, a todo o momento, a actividade de todos os seus motoristas, sobretudo quando estes se encontram no decurso dos trajectos, fora das suas instalações. 28. De resto, é a própria Lei que, nessas circunstâncias, afasta a sua responsabilização quando estipula que “a responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março” – vide art. 13º, nº 2 da Lei nº 27/2010, de 30 de Agosto. 29. Assim sendo, também por este motivo não subsistirão dúvidas quanto à total falta de fundamento da acusação dirigida à Recorrente, devendo, por isso, ser a mesma absolvida, com as demais consequências legais. Na resposta sustenta-se a manutenção do decidido. Já nesta Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu parecer. Corridos os vistos, cumpre-nos decidir. A primeira instância estabeleceu como provada a seguinte matéria de facto: 1. A recorrente dedica-se à actividade de serviços de transportes rodoviários de mercadorias (CAE 49410). 2. No dia 08.11.2017, na Estrada Nacional n.º 4, em Vendas Novas, área da comarca de Évora, J... conduzia, por conta da recorrente e na qualidade de motorista de pesados, o veículo pesado de mercadorias com a matrícula 59-LP-62, sem que se fizesse acompanhar da totalidade das folhas de registo referentes aos últimos 28 dias, estando em falta os registos relativos ao período compreendido entre 11.10.2017 e 22.10.2017, e também não se fazia acompanhar de qualquer documento justificativo. 3. A recorrente sabia que qualquer condutor quando se encontra a conduzir veículos pesados sujeitos à utilização de tacógrafo tem de se fazer acompanhar de todos os registos efectuados em tacógrafo relativos ao período dos últimos 28 dias anteriores à acção de fiscalização ou da declaração de actividade justificativa da falta de registo mas, apesar de ter tal conhecimento, não adoptou as diligências necessárias para evitar o que se descreve em 2. 4. A recorrente tem antecedentes contra-ordenacionais. 5. No período compreendido entre 09.10.2017 e 22.10.2017, J... não conduziu qualquer veículo abrangido pelo âmbito de aplicação do Regulamento (CE) n.º 56112006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março ou pelo AETR. 6. J... frequentou, em 24.09.2012 o curso de formação “Tacógrafos/Condução Defensiva Económica”, com a duração de 8 horas. Aplicando o Direito Face ao art. 51.º n.º 1 da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, ressalvando-se a apreciação de questões de natureza oficiosa, e certo é que não se vislumbra na decisão recorrida qualquer insuficiência ou contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, ou, sequer, erro notório na apreciação da prova, que imponha o uso dos poderes consignados no art. 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal. Com efeito, ao contrário do que afirma a arguida, a sentença recorrida não declarou provada a existência da “declaração de actividade”, e não provado que tal documento tenha sido emitido na data nele aposta. Para além de tais factos não serem contraditórios entre si, o certo é que a sentença recorrida se limita a declarar não provado que “em data anterior a 08.11.2017 a recorrente emitiu uma declaração de actividade respeitante aos dias 11.10.2017 a 22.10.2017”, e ainda que “o motorista não se fazia acompanhar da mesma porque se esqueceu de a levantar nas instalações da empresa”, ou ainda que “para colmatar tal omissão, o motorista accionou, antes de 08.11.2017, o mecanismo de entrada adicional no aparelho tacográfico, registando o tempo de descanso de que gozou nos dias em causa.” Ou seja, a sentença recorrida declara não provado que a declaração de actividade tivesse sido emitida em data anterior a 08.11.2017, e tal não revela qualquer contradição com a matéria provada nem com a fundamentação, ou, sequer, erro notório na apreciação da prova, pelo que nesta parte desatende-se ao recurso. Ponderando, pois, o manancial fáctico apurado pelo tribunal recorrido, a questão que se coloca será saber se basta para o preenchimento do tipo contra-ordenacional a mera falta de apresentação, no momento da fiscalização, das folhas de registo de tacógrafo analógico do dia em curso e as utilizadas pelo condutor nos 28 dias anteriores, ou se a arguida pode realizar prova posterior da falta de condução nos dias com registo em falta. Esta Relação de Évora Neste sentido, vide os Acórdãos desta Relação de Évora de 01.10.2015 (Proc. 77/15.4T8STC.E1), de 20.04.2017 (Proc. 957/16.0T8STR.E1), de 08.11.2017 (Proc. 1523/15.2T8BJA.E1), de 08.03.2018 (Proc. 1278/16.3T8TMR.E2), de 24.05.2018 (Proc. 977/17.7T8PTG.E1), de 15.11.2018 (Proc. 2648/17.5T8STR.E1), e de 17.01.2019 (Proc. 742/16.9T8BJA.E2), todos publicados em www.dgsi.pt. – acompanhada pela Relação de Guimarães Em Acórdãos de 06.10.2016 (Proc. 1550/14.7T8VCT.G1, não publicado), de 20.10.2016 (Proc. 1154/15.7T8BCL.G1), de 19.10.2017 (Proc. 2169/17.6T8VNF.G1), de 16.11.2017 (Proc. 2401/17.6T8VNF.G1) e de 05.04.2018 (Proc. 4016/17.0T8VNF.G1), estes publicados na mesma base de dados. e pela Relação do Porto Em Acórdão de 05.12.2011 (Proc. 68/11.4TTVCT.P1), igualmente na mesma base de dados., e parcialmente pela Relação de Lisboa A favor da posição por nós adoptada, vide o Acórdão de 16.03.2016 (Proc. 196/15.7T8BRR.L1.4). Em sentido oposto, vide os Acórdãos de 14.06.2017 (Proc. 2010/16.7T8.BRR.L1-4) e de 28.06.2017 (Proc. 3793/16.0T8BRR.L1-4), todos publicados em www.dgsi.pt. – tem entendido que a norma legal pretende essencialmente assegurar a imediata apresentação aos agentes de controlo das folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores, devendo a empregadora, no exercício do seu poder de organização do trabalho, garantir o cumprimento da obrigação de apresentação das folhas de registo no momento em que forem solicitadas pela autoridade competente, não afastando a ilicitude do facto a prova apresentada posteriormente no sentido de não condução nos dias com registo em falta. Mantém-se esta orientação jurisprudencial, pois o dever imposto pela norma legal é o da imediata obrigação de apresentação aos agentes do controlo das folhas de registo utilizadas no dia em curso e nos 28 dias anteriores. E não sendo apresentadas todas ou algumas dessas folhas de registo, o condutor deve apresentar aos agentes de controlo, no próprio acto de fiscalização, um documento comprovativo que justifique a ausência de tais folhas de registo em relação aos dias em falta, pois só por esta via, o agente encarregado da fiscalização pode concluir que todas as folhas existentes com referência ao período temporal imposto pela norma, lhe foram apresentadas ou não. No fundo, o que está em causa é a eficácia do acto de fiscalização, que pode ser completamente inutilizado se for permitida à entidade patronal colmatar, a posteriori, a falta de apresentação das folhas de registo, através de apresentação de outros documentos, alguns deles da sua própria autoria e cuja conformidade com a realidade é de difícil ou impossível confirmação. Daí que, por exemplo, seja inadmissível a posterior apresentação de uma “Declaração de Actividade”, prevista na Decisão da Comissão n.º 2009/959/EU, de 14 de Dezembro, tanto mais que, conforme dispõe este diploma, tal declaração deve estar preenchida e assinada “antes de cada viagem” e ser conservada “juntamente com os registos originais do aparelho de controlo”, precisamente para permitir a sua verificação pelos agentes de controlo no próprio acto de fiscalização. Analisando agora o elemento subjectivo do tipo, o art. 13.º n.ºs 1 e 2 da Lei 27/2010, dispõe que a empresa é responsável por qualquer infracção cometida pelo condutor, podendo a sua responsabilidade ser excluída se demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto nos Regulamentos (CE) n.ºs 3821/85 e 561/2006. A propósito da constitucionalidade desta norma, o Tribunal Constitucional escreveu no seu Acórdão n.º 45/2014 o seguinte: «Impendendo sobre a entidade patronal, o dever legal de garantir o cumprimento das regras respeitantes aos tempos de condução, pausas e tempos de repouso e ao controlo da utilização de tacógrafos, na actividade de transporte rodoviário, ela é contra-ordenacionalmente responsabilizável, nos termos previstos no diploma em análise, não apenas nas hipóteses em que, por acção sua, tiver originado directamente o resultado antijurídico, mas ainda no contexto de uma contribuição omissiva, causal ou co-causalmente promotora do resultado típico presumida, quando a infracção é cometida pelo condutor que se encontra ao seu serviço. Competindo-lhe enquanto entidade patronal organizar o transporte rodoviário de modo a que o condutor ao seu serviço cumpra as normas que regulamentam essa actividade, designadamente as regras laborais, não se revela arbitrária, nem injustificada, a presunção de que a inobservância dessas regras por parte do condutor tem a sua causa na deficiente organização daquela actividade, estando nós perante o funcionamento de uma mera presunção relativa a factos. Se uma construção deste tipo pode ser problemática no domínio do direito penal, já em sede de direito de mera ordenação social em que apenas está em jogo a aplicação de coimas, não suscita qualquer reserva, tanto mais que, neste caso, se permite que a entidade patronal afaste a sua responsabilidade contra-ordenacional, demonstrando que organizou o serviço de transporte rodoviário de modo a que o seu condutor pudesse ter cumprido a norma que inobservou, ilidindo assim aquela presunção.” Publicado no respectivo endereço de Internet. É acompanhado pelos Acórdãos do mesmo Tribunal com os n.ºs 144/2014 e 267/2014. Esta jurisprudência é justificada pela diferente natureza do ilícito e da sanção no âmbito criminal e no contra-ordenacional. “No caso dos crimes estamos perante condutas cujos elementos constitutivos, no seu conjunto, suportam imediatamente uma valoração – social, moral, cultural – na qual se contém já a valoração da ilicitude. No caso das contra-ordenações, pelo contrário, não se verifica uma correspondência imediata da conduta a uma valoração mais ampla daquele tipo; pelo que, se, não obstante ser assim, se verifica que o direito valora algumas destas condutas como ilícitas, tal só pode acontecer porque o substrato da valoração jurídica não é aqui constituído apenas pela conduta como tal, antes por esta acrescida de um elemento novo: a proibição legal.” Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2011, pág. 146. Não se trata, pois, “de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa do agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima.” De novo Figueiredo Dias, desta vez em “O movimento da descriminalização e o ilícito de mera ordenação social”, in “Jornadas de Direito Criminal: O Novo Código Penal Português e Legislação Complementar”, I, pág. 331, edição de 1983 do Centro de Estudos Judiciários. Competindo à arguida organizar o trabalho do seu motorista, deveria ter demonstrado que colocou à sua disposição todos os documentos necessários para que as entidades de fiscalização pudessem aferir da observância ou não das normas dos regulamentos, nomeadamente as folhas de registos dos 28 dias anteriores ou os documentos justificativos do não exercício de condução. E essa prova não foi lograda pela arguida, demonstrando-se, pelo contrário, que na data e hora da fiscalização o condutor não era possuidor da totalidade das folhas de registos referentes aos últimos 28 dias de trabalho, nem quaisquer outros registos ou documentos justificativos de tal ausência, e ainda que não organizou o trabalho do condutor para que aquele pudesse cumprir as disposições relativas ao controlo regular dos referidos registos. Tanto basta para se concluir pela não ilisão da presunção de culpa que recai sobre a empresa empregadora, assim se mostrando preenchido o elemento subjectivo do ilícito, sob a forma de negligência por a recorrente não ter agido com o dever de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, pelo que a decisão recorrida é de manter. Decisão Destarte, nega-se provimento ao recurso interposto pela arguida. A taxa de justiça nesta Relação fixa-se em 4 UC. Évora, 27 de Junho de 2019 Mário Branco Coelho (relator) Paula do Paço |